Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1056/18.5T8PNF.P1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: MARIA CLARA SOTTOMAYOR
Descritores: RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
DEVER DE INFORMAÇÃO
NEXO DE CAUSALIDADE
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
ÓNUS DA PROVA
ILICITUDE
PRESUNÇÃO DE CULPA
VALORES MOBILIÁRIOS
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
PRESSUPOSTOS
DANO
Data do Acordão: 06/20/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário : Encontrando-se assente na factualidade provada do caso, que, “Se o gerente do Banco réu, Carlos Torres, não tivesse dado a garantia do retorno do capital investido, o autor não teria dado a sua anuência na aquisição dos identificados ativos financeiros”, considera-se cumprido o ónus da prova do nexo de causalidade entre o facto e o dano, a cargo do investidor, nos termos exigidos pelo AUJ n.º 8/2022.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


I – Relatório

1. AA, intentou a presente ação declarativa com processo comum contra Banco BIC Português, SA (antes designado como BPN – Banco Português de Negócios, SA.), pedindo se condene o Réu a proceder ao imediato reembolso do capital de € 400.000,00 (quatrocentos mil euros), acrescidos dos juros vencidos desde 28 de abril de 2015, até integral reembolso do capital e ainda na quantia indemnizatória a fixar em liquidação de sentença, mas nunca inferior a € 50.000,00 (cinquenta mil euros), por danos morais sofridos pelo Autor com o comportamento imputável ao R.

Alega, em síntese, que subscreveu junto do Réu (antes designado BPN) um produto chamado SLN 2006, que os funcionários do Réu lhe asseguraram ser em tudo semelhante a um depósito a prazo (pois de outra forma não teria contratado), uma vez que ficava garantido no final do prazo o capital, bem como o pagamento dos juros com a periodicidade contratada. Mais alegou que os referidos juros foram sempre pagos até 2015 e que quando pretendeu receber o capital de € 400.000,00 este valor não lhe foi entregue, tendo sido alegado que o investimento tinha sido realizado em obrigações, que não garantiam a sua devolução. Invocou, ainda, que nunca lhe explicaram que existia qualquer risco neste investimento, até porque se o tivessem feito nunca o Autor teria investido nesse produto.

Mais alegou que nunca o Réu ou quem quer que seja explicaram ao Autor o que implicava tal produto e o que estava na verdade a acontecer. Alegou, ainda, que esta situação tem causado inúmeros danos não patrimoniais ao Autor, que se sente angustiado e perturbado com toda esta situação e que por isso pretende também ser indemnizado.

2. O Réu contestou, sustentando não ter o Autor direito a ser reembolsado pelo R, alegando que o produto em causa não era de risco e que o Autor teve conhecimento das suas condições, tendo o Réu explicado tudo convenientemente e cumprido com a sua obrigação. Arguiu ainda a exceção da prescrição. Concluiu pela improcedência da ação.

3. O processo prosseguiu os seus termos e realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que decidiu:

“1. Condenar o Réu Banco BIC Português, SA., a pagar ao Autor AA:

a) A quantia de € 400.000,00 (quatrocentos mil euros), acrescida de juros de mora à taxa de 4% ao ano, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento;

b) A quantia de € 5.000,00 (cinco mil euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais sofridos.

c) No mais, absolve-se o R. do peticionado.”

4. O Réu apelou, suscitando as seguintes questões:

- Recurso da matéria de facto;

- Fundamento para condenar o Réu, por violação do dever de informação, a indemnizar o A, por danos patrimoniais.

- Prescrição do direito

- Fundamento para condenar o Réu no pagamento da indemnização por danos não patrimoniais.

5. O Tribunal da Relação proferiu acórdão, concedendo parcialmente o recurso (revogando o segmento da sentença que atribuiu ao autor indemnização por danos não patrimoniais), com o seguinte dispositivo:

«Julga-se a apelação parcialmente procedente e revoga-se a sentença recorrida na parte em que condenou o R a pagar ao A a quantia de € 5 000 000 ( cinco mil euros) a titulo de danos não patrimoniais, confirmando a sentença na parte em que condenou o R a pagar ao A, a quantia de € 400.000,00 (quatrocentos mil euros), acrescida de juros de mora à taxa de 4% ao ano, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.

Custas em ambas as instâncias por A e R na proporção do decaimento».

6. Novamente inconformado, o Banco BIC interpõe recurso de revista excecional, que foi admitido pela Formação constituída ao abrigo do artigo 672.º, n.º 3, do CPC, formulando na sua alegação de recurso as seguintes conclusões:

«1. O douto acórdão da Relação do Porto violou e fez errada aplicação e interpretação do disposto nos arts. 7º, 290º nº 1 alínea a), 304º-A e 312º a 314º-D e 323º a 323º-D e 327º do CdVM e 4º, 12º, 17º e 19º do D.L. 69/2004 de 25/02 e da Directiva 2004/39/CE e 364º, 483º e ss., 563º, 628º e 798º e ss. do C.C.

2. A putativa desconformidade entre o comportamento exigido ao Réu e o seu comportamento verificado tem que ver com o facto do Tribunal considerar que, a circunstância do funcionário do Banco Réu ter assegurado ao Autor (conforme ele próprio estava convencido) que a aplicação financeira era uma produto sem risco e com capital garantido, não transmitindo a característica da subordinação, configura a prestação de uma informação falsa.

3. Porém, tal realidade não configura qualquer violação do dever de informação por prestação de informação falsa.

4. Não adianta aliás o douto Acórdão qual o risco que associa às Obrigações SLN e que entende deveria ter sido informado ao A., sendo que não podemos deixar de entender que se refere ao verificado incumprimento do reembolso...

5. O único risco que percebemos existir na emissão obrigacionista em causa é exactamente o relativo ao cumprimento da obrigação de reembolso.

6. Este risco corresponde ao incumprimento da prestação principal da entidade emitente!

Ou seja, corresponde ao chamado RISCO GERAL DE INCUMPRIMENTO!

7. A possibilidade deste incumprimento não corresponde a qualquer especial risco inerente ao modo de funcionamento endógeno do instrumento financeiro... antes corresponde ao normal e universal risco comum a todos, repete-se... a todos, os contratos!

8. Do incumprimento da obrigação de reembolso da entidade emitente, em 2016, não podemos, sem mais, retirar que esse o risco dessa eventualidade fosse relevante – sequer concebível, à excepção de ser uma mera hipótese académica -, em 2006, dez anos antes!

9. A SLN era titular de 100% do capital social do Banco-R., exercendo, por isso o domínio total sobre este.

10. O risco associado ao reembolso das Obrigações correspondia, então ao risco de solvabilidade da SLN

11. E sendo esta totalmente dominante do Banco-R., então este risco de solvência, corresponderia, grosso modo, ao risco de solvabilidade do próprio Banco!

12. A segurança da subscrição de Obrigações emitidas pela SLN seria correspondente à segurança de um Depósito a Prazo no BPN.

13. O risco BPN ou risco SLN, da perspectiva da insolvência era também equivalente!

14. A única diferença consistiu no facto do Banco ter sido resgatado através da sua nacionalização, numa decisão puramente política e alicerçada num regime aprovado propositadamente para atender a essa situação e não em qualquer quadro legal previamente estabelecido.

15. A menção do dito risco praticamente inexistente, como de resto do capital garantido, não pode senão ser entendida no contexto da atribuição de uma segurança acima da média ao produto, de confiança no normal cumprimento de todas as obrigações da emitente, sustentada em factos e juízo objectivamente razoáveis e previsíveis.

16. A menção à expressão capital garantido não tem por si só a virtualidade de atribuir qualquer desaparecimento de todo o risco de qualquer tipo de aplicação...

17. A expressão capital garantido mais não é do que a descrição de uma característica técnica do produto – corresponde à garantia de que o valor de reembolso, no vencimento, é feito pelo valor nominal do título e correspondente ao respectivo valor de subscrição! Ou seja, o valor do capital investido é garantido!

