Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1430/07.2TTLSB.L1.S1
Relator: SOUSA GRANDÃO
Descritores: PENSÃO DE SOBREVIVÊNCIA
EX-CÔNJUGE
ALIMENTOS
CONTRATAÇÃO COLECTIVA
BANCÁRIO
Data do Acordão: 12/02/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Sumário : I - A Constituição da República Portuguesa, apesar de anunciar que todos têm o direito à Segurança Social e prever, no seu art. 63.º, ns.º 1 e 2, que é dever do Estado organizar, coordenar e subsidiar um sistema de Segurança Social unificado e descentralizado, não concretiza o conteúdo do direito à Segurança Social e também não estabelece prazos para essa concretização.
II - A principal incumbência do Estado, no domínio do direito fundamental social da previdência, consiste na organização do sistema de Segurança Social, subordinado a cinco requisitos constitucionais: deve constituir um sistema universal; deve ser um sistema integral; deve constituir um sistema unificado; deve ser um sistema descentralizado; finalmente, deve ser um sistema participado.
III - Ao nível ordinário, as Leis de Bases da Segurança Social salvaguardam a subsistência dos denominados “Regimes Especiais”, entre os quais se inclui o ACTV/1986 para o Sector Bancário.
IV - Deste modo, os trabalhadores bancários gozam de um regime próprio e privativo de Segurança Social, corporizado nos instrumentos de regulamentação colectiva aplicáveis ao sector.
V - As últimas Leis de Bases da Segurança Social admitem o princípio da diferenciação positiva, pretendendo que os diversos regimes se adaptem ao condicionalismo de cada grupo social ou profissional.
VI - O caso específico dos ACTV’s para o Sector Bancário é paradigmático: o seu regime, no tocante à Segurança Social, não constitui novidade recente, e integra relevantes especificidades, quer no que respeita às prestações por ele abrangidas, quer no tocante à contribuição dos trabalhadores para o seu financiamento.
VII - Tratando-se de um regime especial – salvaguardado expressamente por lei – haverá que aplicá-lo em bloco – até porque ele é, na sua generalidade, mais favorável que o regime geral – não fazendo sentido complementá-lo, porventura onde ele seja, pontualmente, mais desfavorável, com outras regras que provenham do regime geral.
VIII - Neste contexto, e porque a cláusula 144.ª do ACTV para o sector bancário apenas concede pensão de sobrevivência ao cônjuge sobrevivo do beneficiário falecido e, acrescidamente, ainda impõe que o casamento perdurasse há mais de um ano relativamente à data do decesso, não é de reconhecer à Autora, com apelo ao disposto no art. 11.º, do DL n.º 322/90, de 18 de Outubro – que estende ao cônjuge separado judicialmente de pessoas e bens e ao divorciado o direito a pensão de sobrevivência, posto que estes recebessem do trabalhador falecido uma pensão de alimentos reconhecida em juízo – o direito àquela pensão, ainda que a demandante preencha os requisitos previstos neste último diploma.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:
1 – RELATÓRIO

1.1
AA intentou, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, acção declarativa de condenação com processo comum, contra “Banco BB, S.A”, “Centro Nacional de Pensões “e “Estado Português”, pedindo que os Réus sejam condenados a pagar-lhe uma pensão de sobrevivência, na percentagem de 70% do valor da pensão de velhice que o 1.º Réu pagava a CC à data do seu falecimento, devendo tal condenação englobar as pensões vencidas desde 10 de Fevereiro de 1998 e as vincendas, “… todas a liquidar em execução de sentença”.
Alega, em breve síntese, que, tendo sido casada com o referido CC – funcionário do 1.º Réu com antiguidade reportada a 1956 – e dele recebendo, até ao seu decesso, uma pensão de alimentos fixada inicialmente no âmbito da acção que decretou o divórcio entre ambos, devem os Réus assegurar-lhe agora o pagamento da sobredita pensão de sobrevivência.
Os 2.º e 3.º Réus foram absolvidos da instância por decisão transitada em julgado.
O 1.º Réu excepcionou a incompetência material do foro demandado e, por impugnação, discordou do enquadramento jurídico veiculado na P.I., considerando que os trabalhadores bancários estão sujeitos a um regime específico de segurança social, plasmado nos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho aplicáveis ao Sector Bancário, o qual não contempla a situação da Autora.
1.2
Instruída e discutida a causa, veio a 1.ª instância a julgar totalmente improcedente a acção, sob o fundamento de que o ACT aplicável não contempla, para efeitos de pensão de sobrevivência, a situação do ex-cônjuge beneficiário de uma pensão de alimentos.
