Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
6701/09.0TVLSB.L1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: SALAZAR CASANOVA
Descritores: DIREITOS DE AUTOR
TELEVISÃO
REMUNERAÇÃO
LIQUIDAÇÃO ULTERIOR DOS DANOS
NULIDADE DE SENTENÇA
CONDENAÇÃO EM OBJECTO DIVERSO DO PEDIDO
INTÉRPRETE
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 09/14/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA.
Área Temática:
DIREITOS DE AUTOR - DIREITOS CONEXOS / DIREITOS DO ARTISTA / PODER DE AUTORIZAR / FIXAÇÃO DA PRESTAÇÃO DO ARTISTA PARA FINS DE RADIODIFUSÃO.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA ( NULIDADES ).
Legislação Nacional:
CÓDIGO DO DIREITO DE AUTOR E DIREITOS CONEXOS (CDADC): - ARTIGOS , NA REDAÇÃO DA LEI N.º 50/2004, DE 24 DE AGOSTO: - ARTIGOS 178.º, N.ºS 2 E 3.
CÓDIGO DO PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 360.º, N.º 4, 609.º, N.º 1, 615.º, N.º 1, AL. E).
Sumário :
I - O facto de se reconhecer que a sentença incorreu na nulidade constante dos arts. 609.º, n.º 1 e 615.º, n.º 1, al. e), do CPC, considerando que não podia a ré – face ao pedido de pagamento de remuneração nos termos do art. 178.º, n.os 2 e 3 do CDADC mediante percentagem de 1,50% sobre receitas em montante a determinar em sede de liquidação – ser condenada a pagar remuneração anual "correspondente ao valor por minuto de prestações de artistas, intérpretes ou executantes exibidas pela ré", isso não significa que o Tribunal não possa condenar a ré a remunerar a autora, anualmente, desde setembro de 2004, em remuneração cujo montante será determinado em sede de liquidação.

II - A circunstância de o tribunal ter decidido que o pedido de condenação em percentagem não podia proceder, não significa que uma condenação em percentagem ou à forfait não possa ser decretada em liquidação desde que os termos de cálculo da percentagem não sejam aqueles que ficaram excluídos na sentença condenatória.

Decisão Texto Integral:

N.º 6701/09.0TVLSB.L1.S1[1]

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

1. AA, CRL propôs no dia 29-12-2009 ação declarativa sob a forma de processo ordinário contra Rádio e Televisão de Portugal, SA pedindo que seja a ré condenada a pagar à A. a justa remuneração pelas prestações à ré dos artistas, intérpretes e executantes desde 1 de setembro de 2004 nos termos do artigo 178.º/2 e 3 do Código do Direito de Autor e Direitos Conexos (CDADC), na redação da Lei n.º 50/2004, de 24 de agosto, no valor de 1,50% do valor das receitas publicitárias e compensação financeira do Estado e contribuição para o audiovisual auferidas anualmente pela ré em montante a determinar em sede de liquidação (ver pedido e articulado superveniente a fls. 1445); condenar a ré no pagamento à autora de juros moratórios sobre as quantias supra indicadas calculadas à taxa legal desde a citação até integral pagamento; e ainda condenar a ré no pagamento suplementar de juros à taxa de 5% ao ano nos termos do disposto no artigo 829.º-A do Código Civil.

2. A  autora fundamenta o seu pedido no artigo 178.º/2 e 3 do CDADC que prescreve:

2-  Sempre que um artista intérprete ou executante autorize a sua prestação para fins de radiodifusão a um produtor cinematográfico ou audiovisual ou videográfico, ou a um organismo de radiodifusão, considerar-se-á que transmitiu os seus direitos de radiodifusão e comunicação ao público, conservando o direito de auferir uma remuneração inalienável, equitativa e única por todas as autorizações referidas no n.º1 à exceção do direito previsto na alínea d) do número anterior. A gestão da remuneração equitativa única será exercida através de acordo coletivo celebrado entre os utilizadores e a entidade de gestão coletiva representativa da respetiva categoria, que se considera mandatada para gerir os direitos de todos os titulares dessa categoria, incluindo os que nela não se encontrem inscritos.

3- A remuneração inalienável e equitativa a fixar nos termos do número antecedente abrangerá igualmente a autorização para novas transmissões, a retransmissão e a comercialização de fixações obtidas para fins exclusivos de radiodifusão.

3. Este novo regime de remuneração inalienável, única e equitativa em vigor desde 2004 por força da alteração introduzida neste preceito pela Lei n.º 50/2004, de 24 de agosto, deixa às partes a sua fixação mediante acordo que não foi possível no caso por divergência quanto ao critério equitativo com base no qual se determinará a justa remuneração.

4. A autora considera que o critério a adotar deve ser o de se fixar uma percentagem de 1,50% das receitas referenciadas supra que, no entender da ré, corresponde a 2.500.000,00€ anuais.

5. A remuneração do artista, intérprete ou executante (doravante AIE) deve ser, segundo a autora, proporcional ao proveito obtido pelo utilizador das prestações, ou seja, proporcional ao benefício apurado pela entidade que está a divulgar as suas prestações.

6. Referiu a autora que durante as negociações mantidas com a ré foram debatidos dois critérios:

(i) a fixação do valor por minuto de prestações exibidas ou

(ii) a fixação de uma percentagem do montante das receitas publicitárias auferidas por cada organismo de radiodifusão.

7. O primeiro critério foi afastado por não ser tecnicamente possível efetuar a contagem de cada prestação radiodifundida e, ainda que assim não fosse, sempre se suscitariam inúmeras dificuldades para a determinação do valor devido por minuto e por prestação, atendendo à diversidade dos AIE ou à multiplicidade das prestações. Tarefa complexa e com elevado potencial de conflitualidade a impor recursos técnicos e humanos complexos e dispendiosos. Tal critério foi assim arredado  do processo negocial.

8. A ré considerou inadequado o proposto critério da percentagem salientando que desde logo importa delimitar as prestações cuja remuneração equitativa deve ser atribuída à autora e a sua relevância para o operador televisivo. Assim, as prestações abrangidas pela mencionada disposição não incluem as que são radiodifundidas pela primeira vez; as repetições e as "novas transmissões" são efetuadas em horários e canais de menor audiência; as prestações protegidas não abrangem as prestações originárias de países que não são membros da União Europeia, reduzindo-se o conjunto das prestações protegidas ou a menos de 1% tratando-se de "novas transmissões" e a não mais de 16% da duração total da programação, sendo estas constituídas na sua maioria pelas dobragens para língua portuguesa de programas infantis; relevam apenas as prestações de AIE que não sejam contratados por produtores externos; a remuneração referenciada no artigo 178.º/3 do CDADC inclui somente as prestações audiovisuais não editadas comercialmente, estando excluídas  quaisquer prestações que se encontrem fixadas em fonogramas (discos, CD e DVD) pois estas estão previstas no artigo 184.º/3 do CDADC.

9. A ré, assim sendo, considera que as utilizações relevantes para efeitos dos nºs 2 e 3 do artigo 178.º do CDADC representam uma pequena parcela do total da programação emitida, não havendo qualquer relação de proporcionalidade entre a variação das receitas e o grau de utilização ( por nova transmissão, retransmissão ou comercialização) das prestações protegidas, variando as receitas em função do aumento das audiências e sendo inaceitável que a ré pagasse o mesmo, a utilizar-se um critério de percentagem, que pagaria um operador que emitisse em exclusividade repetições de programas.

10. As indemnizações compensatórias pagas pelo Estado destinam-se a cobrir outras finalidades, não se justificando que a percentagem fosse fixada incluindo-se na receita o montante daquelas.