18. A este propósito o Plano de Formação Financeira em site do Conselho de Supervisores Portugueses – www.todoscontam.pt! descreve as características de produtos financeiros, entre os quais as Obrigações, e explica a garantia de capital, exactamente nos termos que vimos de expor.

19. Ainda que se entenda que esta expressão mereceria uma densificação ou explicação aos clientes, a fim de evitar qualquer confusão, o certo é que, transmitindo uma característica técnica, não se poderá afirmar que o banco, ou os seus colaboradores agiram com culpa, e muito menos grave!

20. O Banco limitou-se a informar esta característica do produto, não sendo seu obrigações assegurar-se de que o cliente compreendeu a afirmação.

21. A interpretação das menções “sem risco” ou de “capital garantido” não é susceptível de ser feita apenas com recurso à impressão do destinatário, nos termos do previsto no arto 236º do CCiv. uma vez que esta disposição aplica-se, apenas e só, às declarações negociais.

22. A comercialização por intermediário financeiro de produto com a indicação de que o mesmo tem “capital garantido” não implica a corresponsabilização do referido intermediário pelo prejuízo decorrente da falta de reembolso por parte da entidade emitente.

23. O dever de informação ao cliente, não se trata de um direito absoluto do cliente à prestação de informações exactas, mas apenas de um dever de esforço sério de recolha de informações o mais fiáveis possível pelo banco.

24. O grau de exactidão em relação às informações será variável, consoante o tipo de informação em causa.

25. No caso dos presentes autos, ficou demonstrado, e foi assumido pelos Autores, que era do seu interesse e vontade investir em produtos de com boa rentabilidade e de elevada segurança.

26. Apesar de os autores não serem investidores com especiais conhecimentos técnicos na área financeira o risco do produto em causa nos presentes autos era, pelas razões já várias vezes repetidas, baixo uma vez que nada fazia antever qualquer dificuldade futura do emitente.

27. Assim, não pode o Banco R. senão concluir que foram salvaguardados os legítimos interesses do cliente.

28. Resultou demonstrado que os funcionários, mais concretamente o funcionário que o colocou, sempre acreditaram - até praticamente ao momento do incumprimento - que se tratava de produto seguro e se preocupavam com os interesses dos clientes.

29. Dispunha sobre esta matéria o artigo 304º do CVM no sentido de que os intermediários financeiros estão obrigados a orientar a sua actividade no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado, devendo conformar a sua actividade aos ditames da boa-fé, agindo de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.

30. E, quanto ao risco, há aqui que chamar à colação o art. 312º nº 1 alínea a) do CdVM, que obriga então o intermediário financeiro a informar o investidor sobre os “riscos especiais envolvidos nas operações a realizar”.

31. Tal redacção refere-se necessariamente ao negócio de intermediação financeira enquanto negócio de cobertura que, depois, proporcionará negócios de execução.

32. Tal menção não pode nunca equivaler ao dever de informação sobre o instrumento financeiro em si!

33. A informação quanto ao risco dos instrumentos financeiros propriamente dito apenas veio a ser exigida prestar aos intermediários financeiros com o D.L. 357-A/2007 de 31/10, que aditou o art.312º-E no1, passando a obrigar o intermediário financeiro a informar o cliente sobre os riscos do tipo de instrumento financeiro em causa.

34. O legislador não deixou nada ao acaso e logo no número seguinte, afirmou claramente o que se devia entender por risco do tipo do instrumento financeiro em causa nas quatro alíneas do nº 2 do art. 312º-E.

35. São ESTES e APENAS ESTES os riscos do tipo do instrumento financeiro sobre os quais o Intermediário Financeiro tem que prestar informação, mesmo na actual redacção do CdVM

36. A alusão que a lei faz quanto ao risco de perda da totalidade do investimento está afirmada em função das características do investimento.

37. Trata-se, portanto, de um risco que tem que ser endógeno e próprio do instrumento financeiro e não motivado por qualquer factor extrínseco ao mesmo.

38. O investimento em causa foi feito em Obrigações não estando sujeito a qualquer volatilidade, sendo o retorno do investimento certo no final do prazo, por reembolso do capital investido ao valor nominal do título (de“capital garantido”), acrescido da respectiva rentabilidade.

39. Logo, não há necessidade de que a advertência do risco de perda da totalidade do investimento seja feita, porque a mesma não é aplicável ao caso, pois que nunca resultaria do mecanismo interno do instrumento em causa!

40. A informação acerca do risco da perda do investimento tem que ser dada em função dos riscos próprios do tipo de instrumento financeiro, o que deve ser feito SE E SÓ SE tais riscos de facto existirem!

41. Em lado algum da lei resulta estar o intermediário financeiro obrigado a analisar ou avaliar a robustez financeira do emitente na actividade de intermediação financeira de recepção e transmissão de ordens.

42. E também em lado nenhum da lei resulta a obrigação de prevenir o investidor acerca das hipóteses de incumprimento das obrigações assumidas pelo emitente do instrumento financeiro ou até da probabilidade de insolvência do mesmo!

43. Esse hipotético incumprimento tem que ver com as qualidades ou circunstâncias do emitente (ou obrigado) do instrumento financeiro e não com o tipo do instrumento financeiro, conforme referido no art. 312º-E nº 1 do CdVM, que é expressão que aponta claramente para uma objectivização do risco em função do próprio instrumento de investimento e não para uma subjectivação em função do emitente!

44. O artigo 312º, alínea e) do CdVM refere-se apenas aos riscos da actividade dos serviços de intermediação financeira. Os deveres de transparência, lealdade e defesa dos interesses do investidor que sobre o intermediário financeiro impendem, obrigam apenas à informação sobre os riscos endógenos ao mecanismo de funcionamento do concreto instrumento financeiro, não abrangendo o risco geral de incumprimento das obrigações. Neste sentido não estava o intermediário financeiro obrigado a informar especificamente sobre o risco de insolvência da entidade emitente de determinado produto.

45. Do elenco de factos provados não resulta sequer um único facto que permita estabelecer uma qualquer ligação entre a qualidade (ou falta dela) da informação fornecida aos A. e o acto de subscrição.

46. A nossa lei consagra essa perfeita autonomia de cada um dos pressupostos ou requisitos da responsabilidade civil, apresentando-os e regulando-os de forma perfeitamente estanque.

47. No que toca à causalidade não conseguimos sequer vislumbrar como passar da presunção de culpa – juízo de censura ético-jurídico sobre o agente do ilícito, e expressamente prevista na lei – à causalidade – nexo factual de associação de causa-efeito, como se de uma inevitabilidade se tratasse!

48. Do texto do art. 799º nº 1 do C.C. não resulta qualquer presunção de causalidade.

49. E, de resto, nos termos do disposto no arto 344º do Código Civil, a inversão de ónus depende de presunção, ou outra previsão, expressa da lei!

50. Se em abstracto, e de jure condendo até se pode, porventura e em tese, perceber esta interpretação para uma obrigação principal de um contrato – tendo por critério o interesse contratual positivo do credor -, não se justifica já quando estão em causa prestações acessórias do mesmo contrato.

51. Analisado o fim principal pretendido pelo contrato aqui em apreço – contrato de execução da actividade de intermediação financeira, de recepção e transmissão de ordens por conta de outrem-, parece-nos evidente que o mesmo se circunscreve à recepção e retransmissão de ordens de clientes – no caso o A. É este o único conteúdo típico e essencial do contrato e que é, portanto, susceptível de o caracterizar.

52. Não é por um dever de prestar ser mais ou menos relevante para qualquer parte, ou até para o comércio jurídico em geral, que será quantificável como prestação principal ou prestação acessória de um contrato. Releva outrossim se o papel de uma tal prestação na economia do contrato se revela como o núcleo típico ou não do acordo contratual entre as partes

53. A única prestação principal neste contrato será a de recepção e transmissão de ordens do cliente.

54. Sendo uma obrigação acessória, a prestação de informação não estaria nunca, nem no entender do Prof. Menezes Cordeiro, ao abrigo da proclamada presunção de causalidade.