Apelando da decisão, a Autora veio a obter integral ganho de causa, visto que o Tribunal da Relação de Lisboa revogou a sentença recorrida e condenou o Banco Réu a pagar-lhe “… a pensão de sobrevivência na percentagem de 70% do valor da pensão de velhice que o 1.º Réu pagava a CC à data do seu falecimento, devendo tal condenação englobar as pedidas pensões, vencidas desde 10 de Fevereiro de 1998 e nas vincendas, todas a liquidar em execução de sentença”.
Em abono do juízo decisório assim firmado, considerou a Relação “…que o reconhecimento pelo Estado de direito à pensão de sobrevivência no regime público previdencial, nas condições reunidas pela Autora, tal como decorre do D.L. n.º 322/90, de 18 de Outubro, só pode ser entendido como uma concretização do princípio constitucional consagrado no art. 63.º n.º 3 da C.R.P. (…), razão pela qual as leis ordinárias que os regulam são consideradas como normas de interesse e ordem pública”, não podendo o Banco “deixar de cumprir as obrigações previdenciais consagradas no regime público … respeitantes à pensão de sobrevivência que é reclamada nos presentes autos…”.
1.3
Desta feita, a irresignação provém do Banco Réu, que pede a presente revista, onde convoca o seguinte núcleo conclusivo:
1 - o sistema privado de reforma dos bancos constitui, assim, um regime especial de segurança social substitutivo do regime geral da segurança social. O legislador aceitou que os Bancos se substituíssem, ainda que transitoriamente, ao Estado por forma a que aos trabalhadores bancários não abrangidos pelo regime geral fosse garantido o direito constitucional à segurança social, instituído no n.º 1 do artigo 63.º da C.R.P. que, nos termos do n.º 2, dispõe que: “ Incumbe ao estado organizar, coordenar e subsidiar um sistema de segurança social e outras organizações representativas dos trabalhadores e de associações representativas dos demais cidadãos na doença”.
2 – neste contexto, relativamente à pensão de sobrevivência, consta do ACTV/1986, publicado no BTE n.º 28, de 29/7/86 (em vigor à data da morte de CC), na cl.ª 144ª, sob a epígrafe (Falecimento):
“2 – Por morte do trabalhador, as instituições concederão:
(…)
g - A pensão mensal de sobrevivência será atribuída, nos termos dos números anteriores, desde que o trabalhador, à data do seu falecimento, fosse casado há mais de um ano.
(...)”.
3 – este ACTV do Sector bancário, bem como os que se seguiram, é omisso quanto ao direito reclamado pela Recorrida – pensão de sobrevivência na qualidade de ex-cônjuge que se encontrava divorciada à data da morte do beneficiário e que dele recebia pensão de alimentos decretada por sentença judicial;
4 – todavia, este direito encontra-se consagrado no regime público da Segurança Social;
5 – segundo o Aresto recorrido, a questão que importa decidir é se o Banco Réu pode, ou não, deixar de cumprir as obrigações previdenciais consagrados no regime público de previdência social no que concerne à pensão de sobrevivência em causa;
6 – decidiu o Tribunal da Relação que a cláusula do ACTV que versa sobre a pensão de sobrevivência, ao não contemplar o direito à pensão de sobrevivência reclamada nos autos, é nula, pois configura a renúncia de um direito indisponível tutelado directamente por normas constitucionais (art. 63.º n.º 3 da Lei Fundamental), pondo em causa a igualdade de tratamento com os beneficiários do regime público de previdência em matéria de interesse e ordem pública;
7 – e concluiu que o Recorrente não pode deixar de cumprir as obrigações previdenciais consagradas no regime público de previdência social respeitantes à pensão de sobrevivência que ora é reclamada – cônjuge divorciado que, à data da morte do beneficiário, dele recebe pensão de alimentos decretada ou homologada pelo tribunal – reconhecendo-se procedência ao recurso interposto;
8 – salvo melhor opinião, e admitindo até a qualidade de ordem pública de que estão imbuídas as cláusulas dos acordos colectivos de trabalho que prevêem o regime de segurança social dos Bancários, e que o direito à pensão de sobrevivência é um direito indisponível, a referida omissão de previsão do direito da A. não gera a nulidade daquela cláusula;