11. No entender da ré o critério a consagrar deve incluir o grau de utilização das prestações a remunerar, ou seja, a fixação da remuneração equitativa deve ter em conta o número de horas de difusão dos fonogramas

12. As remunerações devidas aos artistas, intérpretes e executantes (AIE), performers na terminologia anglo-saxónica, pelas primeiras radiodifusões implicam um custo anual de 450 mil euros, inferior em 1/5 aos 2 milhões de euros pagos a título de remuneração dos direitos de autor.

13. A ré aceita outros critérios que tenham em conta designadamente (i) a efetiva utilização das prestações em causa e (ii) o efetivo investimento da ré na produção ou aquisição de programas que incluam prestações artísticas protegidas pela lei portuguesa.

14. Assim, o critério a adotar deve considerar a efetiva utilização (por via de novas transmissões, retransmissões ou comercialização) das prestações em causa, medindo as respetivas (i) duração, (ii) relevância na programação e (iii) o montante do investimento. A ré considera que a proporção de duração das utilizações na programação dos canais na RTP não ultrapassa 27%, as utilizações para "nova transmissão" ocorrem quase sempre em horários e canais de menor valia económica e a aplicação a cada nova transmissão de uma remuneração equivalente a 20% da remuneração inicialmente paga nunca ultrapassaria um montante anual de 200 mil euros ( ver artigos 256 a 276 da contestação).

15. Após julgamento, foi proferida sentença onde se considerou que a ré é um organismo de radiodifusão, por via hertziana e por satélite, que emite  e efetua a comunicação  ao público e a comercialização de prestações de AIE, devendo dedicar 60% das suas emissões à difusão de programas originariamente em língua portuguesa.

16. Considerou-se ainda que a ré, enquanto utilizadora das prestações dos AIE, não efetuou o pagamento de qualquer das remunerações devidas pela radiodifusão de prestações artísticas aos AIE desde 29 de agosto de 2004, encontrando-se adstrita  ao pagamento em conformidade com o disposto no n.º2 e no n.º3 do artigo 178.º do CDADC.

17. No tocante à fixação da aludida remuneração inalienável, equitativa e única entendeu-se que o CDADC estabeleceu um conceito difuso e não um critério pelo qual se paute a remuneração a estabelecer. Mais entendeu a sentença que assentando a causa de pedir " na previsão legal de uma remuneração equitativa, não ocorre qualquer apreciação de diverso objeto […] se, a final, se concluir pela concretização de uma remuneração assente em critério ou critérios diversos do enunciado, em concreto, pela autora".

18. A sentença, referenciando os factos provados e, em particular, os não provados, considerou que a autora não logrou demonstrar que o valor da remuneração que deva ser prestada pela retransmissão das prestações protegidas, que lhe cabe gerir, seja "fixada, de forma automática, em função do apuramento das receitas (publicitárias e compensação financeira) da ré em termos de se poder concluir que uma percentagem de cada receita publicitária se reflete numa prestação artística protegida. Tal nexo não ficou comprovado".

19. Mas entendeu a sentença que, tendo sido debatidas durante as negociações, os dois aludidos critérios, a "remuneração equitativa a fixar, devida pela ré aos AIE, nos termos do artigo 178.º/2 e 3 do CDADC, deverá efetuar-se por correspondência com a fixação de um valor por minuto das prestações exibidas.

20. Esse valor por minuto não deve assentar, em exclusivo, num único critério "cego", antes devendo resultar de uma ponderação sobre a utilização que é feita sobre a obra protegida.

21. Segue a sentença a orientação ditada pela jurisprudência comunitária onde se sustenta que "a remuneração deve ter uma relação razoável com o valor económico da prestação fornecida", deve ter "uma relação razoável com os parâmetros das emissões em causa, como a sua audiência efetiva, a sua audiência potencial e a versão linguística" (ATJ de 4-10-2011, C-403/08 e C- 429/08, C-403/08 e C-429/08).

22. A sentença afirma que, na programação da ré, as prestações de AIE variam entre 31,2% a 31,8% da totalidade da programação, numa média que perfaz 31,5%.

23. Foi proferida a seguinte decisão:

"[…) Julgo a presente ação parcialmente procedente e, em consequência,

a) Condeno a ré Rádio e Televisão Portugal, SA a pagar à autora AA, CRL a remuneração anual, desde setembro de 2004, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 178.º/2 e 3 do CDADC, correspondente ao valor por minuto de prestações de artistas, intérpretes ou executantes exibidas pela ré que seja apurado em liquidação de sentença

b) Absolvo a ré Rádio e Televisão de Portugal, SA do demais peticionado pela autora AA, CRL.

Custas por autora e ré na proporção do respetivo decaimento o qual se fixa, provisoriamente, em 50% para a autora e 50% para a ré."

24. Desta decisão foi interposto recurso de apelação pela ré que sustentou o seguinte:

 a) Que a sentença recorrida não atentou a autora não peticionou a determinação da prestação prevista no artigo 178.º/2 e 3 do CDADC mas limitou a condenação da ré no pagamento da aludida prestação de acordo com um específico critério que a autora considerou o adequado.

 b) Que cumpria ao Tribunal declarar a pretensão procedente ou improcedente ao invés de optar pela condenação segundo um critério alternativo (ainda que tal critério se afigurasse mais justo) do qual pode, em termos quantitativos, resultar a condenação em quantidade superior à peticionada.

 c) Que o Tribunal, ao condenar segundo um critério diverso, condena em objeto diverso daquele que foi definido pela autora e, por isso, a ré, uma vez formulado o pedido como um mero pedido de condenação, defendeu-se unicamente de tal pedido, demonstrando a respetiva improcedência que o Tribunal reconheceu.

 d) Que a sentença deve, assim, ser revogada e substituída por uma decisão que declare totalmente improcedente a pretensão da autora ou, quando muito, que condene genericamente a ré no pagamento da remuneração prevista no artigo 178.º/2 e 3 do CDADC, relegando para liquidação de sentença a definição dos critérios a adotar para determinação da prestação em causa.

 e) Que o critério adotado para o caso de não se julgar procedente a invocada nulidade era insuficiente.

 f) Que a sentença, não obstante invocar fatores que a jurisprudência comunitária releva, a saber, a audiência atual e potencial, acaba por não assegurar a equidade quando adota um critério que tem como único fator a medição da quantidade de prestações utilizadas ( medidas em minutos).

 g) Que se impõe a reforma da sentença quanto a custas considerando que a recorrente não ficou vencida pois nunca se opôs à condenação no pagamento da remuneração tendo sido a recorrida que deu causa à ação por ter pretendido impor um critério iníquo.

25. Por sua vez, a autora, recorrida na apelação, sustentou que a causa de pedir é necessariamente aberta - trata-se de fixar o valor razoável, justo e equitativo - para o qual o Tribunal pode contribuir com quaisquer elementos tendo sido o critério alternativo discutido na ação e objeto de prova. O critério em causa é, segundo a recorrida, perfeitamente legítimo ainda que de difícil liquidação.

26. A recorrida ampliou o objeto do recurso, nos termos do artigo 636.º/1 do CPC, reiterando que a percentagem de 1,5%  para uma utilização de 60% de todas a emissões obrigatoriamente destinadas a difundir programas em língua portuguesa, corresponderia a uma percentagem de 2,5% para os casos em que as estações utilizassem na totalidade da sua programação apenas prestações artísticas (ver, no entanto, facto 37 que considera uma variação entre 31,2% a 31,8% da totalidade da programação). A recorrida considera que a percentagem pretendida de 1,5% é inferior, portanto proporcional e razoável, à de 2,20% que foi destinada à remuneração dos autores.

27. A recorrida refere que, na petição inicial, baseou a sua percentagem de 1,5% num volume de 60% das emissões. No entanto, tendo ficado provado que a percentagem média da programação exibida nos canais da RTP correspondente a prestações de AIE se situa entre 31,2% e 31,8%, a recorrida entende que a percentagem de receitas a partilhar deve ser reduzida para 0,7875%, metodologia que foi usada para a remuneração dos autores e não dos AIE que foi de 2,20% das receitas.

