Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06S1956
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: PINTO HESPANHOL
Descritores: INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
APOIO JUDICIÁRIO
HONORÁRIOS
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
ACESSO AO DIREITO
ACESSO AOS TRIBUNAIS
CONSTITUCIONALIDADE
Nº do Documento: SJ200611290019564
Data do Acordão: 11/29/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário : 1. Tendo a autora requerido e obtido apoio judiciário, na modalidade de dispensa do pagamento de honorários do patrono escolhido, tal pedido não interrompe o prazo de prescrição previsto no n.º 1 do artigo 38.º da LCT, nem determina a retroacção da data da propositura da acção ao momento em que foi apresentado o pedido de apoio judiciário, visto que não tem aplicação ao caso o disposto nos artigos 25.º, n.º 4, e 34.º, n.º 3, da Lei n.º 30-E/2000, de 20 de Dezembro, alterada pelo Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março.
2. Com efeito, só no caso de pedido de apoio judiciário, na modalidade de nomeação de patrono na pendência de acção judicial é que há lugar à interrupção do prazo que estiver em curso e, também, só nessa modalidade é que, formulado o pedido de apoio judiciário antes da propositura da acção, esta se considera proposta na data da apresentação daquele pedido de nomeação de patrono.
3. A modalidade de apoio judiciário consubstanciada na «nomeação e pagamento de honorários de patrono» não é substancialmente igual à modalidade de apoio judiciário traduzida no «pagamento de honorários do patrono escolhido pelo requerente», já que, enquanto naquela modalidade, não estando ainda nomeado patrono, existe o risco de indefesa do requerente do apoio judiciário, a não estabelecer-se a interrupção do prazo em curso, nesta outra situação, o patrono, estando já nomeado pelo interessado aquando da formulação do pedido de apoio judiciário, poderá tomar logo a defesa das posições do respectivo mandante no processo.
4. Uma vez que as situações em confronto são materialmente distintas, a apontada diferença de tratamento jurídico está racionalmente justificada, não se verificando a alegada violação do princípio da igualdade, nem da protecção constitucionalmente garantida pelo n.º 1 do artigo 20.º da Constituição aos cidadãos que carecem de meios económicos para custear os encargos inerentes à defesa jurisdicional dos seus direitos.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:


I

1. Em 16 de Janeiro de 2003, no Tribunal do Trabalho de Oliveira de Azeméis, AA intentou acção declarativa, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho contra BB e esposa, CC, pedindo: (a) se declare ilícito o respectivo despedimento efectuado pelos réus; (b) a condenação solidária dos réus a pagarem--lhe a quantia de € 17.507,88, a título de indemnização por antiguidade e de créditos provenientes de subsídio de férias e de Natal, não pagos durante a vigência do contrato; (c) caso assim não se entenda, se declare a existência de justa causa na rescisão pela autora do contrato de serviço doméstico celebrado com os réus, condenando-os, solidariamente, a pagarem-lhe dita quantia de € 17.507,88.

Alegou, para tanto, que foi admitida pelos réus, em 1988, para desempenhar as funções de empregada do serviço doméstico, sendo certo que, em Janeiro de 2002, por não ter concordado com a alteração do horário de trabalho, os réus comunicaram--lhe que estava despedida, não lhe tendo pago indemnização por antiguidade, nem outros créditos e diferenças salariais vencidos durante o cumprimento do contrato.

Os réus contestaram, por impugnação, alegando nunca ter existido vínculo laboral com a autora, e por excepção, defendendo que, mesmo que tivesse existido esse vínculo, já teriam prescrito os direitos reclamados, pois, a acção foi proposta em 16 de Janeiro de 2003 e o contrato de trabalho cessara no final do ano de 2001.
Realizado o julgamento, foi proferida sentença que, julgando procedente a excepção peremptória de prescrição, absolveu os réus do pedido.