55. Estamos perante uma situação em que e configuram dois contratos distintos e autónomos entre si: por um lado, (i) um contrato de execução de intermediação financeira, e por outro, (ii) a contratação de um empréstimo obrigacionista do cliente a entidade terceira ao primeiro contrato

56. Neste caso, estaremos perante uma falta de resultado no âmbito da emissão obrigacionista e não do contrato de execução de intermediação financeira.

57. O contrato de intermediação financeira foi já cumprido no acto de subscrição, tendo-se esgotado nesse momento.

58. É esta uma óbvia dificuldade: como pode a falta do resultado normativamente prefigurado de um contrato desencadear uma presunção de ilicitude, culpa e causalidade no âmbito de um outro contrato?

59. O juízo de verificação de causalidade mecânica, aritmética ou hipotética tem inevitavelmente de se fundar em factos concretos que permitam avaliar da referida probabilidade, e não apenas em juízos abstratos ou meras impressões do julgador!

60. A causalidade resume-se a uma avaliação de um dano hipotético apenas em casos em que esse dano não seja efectivo, como é o caso do citado dano da perda da chance! Em todos os restantes casos, o juízo deverá ser feito, não numa perspectiva probabilidade, mas sim de adequação entre uma causa e um efeito.

61. No âmbito da responsabilidade contratual, presumindo-se a culpa, caberá a quem alega o direito demonstrar a ilicitude, o nexo causal e o dano, que em caso algum se presumem!

62. O nexo causal sujeito a prova será necessariamente entre um concreto ilícito – uma concreta omissão ou falta de explicação de uma determinada informação - e um concreto dano (que não hipotético)!

63. Não basta afirmar-se genericamente, como afirma o Acórdão Recorrido que eles não foram informados do risco de insolvência ou da característica da subordinação e que é essa causa do seu dano!

64. Num primeiro momento é indispensável que o investidor prove que, sem a violação do dever de informação, não celebraria qualquer negócio, ou celebraria um negócio diferente do que celebrou.

65. Num segundo momento é necessário provar que aquele concreto negócio produziu um dano.

66. E, num terceiro momento é necessário provar que esse negócio foi causa adequada daquele dano, segundo um juízo de prognose objectiva ao tempo da lesão.

67. E nada disto foi feito!

68. A origem do dano do A. reside na incapacidade da SLN em solver as suas obrigações, circunstância a que o Banco R. é alheio!

Termos em que se conclui pela admissão do presente recurso, e sua procedência, e, por via dele, pela revogação da douta decisão recorrida e sua substituição por outra que absolva o Banco-R. da totalidade do pedido, assim se fazendo...

... JUSTIÇA!»

7. O autor apresentou contra-alegações nas quais pugnou pela manutenção do decidido.

8. Encontrando-se então pendente neste Supremo Tribunal de Justiça um recurso para uniformização de jurisprudência – processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A – que incidiu sobre as questões de direito suscitadas no presente processo e que se revestiu de prejudicialidade em relação a esta ação, determinou-se, nos termos do artigo 272.º, n.º 1, do CPC, a suspensão da instância até ao trânsito em julgado do Acórdão que viesse a ser proferido no citado recurso.

9. Como é sabido, o objeto do recurso determina-se, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, pelas conclusões da alegação do recorrente, nos termos dos artigos 635.º, n.º 3 a 5, 639.º, n.º 1, ambos do CPC.

Assim, a esta luz, a questão a decidir consiste na de saber se o Banco réu, enquanto intermediário financeiro, é responsável perante os investidores, por violação culposa dos deveres de informação, incidindo as conclusões do Banco sobre os seguintes requisitos da responsabilidade civil: ilicitude, culpa e nexo de causalidade.

10. Tendo sido proferida ulteriormente decisão no processo n.o 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A e tirado o respetivo Acórdão Uniformizador (Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 8/2022, proferido no Processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A, publicado em Diário da República, I .ª Série, N.º 212, 3 de novembro de 2022, p. 10 e ss), foi declarada a cessação da suspensão da instância.

Cumpre apreciar e decidir

II – Fundamentação

A - Factos julgados provados e não provados

Factos provados:

1. O Autor detinha à data de abril de 2006 um depósito a prazo no BPN, atual Banco BIC, S.A., R. na acção, na agência de ..., que estava a atingir a sua data de vencimento em Maio de 2006, pelo que na data do seu vencimento, poderia ser resgatado ou manter-se por iguais períodos.

2. Sabendo disso, o gerente do BPN, actual BIC, BB, contactou o Autor, fazendo-lhe a proposta de o mesmo aplicar o montante que ele titulava num programa de aplicação financeira que lhe traria uma maior rentabilidade e detinha a mesma segurança que o depósito a prazo, com garantia de capital a 100% (cem por cento), tal como o depósito a prazo, garantido pelo Banco.

3. Com o intuito de convencer o aqui Autor, o gerente do Banco Réu, BB, disse ao Autor que tal aplicação seria feita pelo prazo de dez anos, mas que poderia eventualmente proceder ao seu resgate antecipado ao fim de cinco anos.

4. O gerente referiu ainda que a aplicação em causa e que lhe estava a propor era absolutamente segura, que não corria qualquer risco, posto que tinha o reembolso do capital investido garantido a 100% (cem por cento) e lhe daria uma maior rentabilidade ao dinheiro que ele detinha em depósito a prazo.

5. Para melhor o convencer, o referido gerente do Banco Réu exibiu ao aqui Autor um documento onde constava de entre outras condições a do capital garantido a 100% (cem por cento), bem como a garantia de ‘elevada’ taxa de remuneração, tal como acontecia com o SLN de 2004, sendo este de 2006, um complemento do anterior.

6. Perante os argumentos do gerente, pessoa que o Autor enquanto cliente do Banco conhecia já há longo tempo e na qual depositava absoluta confiança, enquanto responsável pelo acompanhamento dessa conta de depósitos a prazo, e que lhe propôs a realização de uma aplicação em activos financeiros, mediante a aquisição de um produto com rentabilidade garantida, ou seja, com garantia do montante de capital investido, e com uma rentabilidade superior à de um depósito a prazo, o Autor acedeu em resgatar o depósito a prazo e proceder à sua aplicação na aplicação financeira que se traduzia na subscrição de obrigações, atentas as condições e garantias que lhe estavam a ser dadas pelo gerente do Banco Réu.

7. Em 19 de Abril de 2006, o Autor subscreveu tais obrigações no montante de € 400.000,00 (quatrocentos mil euros), correspondentes a parte do montante que detinha em depósitos a prazo.

8. Até ao dia 07 de maio de 2015 sempre lhe foram pagos os juros semestrais do capital investido na aludida aplicação financeira.

9. Com a intervenção do Estado no Banco, o A. deslocou-se ao mesmo para tentar resgatar o capital investido, decorridos 5 anos após a aplicação financeira.

10. Aí é informado que só ao fim de 10 anos poderia proceder a tal resgate, ou seja, só no fim do prazo contratual, tendo o A. aguardado por tal data, confiando no seu pagamento, não só pela nacionalização do Banco, mas também porque continuava o pagamento dos juros semestrais.

11. O A. foi informado pelo gerente do Banco, no termo do contrato, que não iriam reembolsar o valor e que deveria reclamar o mesmo na insolvência da SLN.

12. Se o gerente do Banco Réu, BB, não tivesse dado a garantia do retorno do capital investido, o Autor não teria dado a sua anuência na aquisição dos identificados ativos financeiros.

13. O Autor ao ter conhecimento que podia perder todo o dinheiro que investido na aplicação financeira em causa ficou desanimado (Facto modificado pelo Tribunal da Relação)

14. Em 29/10/2007 o autor comprou obrigações de Caixa BPN Competição Ibérica, no montante de € 70.000,00.


Factos não provados

A) O A. passou noites e noites sem dormir, dias e dias sem conseguir gerir os seus negócios, criou uma tal desestabilização no seio do seu agregado familiar, que esteve por pouco uma possível dissolução do seu matrimónio.