28. Tendo em conta que as receitas estão disponíveis é já possível fazer a liquidação dos montantes devidos desde 2004 até 2013; considerando que as receitas da recorrente ascenderam a 2 biliões e 634 milhões de euros, a remuneração dos AIE deve ser fixada em 20.479.000,00€.

29. Interpôs a recorrida recurso subordinado, subsidiariamente, quanto à condenação em custas provisoriamente fixadas em 50% para cada uma das partes considerando que a ré não foi absolvida do pedido pois apenas se considerou que o critério de determinação da remuneração era diferente daquele que a recorrida preferia. Assim, a proceder o recurso da ré então deve esta ser condenada em 92,59% das custas e a autora em 4,71%.

30. O Tribunal da Relação entendeu que houve condenação da ré em objeto diverso do pedido - artigos 609.º/1 e 615.º/1, alínea e) do CPC - quando condenou a ré a pagar à A. a remuneração anual desde setembro de 2004 correspondente " ao valor por minuto de prestações de artistas, intérpretes ou executantes por ela exibidos" por necessariamente ter pressuposto que esse critério do " valor por minuto" conduziria à remuneração equitativa para o efeito do disposto no artigo 178.º/2 e 3 do CDADC. O objeto do pedido "era a condenação da ré num valor pecuniário a obter-se por ulterior liquidação, mas em função especificamente de um determinado critério que está implicado no  concreto pedido feito. Condenar a ré num valor pecuniário a obter-se, também em função de liquidação ulterior, mas em função de outro critério que não aquele implicado no concreto pedido feito, corresponde a condenação em objeto diverso do pedido. O tribunal só o poderia ter feito se a autora tivesse confiado ao tribunal a determinação judicial da prestação nos termos do processo de jurisdição voluntária a que se referem as normas dos artigos 1004.º do CPC, mas não o fez, antes, segura como estava relativamente à equidade do critério que propunha, o que pediu ao tribunal foi que condenasse a ré em função desse critério, sem lhe conferir latitude para optar por critério diverso".

31. No acórdão, a propósito do entendimento de que a causa de pedir assenta na previsão legal de uma remuneração equitativa, salientou-se ainda que o objeto do processo se obtém em função não apenas da causa de pedir, mas também do pedido.

32. " E por isso, ainda que a causa de pedir no processo admitisse a condenação da ré em função de critério(s) diferente(s) do concretamente utilizado pela autora na ação - questão a que se tende a responder negativamente, pese embora toda a complexidade que envolve a causa de pedir em qualquer ação e, mais ainda, em ação, como a presente, que se move no âmbito da equidade - não o admitiria o pedido formulado na ação".

33. Prossegue o acórdão: " lembre-se que no pedido se conjuga pretensão material e processual e se, efetivamente, a vertente processual do pedido nesta ação se analisa como a A. o pretende, na mera condenação da ré na prestação de uma obrigação pecuniária em função do critério "a" ou " b", já na vertente material do pedido não pode ser indiferente a condenação da ré, mesmo que numa obrigação pecuniária, em função de um critério diferente do concretamente utilizado na formulação do pedido. O critério utilizado pelo A. e em função do qual, através da subsequente liquidação, se iria apurar apenas o 'quantum' da condenação da ré, integra o  pedido na vertente material -'afirmação em juízo da situação subjetiva cuja tutela se pretende' - e essa afirmação fê-la a A. por recurso ao critério que tem por preferível".

34. O Tribunal da Relação, julgada procedente a nulidade, passou a ponderar se a condenação da ré se justificava considerando o critério da percentagem e, após extensa análise, considerou que tal critério deveria ser arredado por iníquo.

35. Finalizou o acórdão da Relação referindo que "a quantificação da indemnização equitativa em causa passará, num primeiro plano, pela delimitação das prestações de AIE a remunerar, nos termos do n.º2 do artigo 178.º, após o que, quantificando-se a minutagem dessas prestações, se deverá obter a valoração do minuto através de uma análise de custos da ré relativamente à produção e aquisição dos concretos programas que as incluem".

36. Considerou ainda o acórdão da Relação que o resultado do recurso torna inútil a apreciação das demais questões acima enunciadas implicadas no recurso da ré bem como a apreciação das implicadas na ampliação do objeto daquele pela autora, incluindo, naturalmente, as questões sobre custas.

37. O acórdão julgou parcialmente procedente a apelação  da ré, declarando a nulidade da sentença recorrida por ter condenado em objeto diverso do pedido e, procedendo à apreciação do mesmo no suprimento da nulidade, acordou julgar improcedente a ação, absolvendo a ré do pedido formulado, mantendo a sentença recorrida na parte em que já a absolvera dos pedidos de pagamento dos juros moratórios e do pagamento suplementar de juros à taxa de 5% ao ano, nos termos do disposto no artigo 829.º-A/4 do CPC.

38. Interposto recurso de revista pela autora, concluiu a minuta nos seguintes termos:

A. O presente recurso vem interposto do douto acórdão do Tribunal da Relação de …, datado de 7 de dezembro de 2016.

B. A A./Recorrente, AA, não se conforma com o decidido, por entender que, o acórdão do Tribunal da Relação de … é nulo, atendendo a que a condenação nele plasmada é ultra petitum (cf. artigo 674., n.º 1, c) e 615.°, n. ° 1, e) do CPC).

C. Por outro lado, entende a A./recorrente que o acórdão em crise padece de erros de julgamento quanto à interpretação e aplicação do Direito {cf. artigo 674., n.º 1, a), do CPC).

D. No que respeita à nulidade do acórdão do Tribunal da Relação de … é entendimento da A./recorrente que, ao julgar a ação totalmente improcedente, o Tribunal a quo não se ateve às conclusões dos recorrentes, pelo que é o próprio acórdão do Tribunal da Relação de …, de que ora se recorre, nulo, por condenar ultra petitum;

E. Nas suas alegações de recurso para o Tribunal da Relação de …, a R./recorrida, RTP, conclui que a consequência da (alegada) violação do princípio do dispositivo em que o Tribunal de Primeira Instância incorreu - a qual é meramente aparente - a consequência da nulidade traduzir-se-ia no dever de o Tribunal "ter-se limitado a proferir uma condenação genérica no pagamento da remuneração prevista no artigo 178°, n.°s 2 e 3 do Código de Direito de Autor e dos Direitos Conexos (CDADC), abstendo-se de optar por critérios alternativos,"- (Ponto iv das Conclusões).

F. Com a decisão proferida no Acórdão em crise não só o Tribunal da Relação de … condenou ultra petitum como conduziu a um resultado prático que se revela devastador para todos os profissionais do espetáculo, que ficam assim sem remuneração pelo seu trabalho, sendo, por essa razão, a decisão de improcedência da ação, em si mesma, violadora dos Direitos dos Trabalhadores, tutelado pela Constituição da República Portuguesa (cf. artigo59.0,n.°1,daCRP);

G. Pelo que, e sem mais, deve ser declarada a nulidade do Acórdão do Tribunal da Relação de …, com as legais consequências.

H. Subsidiariamente, caso assim não se entenda, o que não se concede mas por mera cautela de patrocínio se equaciona, sempre se dirá que não existe qualquer violação do princípio do dispositivo na sentença do Tribunal de Primeira Instância, não merecendo a decisão de Primeira Instância qualquer reparo.

I. O Tribunal da Relação de … confunde o pedido formulado com o critério apontado pela A./recorrente, AA, para determinação da prestação equitativa e é por essa única razão que conclui que o Tribunal de Primeira Instância condenou a R./recorrida, RTP, em objeto diverso do pedido

J. No que se refere à errada interpretação-aplicação do Direito pelo Tribunal a quo entende a A./recorrente que a mesma resulta da circunstância de o pedido deduzido pela A./recorrente, AA, se traduzir somente na condenação da R./recorrida, RTP, numa remuneração equitativa, já não condenação à luz do critério proposto pela A./recorrente para alcançar tal desiderato, o qual não integra o pedido.