2. Inconformada, a autora interpôs recurso de apelação, que o Tribunal da Relação do Porto julgou improcedente, confirmando a sentença recorrida, sendo contra esta decisão que agora a autora se insurge, mediante recurso de revista, em que formula a síntese conclusiva que se passa a discriminar:

- O acórdão recorrido está em oposição com o decidido no acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 21 de Fevereiro de 2003, proferido na vigência da mesma lei e sobre a mesma questão;
- A recorrente requereu a dispensa do pagamento dos encargos do processo com a nomeação de advogado e o pagamento de honorários a patrono escolhido/indicado, nessa medida sendo aplicável o disposto no artigo 34.º, n.º 3, da Lei n.º 30-E/2000, de 20 de Dezembro;
- O acórdão recorrido fez uma incorrecta interpretação dos artigos 15.º, alínea c), 25.º, n.º 5, alínea a), 34.º, n.º 3, 50.º e 51.º da Lei n.º 30-E/2000, e atentou contra o princípio da igualdade plasmado na Constituição e, em última instância, contra o princípio constitucional do acesso dos cidadãos ao Direito e aos tribunais.

Na contra-alegação, os recorridos defendem a confirmação do julgado, referindo, ainda, que a questão suscitada no recurso fora já objecto de decisão transitada em julgado, por isso, este Supremo Tribunal não pode dela conhecer, sob pena de violar o disposto no n.º 4 do artigo 684.º do Código de Processo Civil, e, por outro lado, que o acórdão recorrido padece de nulidade, por excesso de pronúncia, na parte em que conheceu dos efeitos do pedido do apoio judiciário na prescrição, atento o disposto nos artigos 668.º, n.º 1, alínea d), 684.º, n.º 3, e 690.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil.

Neste Supremo Tribunal, a Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta pronunciou-se no sentido de que, «não tendo os RR, ora recorridos, arguido a referida nulidade, expressa e separadamente, nos termos do artigo 684.º-A do Código de Processo Civil, nas suas contra-alegações de recurso, não poderá este tribunal dela conhecer», e, doutro passo, que a questão relacionada com a interrupção da prescrição decorrente da nomeação de patrono não transitou em julgado, «sendo, pois, ainda, passível de recurso para este tribunal», concluindo pela improcedência do recurso de revista, parecer que, notificado às partes, não suscitou qualquer resposta.

3. No caso vertente, as questões suscitadas no recurso são as que se passam a enunciar, segundo a ordem lógica que entre as mesmas intercede:

- Se o acórdão recorrido é nulo por excesso de pronúncia;
- Se transitou em julgado o decidido na primeira instância quanto à não interrupção da prescrição decorrente do pedido de apoio judiciário;
- Se ocorreu a prescrição dos créditos laborais invocados pela autora, tendo em conta que formulou pedido de apoio judiciário, na modalidade de pagamento de honorários do patrono escolhido, por requerimento datado de 9 de Maio de 2002, ainda antes de ter decorrido o prazo prescricional.

Corridos os vistos, cumpre decidir.

