Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1546/09.0PCSNT-A.S1
Nº Convencional: 5ª SECÇÃO
Relator: RODRIGUES DA COSTA
Descritores: HABEAS CORPUS
ACUSAÇÃO
MEDIDAS DE COAÇÃO
NOTIFICAÇÃO
PRAZO DA PRISÃO PREVENTIVA
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 02/18/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: HABEAS CORPUS
Decisão: IMPROCEDÊNCIA/NÃO DECRETAMENTO
Sumário :
I - A petição de habeas corpus, em caso de prisão ilegal, tem os seus fundamentos taxativamente previstos no n.º 2 do art. 222.º do CPP, confrontando-se com situações de violação ostensiva da liberdade das pessoas, quer por incompetência da entidade que
ordenou a prisão, quer por a lei não a permitir com o fundamento invocado ou não tendo sido invocado fundamento algum, quer ainda por estarem excedidos os prazos legais da sua duração, havendo, por isso, urgência na reposição da legalidade.
II - Conforme jurisprudência que tem sido seguida pelo STJ, o que releva para efeitos de cumprimento dos prazos de prisão preventiva, é a dedução da acusação e não a sua notificação, por forma a que se aquela tiver sido deduzida em prazo, mas a notificação tiver
sido feita para além desse prazo, é a data da acusação que deve servir para aferir da legalidade da manutenção da prisão.
III - Tendo a acusação sido deduzida ainda antes do termo do prazo previsto na al. a) do n.º 1 do art. 215.º do CPP, é de indeferir a providência de habeas corpus, por falta de fundamento bastante.
Decisão Texto Integral:
I.
1. AA, identificado nos autos, veio requerer ao presidente do Supremo Tribunal de Justiça, por meio de advogado, a presente providência de habeas corpus, alegando que:
- O peticionante encontra-se preso desde o dia 7 de Agosto de 2009 à ordem do processo n.º 1546-09.0SNT, do 2.º Juízo de Sintra (Comarca da Grande Lisboa Noroeste).
- No entanto, o requerente não foi ainda notificado da acusação;
- Nos termos do disposto no art. 113.º, n.º 9 do Código de Processo Penal (CPP), o arguido deverá ser notificado pessoalmente da acusação contra si proferida, não bastando a notificação do seu advogado.
- O requerente encontra-se, por isso, em prisão ilegal, uma vez que se encontra ultrapassado o prazo impreterível de 6 meses estatuído no art. 215.º, n.ºs 1 e 2 do CPP.
- Deve, em consequência, o requerente ser restituído imediatamente à liberdade.

2. O Sr. Juiz do processo, prestando a informação a que alude o art. 222.º, n.º 1 do CPP, esclareceu que:
- O requerente encontra-se sujeito à medida de coacção de prisão preventiva desde o dia 7 de Agosto de 2009.
- O prazo limite para sujeição a tal medida de coacção sem que fosse deduzida acusação era de 6 meses – art. 215.º, n.ºs 1, alínea a) e 2 do CPP, estando previsto o seu termo para 7 de Fevereiro de 2010.
- A acusação pública foi deduzida no dia 2 de Fevereiro de 2010 (fls. 338 a 356).
- O reexame dos pressupostos da referida medida ocorreu em 4 de Fevereiro de 2010, por despacho de fls. 367 a 372.
- Foi expedida notificação de ambos os despachos em 3/02/2010 e 4/02/2010.
- Nesta data, o requerente já foi notificado no Estabelecimento Prisional ⌠no dia 9/02/2009⌡.
Mandou juntar vários documentos.