K. Assim como o artigo 178.° do CDADC é apenas o fundamento de direito de onde resulta a procedência do direito da A./recorrente, AA, não integrando o pedido para condenação nessa prestação.

L. O juiz tem o dever de participar na decisão do litígio, participando na indagação do direito sem que esteja confinado à alegação de direito feito pelas partes, o que é imposto pelo princípio iura novit curia, (cf. artigo 5.°, n.º 3, do CPC).

M. O mesmo se diga relativamente à equidade, instrumento jurídico que substitui a aplicação estrita do Direito nos casos expressamente admitidos, como o do artigo 400.°, n.º 2, do CC, aplicável ao caso sub judice.

N. Claro está com a devida salvaguarda de as partes terem configurado o critério adotado pelo juiz como possível e de lhes ter sido dada a possibilidade de se pronunciarem quanto ao mesmo, o que, foi cumprido na íntegra.

O. Pelo que, ao contrário do decidido pelo Tribunal da Relação de …, a alteração do critério de equidade operada pelo Juiz do Tribunal de Primeira Instância não constitui alteração do pedido, não existindo, por essa razão, violação do Princípio do Dispositivo.

P. Mais, ainda que se entendesse que o critério equitativo apontado pela A./recorrente se deva incluir no pedido, não sendo um mero instrumento decisor, o que, somente se equaciona por mera cautela de patrocínio, nunca poderia o Tribunal da Relação de … circunscrever, como fez, o pedido da A./recorrente ao pagamento de uma remuneração equitativa segundo um único critério.

Q. Só a leitura de toda a petição inicial permite aferir o pedido real nos seus exatos termos e os respetivos limites, sendo que resulta da P.I. que o pedido principal da Recorrente, AA, se traduz na condenação da R./recorrida, RTP, numa prestação equitativa.

R. Assim, se se entender que este critério está incluído no pedido, não pode considerar-se que esse pedido se corporiza na apreciação da validade de um único critério, mas sim na escolha do critério que melhor traduza uma prestação equitativa;

S. Mais, qualquer dos critérios em análise - % receitas, valor minuto - foram exaustivamente discutidos no processo, nomeadamente na contestação apresentada pela R./recorrida, RTP, tendo sido inclusive objeto de prova, pelo que, dúvidas não podem subsistir de que o critério adotado pelo Tribunal de Primeira Instância integra o objeto do processo.

T. Acresce que a interpretação do artigo 609.°, n.º 1, do CPC feita pelo Tribunal da Relação de … no sentido de não permitir que o juiz pratique o critério que entender adequado para concretizar o seu juízo de equidade, num caso em que, por previsão expressa da lei (artigo 178.° do CDADC), só pode ser decidido mediante equidade, é uma interpretação da norma intolerável e violadora do princípio da tutela jurisdicional efetiva, constitucionalmente tutelado. {cf. artigo 20.°, n.°s 4 e 5, da CRP).

U. Violação essa que é ainda mais grave por na prática impedir, ou pelo menos retardar, o direito dos artistas a serem remunerados pelo seu trabalho e a terem uma vida condigna, direito tutelado constitucionalmente (cf. artigo 59.°, n.°1, da CRP).

V. Por outro lado, o Tribunal da Relação de … fundamenta a decisão de que ora se recorre com o facto de o processo não ter seguido a forma de processo de jurisdição voluntária para a determinação judicial da prestação ou do preço (cf. artigo 1004.°, do CPC).

W. Além da fixação da remuneração equitativa, a A./recorrente, AA, peticiona na sua P.I. que o Tribunal condene a R./recorrida, RTP, a pagar esse valor desde uma determinada data.

X. Pelo que, tratando-se de uma cumulação de pedidos em que cada um, separadamente, seguiria forma de processo diferente, nada obsta a que o Juiz autorize a cumulação numa mesma ação (cf. artigo 37.°, n. ° 1, do CPC), o que, aliás, parece ter acontecido nestes autos, ao invés de corrigir o erro da forma de processo oficiosamente (cf. artigo 193.°, n. ° 3, do CPC).

Y. Não tendo sido conhecido e corrigido o erro na forma de processo (cf. artigo 200.° do CPC), este deverá considerar-se sanado.

Z. Diferente entendimento de um tribunal superior é claramente violador do princípio da prevalência do fundo sobre a forma.

AA. Termos em que o Acórdão do Tribunal da Relação de … deverá ser revogado e, em consequência, o processo deverá ser devolvido ao Tribunal recorrido a fim de ser conhecido o pedido subsidiário constante do recurso de apelação da Ré/recorrida, bem como o recurso subordinado constante das contra-alegações de recurso da A./ora recorrente.

39. A recorrida por sua vez considerou que o Tribunal da Relação, face ao modo como o pedido foi deduzido, ou seja, indicando um critério específico de cálculo da remuneração devida, limitou os termos em que a condenação poderia ser proferida e, assim sendo, o pedido concretamente apresentado só poderia ser decidido pela procedência ou improcedência; a sentença, condenando com base num critério completamente diferente do peticionado, violou o princípio do dispositivo, pois o pedido apresentado não permitia a apreciação  de outros critérios possíveis destinados a determinar a remuneração prevista no artigo 178.º/2 e 3 do CDADC.

40. E mais considerou - ver §§ 18 a 20 das contra-alegações no recurso de revista a fls. 1791 - ser falso que não tenha propugnado pela declaração de improcedência total da ação assim esclarecendo o entendimento contrário que podia decorrer de anteriores declarações: ver infra 48.

41. Não teve a RTP oportunidade de se defender, apresentando elementos adicionais à sua defesa como aconteceria se a A. tivesse apresentado um pedido de determinação da prestação devida, o que, aliás, fez noutra ação similar contra outros operadores de televisão.

42. A recorrida, para a hipótese de se verificar a procedência  do peticionado pela recorrente, requer a apreciação das demais questões suscitadas no âmbito do recurso de apelação que se prendem: (i) com a verificação de erro na aplicação do Direito pelo tribunal de 1ª instância; (ii) admitindo-se a possibilidade de o Tribunal decidir de acordo com um critério distinto do peticionado pela recorrente AA, tal critério ser determinado em função de diversos fatores; (iii) a revogação da sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância no que respeita à divisão de custas processuais.

43. Factos provados

I) Factos Provados (por acordo das partes):

1) A Cooperativa autora (AA) foi constituída a 28.11.1995 sendo uma pessoa coletiva de utilidade pública registada na Direção de Serviços de Licenciamento da Inspeção-Geral das Atividades Culturais - IGAC, do Ministério da Cultura - PI 1 (A).

2) A autora tem por objeto estatutário: “o exercício e a gestão dos direitos conexos ao direito de autor, dos artistas, intérpretes ou executantes seus cooperadores que lhe confiaram, por força de lei ou contratualmente, a gestão dos seus direitos patrimoniais ou morais, bem como a gestão dos direitos, conexos ao direito de autor, dos seus administrados e dos membros de entidades estrangeiras congéneres com a quais a cooperativa celebrou contratos de representação e reciprocidade e, nomeadamente, a cobrança e distribuição das remunerações provenientes do exercício desses direitos, em Portugal e no Estrangeiro” - PI 2(B).

3) A autora é a entidade de gestão coletiva dos direitos dos artistas, com autorização administrativa e legitimidade para exercer e gerir, em Portugal, os referidos direitos de propriedade intelectual dos artistas, intérpretes ou executantes, nacionais e estrangeiros - PI 3 (C).

4) Artistas, intérpretes ou executantes são os atores, cantores, músicos, bailarinos e outros que representem, cantem, recitem, declamem, interpretem ou executem de qualquer forma obras literárias ou artísticas - PI 4 (D).