II

1. As instâncias deram como provada a seguinte matéria de facto:

1) Pelo menos, em 1990, os RR. admitiram a A. ao seu serviço para desempenhar as funções de empregada do serviço doméstico na sua residência, sita inicialmente no lugar de ...., freguesia de Bunheiro e, a partir de 1996, no ..., freguesia do Monte, concelho da Murtosa, sob a sua autoridade;
2) A A. executava mediante retribuição e sob a autoridade, direcção e fiscalização dos RR. diversas tarefas, nomeadamente limpeza, asseio da casa, preparação de refeições, compras, jardinagem e tratamento dos animais, tais como cães e galinhas;
3) De segunda a sexta-feira, a A. iniciava o seu trabalho, na residência dos RR. pelas 9 horas da manhã e terminava cerca das 19 horas, hora em que os RR. davam por concluídas as suas tarefas diárias e ela regressava a casa;
4) Aos sábados e domingos, a A. ia a casa dos RR. tratar dos animais;
5) A A. executava as tarefas mencionadas nos n.os 3 e 4 ao longo dos doze meses do ano, sem interrupções;
6) No último ano, a A. auferia a remuneração semanal de € 74,82;
7) E, em Agosto de 1999, a A., invocando veementemente razões familiares junto dos RR., gozou pela 1.ª vez 15 dias consecutivos de férias, o que nunca anteriormente havia feito;
8) Somente no ano 2000, a A. começou a ter um dia livre por semana, a quinta-feira;
9) Os RR. nunca pagaram à A. o subsídio de férias, nem os subsídios de Natal e de refeição;
10) A A. tinha a chave da casa dos RR. e entrava para executar as tarefas de que estava incumbida, ainda que os RR. por razões profissionais ou pessoais não estivessem em casa;
11) E, em finais de 2001, os RR. ordenaram à A. que a partir de Janeiro de 2002, passaria a cumprir um novo horário de duas horas diárias, entre as 10 e as 12 horas, auferindo 15 euros por semana;
12) A A. não concordou com as alterações propostas pelos RR. e continuou a comparecer na casa destes pelas 9 horas da manhã até ao dia 7 de Janeiro;
13) Como os RR. se recusaram a abrir-lhe a porta, dizendo-lhe que só podia trabalhar no novo horário por eles fixado, a A., a partir do dia 7 de Janeiro de 2002, deixou de comparecer na casa deles;
14) E, no dia 9 de Janeiro, começou a trabalhar na unidade fabril Desicor;
15) Em 7 de Janeiro de 2002, os RR. enviaram à autora a carta, cuja cópia se mostra junta a fls. 23, dando-se aqui o respectivo teor por integralmente reproduzido na sua literalidade;
16) A A. respondeu, por carta datada de 11 de Janeiro de 2003, cuja cópia se mostra junta a fls. 24, dando-se aqui o respectivo teor por integralmente reproduzido na sua literalidade;
17) A esta carta os RR. responderam com uma nova carta, datada de 24 de Janeiro de 2002, cuja cópia se mostra junta a fls. 31, dando-se aqui o respectivo teor integralmente reproduzido na sua literalidade;
18) A presente acção deu entrada em Juízo, em 16 de Janeiro de 2003 e os RR. foram citados no dia 28 do mesmo mês.

Os factos materiais fixados pelo tribunal recorrido não foram objecto de impugnação pelas partes, nem se vislumbra que ocorra qualquer das situações que permitam ao Supremo alterá-los ou promover a sua ampliação (artigos 722.º, n.º 2, e 729.º, n.º 3, ambos do Código de Processo Civil), por conseguinte, será com base nesses factos que hão-de ser resolvidas as questões suscitadas no presente recurso.

2. Os recorridos, prevalecendo-se da faculdade prevista no n.º 2 do artigo 684.º-A do Código de Processo Civil, arguiram, na respectiva contra-alegação, que o acórdão recorrido padece de nulidade, por excesso de pronúncia, atento o disposto nos artigos 668.º, n.º 1, alínea d), 684.º, n.º 3, e 690.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, na parte em que conheceu dos efeitos do pedido do apoio judiciário deduzido pela autora na contagem do prazo de prescrição dos direitos peticionados na acção, já que a autora não aduziu esse preciso fundamento no âmbito do recurso de apelação.

Mas não têm razão.

Desde logo, os recorridos confundem «questão a resolver», com as razões ou argumentos jurídicos produzidos no âmbito da apreciação da «questão a resolver», sendo que, no caso, apenas assume aquela dimensão jurídica a questão de saber se ocorreu ou não a prescrição dos créditos laborais invocados pela autora.

Por outro lado, o Tribunal não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (artigo 664.º do Código de Processo Civil), podendo usar, na decisão, razões jurídicas por elas não aludidas.

Assim, o acórdão recorrido, ao apreciar os efeitos jurídicos emergentes do concreto pedido de apoio judiciário deduzido pela autora na contagem do prazo da prescrição dos direitos em causa, não padece da nulidade por excesso de pronúncia a que se reporta a alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º do Código de Processo Civil.

3. Na contra-alegação, os recorridos sustentam, ainda, que a questão dos efeitos do pedido do apoio judiciário na contagem do prazo de prescrição dos direitos peticionados pela autora foi objecto de decisão na sentença da primeira instância e dessa parte a autora não interpôs recurso para a Relação, por isso, trata-se de decisão transitada em julgado de que este Supremo Tribunal não pode conhecer, sob pena de violar o disposto no n.º 4 do artigo 684.º do Código de Processo Civil.

Os recorridos confundem, uma vez mais, fundamentos jurídicos com a questão essencial de direito em que assenta o litígio, no caso, a excepção peremptória da prescrição invocada pelos réus em relação aos créditos peticionados pela autora.