9 – mas, ainda que gerasse, o que não se concede, a consequência não poderia ser a obrigatoriedade de o Recorrente ter de cumprir com o preceituado na lei geral, pois ainda que dela emanasse para a A. tal direito não é o Réu o titular da correspondente obrigação, uma vez que, como melhor veremos adiante, tal lei não se lhe aplica;
10 – não se nega que a A. possa ter direito a uma pensão de sobrevivência, o que se nega é que seja o Recorrente o titular de tal obrigação;
11 – o ACT em questão é um todo incindível e hermético;
12 – Essa incindibilidade afirma-se pela sua natureza, e sustenta-se na permissibilidade expressa nas diversas leis que ao longo dos anos vieram a regular o sistema de segurança social português;
13 - coloca-se, pois, a questão de saber se a omissão de um direito, ou a regulação de forma diferente da prevista no sistema estatal, consubstancia uma inconstitucionalidade, bem como a de saber se tal omissão consubstancia uma renúncia a um direito indisponível, como é o direito a uma pensão de sobrevivência;
14 – os trabalhadores bancários não estão (à data dos factos) sujeitos ao Regime Geral da Segurança Social, estando sujeitos a um regime específico e que lhes é próprio, plasmados nos IRCT´S aplicáveis ao Sector Bancário;
15 – os trabalhadores bancários (como era o caso do Sr. CC) nunca estiveram sujeitos ao Regime Geral de Segurança Social;
16 – os bancários têm protecção previdencial, prevista e regulada no âmbito do regime estipulado pela contratação colectiva aplicável ao sector;
17 – e sempre prevista na lei geral de segurança social (vide os arts. 69.º da Lei n.º 28/84, de 14/8, 109.º da Lei n.º 17/2000, de 8/8 e 123.º da Lei n.º 32/2002, de 20/12;
18 – para o efeito os bancos – designadamente o banco Réu – constituíram os respectivos Fundos de Pensões, para os quais os bancos contribuem, estando regulado o modo pelo qual cada um daqueles Fundos deve ser constituído e participado;
19 – e o Recorrente sempre cumpriu pontualmente com todas as obrigações a ele relativas, designadamente contributivas;
20 – do ACT consta o regime previdencial dos bancários, que atribui direitos a determinadas pessoas, verificados que estejam os seus pressupostos;
21 – a ora Recorrida, à data do falecimento, não, era sequer casada com o referido Sr. CC. Estando divorciada;
22 – sentenciou o M.mº Senhor Juiz da 1.ª instância que: “(…) De facto nem os bancários estão abrangidos pela Caixa Geral de Aposentações, nem, por outro lado, o Estado Português deu consagração ao direito constitucional de organizar um “sistema de segurança social unificado e descentralizado, com a participação das associações sindicais, de outras organizações dos trabalhadores e de associações representativas dos demais beneficiários”, consagrado no art. 63.º n.º 2 do C.R.P. Contudo, desta omissão legislativa não se pode entender que o sistema de segurança social geral, para o qual os empregados bancários não contribuem, possa cobrir as omissões que possam existir no sistema privado de Segurança Social dos empregados bancários.
É com o apoio dos seus sindicatos e dentro do princípio da liberdade contratual, com as limitações da lei, [que] os trabalhadores bancários negoceiam com as entidades patronais onde trabalham, devendo corporizar no respectivo ACT os direitos que lhes cabem (…)”;
23 – e, com o devido respeito pelo entendimento da Relação, parece que a sentença da 1.ª instância prescreve a solução correcta para o caso;
24 – e este entendimento do Recorrente não assenta só no seu pensamento, mas na autoridade do S.T.J. que por Acórdão de 12/11/2009 (publicado in www.dgsi.pt com o n.º de processo 2660/05.7TTJSB), se decidiu que: “… Uma vez que a Constituição não define nem concretiza o conteúdo do direito à segurança social e também não estabelece prazos para a sua concretização, limitando-se a encarregar o Estado da tarefa de “organizar, coordenar e subsidiar um sistema de segurança social unificado e descentralizado (…) – artigo 63.º n.º 2 da C.R.P. – norma que, sendo programática, carece de concretização, isto significa que o prolongamento no tempo daquele regime especial, à margem do sistema geral unificado, apenas poderia dar lugar a um juízo de inconstitucionalidade por omissão (artigo 283.º da C.R.P.) decorrente do arrastamento e manutenção, por mais de 20 anos, da referida norma transitória, sendo que, por tal omissão, apenas poderia ser responsabilizado o Estado e não a Ré/entidade empregadora”.