B) O A. sabe a diferença entre simples depósitos a prazo e aquisição de obrigações.

C) O Banco nunca assumiu ao A. que ele próprio assumia a obrigação de reembolso de tais obrigações aquando do seu vencimento.

D) O que toda a rede comercial do Banco transmitia aos seus clientes, quando questionada sobre a segurança do produto e sua liquidez, era que a SLN, a entidade emitente do produto em causa, era a dona do Banco, detentora da totalidade do seu capital, pelo que não deixaria essa entidade de reembolsar os subscritores das ditas Obrigações aquando do seu vencimento.

B – O Direito

1. Qualificação do contrato entre o banco réu e o cliente

Provou-se que o Autor detinha um depósito a prazo no BPN, atual Banco BIC, S.A. e posteriormente em 19 de abril de 2006, o Autor subscreveu obrigações SLN no montante de € 400.000,00 (quatrocentos mil euros), correspondentes a parte do montante que aplicara em depósitos a prazo.

A operação de subscrição dessas obrigações foi processada pelos serviços do BPN, na sequência de o autor ter sido contactado por um funcionário do BPN para o efeito.

O Réu Banco, apesar de ser uma instituição de crédito, atuou como intermediário financeiro.

As instituições de crédito que podem efetuar a generalidade das operações bancárias não vedadas por lei, designadamente atividades de intermediação financeira — cf. artigos 3.º, alínea a) e 4.º, n.º 1 do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto -Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro (RGICSF), na redação em vigor à data dos factos e artigo 293.º, n.º 1, alínea a) do CVM.

De acordo com o artigo 293.o do Código de Valores Mobiliários (CVM), aprovado pelo Decreto-Lei nº 486/99, de 13 de novembro, a qualificação de intermediários financeiros é atribuída a um conjunto de entidades que estejam autorizadas a exercer as atividades de intermediação intermediária, sendo essas entidades as instituições de créditos e as empresas de investimento autorizadas em Portugal (al. a) do n.º1).

Essas atividades de intermediação financeira estão reguladas em especial nos artigos 289º e ss. do CVM, onde são classificadas, seguindo Menezes Leitão (“Actividades de Intermediação e Responsabilidade dos Intermediários Financeiros”, in: Direito dos Valores Mobiliários, Volume II, Coimbra: Coimbra Editora, 2000, p. 131 e 132): 1) em serviços de investimento em valores mobiliários; 2) serviços auxiliares de investimento e 3) gestão de instituições de investimento coletivo e exercício das funções de depositário dos valores mobiliários.

No caso, o que releva são os serviços de investimento previstos no artigo 290º do CVM, na redação do DL n.º486/99 de 13/11, que estava em vigor quando o Autor em abril de 2006 adquiriu obrigações SLN, por sugestão e intermédio do Réu, dado que as alterações introduzidas ao CVM pelo DL n.º 357-A/2007, de 31.10, apenas passaram a vigorar em 01-11-2007.

O artigo 290º, na redação original, estipulava:

1- São serviços de investimento em valores mobiliários:

a) A receção e a transmissão de ordens por conta de outrem;

b) A execução de ordens por conta de outrem;

c) A gestão de carteiras por conta de outrem;

d) A colocação em ofertas públicas de distribuição;

2- A negociação por conta própria em valores mobiliários é considerada serviço de investimento quando realizada por intermediário financeiro.

Por outro lado, o n.º 3 dispunha que «A mediação em transações sobre valores mobiliários considera-se equiparada ao serviço receção e a transmissão de ordens por conta de outrem».

No caso, dado que a intervenção do Réu consistiu na aquisição de obrigações na sequência da ordem meramente formal por parte do Autor, mas induzido pelo funcionário do Réu, estamos perante uma atividade de mediação em transações prevista no n.º 3 do artigo 290º do CVM.

A ordem de aquisição de investimento, em si, não é em rigor um contrato, mas em regra a emissão da ordem é efetuada no âmbito de uma relação existente entre o investidor e o intermediário financeiro, que pode integrar a tipificada relação de clientela, prevista no artigo 322º n.º 3, do CVM, ou um contrato-quadro.

Assim, como ocorreu no caso presente, a ordem de investimento dada ao banco insere-se numa relação estável estabelecida entre banco e ordenador e não pode ser considerada isoladamente.

Esse contrato celebrado entre o banco e o cliente teve início com a abertura de contas de depósito a prazo, e apresenta um carácter genérico, dentro do qual cabem várias figuras contratuais e atividades de natureza material, funcionando como uma espécie de contrato quadro. A relação estabelecida entre o banco e o ordenador com este enquadramento é diferente da simples ordem de bolsa e, na medida em que traduz um encontro de vontades, é um contrato.

O Banco não impugnou a sua atuação como intermediário financeiro.

Os intermediários financeiros na qualidade de agentes económicos especialmente qualificados, prestam, no mercado de valores mobiliários, simultaneamente, aos emitentes e aos investidores, contra remuneração, os serviços de realização das transações por sua conta (ou seja, propiciam o encontro entre os investidores/aforradores e os emitentes/captadores de fundos) e estão obrigados a providenciar ao investidor todos os elementos necessários à tomada de decisões esclarecidas de investimento. Daí que, de entre os deveres dos intermediários financeiros previstos especialmente no Código de Valores Imobiliários (CVM), ressaltem, entre outros, os deveres de informação ao cliente.

Enquanto intermediário financeiro [cf. artigos 289.º, n.o 1, alínea a) e 290.º, n.º 1, alínea c) do CVM] o banco estava obrigado ao cumprimento dos princípios ou regras de conduta estabelecidas nos artigos 304.º a 342.º do CVM.

Estamos, pois, no âmbito da responsabilidade contratual do intermediário financeiro perante o investidor.

2. Sendo as questões a decidir em tudo semelhantes às que foram objeto do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 8/2022, proferido no Processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A (publicado em Diário da República, I .ª Série, N.º 212, 3 de novembro de 2022, pp. 10 e seguintes), haverá que verificar se o acórdão recorrido solucionou as questões de direito relativas à ilicitude e ao nexo causal entre o facto e o dano de forma compatível com o estipulado no AUJ n.º 8/2022, que fixou a seguinte orientação:

«1. No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.º, nº 1, 312º nº 1, alínea a), e 314º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de outubro, e 342.º, nº 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.

2. Se o Banco, intermediário financeiro – que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” – informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco”), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.º, n.º1, do CVM.

3. O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

4. Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir».

3. Trata-se pois, de proceder à aplicação da orientação fixada no AUJ n.º 8/2022 aos factos do caso concreto, procedendo a uma operação de subsunção dos factos na norma.

Esta é a metodologia decisória que resulta da circunstância de o acórdão de uniformização de jurisprudência, apesar de não gozar do caráter vinculativo das fontes de direito, constituir um “precedente judiciário qualificado” (cfr. Castro Mendes/Teixeira de Sousa, Manual de Processo Civil, Volume II, AAFDL Editora, Lisboa, p. 201), conforme se deduz do regime do artigo 629.º, n.º 2, al. c), do CPC, preceito segundo o qual é sempre admissível interpor recurso contra qualquer decisão que contrarie a jurisprudência uniformizada pelo Supremo Tribunal de Justiça.

Apesar de não estarmos, rigorosamente, perante um precedente judiciário em relação ao acórdão recorrido, que foi proferido antes do AUJ n.º 8/2022, há que considerar que o presente processo esteve com a instância suspensa a fim de lhe ser aplicada a orientação que viesse a ser fixada no AUJ a proferir no processo n.º1479/16.4T8LRA.C2.S1-A, pelo que estamos, num sentido substancial, perante uma decisão uniformizadora dotada de uma força especial de persuasão.

4. O direito aplicável ao caso concreto, tratando-se de obrigações SLN 2006, subscritas em abril de 2006, é o Código de Valores Mobiliários, na redação dada pelo Decreto-Lei nº 486/99, de 13 de novembro, interpretado à luz dos critérios fixados no AUJ n.º 8/2022.