5) A ré Rádio E Televisão de Portugal, S.A. (doravante abreviadamente designada por “RTP”) dedica-se à emissão de programas por radiodifusão ou por satélite e tem a concessão do serviço público de televisão - PI 6 (E).

6) A RTP iniciou a emissão desde 1957 nos seus dois canais generalistas (RTP 1 e 2), destinados à receção do público, mantendo uma emissão regular de programas desde essa  altura - PI 7 (F).

7) Para além dos dois canais generalistas (RTP 1 e 2) a RTP mantém uma emissão regular de programas, por radiodifusão ou por satélite, nos canais RTP-Açores, RTP-Madeira, RTP-África e RTP-Internacional - PI 8 (G).

8) É obrigação da RTP, enquanto televisão de serviço público, emitir obras de produção nacional, independente e europeia, devendo dedicar-lhes percentagens superiores às exigidas na lei para os demais operadores de televisão. PI 11 -  (H).

9) Constitui obrigação da RTP, enquanto televisão de serviço público, fomentar a produção nacional e independente, designadamente através do apoio e da divulgação frequentes dos autores, artistas, cientistas, pensadores e, em geral, dos criadores portugueses - PI 12(I).

10) Apesar das inúmeras tentativas de se atingir um acordo com a ré de fixação do montante concreto da remuneração com base na lei, tal não foi possível até hoje -  PI 14 (J).

11) Mas só pelas remunerações devidas pelas repetições de dobragens de alguns programas para português, a AA faturou à RTP 3.386,84€ em 2001, 6.044,90€ em 2002 e 5.431,91€ em 2003 - PI 34 (K).

12) Nos termos previstos no contrato de concessão do serviço público de televisão celebrado entre o Estado Português e a RTP – Conclusão 9.ª, n.º 8 –, o serviço de programas generalista de âmbito nacional dirigido ao grande público deve dedicar pelo menos 60% das suas emissões, com exclusão do tempo dedicado à publicidade, televenda e teletexto, à difusão de programas originariamente em língua portuguesa -  PI 37 (L).

13) O atual texto do artigo 178.º do CDADC (e a revogação do artigo 179.º) resultou da Proposta de Lei n.º 108/IX, apresentada na sequência de um acordo, celebrado em 26 de  fevereiro de 2004, entre a Autora - enquanto entidade de gestão coletiva dos direitos dos artistas, intérpretes e executantes - a BB e a CC, com a adesão da RTP – enquanto entidades que procedem à radiodifusão, comunicação pública e comercialização de obras radiodifundidas de prestações artísticas - com vista à transposição para a ordem jurídica nacional da Diretiva 2001/29/CE, do Parlamento e do Conselho, de 22 de maio de 2001. – PI 54(M).

14) Este acordo entre a Autora, a BB e a CC, com a adesão da RTP, resultou da vontade conjunta de propor uma alteração ao artigo 178.º e a revogação do 179.º do CDACD e traduziu: “uma opção das partes de uma maior certeza e segurança jurídica na gestão dos respetivos direitos, atualizando e adaptando os artigos à realidade atual comunitária e internacional;” (cf. ponto 3 dos Considerandos do Acordo ora junto como doc. n.º 2) -  PI 55 (N).

15) Desde o início de vigência da Lei n.º 50/2004, de 24 de agosto, não foi alcançado qualquer acordo entre a entidade de gestão coletiva dos direitos dos artistas, intérpretes ou executantes e os utilizadores que procedem à radiodifusão das respetivas prestações, sobre os critérios de determinação do montante da remuneração consagrada no art. 178.º, nºs 2 e 3 do CDADC – PI 58(O).

16) Nem sequer foi possível alcançar acordo para o pagamento de uma remuneração a título provisório - PI60(P).

17) Até à presente data, a RTP, enquanto utilizadora das prestações dos artistas, intérpretes ou executantes, não efetuou qualquer pagamento das remunerações devidas pela radiodifusão daquelas prestações artísticas, desde 29 agosto de 2004 – PI 65(Q).

18) A RTP é um organismo de radiodifusão, por via hertziana e por satélite, que emite e efetua a comunicação ao público e a comercialização de prestações de artistas, intérpretes ou executantes, nacionais ou estrangeiros – PI 74 (R).

19) Apesar de, ao longo de cerca de mais de três anos, se ter desenvolvido um intenso processo negocial, com a realização de reuniões e troca de correspondência entre os representantes de cada uma das partes e os respetivos mandatários, não foram ultrapassadas as divergências (cf. docs. n.º 3 e 4 que ora se juntam e cujo teor se dá aqui por reproduzido) - PI 77(S).

20) Até à presente data não foi alcançado acordo entre a AA e a RTP sobre o quantitativo da remuneração inalienável, equitativa e única, devida aos artistas intérpretes ou executantes como contrapartida pela radiodifusão, comunicação ao público das suas prestações e comercialização das obras radiodifundidas – PI 78 (T).

21) Durante as negociações mantidas entre a AA, e a RTP, foram debatidos dois critérios para a determinação do valor da remuneração:  a. a fixação de um valor por minuto de prestações exibidas ou  b. a fixação de uma percentagem do montante das receitas publicitárias auferidas por cada organismo de radiodifusão - PI 96(U).

22) Mesmo que fosse possível realizar a contagem do tempo de cada prestação artística, sempre se suscitariam inúmeras dificuldades para a determinação do valor devido por minuto e por prestação, atendendo à diversidade de artistas, intérpretes ou executantes e à multiplicidade das prestações - PI 99(V).

23) Por esta via da contagem do tempo de radiodifusão de cada prestação, o apuramento da remuneração devida por cada um dos organismos de radiodifusão tornar-se-ia numa tarefa complexa e com um elevado potencial de conflituosidade - PI 100(W).

24) O que obrigaria todas as entidades envolvidas no pagamento e cobrança da remuneração a disporem de recursos técnicos e humanos dedicados ao respetivo apuramento e confirmação, os quais seriam necessariamente complexos e dispendiosos - PI 101 (X).

25) O critério com base na fixação de um preço a aplicar ao tempo por minuto de emissão das obras ou prestações foi assim arredado do processo negocial - PI 102(Y).

26) O outro critério proposto pela AA foi o de determinação da remuneração através da aplicação de uma percentagem ao montante das receitas publicitárias anualmente auferidas por cada organismo de radiodifusão - PI103(Z).

27) Enquanto concessionária do serviço público de televisão, a RTP tem limitações quanto à publicidade comercial exibida, que, no caso do primeiro canal generalista (RTP 1) não pode exceder os seis minutos por hora e, no caso do segundo canal generalista (RTP2), não pode ser exibida qualquer publicidade – nos termos da cláusula 23.º do Contrato de Concessão do Serviço Público de Televisão celebrado entre o Estado Português e a RTP a 25 de março de 2008 - PI 116 (AA).

28) A RTP vê as suas receitas publicitárias reduzidas em função das limitações à emissão de publicidade comercial - PI 117 (BB).

29) Para obviar a essa limitação de receitas, a RTP recebe, anualmente, do Estado Português, nos termos do Contrato de Concessão do Serviço Público de Televisão (Cl. 24.ª e 25.ª), uma compensação financeira que reveste a forma jurídica de indemnização compensatória, destinada a garantir o financiamento das obrigações de serviço público assumidas pela RTP – PI 118(CC).

30) Perante a falta de acordo das partes quanto ao montante da remuneração, o litígio foi dirimido por um Tribunal Arbitral ad hoc – constituído pelo Professor Doutor João de Matos Antunes Varela, como árbitro-presidente, pelo Doutor Daniel Proença de Carvalho e pelo Conselheiro jubilado Doutor Américo Fernando de Campos Costa, como árbitros adjuntos – cuja missão consistiu em avaliar se o preço reivindicado pelos titulares dos direitos em causa era justo e equitativo - PI 136 (DD).