Resulta claro do julgado citado que o regime de previdência social dos bancários é, como se começou por dizer, um regime incindível, e que dessa incindibilidade não resulta qualquer inconstitucionalidade se num caso concreto o regime geral de segurança social for mais favorável do que o regime previdencial previsto no ACTV;
25 – com efeito, trata-se de um regime especial, expressamente salvaguardado por lei que deve ser aplicado em bloco, não fazendo sentido completá-lo, ainda que da forma feita no acórdão recorrido, com outras regras oriundas do regime geral de segurança social;
26 – é, pois, perfeitamente válida a cláusula em debate, não padecendo de qualquer nulidade, nem omissão, nem sendo inconstitucional a qualquer título, tendo o douto acórdão recorrido, salvo sempre melhor opinião, feito errada interpretação da mesma, das disposições legais previdenciais, bem como do artigo 63.º da Lei Fundamental;
27 – desta forma, esse acórdão violou o citado preceito, bem como os artigos 69.º da Lei n.º 28/84, de 14/8, 109.º da Lei n.º 17/2000, de 8/8, e 123.º da Lei n.º 32/2002, de 20/12, e cláusula 144.ª, n.º 9 do ACTV para o Sector Bancário, publicado no BTE n.º 28, de 29/7/86 (em vigor à data da morte de CC);
28 – o banco Recorrente não está pois obrigado a pagar à Recorrida qualquer pensão de sobrevivência, ou outra que decorresse do ACTV do Sector Bancário, por a mesma não ser titular de qualquer direito subsumível nas suas cláusulas;
29 – sendo estas inteiramente válidas, porquanto não padecem de qualquer ilegalidade e, ou, inconstitucionalidade.
30 – nem estando o banco Recorrente sujeito a qualquer outra obrigação que não decorra do referido ACTV, designadamente do regime geral de Segurança Social;
31 – acresce que a Recorrida sempre terá direito a uma pensão de sobrevivência/alimentos a suportar por quem a lei estipula e, em última instância, pelo próprio Estado (aliás contra quem instaurou também a presente lide), caso se verifiquem os requisitos legais para o efeito.
1-4
A Autora contra-alegou, defendendo a confirmação integral do julgado.
1-5
A Exm.ª Procuradora-Geral-Adjunta, cujo Parecer mereceu a reacção discordante da Autora, entende que a revista deve ser concedida, sob o fundamento de que caducou o direito à pensão de sobrevivência reclamada nos autos.
1-6
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
2- FACTOS
As instâncias, com a anuência expressa das partes, fixaram a seguinte factualidade:
1 – a A. foi casada com CC, falecido em 10 de Fevereiro de 1988, conforme documento n.º 1 junto com a petição inicial, a fls. 13 dos presentes autos, cujo teor se dá aqui como integralmente reproduzido;
2 – por sentença judicial transitada em julgado em 29 de Novembro de 1978, a A. divorciou-se do referido CC, conforme documento, n.º 2 junto com a petição inicial, de fls. 14 a fls. 19 dos presentes autos, cujo teor se dá aqui como integralmente reproduzido;
3 – no âmbito do processo de divórcio, por acordo homologado por sentença, o referido CC ficou a pagar à A. uma pensão de alimentos no valor mensal de 4.000$00, conforme documento n.º 2 junto com a petição inicial, do Tribunal de Família [por lapso, escreveu-se “do trabalho”] de fls. 14 a fls. 19 dos presentes autos, cujo teor se dá aqui como integralmente reproduzido;
4 – a A. esteve a receber a referida pensão desde a decisão judicial supra referida até ao falecimento do seu ex-cônjuge CC;
5 – sendo certo que o mesmo CC voltou a contrair novo casamento, conforme documento n.º 1 junto com a petição inicial, a fls. 13 dos presentes autos, cujo teor se dá aqui como integralmente reproduzido;
6 – o referido CC foi admitido, em 1956, ao serviço do Banco DD;
7 – e tinha a categoria profissional de Inspector, com o nível B;
8 – o Banco DD veio a ser integrado no Banco ora 1º Réu, para o qual se transmitiram todos os direitos e obrigações;
9 – o falecido CC trabalhou por conta da mencionada instituição bancária até à data da sua reforma por idade.
São estes os factos.

3- DIREITO
3-1
A única questão em debate nos autos – tal como ficou configurada nos articulados das partes – consiste em saber se a Autora tem, ou não, direito a uma pensão de sobrevivência por óbito do seu ex-marido CC, de quem estava divorciada desde 29 de Novembro de 1978 e de quem recebeu, desde então e até ao decesso do CC, uma pensão de alimentos fixada judicialmente.