O artigo 7.º do CVM dispõe o seguinte:

1- A informação respeitante a instrumentos financeiros, a formas organizadas de negociação, às atividades de intermediação financeira, à liquidação e à compensação de operações, a ofertas públicas de valores mobiliários e a emitentes deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita.

2 – O disposto no número anterior aplica-se seja qual for o meio de divulgação e ainda que a informação seja inserida em conselho, recomendação, mensagem publicitária ou relatório de notação de risco.

3 – O requisito da completude da informação é aferido em função do meio utilizado, podendo, nas mensagens publicitárias, ser substituído por remissão para documento acessível aos destinatários.

4 – À publicidade relativa a instrumentos financeiros e a atividades reguladas no presente Código é aplicável o regime geral da publicidade.

Por sua vez, o artigo 304º, sob a epígrafe (Princípios), estabelece que:

1- Os intermediários financeiros devem orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado.

2- Nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.

3 - Na medida do que for necessário para o cumprimento dos seus deveres, o intermediário financeiro deve informar-se sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência em matéria de investimentos e os objectivos que prosseguem através dos serviços a prestar.

(...)»

O artigo 309º (Conflito de interesses) preceitua o seguinte:

1 - O intermediário financeiro deve organizar-se e actuar de modo a evitar ou a reduzir ao mínimo o risco de conflito de interesses.

2 - Em situação de conflito de interesses, o intermediário financeiro deve agir por forma a assegurar aos seus clientes um tratamento transparente e equitativo.

3 - O intermediário financeiro deve dar prevalência aos interesses dos clientes, tanto em relação aos seus próprios interesses ou de empresas com as quais se encontra em relação de domínio ou de grupo, como em relação aos interesses dos titulares dos seus órgãos sociais e dos seus trabalhadores.

4 – (...).

E o artigo 310°, sob a epígrafe (Intermediação excessiva), dispõe no seu nº 1 que:

«1 – O intermediário financeiro deve abster-se de incitar os seus clientes a efetuar operações repetidas sobre valores mobiliários ou de as realizar por conta deles, quando tais operações tenham como fim principal a cobrança de comissões ou outro objectivo estranho aos interesses do cliente»

Deve ainda o intermediário financeiro, em especial, prestar informações que envolvam os “riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar”, sendo que a “extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente” (artigo 312.º, n.º 1, al. a) e n.º 2).

No artigo 314.º do CVM estabelece-se a responsabilidade do intermediário financeiro em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou regulamento emanado de autoridade pública:

«1. Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.

2. A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação».

5. Para além das normas específicas do regime do CVM são ainda convocadas as disposições do Código Civil relativas à responsabilidade civil, na medida em que não tenham sido expressamente afastadas por aqueles preceitos.

Os requisitos da responsabilidade civil, quer pré-contratual quer contratual, são os previstos no artigo 798.º do Código Civil:

- o facto voluntário, enquanto comportamento dominável pela vontade, que pode revestir a forma da ação ou da omissão;

- a ilicitude, ou seja, a desconformidade entre a conduta devida e o comportamento do intermediário financeiro, traduzindo-se na inexecução da obrigação para com o cliente (investidor); no caso da responsabilidade pré-contratual, a ilicitude consiste na violação de algum dos deveres de boa-fé contratual, como o dever de informação, o dever de lealdade e o dever de diligência.

- a culpa do intermediário financeiro, por força da presunção de culpa estabelecida na regra do n.º 2 do artigo 314.º, ilidível nos termos do artigo 350.º, n.º 2, do Código Civil.

- o nexo de causal entre a violação do dever de informação e o dano, que deve ser aferido pelo critério da causalidade adequada nos termos do artigo 563.º do Código Civil, que prescreve que “A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”.

- o dano, que, em termos genéricos, consiste no prejuízo resultante do investimento nas obrigações.

6. Violação do dever de informação pelo Banco réu: ilicitude e culpa

A primeira questão a tratar reside nos deveres do intermediário financeiro, concretamente no âmbito e alcance do dever de informação a fim de determinar se o Ré, em face da factualidade provada, cumpriu ou não esse dever perante o autor.

O dever de informação tem um relevo decisivo na formação da vontade de contratar dos investidores, em particular, daqueles com reduzida literacia financeira e que são considerados conservadores ou avessos ao risco.

O investidor não qualificado não tem em regra capacidade para recolher as informações de que necessita para tomar uma opção de investimento esclarecida. Deste modo, a informação dada aos investidores é um instrumento de redução das assimetrias em torno do conhecimento dos factos relevantes na orientação das opções de investimento e é ela que vai permitir ao investidor avaliar de uma forma esclarecida a relação risco/rendimento.

Nos termos do AUJ n.º 8/2022, o intermediário financeiro tem o dever de se informar sobre o cliente e proporcionar -lhe informação clara, cabal e relevante para a opção que pretende tomar e tem de ter a iniciativa para prestar a informação, não tendo o investidor não institucional dever de a solicitar.

Para além do cumprimento dos deveres de informação prévia (que antecede a celebração do negócio), o intermediário tem ainda o dever de informação sucessiva — dever de disponibilizar informação no decurso da execução contratual. Quer no momento anterior à contratação, quer durante a execução do contrato, os deveres de informação devem sempre envolver a prestação de informação com clareza, lealdade e transparência, já que se destinam a fornecer aos clientes elementos fundamentais e caracterizadores dos produtos financeiros propostos.

Nos termos do AUJ n.º 8/2022:

Em conclusão, a informação a prestar pelo intermediário financeiro ao investidor (cliente) relativa a atividades de intermediação e emitentes, que seja suscetível de influenciar as decisões de investimento, deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita (artigo 7.º do CVM), devendo o intermediário financeiro prestar todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, sendo que a extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimento e de experiência do cliente, informando dos riscos especiais que as operações envolvem (artigo 312.º do CVM) e orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes, devendo observar os ditames da boa fé, com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência, informando -se, previamente, sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência e investimentos (aspetos que o intermediário financeiro tem o dever de conhecer) e sem esquecer que compete ao intermediário financeiro tomar a iniciativa de prestar todas as informações e não aguardar que o investidor (cliente) as solicite.

Quanto ao âmbito dessa informação, nas palavras de Sofia Nascimento Rodrigues, na obra citada, “[...] Existe um conjunto de informações que o intermediário está obrigado a prestar a um cliente, potencial investidor, antes de lhe prestar qualquer serviço de intermediação financeira.

Trata -se de informações prévias no âmbito das quais se inserem todas as necessárias para que o cliente tome uma decisão de investimento esclarecida e fundamentada (art. 312.º Cód. VM), as respeitantes à estrutura empresarial do intermediário financeiro e ainda as relativas à natureza e características do investimento a realizar (artigos 38.º e 39.º do Regulamento n.º 12/2000).

A lei não enumera taxativamente o conteúdo da informação considerada necessária, tendo por obrigatório prestar aquela informação que se revele relevante para efeitos de uma tomada de decisão consciente por parte do investidor. O legislador não dispensou, contudo, o enunciado de um conjunto mínimo de dados informativos que necessariamente terão de ser fornecidos pelo intermediário financeiro, encontrando -se nesse grupo elementos cujo conhecimento é, desta forma, reconhecido como indispensável à adopção de qualquer decisão de investimento. Entre esses elementos encontram -se os riscos envolvidos pelas operações a realizar e suas implicações, o custo do serviço a prestar, a existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de protecção equivalente bem como a possibilidade de uma eventual reclamação ser recebida pela CMVM e ainda qualquer interesse que o intermediário financeiro tenha no serviço que presta [alíneas a) a d) do n.º 1 do art. 312.º do Cód. VM e 39.º do Regulamento CMVM n.º 12/2000]. O intermediário financeiro deverá ainda fornecer ao investidor toda a documentação necessária.» - destaque nosso

Prossegue o AUJ n.º 8/2022, esclarecendo que se o intermediário financeiro equipara uma obrigação a um depósito a prazo, e afirma que o capital é garantido, falta aos seus deveres de informar com verdade, rigor e exatidão o investidor:

«Ora, se o intermediário financeiro equipara simplesmente a subscrição de obrigações subordinadas a um depósito a prazo, viola esse dever de informação, porquanto existem diferenças assinaláveis e muito significativas entre os dois produtos, que aqui resumidamente se apontam:

— As obrigações representam um direito de crédito sobre a entidade emitente (artigo 348.º do Código das Sociedades Comerciais), o que implica que é a entidade emitente que fica obrigada a restituir ao titular da obrigação (credor obrigacionista) quer o montante que lhe é mutuado quer os juros respetivos, quando convencionados, restituição que dependerá sempre da solidez financeira da entidade emitente.