31) Este Tribunal Arbitral julgou a ação procedente e, através de acórdão proferido a 30 de novembro de 2000, depositado na Secretaria-geral do Tribunal Judicial de Lisboa, condenou as demandadas a (cf. doc. n.º 5):  - pagar às demandantes representadas pela MM a remuneração anual de 90$00 e às  demandadas representadas pela AA a remuneração de 10$00, por assinante e por mês, a  partir do ano de 2000, e atualizada em cada novo período anual, de harmonia com o aumento verificado no Índice Nacional de Preços ao Consumidor fornecido pelo INE, sendo a primeira atualização efetuada em janeiro de 2001; e - pagar às demandantes uma indemnização igual ao resultado da multiplicação de 100$00 pelo número de assinantes que, em cada mês e durante os anos de 1995 a 1999, inclusive, tenha pago os preços de assinatura cobrados pelas demandadas, devendo tal remuneração ser deflacionada de harmonia com o índice dos preços ao consumidor fornecido pelo INE – PI 137 (EE).

32) Através deste acórdão também a própria ré viu reconhecido e fixado o direito de auferir uma remuneração dos operadores de rede de distribuição de televisão por cabo determinada com base num valor fixo por assinante – PI139(FF).

33) As receitas dos operadores por cabo resultam, essencialmente, do que é pago pelos assinantes, nos organismos de radiodifusão privados, como é o caso da ré, as receitas correspondem às receitas publicitárias e, para a ré, à compensação financeira paga pelo Estado Português no âmbito do Contrato de Concessão do Serviço Público de Televisão - PI 145(GG).

34) Em Espanha, as duas entidades de gestão coletiva dos direitos dos artistas, intérpretes ou executantes são a “DD”, e a “EE (AIE)” - PI 161 (HH).

35) Foi celebrado entre o Estado Português e a RTP, S.A. um " Contrato de Concessão de Serviço Público de Rádio e de Televisão, datado de 6-03-2015, o qual se encontra junto a fls. 1446 a 1479, que aqui se dá por integralmente reproduzido, que veio revogar o anterior "Contrato de Concessão de Serviço Público de Televisão" - e seu acordo complementar - datado de 25-03-2008, o qual se encontra junto a fls. 1480 a 1511, que aqui também se dá por integralmente reproduzido (articulado superveniente e seus documentos);

II) Factos provados (que resultaram da prova produzida nos autos):

36) A AA representa o seguinte repertório ou conjunto de artistas, intérpretes ou executantes:

i) os nacionais e estrangeiros com residência fiscal em Portugal e estrangeiros diretamente inscritos na AA;

ii) os europeus residentes em Estados membros da UE;

iii) todos aqueles que sejam membros de entidades de Gestão Coletiva de Direitos Conexos, congéneres da AA e com as quais a AA celebrou contratos bilaterais de representação recíproca;

iv) os nacionais de países não membros da UE cujas prestações estejam protegidas (1ºBI).

37) A programação dos oito canais de televisão da RTP contém prestações de artistas, intérpretes ou executantes (tais como filmes, séries, novelas, programas de humor, programas de entretenimento, musicais, etc.) que varia entre 31,2% a 31,8% da totalidade da programação – sendo esta composta pelos seguintes tipos de programas: Informação; Desporto; Religiosos; Direito de Antena; Tempos de Antena; Ficção Nacional; Ficção Estrangeira; Musicais e Eruditos; Infantis e Juvenis; Recreativos; Documentais; e Divulgação Cultural - exibida nos canais da RTP (2º BI, 10º BI, 11ºBI, 12ºBI, 13ºBI; 16ºBI, 58ºBI e 60ºBI).

38) Nos programas com alguma prestação artística que não ocupe todo o programa, a referida prestação artística ocupa, em média, 35,2% do seu tempo de emissão, valor que no programa «FF» é de 18% e no programa «GG» é de 28% (59ºBI).

39) A maior parte desses artistas, intérpretes ou executantes são representados pela AA (3º BI).

40) Até à presente data, a RTP não efetuou o pagamento da remuneração estabelecida no art. 178.º, nºs 2 e 3 do CDADC, na redação dada pela Lei n.º 50/2004, de 24 de agosto, como contrapartida pela radiodifusão, comunicação ao público e comercialização das obras radiodifundidas das prestações dos artistas, intérpretes ou executantes que são transmitidas nos seus canais e apesar de nunca terem cessado de prestar à ré as suas interpretações, desde a entrada em vigor do novo regime, os artistas, intérpretes ou executantes continuam até hoje sem auferir qualquer remuneração pelas suas interpretações, continuando a ré a utilizar a utilizá-las mediante a respetiva radiodifusão e comunicação ao público, sem os remunerar por essa utilização (4ºBI, 5º BI, 15º BI e 17º BI).

41) Antes da entrada em vigor da Lei n.º 50/2004, de 24 de agosto, na maior parte das vezes, os artistas cediam os seus direitos de radiodifusão e comercialização aos produtores ou diretamente aos organismos de radiodifusão, e só auferiam uma única remuneração pela fixação da sua interpretação; a ré, quando contratava com os artistas, remunerava a cedência dos direitos de radiodifusão e comercialização através de um “cachet” pela sua prestação que, genericamente, incluía a remuneração pela fixação e primeira radiodifusão, assim como por futuras radiodifusões e comercializações, adquirindo, por sistema, junto dos artistas, intérpretes e executantes, enquanto titulares de direitos conexos, a autorização necessária para proceder a futuras radiodifusões de prestações fixadas pela Ré (7ºBI, 52ºBI e 69ºBI).

42) Quando tal remuneração não estava prevista no contrato inicialmente celebrado, havia lugar ao pagamento de 20% do montante desse “cachet” por cada nova transmissão ou retransmissão (ou 20% do que a Ré recebesse em caso de comercialização) (53º BI).

43) A ré sempre cumpriu essas suas obrigações de remunerar os artistas pelas utilizações que fazia das respetivas prestações (54º BI).

44) A AA, enquanto entidade de gestão coletiva, apenas geria e cobrava aos organismos de radiodifusão as remunerações que não eram objeto de cedência pelos artistas, intérpretes ou executantes - isto é, as repetições de dobragens para português de alguns programas infantis (sendo que, os programas infantis são, dos programas que incluem prestações protegidas, aqueles que são objeto de repetição mais frequente) (8º e 56º BI).

45) Todos os critérios propostos pela autora para a determinação daquela remuneração foram sendo sucessivamente rejeitados pela RTP (14º BI).

46) As audiências diferem consoante a programação que é exibida (22º BI).

47) As receitas publicitárias não constituem a principal fonte de receitas da RTP (25º BI).

48) A determinação do quantitativo da remuneração devida pela retransmissão por cabo de obras e prestações de titulares de direitos de autor e direitos conexos, nos termos do art. 7.º do Decreto-Lei n.º 333/97, de 27 de setembro, foi objeto de um litígio entre os titulares desses direitos (a AA e a Sociedade Portuguesa de Autores, como entidade de gestão coletiva dos direitos de autor e representantes da RTP, da BB, da CC, da HH e da II e seus associados) e os operadores de rede de distribuição de televisão por cabo (JJ S.A., KK, S.A. e a LL, S.A.) (29º BI).

49) A remuneração que é paga pela ré aos autores, através da MM, pela radiodifusão das suas obras corresponde a um valor anual de cerca de dois milhões de euros (34º BI).

50) As duas entidades de gestão coletiva espanholas intentaram várias ações contra os organismos de radiodifusão públicos e privados para reclamarem o pagamento dos direitos remuneratórios dos seus representados (43º BI).

51) Na generalidade dos casos, a ré contrata produtores externos que desempenham a tarefa de dobragens para língua portuguesa de programas infantis, contratando os artistas, intérpretes e executantes e obtendo junto destes a autorização para a fixação das respetivas prestações (67º BI).

52) Há determinados programas radiodifundidos pela ré cujas fixações videográficas estão em comercialização no mercado (em formato DVD): contudo, tais edições são produzidas por entidades externas que não a Ré (73º BI).