Por seu turno, quando o desenvolvimento adjectivo dos autos implicou a sua entrada na fase recursória da apelação, passou a discutir-se apenas – por virtude da limitação entretanto operada na vertente subjectiva passiva – se a mencionada pensão, a ser devida, constituía encargo do Banco Réu.
É nesses termos, e com a apontada limitação, que a temática chega à vertente revista.
Já sabemos que as instâncias divergiram na solução jurídica do pleito.
A 1.ª instância discorreu como segue:
“O sistema privado de reforma dos bancos constitui um regime especial de segurança social substitutivo do regime geral da segurança social, razão pela qual os seus beneficiários estão afastados do âmbito do regime instituído [pelo] DL 322/90. De facto, nem os bancários estão abrangidos pela Caixa Geral de Aposentações, nem por outro lado, o Estado Português deu consagração ao direito constitucional de organizar um “sistema de segurança social unificado e descentralizado, com a participação das associações sindicais, de outras organizações dos trabalhadores e de associações representativas dos demais beneficiários”, consagrado no art. 63.º, n.º 2 da C.R.P. Contudo, dessa omissão legislativa não se pode entender que o sistema de segurança social geral, para o qual os empregados bancários não contribuem, possa cobrir as omissões que possam existir no sistema privado de segurança social dos empregados bancários”.
Logo a seguir, depois de convocar a cláusula 120.ª do ACT aplicável – que define os pressupostos de atribuição da pensão de sobrevivência e os seus beneficiários – a sentença conclui do seguinte jeito:
“Assim, o ACT aplicável faz depender a atribuição da pensão de sobrevivência ao cônjuge, de o casamento ter durado mais de um ano contado da data do falecimento, e não prevê a situação do ex-cônjuge beneficiário de pensão de alimentos.
In casu, a autora, à data do falecimento do trabalhador do 1.º réu já não era com este casada, pelo que não é abrangida por esta disposição e, como tal, não pode, ao abrigo da referida cláusula, obter direito à pensão de sobrevivência. E não havendo lei que contemple esse direito, não pode ser concedido, nem fazendo apelo ao espírito do sistema normativo (como pretende a autora), porquanto estamos no âmbito de relações de contrato colectivo, como vimos acima.
Destarte, improcede o pedido formulado na presente acção e que ainda subsiste quanto ao 1.º réu “(FIM DE TRANSCRIÇÃO).
Diversamente, o Acórdão em crise decidiu que a Autora tinha direito à pensão reclamada, fazendo-o sob a motivação seguinte:
- Como é sabido, no sector Bancário vigora um sistema de Segurança Social especial previsto na contratação colectiva de trabalho aplicável ao sector e assim permitido nas sucessivas Leis de Base da Segurança Social (vide os artigos 69.º da Lei n.º 28/84, de 14.08, 109.º da Lei n.º 17/2000, de 8.08, 123.º da Lei n.º 32/2002, de 20.12 e 103.º da Lei n.º 4/2007, de 16.01).
- Neste regime especial os Bancos beneficiam do facto de não procederem a descontos legais de taxa social única, nas retribuições pagas aos seus trabalhadores, nem contribuem para a segurança social mas, em contrapartida, têm de suportar o pagamento de pensões de reforma dos seus trabalhadores segundo os requisitos previstos para a sua atribuição.
- O sistema privado de reforma dos bancos constitui, assim, um regime especial de Segurança Social, substitutivo do regime geral da Segurança Social, o que significa que o legislador aceitou que os Bancos se substituíssem, ainda que transitoriamente, ao Estado por forma a que aos trabalhadores Bancários não abrangidos pelo Regime Geral fosse garantido o direito à Segurança Social, instituído no artigo 63.º da Constituição da República.
- Neste contexto, o regime de atribuição da pensão de sobrevivência consta da cláusula 144.ª do ACTV/1986, publicado no BTE n.º 28, de 29/7/86 (em vigor à data da morte de CC), sendo, todavia, este ACTV do sector bancário, bem como os que se lhe seguiram, omisso quanto ao direito reclamado pela Autora – pensão de sobrevivência na qualidade de ex-cônjuge, que se encontrava divorciada à data da morte do beneficiário e que dele recebia pensão de alimentos decretada por sentença judicial.