A subscrição de uma obrigação é um investimento e, através da sua aquisição, os investidores aplicam as suas poupanças visando uma remuneração do capital investido mais elevada, embora com mais riscos do que aqueles que resultariam de outras aplicações do capital, designadamente, através dos depósitos a prazo.

As entidades emitentes colocam no mercado, pelo melhor preço que consigam obter, os valores mobiliários que emitem no intuito de conseguirem formas alternativas de financiamento da sua atividade sem os custos do recurso ao crédito bancário.

— Os depósitos a prazo são exigíveis no fim do prazo por que foram constituídos, podendo as instituições de crédito conceder aos seus depositantes, nas condições acordadas, a sua mobilização antecipada (artigo 1.º, n.º 4, do Decreto -Lei n.º 430/91, de 2 de novembro).

Como se refere no acórdão de 5/12/2019, no contrato de depósito bancário, o Banco (depositário) tem a obrigação de restituir quantia idêntica à depositada, findo o prazo do depósito, acrescido de juros, caso hajam sido convencionados. No depósito bancário o valor depositado será sempre disponibilizado quando solicitado pelo cliente, não obstante a eventual perda dos frutos do depósito, mesmo nos casos de depósito a prazo não mobilizáveis antecipadamente. E quando os depósitos da instituição de crédito se tornam indisponíveis, o reembolso dos depósitos é garantido pelo Fundo de Garantia de Depósitos até ao valor global dos saldos em dinheiro de cada depositante, em conformidade com o limite estabelecido na lei.

— o Fundo de Garantia de Depósitos encontra -se regulado nos artigos 154.º e ss. do Regime Geral das Instituições de Crédito. A garantia de depósitos foi regulada pela Diretiva n.º 94/19/CE, do Parlamento e do Conselho, de 30 de maio de 1994 e foi transposta para a ordem jurídica interna pelo Decreto -Lei n.º 246/95, de 14 de setembro —(...).

7. Afastada pelo AUJ n.º 8/2022 a possibilidade de aplicar uma presunção legal de ilicitude, cabe ao autor da ação o ónus da prova da violação do dever de informação.

Vejamos, pois, em primeiro lugar, se o autor cumpriu este ónus da prova, tal como decorre da matéria de facto provada, nos termos exigidos pelo AUJ n.º 8/2022.

O autor subscreveu o produto financeiro, SLN 2006, em 19 de Abril de 2006, montante de € 400.000,00 (quatrocentos mil euros), correspondentes a parte do montante que detinha em depósitos a prazo (facto provado n.º 1) A subscrição das obrigações deu-se por iniciativa do gerente do BPN, atual BIC, BB, que lhe fez a proposta de aplicar o montante que ele titulava num programa de aplicação financeira que lhe traria uma maior rentabilidade e detinha a mesma segurança que o depósito a prazo, com garantia de capital a 100% (cem por cento), tal como o depósito a prazo, garantido pelo Banco (facto n.º 2). Com o intuito de convencer o aqui Autor, o gerente do Banco Réu, BB, disse ao Autor que tal aplicação seria feita pelo prazo de dez anos, mas que poderia eventualmente proceder ao seu resgate antecipado ao fim de cinco anos (facto n.º 3). O gerente referiu ainda que a aplicação em causa e que lhe estava a propor era absolutamente segura, que não corria qualquer risco, posto que tinha o reembolso do capital investido garantido a 100% (cem por cento) e lhe daria uma maior rentabilidade ao dinheiro que ele detinha em depósito a prazo (facto provado n.º 4). Nos termos do facto n.º 5, para melhor o convencer, o referido gerente do Banco Réu exibiu ao aqui Autor um documento onde constava de entre outras condições a do capital garantido a 100% (cem por cento), bem como a garantia de ‘elevada’ taxa de remuneração, tal como acontecia com o SLN de 2004, sendo este de 2006, um complemento do anterior. O facto n.º 6 descreve a relação entre o autor e o gerente do banco como uma relação em que o cliente depositava absoluta confiança no gerente, e afirma que foi em virtude dessa relação e das informações fornecidas acerca da segurança do produto, que o Autor acedeu em resgatar o depósito a prazo e proceder à sua aplicação na subscrição de obrigações, atentas as condições e garantias que lhe estavam a ser dadas pelo gerente do Banco Réu.

8. Ora, tendo em conta o âmbito e o alcance do conteúdo atribuído pelo AUJ n.º 8/2022 ao dever de informação do intermediário financeiro atrás exposto, é manifesto que o Banco, na factualidade descrita, não cumpriu os deveres de informação que sobre ele impendiam.

O AUJ n.º 8/2022 aceitou o princípio já sedimentado na jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça, segundo o qual o intermediário financeiro deve prestar “todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada” (artigo 312.º, n.º 1, do CVM). Além disso, a extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e experiência do cliente (artigo 312.º, n.º 2, do CVM), o que significa que a “intensidade do dever de informação varia em função do tipo contratual e do perfil do cliente” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11/10/2018, proc. n.º 2339/16.4T8LRA.C2.S1), devendo o grau de conhecimentos e experiência reportar-se ao produto financeiro em causa.

Aceitou também a corrente jurisprudencial mais exigente quanto ao conteúdo do dever de informação e expressa por exemplo no Acórdão de 10.04.2018, processo n.º 753/16.4TBLSB.L1.S1, onde se sumariou o seguinte:

“I. A protecção dos interesses legítimos dos clientes de produtos financeiros implica, em relação a eles, que o intermediário financeiro indague sobre a sua situação financeira e experiência – o princípio know your costumer, ou, know your client no que respeita ao tipo específico de instrumento financeiro ou serviço oferecido ou procurado, bem como, se aplicável, sobre a situação financeira e os objectivos de investimento do cliente – nº3 do art. 304º do CVM – devendo observar os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.

II. O dever de conhecimento do perfil do cliente, sobretudo nos casos de investidores não qualificados, a avaliação não só da sua capacidade de investimento como a de suportar o risco inerente ao produto que pretende adquirir, para se ajuizar se certa transacção é adequada ao cliente – suitablity test –, impõe ao intermediário financeiro um rigoroso dever pré-contratual de informação, que não se queda pelo padrão do bom pai de família, mas antes, dada a professionalidade do banco/intermediário financeiro, lhe impõe um grau de diligência mais acentuado, devendo actuar como “diligentissimus pater familias”, não sendo toleráveis procedimentos que possam sequer ser incursos em culpa leve.

III. O dever contratual de agir de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência, impostos ao intermediário financeiro, no interesse legítimo dos seus clientes, não é mais, afinal, que o dever de agir de boa fé, constituindo um dever principal – a prestação propriamente dita no complexo obrigacional a cargo do intermediário financeiro.

IV. A relação contratual obrigacional que se estabelece entre o cliente e o intermediário financeiro, exige deste um elevado padrão de conduta, com lealdade e rigor informativo pré-contratual e contratual: informação completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita, tendo em conta que, entre clientes não qualificados, a avaliação do risco não é tão informada quanto a da contraparte.

V. O não cumprimento dos deveres de informação é sancionado, no quadro da responsabilidade civil contratual – art. 483º, nº1, do Código Civil –, impendendo sobre o intermediário financeiro ou banco, que age nessa veste, presunção de culpa nos termos do art. 799º, nº1, do Código Civil, sendo claro o nº2 do art. 304-A do CVM quando estatui – “A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito das relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado por violação de deveres de informação.”