A sentença de primeira instância julgou procedente aquela excepção e, em consequência, absolveu os réus do pedido; inconformada, a autora interpôs recurso de apelação, defendendo que, somente com a carta datada de 24 de Janeiro de 2002, enviada pela ré esposa à autora, se operou a cessação do contrato de trabalho doméstico celebrado entre as partes, de uma forma permanente e definitiva, por isso, a sentença recorrida teria operado uma incorrecta aplicação do preceituado no n.º 1 do artigo 38.º do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, anexo ao Decreto-Lei n.º 49.408 de 24 de Novembro de 1969, designado adiante por LCT, no entanto, o Tribunal da Relação reafirmou a procedência da excepção peremptória da prescrição invocada pelos réus.

Tendo a autora trazido recurso de revista, com fundamento na interrupção da prescrição, por efeito da dedução do pedido de apoio judiciário na modalidade de pagamento de honorários a patrono escolhido, ainda não transitou em julgado a questão relativa à alegada excepção peremptória da prescrição, logo, não se verifica o condicionalismo previsto no n.º 4 do artigo 684.º do Código de Processo Civil.

Não existe, pois, obstáculo à apreciação do objecto do recurso.

Refira-se a este propósito que o recurso interposto, admitido como revista, não tem como fundamento autónomo a existência de um conflito jurisprudencial, por isso, não há que considerar a alegada oposição entre o aresto recorrido e o acórdão proferido no mesmo Tribunal da Relação, em de 21 de Fevereiro de 2003.

4. O objecto do presente recurso é o de saber se o pedido de apoio judiciário formulado pela autora, na modalidade de pagamento de honorários ao patrono por si escolhido, releva para efeitos de interromper o prazo de prescrição dos créditos laborais previsto no n.º 1 do artigo 38.º da LCT.

Este Supremo Tribunal teve já oportunidade de se pronunciar sobre esta matéria, em diversos casos, tendo vindo a adoptar, reiteradamente, o entendimento de que o pedido de apoio judiciário, na modalidade de pagamento de honorários do patrono escolhido, não tem interferência na contagem dos prazos que estejam em curso (cf., por todos, os Acórdãos deste Supremo Tribunal, de 24 de Novembro de 2004, Processo n.º 1902/2004, 11 de Outubro de 2005, Processo n.º 681/2005, e 24 de Maio de 2006, Processo n.º 1201/06, todos da 4.ª Secção).

Justifica-se, por isso, transcrever as considerações expendidas no citado Acórdão, de 24 de Novembro de 2004, e que relevam quanto à definição do âmbito de aplicação das normas dos artigos 25.º, n.º 4, e 34.º, n.º 3, da Lei n.º 30-E/2000, de 20 de Dezembro (diploma cuja redacção foi alterada pelo artigo 19.º do Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março), vigente à data em que foi proposta a acção:

« A Lei n.º 30-E/2000, que instituiu um novo regime de acesso aos tribunais, revogando o Decreto-Lei n.º 387-B/87, de 29 de Dezembro, estabelece, no seu artigo 15.º, o seguinte:
"O apoio judiciário compreende as seguintes modalidades:
a) Dispensa, total ou parcial, de taxa de justiça e demais encargos com o processo;
b) Diferimento do pagamento da taxa de justiça e demais encargos com o processo;
c) Nomeação e pagamento de honorários do patrono designado ou, em alternativa, pagamento de honorários do patrono escolhido pelo requerente [redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 38/2003, constando na versão original a «Nomeação e pagamento de honorários de patrono ou, em alternativa, pagamento de honorários do patrono escolhido pelo requerente»];
d) Nomeação e pagamento da remuneração do solicitador de execução designado ou, em alternativa, pagamento da remuneração do solicitador escolhido pelo requerente [alínea aditada pelo Decreto-Lei n.º 38/2003]."
Por outro lado, no que concerne à repercussão que o procedimento de apoio judiciário poderá ter no andamento da causa ou nos respectivos efeitos civis, relevam os artigos 25.º e 34.º, que, na parte que interessa considerar, preceituam o seguinte:
"Artigo 25.º
1 - O procedimento de apoio judiciário é autónomo relativamente à causa a que respeite, não tendo qualquer repercussão sobre o andamento desta, com excepção do previsto nos números seguintes.
[...]
4 - Quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de acção judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo.
5 - O prazo interrompido por aplicação do disposto no número anterior reinicia-se, conforme o caso:
a) A partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação;
b) A partir da notificação ao requerente da decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono."
"Artigo 34.º
1 - O patrono nomeado para a propositura da acção deve intentá-la nos 30 dias seguintes à notificação da nomeação, comunicando tal facto à Ordem dos Advogados ou à Câmara dos Solicitadores, e apresentando justificação, no caso de não instauração da acção naquele prazo.
2 - Quando não for apresentada justificação, ou esta não for julgada satisfatória, o conselho distrital da Ordem dos Advogados ou o conselho regional da Câmara dos Solicitadores procede à apreciação de eventual responsabilidade disciplinar e à designação de novo patrono ao requerente nos termos previstos nos artigos 32.º e 33.º
3 - A acção considera-se proposta na data em que for apresentado o pedido de nomeação de patrono."
Como se vê, existem distintas modalidades de apoio judiciário (artigo 15.º), como também são diversos os modos pelos quais o pedido de apoio judiciário poderá interferir no desenvolvimento da acção ou no exercício do respectivo direito. O artigo 25.º prevê a hipótese de o pedido de apoio judiciário, quando inclua a nomeação de patrono, seja apresentado na pendência de acção judicial: nesse caso, com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento interrompe-se o prazo que estiver em curso. É o que sucede quando o pedido seja formulado por quem figura como réu: se este pretende o apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, o prazo para apresentar a sua defesa interrompe-se com o pedido e apenas se reinicia com a notificação da decisão que vier a ser proferida no respectivo procedimento. O artigo 34.º consigna, por sua vez, a possibilidade de a nomeação de patrono ser requerida pelo autor para efeito de propositura da acção: nesse caso, a consequência, como determina o n.º 3, é a de se considerar a acção proposta na data em que for apresentado o pedido de nomeação de patrono.
A diversidade das soluções legais é bem compreensível: num caso, a acção já se encontra a decorrer e está em causa a prática de um acto processual, cujo prazo só deverá começar a correr quando a parte tenha regularizado a sua situação quanto ao patrocínio judiciário, quer mediante a nomeação de patrono, quer através da constituição de advogado se aquele pedido lhe for indeferido; no segundo caso, o interessado carece de obter a designação de um patrono para o patrocinar na acção que pretende intentar e daí que a lei ficcione o pedido de nomeação prévia como constituindo a entrada da petição inicial em juízo, para o efeito de operar a interrupção da prescrição ou da caducidade do direito.
Em qualquer dos casos, a lei salvaguarda a posição do requerente do apoio judiciário, permitindo que disponha de um novo prazo para a prática do acto processual ou evitando, quando se trata de propositura de acção, que a realização das formalidades para a designação de patrono venham a prejudicar o exercício tempestivo do direito.
Como é bem de ver, as garantias que o legislador oferece ao requerente de apoio judiciário e, em particular, a quem pretenda interpor uma acção judicial, só se justificam quando esteja em causa a nomeação de patrono, e é justamente a essa modalidade de apoio judiciário a que as disposições do n.º 4 do artigo 25.º e do n.º 3 do artigo 34.º se referem. Sendo obrigatório o patrocínio judiciário, o interessado não poderá praticar o acto processual sem que tenha obtido previamente a designação de um de patrono ou constituído advogado, caso esse pedido venha ser indeferido, e daí que a lei contemple um mecanismo que permita assegurar o exercício tempestivo do direito.
É óbvio que a razão de ser da lei não opera quando o interessado, no pedido de apoio judiciário, se limite a requerer a dispensa ou o diferimento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, ou o pagamento de honorários do patrono escolhido. Isso porque, em qualquer desses casos, não está em risco a prática do acto processual e o que pode suceder é que o requerente poderá ter de pagar os encargos tributários no momento próprio ou suportar os honorários do causídico que o tenha patrocinado (cfr., quanto a este ponto, o n.º 4 do artigo 31.º da Lei 30-E/2000).
Sustenta o recorrente que o pedido de pagamento de honorários previsto na segunda parte da alínea c) do artigo 15.º não constitui uma modalidade de apoio judiciário diversa da nomeação prévia de patrono, e que, nesse caso, a indicação do patrono escolhido não é automaticamente atendível, sendo à Ordem dos Advogados que compete sindicar a escolha do advogado indicado pelo requerente, nos termos dos artigos 50.º e 51.º da Lei n.º 30--E/2000.
É a todos os títulos evidente que a nomeação e pagamento de honorários do patrono designado ou o pagamento de honorários do patrono escolhido pelo requerente, a que se referem a primeira e a segunda partes da alínea c) do artigo 15.º da Lei 30-E/2000, correspondem a modalidades distintas de apoio judiciário, cujo deferimento ou indeferimento tem também diferentes consequências. A própria lei põe em realce que se trata de pedidos alternativos e que, por isso mesmo, não são reconduzíveis a uma mesma realidade.
Por outro lado, as regras dos artigos 50.º e 51.º da Lei n.º 30-E/2000, ao contrário do que defende o recorrente, não se aplicam à modalidade de pagamento de honorários do patrono escolhido pelo requerente, mas antes - o que é coisa diferente - à nomeação de patrono indicado pelo requerente do apoio judiciário.
Na verdade, quando está em causa apenas o pagamento de honorários do patrono escolhido pelo requerente, a decisão a adoptar compete ao dirigente máximo dos serviços de Segurança Social da área de residência do requerente, que poderá deferir ou indeferir esse pedido, com a consequência de este ter ou não de suportar os honorários devidos ao advogado constituído, conforme o apoio judiciário, nessa modalidade, tenha ou não sido concedido; se tiver sido requerida a nomeação prévia de patrono, é que, sendo concedido o apoio judiciário, cabe à Ordem [dos Advogados] efectuar a escolha e nomeação do mandatário forense, nos termos previstos no artigo 32.º, n.º 1, sendo que os artigos 50.º e 51.º da Lei n.º 30-E/2000 reportam-se justamente à possibilidade de o requerente ter indicado o patrono sobre quem deveria recair a designação. É nessa, e apenas nessa, circunstância que a Ordem dos Advogados, no exercício da competência que lhe é deferida pelo artigo 32.º, poderá atender ou não à indicação sugerida pelo interessado.
Tendo a autora, ora recorrente, requerido o apoio judiciário na modalidade de pagamento de honorários do patrono escolhido, não tinha de aguardar qualquer decisão da Ordem dos Advogados sobre a matéria, e antes poderia desde logo avançar com a propositura da acção [...].»