- Todavia, este direito encontra-se consagrado no Regime Público de Segurança Social pois, conforme dispõe o artigo 31.º do D.L. n.º 322/90, sobre protecção por morte dos beneficiários abrangidos pelo Regime de Segurança Social, “o cônjuge separado judicialmente de pessoas e bens e o divorciado só têm direito às prestações se, à data da morte do beneficiário, dele recebessem pensão de alimentos decretada ou homologada pelo Tribunal ou se esta não lhes tivesse sido atribuída por falta de capacidade económica do falecido judicialmente reconhecida”.
- Não contemplando o ACTV para o sector bancário a situação do ex-cônjuge beneficiário de pensão de alimentos ter direito a uma pensão de sobrevivência, a questão que se coloca é se o Banco Réu pode, ou não, deixar de cumprir as obrigações previdenciais consagradas no regime público de previdência social, no que concerne à pensão de sobrevivência em causa.
- A Autora alega que a omissão de tal obrigação no ACTV em causa constitui uma violação das normas constitucionais que consagram o princípio da igualdade dos cidadãos no que respeita à dignidade social e protecção na velhice e viuvez (arts. 13.º e 63.º n.º 3 da C.R.P), concluindo que o banco Réu, independentemente da omissão de norma expressa no ACTV, não pode deixar de dar cumprimento aos referidos princípios constitucionais, reconhecendo o direito à pensão reclamada, em igualdade de tratamento com qualquer beneficiário do regime geral da Segurança Social.
- A Autora invoca, ainda, dois acórdãos do S.T.J., proferidos em 7/2/2007 e 3/5/2007, os quais se pronunciaram sobre o direito à pensão de sobrevivência por morte do beneficiário, funcionário bancário, para as situações de união de facto e, embora esses Arestos não tivessem chegado apreciar as consequências da omissão no sobredito ACTV da pensão de sobrevivência em casos de união de facto, no último deles é apreciada a natureza do direito à pensão de sobrevivência, aí se referindo que: “Definindo a Lei Constitucional (artigo 63.º) os direitos sociais dos cidadãos, todas as normas ordinárias que se referem a esses direitos (…) devem considerar-se como normas de interesse e ordem pública. E, muito embora os bancários tenham um regime próprio privado de segurança social, também as respectivas normas se devem considerar da mesma natureza.” Conclui, pois, que “A pensão de sobrevivência reclamada é um direito indisponível”.
- Também a actual Lei n.º 4/2007, que aprova as Bases Gerais do Sistema de Segurança Social, dispõe, no seu artigo 3.º, sobre a irrenunciabilidade do direito
à Segurança Social, que: “São nulas as cláusulas do contrato, individual ou colectivo, pelo qual se renuncie aos direitos conferidos pela presente Lei”, sendo que disposição idêntica já existia no diploma anterior, a Lei n.º 32/2002, de 20/12.
- Por outro lado, é seguro que o reconhecimento pelo Estado do direito à pensão de sobrevivência no regime público previdencial, nas condições reunidas pela Autora, tal como decorre do D.L. n.º 322/90, de 18/10, só pode ser entendido como uma caracterização do princípio constitucional, consagrado no dito artigo 63.º n.º 3, da tutela de condições mínimas de dignidade social e protecção na velhice e viuvez, reconhecidas a todos os cidadãos, razão pela qual as leis ordinárias que o regulam são consideradas normas de interesse e ordem pública.
- Assim a referida cláusula do ACTV, ao não contemplar o direito à pensão de sobrevivência aqui reclamada, é nula, pois configura a renúncia de um direito indisponível, tutelado directamente por normas constitucionais, pondo em causa a igualdade de tratamento com os beneficiários do regime público de previdência em matéria de interesse e ordem pública.
Em conformidade com a fundamentação ora sintetizada, conclui o Acórdão da Relação que o Banco Réu “…não pode deixar de cumprir as obrigações previdenciais consagradas no regime público de previdência social respeitantes à pensão de sobrevivência que é reclamada nos presentes autos – cônjuge divorciado que à data da morte do beneficiário, dele receba pensão de alimentos decretada ou homologada pelo tribunal – reconhecendo-se procedência ao recurso interposto” (sublinhado nosso).
O Recorrente discorda do entendimento exposto, aduzindo, em suma, que o regime previdencial dos trabalhadores bancários constitui um bloco incindível, que não pode ser complementado com regras ordinárias que lhe são alheias, pelo que se não vislumbra qualquer inconstitucionalidade se, porventura e num caso pontual, esse regime se mostrar menos favorável do que o regime geral.