VI. Os factos provados demonstram que o Réu, na fase pré-contratual, não prestou a exigível e qualificada informação pautada pelo standard da actuação de boa fé, com o elevado padrão de conduta, não actuando com diligência e transparência de modo a informar, cabalmente, do risco do negócio, não respeitando, nem protegendo o interesse do investidor, seu cliente há 12 anos, e que, naturalmente confiava, como seria esperável dessa relação de confiança, uma informação que, obviamente, não era a de que a EE pudesse cair na insolvência, mas que não deveria ser a que foi prestada: o retorno do investimento naquele produto financeiro era garantido como se fosse um produto do banco, o que foi razoavelmente entendido, como tão seguro e garantido como um depósito a prazo.

VII. Se nos deveres de informação não cabe, por exemplo, o dever de alertar para o risco de insolvência da entidade que coloca o produto financeiro no mercado, sobretudo se as circunstâncias não assinalarem no horizonte esse risco, já nos casos, como é o que nos ocupa, em que o cliente é induzido a investir pelo Banco, que toma a iniciativa de o contactar, o que revela confiança, não mesmo certo é que qualquer reticência de informação já é violadora do padrão de exigência informativa cometida ao intermediário financeiro».

Sendo o Autor cliente conservador, que não sabia o que eram obrigações, o Banco devia ter dito que o investimento proposto implicava risco de perda de capital e que, em caso de insolvência da empresa emitente, a SLN, o autor ficaria numa posição desfavorável em relação aos demais credores para reclamar o seu crédito, visto que só após os credores comuns serem satisfeitos é que poderia ter oportunidade de obter a realização do seu crédito obrigacionista, como resulta do disposto na al. c) do artigo 48º do CIRE (DL nº53/2004, de 18 de março). Ora, como resulta à saciedade da matéria de facto provada, nada disto foi explicado ao autor. Pelo contrário, foi-lhe dito que o produto financeiro em causa era semelhante a um depósito a prazo e que o capital era garantido. A circunstância de não se avizinhar a probabilidade de uma crise financeira, e de a convicção subjetiva dos funcionários do Banco ser otimista em relação à segurança do produto, nada releva para este efeito, pois o conteúdo dos deveres de informação não pode depender, em relação a clientes conservadores, não qualificados, de uma visão subjetiva, que não corresponda à verdade em termos jurídicos e financeiros.

O Banco enquanto intermediário financeiro está vinculado por força da lei à proteção dos interesses legítimos dos clientes de produtos financeiros, devendo indagar sobre a sua situação financeira e experiência – o princípio know your costumer – no que respeita ao tipo específico de instrumento financeiro ou serviço oferecido ou procurado, bem como sobre a situação financeira e os objetivos de investimento do cliente (artigo 304.º, n.º 3, do CVM), observando os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.

A relação contratual obrigacional que se estabelece entre o cliente e o intermediário financeiro, exige deste um elevado padrão de conduta, com lealdade e rigor informativo pré-contratual e contratual: informação completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita, tendo em conta que, entre clientes não qualificados, a avaliação do risco não é tão informada quanto a da contraparte.

O facto de o cliente ter sido induzido a investir pelo Banco, que toma a iniciativa de o contactar para lhe propor a subscrição de obrigações, dizendo-lhe que é um produto com capital garantido tal como um depósito a prazo, agrava o juízo de ilicitude, no sentido em que qualquer reticência ou vaguidade de informação já seria violadora do padrão de exigência informativa cometida ao intermediário financeiro.

O não cumprimento dos deveres de informação, se bem que podendo ser sancionado ao abrigo do artigo 227.º do Código Civil (culpa na formação dos contratos), que consagra a chamada responsabilidade civil pré-contratual, tem sido sancionado, no quadro da responsabilidade civil contratual, impendendo sobre o intermediário financeiro ou banco, que age nessa veste, presunção de culpa nos termos do artigo 799º, nº1, do Código Civil, sendo claro o n.º 2 do artigo 314 do CVM, quando estatui – “A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito das relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado por violação de deveres de informação.”

No caso concreto, não resultou provado qualquer facto suscetível de ilidir a presunção de culpa que recai sobre o Banco. Acresce que o padrão para avaliar a culpa não é o critério abstrato fixado no artigo 487.º do Código Civil, que remete para a figura tradicional do «bom pai de família», sendo exigível ao intermediário financeiro, por força da legislação específica que regula esta relação obrigacional com o cliente, um grau de diligência mais acentuado, em que não são toleráveis procedimentos que possam ser considerados culpa leve.

A informação prestada foi incompleta, falsa e obscura, nos termos exigidos pelo AUJ n.º 8/2022, onde se consagrou o seguinte na sua fundamentação:

«A informação foi incompleta porque não foi explicada ao Autor a característica da subordinação das obrigações, bem como não foi explicada a relação de dependência do Banco perante o emitente das obrigações.

(...)

A informação foi incompleta e inexata porque o reembolso do capital aplicado não era garantido.

Ao contrário da informação do Banco, porquanto se tratava de um empréstimo obrigacionista em que, em caso de falência ou liquidação do emitente, o reembolso das obrigações fica subordinado ao prévio reembolso de todos os demais credores não subordinados da emitente: “apenas se pode pagar sobre o património do emitente depois de satisfeitos todos os credores comuns” (Paulo Câmara, Manual de Direito dos Valores Mobiliários, 2.ª edição, p.137).

A informação foi obscura, porque nos termos em que foi dada, não permitia ao cliente (investidor) entender as especificidades do instrumento financeiro que adquiria: Os Autores não sabiam o que são obrigações e o Banco não explicou o que eram obrigações, nem explicou que BPN e SLN eram duas entidades distintas e que investir em SLN era diferente de aplicar dinheiro no BPN.

Assim, as informações incorretamente prestadas ao Autor assumiam um cariz objetivo – pois o que relevava para os Autores, para além da rentabilidade, era saber se o reembolso do capital investido estava assegurado – constituem informações que não estavam dependentes de quaisquer variantes analíticas ou evolução da conjuntura económico-financeira, decorrendo das próprias características do produto».

8. Assim, tem de se concluir que o Banco violou culposamente os deveres de informação que sobre ele impendiam.

Improcedem, pois, as conclusões 1.ª a 53.ª da alegação de recurso do Banco BIC, réu nos presentes autos.

9. Nexo de causalidade entre o facto e o dano

Para serem indemnizáveis os danos devem ligar-se causalmente ao incumprimento do dever pré-contratual ou contratual (nexo de causalidade).

Prescreve o artigo 563.º, do Código Civil que «A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão», ou seja, não fora o incumprimento do dever de informação.

Na disposição normativa supra citada está consagrado o critério da causalidade adequada, pela formulação negativa, ou seja, o incumprimento contratual tem, em concreto, de ter constituído condição necessária ao dano, só se excluindo a responsabilidade se ele for, pela sua natureza, indiferente para a produção daquele tipo de prejuízos, isto é, se o lesante provar que apenas a ocorrência de circunstâncias extraordinárias ou invulgares determinou a aptidão causal daquele facto para a produção do dano verificado.

10. Nos termos do AUJ n.º 8/2022, a presunção de culpa do intermediário financeiro não abrange qualquer presunção legal de causalidade, cabendo ao investidor, nos termos do artigo 342.º, nº 1, do Código Civil o ónus da prova (ponto 1 do AUJ n.º 8/2022). O AUJ prossegue, afirmando no ponto 3. que «O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir» e no ponto 4. que «Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir».

11. Apesar de o AUJ n.º 8/2022 não ter aceitado a tese da presunção do comportamento conforme à informação, não quis dificultar ao investidor não qualificado o cumprimento do ónus da prova do nexo causal, nem afastar todo o lastro doutrinal e jurisprudencial produzido acerca do nexo de causalidade, pretendendo até facilitar o ónus da prova para não se inverter a lógica do instituto da responsabilidade civil.