Sufraga-se, na íntegra, o apontado entendimento, pelo que, tendo a autora requerido e obtido apoio judiciário, na modalidade de dispensa do pagamento da taxa de justiça e dos demais encargos do processo e, bem assim, do pagamento de honorários do patrono escolhido (e não, «de nomeação de advogado e pagamento de honorários a patrono escolhido/indicado», como se refere no corpo da alegação do recurso de revista e na respectiva conclusão 2.ª) cujo pedido foi apresentado em 9 de Maio de 2002 (formulário de fls. 152-153) e deferido em 7 de Junho seguinte (ofício de fls. 6), tal pedido não interrompeu o prazo de prescrição previsto no n.º 1 do artigo 38.º da LCT, nem determinou a retroacção da data da propositura da acção ao momento em que foi apresentado o pedido de apoio judiciário, visto que, como se evidenciou supra, não tem aplicação ao caso o disposto nos artigos 25.º, n.º 4, e 34.º, n.º 3, da Lei n.º 30-E/2000.

Na verdade, só no caso de pedido de apoio judiciário, na modalidade de nomeação de patrono na pendência de acção judicial é que há lugar à interrupção do prazo que estiver em curso (artigo 25.º, n.º 4, da Lei n.º 30-E/2000) e, também, só nessa modalidade é que, formulado o pedido de apoio judiciário antes da propositura da acção, esta se considera proposta na data da apresentação daquele pedido de nomeação de patrono.

E, sendo assim, a prescrição dos créditos laborais peticionados pela autora só poderia ter-se interrompido com a citação dos réus, verificada em 28 de Janeiro de 2003 (facto assente n.º 18), ou, na melhor das hipóteses, e atento o disposto no n.º 2 do artigo 323.º do Código Civil, cinco dias após a data da efectiva entrada em juízo da petição inicial, ou seja, em 21 de Janeiro de 2003.