53) A ré não é o produtor videográfico das mesmas, limitando-se a autorizar a utilização das imagens sobre as quais detém direitos (quando os detém) (74º BI).

54) Entre outras finalidades, a indemnização compensatória recebida pela RTP destina-se a compensar:

- Custos das delegações e correspondentes – que, naturalmente, em nada se relacionam com os programas que incluem prestações artísticas, mas apenas com os programas de informação.

- Custos dos serviços de programas regionais – que, essencialmente, se prendem com custos de difusão do sinal naquelas regiões periféricas e produção própria de programas de informação.

- Custos de cooperação com os países de língua portuguesa – que, uma vez mais, em nada se relacionam com as prestações protegidas;

- Diferencial de cobertura – relativo aos custos de cobertura universal do território.

- Fiscalização do cumprimento das missões de interesse público – auditorias, conselho de opinião e outros.

- Outros custos relacionados com eventuais reestruturações da ré, assim como com encargos assumidos até 2004 com pensionistas e reformados (82º BI).

E julgou não provados os seguintes factos:

a) O demais questionado nos artigos 2ºBI, 10º BI, 11ºBI, 12ºBI, 13ºBI; 16ºBI, 58ºBI e 60ºBI, na parte não apurada e constante em 37) dos factos provados;

b) O demais questionado no artigo 59ºBI, na parte não apurada e constante em 38) dos factos provados;

c) O questionado no artigo 6º da BI.

d) O demais questionado no artigo 53º BI, na parte não apurada e constante em 42) dos factos provados.

e) O questionado nos artigos 9º, 55º e 57º da BI.

f) O demais questionado no artigo 14º BI, na parte não apurada e constante em 45) dos factos provados.

g) O questionado no artigo 18º da BI.

h) O questionado no artigo 19º da BI.

i) O questionado no artigo 20º da BI.

j) O questionado no artigo 21º, 23º e 24º da BI.

k) O questionado em 26º da BI.

l) O questionado em 27º e 28º da BI.

m) O questionado em 30º, 31º, 32º, 33º da BI.

n) O questionado em 35º, 36º, 37º, 38º, 39º, 40º e 41º da BI.

o) O questionado no artigo 42º da BI.

p) O questionado em 43º ( na parte que não está incluída no artigo 50º dos factos provados), 44º, 45º, 46º, 47º, 48º e 49º da BI.

q) O questionado no artigo 50º da BI.

r) O questionado no artigo 51º da BI.

s) O questionado em 61º, 62º, 63º, 64º, 65º, 66º , 68º da BI.

t) O questionado no artigo 70º, 71º e 72º da BI.

u) O questionado em 75º, 76º, 77º, 78º, 79º, 80º e 81º da BI.

v) O questionado em 83º e 84º da BI.

x) O questionado no artigo 85º, 86º, 87º e 88º da BI.

z) O questionado em 89º e 90º da BI.

Apreciando

44. Suscita-se nestes autos a questão de saber se o Tribunal da Relação, revogando a decisão de 1ª instância por entender que esta incorreu na nulidade do artigo 615.º/1, alínea e) do CPC  - condenação em objeto diverso do pedido - e, depois, absolvendo a ré do pedido por julgar a ação improcedente à luz dos referenciados pedido e causa de pedir, incorreu em violação da lei processual (porque não se verificou a invocada nulidade) e substantiva ( porque com a absolvição do pedido os AIE perdem o direito a auferir remuneração que a lei lhes reconhece).

45. A nulidade reconhecida pela Relação resultou do facto de a sentença ter condenado a ré no pagamento de uma remuneração anual desde setembro de 2004 "correspondente ao  valor por minuto de prestações de AIE exibidas pela ré, que seja apurado em liquidação de sentença" quando o autor pediu a condenação da ré a pagar à autora "uma remuneração pelas prestações dos AIE, prestadas à ré desde 1 de setembro de 2004 […] no valor de 1,50% do valor das receitas publicitárias e compensação financeira do Estado e contribuição audiovisual auferidas anualmente pela ré em montante a determinar em sede de liquidação".

46. Cumpre salientar que nem a autora nem a ré põem em causa o reconhecimento do direito à fixação de uma remuneração inalienável, equitativa e única destinada aos AIE de que a autora tem a gestão coletiva, pois assim o impõe o artigo 178.º/2 do CDADC.

47. Por isso, processualmente, considerando que a A. pediu a condenação da ré no pagamento da aludida prestação em montante a determinar em sede de liquidação, o pedido, nessa parte, merece atendimento e justifica-se que assim se considere; com efeito, reconhecido tal direito e remetendo-se as partes para a liquidação de sentença, o Tribunal tem necessariamente de fixar a quantia devida pois, ainda que a prova produzida seja insuficiente, ao juiz cumpre completá-la mediante indagação oficiosa (artigo 360.º/4 do CPC).

48. Ora este objetivo - o de uma condenação em liquidação - afirmado desde o primeiro momento e que a ré inicialmente parecia não excluir ( ver 24, d) supra, ver 32 das alegações do recurso de apelação da ré a fls. 1666) seria traído com manifesto prejuízo, impondo-se à autora, no âmbito de uma ação declarativa, sujeita ao princípio dispositivo que permite às partes delimitar o pedido e a causa de pedir, recorrer novamente a um meio processual em que a fixação do montante da prestação poderia não ser efetivado. 

49. Não se pode, a nosso ver, censurar o acórdão considerando que violou o princípio do pedido, condenando ultra petitum, quando absolveu a ré do pedido, pois por certo que uma absolvição do pedido não pode gerar esse vício.

50. Também se afigura que a decisão proferida de absolvição da ré não implica a perda do direito à fixação da remuneração porque o sentido da decisão é tão somente o de improceder o pedido deduzido de condenação da ré no pagamento da remuneração a liquidar com base na sustentada percentagem de receitas da ré.

51. No entanto, sendo tudo isto certo, constata-se que o pedido deduzido pela autora tinha dois objetivos: (a) o de condenação da ré em montante a determinar em liquidação porque a autora, com base nos elementos de que dispunha quando propôs a ação, podia apenas lograr obter um elemento de referência destinado à fixação da remuneração e (b) o da fixação dessa mesma percentagem.

52. Por isso, a condenação da ré no pagamento da remuneração a liquidar traduz o reconhecimento de um pedido que vale, por si, independentemente da procedência ou improcedência da fixação da percentagem que a autora reclama para com base nela vir a obter, em sede de liquidação, a remuneração que tem por justa.

53. O acórdão, reconhecendo a nulidade da sentença, substituiu-se à primeira instância quanto à questão de saber se  devia ou não devia desde já ser condenada a ré na fixação de uma remuneração calculada sobre a percentagem das receitas.

54. Entendeu justificadamente que um tal critério não seria, no caso, equitativo, posição, aliás, que também foi a da 1ª instância, não estando em causa na revista a discussão sobre a bondade deste entendimento.

55. Afigura-se que continua a ter interesse ponderar se a sentença proferida incorreu na invocada nulidade, pois, se assim não se considerar, fica de pé a decisão condenatória que define, para efeito de liquidação, como critério de remuneração o " correspondente ao valor por minuto de prestações de AIE" do qual a ré discorda por entender que se trata de um critério "cego"; por isso, à cautela a ré remete para as suas alegações do recurso de apelação as objeções que aí expôs no que respeita à fixação deste critério ( ver fls. 1801 e alegações do recurso de apelação a fls. 1667 do 8.º Volume).

56. Refira-se que a condenação não pode deixar de ser lida em função do mais que é referido na fundamentação da sentença que o Tribunal de 1ª instância refere com base na jurisprudência comunitária e a que aludimos em 20 e 21 supra. Estas considerações invadem já o campo da própria análise do critério com elas apenas se procura evidenciar que a sentença não padece da contradição ou ilogicidade que parece perpassar das alegações da recorrida.