Veja-se o seguinte excerto dos fundamentos do AUJ n.º 8/2022:

«O que o regime do CVM pode trazer de diverso é a diminuição da exigência do regime da prova do nexo de causalidade no sentido de se dever facilitar ao investidor a demonstração da sua ocorrência, por forma a não se inverter a lógica do sistema de responsabilidade civil, pois é de reconhecer que é difícil ao investidor demonstrar, sem sombra de dúvidas, que nunca realizaria o investimento efetuado se a informação em falta lhe tivesse sido prestada, mas tal facilitação não se traduzirá numa inversão do ónus da prova, nem da adesão à doutrina do “comportamento conforme à informação”, que tem sido propugnada por alguns autores e já subscrita por algumas decisões dos tribunais».

Como se afirma no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 26-03-2019 (proc. n.º 2259/17.5T8LRA.C1.S1), sobre a conceção de nexo causal na responsabilidade civil:

«É consensual o entendimento de que o nosso sistema jurídico, com a citada norma, acolheu a doutrina segundo a qual, para que um facto seja causa de um dano, é necessário que, no plano naturalístico, ele seja uma condição sem a qual o dano não se teria verificado e, além disso, que, no plano geral e abstracto, ele seja causa adequada desse mesmo dano.

É matéria de facto o nexo causal naturalístico e é matéria de direito o juízo sobre o segundo momento da causalidade, referente ao nexo de adequação, de harmonia com o qual o facto que actuou como condição do dano deixa de ser considerado como causa adequada quando para a sua produção tiverem contribuído decisivamente circunstâncias anormais ou extraordinárias: «o facto gerador do dano só pode deixar de ser considerado sua causa adequada se se mostrar inidóneo para o provocar ou se apenas o tiver provocado por intercessão de circunstâncias anormais, anómalas ou imprevisíveis» ([5]).

(...)

Essa aferição global da adequação deve partir de um juízo de prognose posterior objectiva, formulado em função das circunstâncias conhecidas e cognoscíveis de todo o processo factual que, em concreto, desencadeou a lesão e o dano, no âmbito da sua aptidão geral ou abstracta para produzir esse dano, pois que a causalidade adequada não se refere a um facto e ao dano isoladamente considerados ([6]).»

(...)

Como também considerou o Ac. desta Secção de 13-01-2009 (p. 08A3747), o «facto que actuou como condição do dano só não deverá ser considerado causa adequada do mesmo se, dada a sua natureza geral e em face das regras da experiência comum se mostra indiferente para a verificação do dano, não modificando o “círculo de riscos” da sua verificação, tendo presente que a causalidade adequada “não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano” no âmbito da aptidão geral ou abstracta desse facto para produzir o dano.».

É o que, em suma, nos transmite o ensinamento do Prof. Vaz Serra ([7]) de que a causa em sentido jurídico se deve restringir àquelas condições que se encontrem para com o resultado numa relação tal que seja razoável impor ao agente a responsabilidade por esse mesmo resultado, independentemente de este ter sido, exclusivamente, condicionado por tal causa:

«O problema não é um problema de ordem física, ou, de um modo geral, um problema de causalidade tal como pode ser havido nas ciências da natureza, mas um problema de política legislativa: saber quando é que a conduta do agente deve ser tida como causa do resultado, a ponto dele ser obrigado a indemnizar. Ora, sendo assim, parece razoável que o agente só responda pelos resultados para cuja produção a sua conduta era adequada e não por aqueles que tal conduta, de acordo com a sua natureza geral e o curso normal das coisas, não era apta para produzir e que só se produziram em virtude de uma circunstância extraordinária.».

A causa (normativamente adequada) pode ser, não necessariamente directa e imediata, mas indirecta, bastando que a acção causal desencadeie outra condição que, directamente, suscite o dano.

Todavia, por outro lado, não é suposta a existência de uma causa ou condição exclusiva na produção do dano, no sentido de que a mesma tenha, só por si, determinado o dano, porquanto podem ter intervindo outros factos, contemporâneos ou não. Na verdade, a lesão e a consequente produção do dano podem resultar de um concurso real de causas, da contribuição de vários factos, não sendo qualquer deles, singularmente considerado, suficiente para alcançar o efeito danoso, embora se imponha que um deles seja causa adequada do por ele desencadeado, imputável a outro agente.

E «[q]uando ocorre um tal concurso de causas adequadas, simultâneas ou subsequentes, qualquer dos autores é responsável pela reparação de todo o dano, como se infere do que se dispõe nos arts. 490º e 570º C. Civil (cfr. P. Coelho “O Problema da Relevância da Causa Virtual...”, 31-34)», como decidiu o mesmo Ac. de 13-01-2009».

12. O Banco entende que a insolvência da SLN quebra o nexo causal, mas não tem razão.

Como se entendeu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 26-03-2019 (proc. n.º 2259/17), o facto de o Banco ter violado o dever de informação, «(...) não só não se mostra indiferente como foi apto a produzir o não reembolso do capital – a lesão verificada –, independentemente de este ter sido também condicionado pela superveniente insolvência da emitente da obrigação, sendo, pois, razoável impor ao intermediário a responsabilidade por esse resultado».

Em face do âmbito do dever de informação, tal como delimitado no AUJ n.º 8/2022, e que deve incidir sobre as consequências da insolvência da entidade emitente, o dano tem o seu início, a sua primeira condição, na tomada da decisão acerca da aquisição das obrigações, com o inerente risco de perda de capital por insolvência da empresa emitente, sobre o qual o banco não informou o investidor.

13. Para o efeito de determinar se ficou ou não preenchido o ónus da prova importa analisar a matéria de facto provada que ilustra a violação do dever de informação (factos n.º1 a 7), e, em particular, o facto provado n.º 12, que tem o seguinte conteúdo:

«Se o gerente do Banco Réu, BB, não tivesse dado a garantia do retorno do capital investido, o Autor não teria dado a sua anuência na aquisição dos identificados ativos financeiros».

Nesta factualidade é por demais evidente que se encontra verificado o nexo de causalidade entre a conduta do Banco Réu/recorrente e o dano, pois, provou-se que se o autor tivesse percebido que poderia estar a dar ordem de compra de um produto de risco, sem capital garantido pelo BPN, não o teria autorizado.

Improcedem, pois, as conclusões 54.º a 68.º.

14. Nos termos do facto provado n.o 8 até ao dia 07 de maio de 2015 sempre foram pagos ao autor os juros semestrais do capital investido na aludida aplicação financeira. Segundo o facto n.º 11, o autor foi informado pelo gerente do Banco, no termo do contrato, que não iriam reembolsar o valor e que deveria reclamar o mesmo na insolvência da SLN.

Pelo que se conclui que o Banco Réu incorre na obrigação de indemnizar o autor pelo dano da perda do capital, nos termos decididos pelo acórdão recorrido.

15. Não tendo o Banco questionado a forma como foi determinado o montante ou a extensão do dano patrimonial indemnizável, nem o Autor, em recurso subordinado, impugnado a não ressarcibilidade dos danos não patrimoniais, confirma-se a decisão do acórdão recorrido e condena-se o Banco BIC a pagar ao Autor a quantia de € 400.000,00 (quatrocentos mil euros), acrescida de juros de mora à taxa de 4% ao ano, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.

16. Anexa-se sumário elaborado de acordo com o n.º 7 do artigo 663.º do CPC:

I – Encontrando-se assente na factualidade provada do caso, que, «Se o gerente do Banco Réu, BB, não tivesse dado a garantia do retorno do capital investido, o Autor não teria dado a sua anuência na aquisição dos identificados ativos financeiros», considera-se cumprido o ónus da prova do nexo de causalidade entre o facto e o dano, a cargo do investidor, nos termos exigidos pelo AUJ n.º 8/2022.

III – Decisão

Pelo exposto, decide-se na 1.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 20 de junho de 2023


Maria Clara Sottomayor (Relatora)

Pedro de Lima Gonçalves (1.º Adjunto)

Maria João Vaz Tomé (2.ª Adjunta)