3-2
Depois de anunciar que “todos têm direito à Segurança Social”, a Constituição estabelece que é um dever do Estado “… organizar, coordenar e subsidiar um sistema de segurança social unificado e descentralizado (…)” – artigo 63.º ns.º 1 e 2.
O primeiro diploma ordinário, coevo do texto Fundamental de 1976, é a Lei n.º 24/84, de 14 de Agosto, que revogou a Lei n.º 2.155, de 18/6/62, e veio definir as bases em que assenta o sistema de Segurança Social previsto na Constituição e a acção social prosseguida pelas instituições de Segurança Social, bem como as iniciativas particulares não lucrativas de fins análogos aos daquelas instituições (artigo 1.º).
Tal diploma foi sucessivamente alterado pelas Leis ns.º 17/2000, de 8 de Agosto, e 32/2002, de 20 de Dezembro.
Estamos perante leis-quadro que, pelo conjunto de grandes princípios orientadores nelas contidos, constituem o aparelho normativo nuclear da Segurança Social.
A Lei n.º 32/2002 começa por estabelecer no seu artigo 2.º, n.º 2, que “o direito à segurança social é efectivado pelo sistema e exercido nos termos estabelecidos na Constituição, nos instrumentos internacionais e na presente lei”.
Mais adiante, o seu artigo 5.º estatui que o sistema abrange o sistema público de segurança social, o sistema de acção social e o sistema complementar, compreendendo aquele primeiro o subsistema previdencial, o subsistema de solidariedade e o subsistema de protecção familiar.
O sistema complementar, por seu turno, comporta regimes legais, regimes contratuais e esquemas facultativos.
No tocante ao sistema de acção Social, por último, prevê-se que o mesmo seja desenvolvido tanto por instituições públicas, como por instituições particulares sem fins lucrativos.
Relativamente ao subsistema previdencial – que visa garantir prestações pecuniárias substitutivas de rendimentos perdidos por virtude de decorrências legalmente definidas – consagra-se o princípio da contributividade – artigo 30.º – tornando obrigatória a inscrição dos trabalhadores por ele abrangidos (por conta de outrem, legalmente equiparados ou independentes) e o cumprimento das obrigações contributivas.
Comum a todas as referidas Leis de Bases é a afirmação da subsistência transitória dos chamados “Regimes Especiais”, entre os quais se inclui o ACTV/1986 para o Sector Bancário, ora em discussão nos autos, publicado no BTE n.º 28, de 29 de Julho de 1986.
Com uma diferença, porém:
- as duas últimas Leis deixaram de aludir, como acontecia no primeiro diploma, à integração gradual dos ditos regimes no sistema geral, limitando-se a reafirmar a sua subsistência provisória (artigos 109.º da Lei n.º 17/2000 e 123.º da Lei n.º 32/2002).
Os princípios apontados mostram-se igualmente vertidos na Lei-Quadro actualmente vigente – Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro – (cfr., designadamente, o seu artigo 103.º).
3-3
Como se vê das considerações sumariamente expostas:
- O texto Fundamental não concretiza o conteúdo do direito à segurança social e também não estabelece prazos para essa concretização;
- ao nível ordinário, as Leis-Quadro salvaguardam a subsistência dos “Regimes Especiais”.
Deste modo, os trabalhadores bancários gozam de um regime próprio de segurança social, corporizado nos instrumentos de regulamentação colectiva aplicáveis ao Sector.
Nenhuma das partes questiona esta realidade:
- o que se discute é se esse regime deve ser aplicado autonomamente (como sustentam o Banco Réu e a 1.ª instância) ou se ele deve ser complementado, na específica vertente da pensão reclamada e por imperativos de igualdade, com as normas constantes do D.L. n.º 322/90, de 18 de Outubro, inserido no “Regime Geral”, mais especificamente, com o seu artigo 11.º (é a tese da Autora, com o aval da Relação).
Com efeito, o ACTV dos bancários apenas concede pensão de sobrevivência ao cônjuge sobrevivo do beneficiário falecido e, acrescidamente, ainda impõe que o casamento perdurasse há mais de um ano relativamente à data do decesso - cláusula 144.ª.
Em contrapartida, aquele convocado artigo 11.º estabelece que “O cônjuge separado judicialmente de pessoas e bens e o divorciado só têm direito às prestações se, à data da morte do beneficiário, dele recebessem pensão de alimentos decretada ou homologada pelo Tribunal ou se esta não lhes tivesse sido atribuída por falta de capacidade económica judicialmente reconhecida”.