57. No caso de um pedido de condenação no pagamento de uma remuneração líquida à autora, enquanto entidade de gestão coletiva representativa dos AIE, o pedido é o da condenação numa quantia equitativa destinada a remunerar as prestações dos AIE transmitidas ao público por organismo de radiodifusão.

58. Na base do pedido integram-se também os elementos de facto que permitem considerar que a remuneração a fixar não é arbitrária mas razoável, equilibrada, proporcional, em suma, equitativa, revelação da doutrina da substanciação que a nossa lei processual acolhe.

59. Se a autora deduzisse um pedido de condenação em quantia certa a partir de elementos de facto justificativos da equidade, o Tribunal podia condenar nessa ou em quantia igual ou inferior, atribuindo relevância a uns ou a outros, conjugando-os, optando pelo critério mais adequado. Nesse caso o valor pedido podia fundar-se na aplicação de um critério de percentagem sobre o valor das receitas ou num diverso critério fundado, por exemplo, no valor médio de assinaturas multiplicado pelo número de assinantes ou, no caso de radiodifusão sem assinaturas, na multiplicação do número médio de audiência por percentagem equivalente a 20% da remuneração inicialmente paga. À luz dos elementos de facto obtidos por via pericial ou mediante o fornecimento de dados credíveis pela ré, o Tribunal ponderaria o critério mais adequado e, nesse caso, o Tribunal estaria a  formular juízos de equidade.

60. Reconhece-se a dificuldade na dedução de um pedido em quantia certa quando se está perante a opção de uma quantia fixa à forfait ou por percentagem, porventura superável mediante a dedução de pedidos subsidiários, solução válida igualmente para uma pretensão de definição de critério vinculativo para efeitos de liquidação. Seja como for, e tal como se refere no acórdão do tribunal arbitral de 30 de novembro de 2000, junto aos autos, relatado por Antunes Varela, "a remumeração por percentagem é a remuneração traduzida numa quantia certa em dinheiro que resulta da aplicação de uma determinada percentagem sobre a importância, também em dinheiro, da assinatura cobrada pelos operadores de cabo aos seus assinantes e, eventualmente, sobre as demais receitas desses operadores. A remuneração à forfait é a remuneração em quantia certa que não resulta da aplicação de uma percentagem em dinheiro, sendo o respetivo montante função de diversos fatores, como o número de canais e a duração das emissões. Estas noções obrigam, antes de tudo, a fazer uma advertência: a remuneração por percentagem consiste necessariamente, tal como no regime à forfait, numa quantia certa em dinheiro, não sendo, por isso, lícito afirmar que, na Alemanha, a remuneração é de 4% e que, pelo contrário, na Bélgica é de 539 francos belgas. Em ambos os regimes a remuneração consiste numa quantia certa em dinheiro e a diferença reside apenas na circunstância de, num caso, a remuneração derivar diretamente da aplicação de uma determinada percentagem sobre as assinaturas (e eventualmente sobre outras receitas do operador), enquanto a remuneração à forfait se baseia em fatores de outra natureza, designadamente no número e canais e/ou da duração das emissões. Daqui se segue que os adeptos do sistema de percentagem estarão claramente impossibilitados de afirmar que a remuneração deve assentar exclusivamente na 'audiência efetiva', na 'audiência potencial' ou na 'versão linguística' a que alude o considerando 17 de Diretiva n.º 93/83, de 27 de setembro de 1993, uma vez que tais pressupostos nada têm que ver com percentagens. Logo, o que distingue os dois regimes de remuneração, traduzida necessariamente, numa quantia certa, reside tão-só no modo como essa quantia certa é calculada".

61. Ora se o Tribunal dispõe dos elementos de facto para calcular a aludida quantia utilizando o critério da percentagem ou outro, é bom de ver que o facto de pedir uma quantia com base na percentagem, não obsta a que o Tribunal condene no pagamento dessa ou diversa quantia (igual ou inferior) servindo-se dos demais elementos de que dispõe por considerar que o montante a fixar com base nestes elementos é mais criterioso do que se for fixado com base em percentagem.

62. No entanto, no caso vertente, o que a autora fez foi integrar no pedido a condenação na própria percentagem, não enquanto fundamento de cálculo do montante, mas enquanto pedido essencial e vinculativo para o Tribunal na determinação do montante a fixar em liquidação.

63. E fê-lo porque considerou que o critério da fixação do valor por minuto foi afastado pelas partes (7 supra) na pressuposição de que apenas dois critérios existem e que o da percentagem tem de ser calculado nos termos indicados; não se nos afigura todavia rigoroso afirmar que o critério em causa foi discutido nos autos, pois o que nos dá a matéria de facto é tão somente que esse critério foi afastado (ver 43 e, aí, 21 a 25 da metéria de facto). Ora isto não traduz discussão no âmbito dos autos, mas antes posição assumida pelas partes previamente à instauração do litígio.

64. Por isso, a ré não teve de se defender da aplicação deste critério, embora não se possa excluir agora a fixação de uma quantia à forfait ou mesmo na base de uma percentagem mas não aquela que a autora pretende; isto se diz porque os elementos que a ré avança (ver 11 a 14) não parecem excluir a fixação de uma quantia por percentagem e o acórdão o que rejeitou foi a fixação de "um puro sistema de remuneração por percentagem aplicada sobre o  montante de receitas da ré"(ver fls. 1730).

65. Por estas razões afigura-se-nos que, no caso vertente, o Tribunal não podia ter condenado a ré nos termos já mencionados, incorrendo na mencionada nulidade, assim se anuindo ao entendimento do Tribunal da Relação.

66. Não se justifica, por conseguinte, que os autos baixem ao Tribunal da Relação para se ponderar a eventual insuficiência deste critério.

67. No entanto, porque a sentença não pode deixar de ser condenatória, nos termos assinalados, o Tribunal da Relação tem de apreciar a questão da reforma da sentença quanto a custas (ver fls. 1668) e o recurso subordinado da autora (fls. 1693/1694).

Concluindo

I- O facto de se reconhecer que a sentença incorreu na nulidade constante dos artigos 609.º/1 e 615.º/1, alínea e) do CPC  considerando que não podia a ré -  face ao pedido de pagamento de remuneração nos termos do artigo 178.º/2 e 3 do Código do Direito do Autor e Direitos Conexos mediante percentagem de 1,50% sobre receitas em montante a determinar em sede de liquidação - ser condenada a pagar remuneração anual "correspondente ao valor por minuto de prestações de artistas, intérpretes ou executantes exibidas pela ré", isso não significa que o Tribunal não possa condenar a ré a remunerar a autora, anualmente, desde setembro de 2004, em remuneração cujo montante será determinado em sede de liquidação.

II- A circunstância de o Tribunal ter decidido que o pedido de condenação em percentagem não podia proceder, não significa que uma condenação em percentagem ou à forfait não possa ser decretada em liquidação desde que os termos de cálculo da percentagem não sejam aqueles que ficaram excluídos na sentença condenatória.

Decisão: concede-se em parte a revista, condenando-se a ré a pagar à A. a justa remuneração pelas prestações à ré dos artistas, intérpretes e executantes desde 1 de setembro de 2004 nos termos do artigo 178.º/2 e 3 do Código do Direito de Autor e Direitos Conexos (CDADC), na redação da Lei n.º 50/2004, de 24 de agosto, em montante a determinar em sede de liquidação; confirma-se, quanto ao mais, a sentença recorrida, impondo-se, no entanto, a baixa dos autos ao Tribunal da Relação para apreciação das questões referenciadas em 67 supra.

Custas da revista pela A e ré na proporção de 50% para cada uma.

Lisboa,  14-9-2017

Salazar Casanova - Relação

Távora Victor

António Joaquim Piçarra 

 

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[1] Processo distribuído no STJ no dia 27-6-2017[P. 2017/627 6701/09]