Ora, em qualquer dessas datas já tinha ocorrido a prescrição dos créditos laborais reclamados pela autora, considerando o disposto no n.º 1 do artigo 38.º da LCT, visto que tinha transcorrido mais de um ano e um dia a partir da data em que se considerou cessada a relação laboral (em 7 de Janeiro de 2002).

Não há, pois, motivo para alterar o julgado.

5. Em derradeiro termo, a recorrente sustenta que a interpretação que o acórdão recorrido fez dos artigos 15.º, alínea c), 25.º, n.º 5, alínea a), 34.º, n.º 3, 50.º e 51.º todos da Lei n.º 30-E/2000 atenta contra o princípio da igualdade plasmado na Constituição e, em última instância, contra o princípio constitucional do acesso dos cidadãos ao Direito e aos tribunais.
Mas não tem razão.

Tal como se decidiu no Acórdão do Tribunal Constitucional, de 23 de Junho de 2004, Acórdão n.º 467/2004, Processo n.º 76/2004 (Diário da República, II Série, n.º 190, de 13 de Agosto de 2004), «[à] luz do critério da razão de ser do regime estabelecido no questionado artigo 25.º, n.º 4, da Lei n.º 30-E/2000, fácil é chegar à conclusão de que a modalidade de apoio judiciário consubstanciada na "nomeação e pagamento de honorários de patrono" não é substancialmente igual à modalidade de apoio judiciário traduzida no "pagamento de honorários do patrono escolhido pelo requerente". Na verdade, enquanto naquela modalidade, não estando ainda nomeado patrono, existe o referido risco de indefesa do requerente do apoio judiciário, a não estabelecer-se a interrupção do prazo em curso, nesta outra situação, o patrono, estando já nomeado pelo interessado aquando da formulação do pedido de apoio judiciário, poderá tomar logo a defesa das posições do respectivo mandante no processo. Cingindo-se o pedido de apoio judiciário ao pagamento de honorários que sejam devidos pelos serviços prestados pelo respectivo patrono por si constituído, nada obsta a que o processo possa prosseguir sem qualquer prejuízo para o requerente. A actividade do patrono não está condicionada à concessão do pedido de apoio, sendo-lhe completamente alheia: a sorte do pedido de apoio apenas tem reflexos sobre a determinação de quem vai pagar-lhe os respectivos honorários, sendo certo que, a ser reconhecida a insuficiência económica do requerente, será o Estado a suportá-los, e, a não verificar-se a mesma, será então o interessado. Dir-se-á que o patrono poderá agir condicionado pela circunstância de haver ainda incerteza quanto à entidade responsável pelo pagamento dos serviços que preste no exercício do patrocínio judiciário. Mas uma tal postura não é deontologicamente admissível. Como tal não poderá ser relevada.»

Uma vez que as situações em confronto são materialmente diferentes, a diferença de tratamento jurídico acolhida no acórdão recorrido está racionalmente justificada, não se verificando a pretendida violação do princípio da igualdade, sendo certo que as considerações precedentemente expostas, formuladas a propósito do questionado artigo 25.º, n.º 4, da Lei n.º 30-E/2000, são inteiramente transponíveis para a apreciação da constitucionalidade dos artigos 15.º, alínea c), 25.º, n.º 5, alínea a), 34.º, n.º 3, 50.º e 51.º da Lei n.º 30-E/2000, na interpretação dada pelo acórdão recorrido, e permitem, ainda, concluir que a protecção constitucionalmente garantida pelo n.º 1 do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa aos cidadãos que carecem de meios económicos para custear os encargos inerentes à defesa jurisdicional dos seus direitos não é afectada pelas normas invocadas pela recorrente, na interpretação dada pelo acórdão recorrido.

Improcede, pois, a conclusão 3.ª da alegação do recurso de revista.
III
Pelo exposto, decide-se negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.

Custas pela recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário com que litiga.

Lisboa, 29 de Novembro de 2006
Pinto Hespanhol
Vasques Dinis
Fernandes Cadilha