3. Convocada a secção criminal e notificados o MP e o defensor, teve lugar a audiência - art.s 223.º, n.º 3, e 435.º do CPP.
Importa agora, tornar pública a respectiva deliberação e, sumariamente, a discussão que a precedeu.
II.
4. A providência de habeas corpus é uma providência excepcional, destinada a garantir a liberdade individual contra o abuso de autoridade, como doutrina CAVALEIRO DE FERREIRA, Curso de Processo Penal, 1986, p. 273, que a rotula de providência vocacionada a responder a situações de gravidade extrema ou excepcional, no mesmo sentido confluindo, entre outros, GERMANO MARQUES DA SILVA, para o qual a providência de habeas corpus é «uma providência extraordinária com a natureza de acção autónoma com fim cautelar, destinada a pôr termo, em muito curto espaço de tempo, a uma situação de ilegal privação de liberdade», (Curso de Processo Penal, T. 2º, p. 260).
Porque assim, a petição de habeas corpus, em caso de prisão ilegal, tem os seus fundamentos taxativamente previstos no n.º 2 do artigo 222.º do Código de Processo Penal:
a) - Ter sido [a prisão] efectuada ou ordenada por entidade incompetente;
b) - Ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite;
c) - Manter-se para além dos prazos fixados por lei ou por decisão judicial.
Confrontamo-nos, pois, com situações de violação ostensiva da liberdade das pessoas, quer por incompetência da entidade que ordenou a prisão, quer por a lei não a permitir com o fundamento invocado ou não tendo sido invocado fundamento algum, quer ainda por estarem excedidos os prazos legais da sua duração, havendo, por isso, urgência na reposição da legalidade.
No caso, é a hipótese prevista na alínea c) que está em causa – excesso dos prazos de prisão preventiva -, embora o requerente refira, erradamente a alínea b) – facto pelo qual a lei não permite a prisão preventiva.
Nos termos da nova redacção conferida ao n.º1, alínea a) do art. 215.º do CPP pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, a prisão preventiva extingue-se quando, desde o seu início, tiverem decorrido 4 meses sem que tenha sido deduzida acusação. E, nos termos do n.º 2 do mesmo preceito, o aludido prazo eleva-se para 6 meses em casos de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada, ou quando se proceda por crime punível de máximo superior a 8 anos ou, entre outros, por crime previsto no art. 299.º, n.º 1 do CP (alínea a) desse n.º 2)
Nos termos do n.º 3 do mesmo preceito, o prazo acima referido eleva-se para 1 ano, quando o procedimento se revelar de excepcional complexidade.
Ora, dos documentos juntos aos autos resulta que o requerente foi detido no dia 7 de Agosto de 2009 e, no mesmo dia, sujeito a interrogatório de arguido detido e, no final dele, a medida de coacção de prisão preventiva, por fortes suspeitas de ter cometido o crime de roubo agravado, previsto e punido pelos arts. 210.º, n.º 1 e 2, por referência ao n.º 2, alínea f) (arma) do art. 204.º, ambos do Código Penal (CP) e ainda um outro crime de roubo, p. e p. pelas mesmas disposições, mas desqualificado pelo n.º 4 do art. 204.º, acrescendo um crime de falsificação, p. e p. pelo art. 256.º, n.ºs 1, alínea e) e 3, do CP.
No dia 2 de Fevereiro de 2010, foi deduzida acusação pelo Ministério Público exactamente pelos c rimes referidos e ainda por:
- Crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3.º, n.º 2 do DL 2/98, de 3 de Janeiro;
- Contra-ordenação por detenção de arma de fogo, prevista e punida pelos arts. 2.º, n.º 1 av), 3.º, n.º 2, alínea n) e art. 97.º da Lei n.º 5/2006, de 23/02, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 59/2007, de 4/09 .
No dia 3 de Fevereiro seguinte, foi expedido para o Estabelecimento Prisional Central de Lisboa ofício para notificação do requerente.
Apesar da data da expedição, o requerente só veio a ser notificado no passado dia 9 de Fevereiro.
Os crimes de roubo por que foi o requerente indiciado e que passaram a constituir objecto da acusação cabem no âmbito de previsão do art. 215.º, n.º 2, com referência ao art. 1.º, alínea j) do CPP – criminalidade violenta, pelo que o prazo de duração da prisão preventiva até à dedução de acusação é 6 meses, como, aliás, o próprio requerente reconhece.
Ora, tendo o requerente sido detido e sujeito à medida de coacção de prisão preventiva no dia 7 de Agosto de 2009 e a acusação sido deduzida no dia 2 de Fevereiro de 2010, foi-o dentro do prazo legal. Mais: vários dias antes de terminar o prazo.
Apenas a notificação da acusação ao requerente não foi efectuada naquele dia, nem no dia em que terminava o prazo para dedução da acusação, mas apenas no dia 9 seguinte. Porém, o que releva para efeitos de cumprimento dos prazos de prisão preventiva, é a dedução da acusação e não a sua notificação, por forma que se aquela tiver sido deduzida em prazo, mas a notificação tiver sido feita para além desse prazo, é a data da acusação que deve servir para aferir da legalidade da manutenção da prisão. Esta é a jurisprudência que tem sido seguida neste Supremo Tribunal e que tem sido enunciada assim: «Nos termos do art. 215.º, n.º 1 al. a), do CPP, é a data da dedução da acusação (e não a da sua notificação) que delimita e fixa o momento temporal a equacionar e a ter em atenção na contagem dos prazos da prisão preventiva» (Cf., entre outros, os acórdãos de 15/5/02, Proc. n.º 1797/02 – 3ª; de 13/2/03, Proc. n.º 599/03, de 22/5/03, Proc. n.º 2159/03, de 10/3/2005, Proc. n.º 912/05 e de 25/06/2008, Proc. n.º 2197-08, todos estes da 5.ª Secção e o último do mesmo relator deste processo).
É certo que em muitos casos que têm acontecido a acusação talvez pudesse ser notificada por “fax” enviado para o estabelecimento prisional, evitando-se este tipo de problemas.
De qualquer forma, a data que releva é a da dedução da acusação e esta foi, como vimos, deduzida ainda antes do termo do prazo.
Ora, o prazo que agora está em causa para a extinção da medida coactiva, contado a partir do referido dia 7/02/2010, é de 10 meses até à decisão instrutória, se houver lugar à instrução, e de 1 ano e 6 meses até à condenação em 1.ª instância (referido art. 215.º, n.ºs 1, 2 e 3 do CPP).

III.
5. Nestes termos, acordam, após audiência, no Supremo Tribunal de Justiça em indeferir, por falta de fundamento bastante, a providência de habeas corpus requerida pelo arguido AA.

Supremo Tribunal de Justiça, 18 de Fevereiro de 2010
Os Juízes Conselheiros

Artur Rodrigues da Costa (Relator)
Arménio Sottomayor
Carmona da Mota