É dizer que o regime especial do sector bancário apenas faculta a referida pensão ao cônjuge sobrevivo, enquanto o regime geral a estende ao cônjuge separado judicialmente de pessoas e bens e ao divorciado, posto que estes recebessem do trabalhador falecido uma pensão de alimentos reconhecida em juízo.
É dizer, enfim, que a Autora teria direito à reclamada pensão segundo o regime geral, mas já não o teria à luz do regime especial em análise.
Aqui chegados – e em absoluta consonância com as duas teses delineadas nos autos – verifica-se que a Autora só poderá obter ganho de causa se lograr aplicação o quadro normativo constante do mencionado D.L. n.º 322/90.
3-4
Como forma de salvaguardar o núcleo essencial da dignidade humana, a Constituição confere aos cidadãos, e impõe ao Estado, respectivamente, os chamados direitos e deveres fundamentais.
A este propósito, escreve o Prof. Gomes Canotilho:
“A função de prestações dos direitos fundamentais anda associada a três núcleos problemáticos dos direitos sociais, económicos e culturais: ao problema dos direitos sociais originários, ou seja, se os particulares podem derivar directamente das normas constitucionais pretensões prestacionais (ex: derivar da norma consagradora do direito à habitação uma pretensão traduzida no direito de “exigir” uma casa); ao problema dos direitos sociais derivados, que se reconduz ao direito de exigir uma actuação legislativa caracterizadora das “normas constitucionais sociais” (sob pena de omissão, constitucional) e no direito de exigir e obter a participação igual nas prestações criadas (ex: prestações médicas e hospitalares existentes); ao problema de saber se as normas consagradoras de direitos fundamentais sociais têm uma dimensão objectiva juridicamente vinculativa dos poderes públicos (independentemente de direitos subjectivos ou pretensões subjectivas dos indivíduos) a políticas sociais activas, conducentes à criação de instituições (ex: hospitais, escolas), serviços (ex: serviços de segurança social) e fornecimento de prestações (ex: rendimento mínimo, subsídio de desemprego, bolsas de estudo, habitações económicas).
(…)
Relativamente à última questão, é líquido que as normas consagradoras de direitos sociais, económicos e culturais da Constituição…individualizam e impõem políticas socialmente activas” (in “Direito Constitucional e Teoria da Constituição”, 6.ª ed., págs. 408 e 409).
Em sintonia com este entendimento, mais salienta o mesmo Autor – desta feita com Vital Moreira in “Constituição da República Portuguesa Anotada”, 3.ª ed., pág. 338 – que a principal incumbência do Estado, no domínio do direito fundamental social da previdência, consiste na organização do sistema de segurança social, subordinado a cinco requisitos constitucionais:
- deve constituir um sistema universal, isto é, abranger todos os cidadãos, independentemente da sua situação profissional;
- deve ser um sistema integral, isto é, abarcar “todas as situações de falta ou diminuição de meios de subsistência ou de capacidade para o trabalho”;
- deve constituir um sistema unificado, funcional e organicamente, de forma a abranger todo o tipo de prestações adequadas a garantir o cidadão em face de situações de auto insuficiência ou desemprego;
- deve ser um sistema descentralizado, o que implica, além do mais, a autonomia institucional em relação à administração estadual directa;
- finalmente, deve ser um sistema participado.
Dos assinalados princípios programáticos já se infere que a relação jurídica de segurança social é entendida como uma relação complexa, visto que constituída por um conjunto de direitos e obrigações, recíprocos, cujo necessário encadeamento permite efectivar um verdadeiro direito à protecção da segurança social.
3-5
deixámos expresso que as sucessivas Leis de Bases afirmam a subsistência transitória dos chamados “Regimes Especiais”, sucedendo, porém, que as três últimas deixaram de aludir à integração gradual desses regimes no regime geral, limitando-se a reafirmar a sua apontada subsistência provisória.
Esta inflexão legislativa foi feita de caso pensado.
Conhecida a crise em que mergulharam os sistemas públicos de segurança social, vem germinando a ideia de que a retoma previdencial “… passa, em grande parte, por uma certa descentralização e uma maior mutualização dos regimes de segurança social, da sua organização e gestão e mesmo do seu próprio financiamento. Este processo de remutualização”, mesmo dentro do figurino global do sistema público, implica o alargamento dos contributos jurídico-privatísticos” (Ilídio das Neves, in “Direito de Segurança Social – Princípios Fundamentais numa Análise Prospectiva”, 1996, págs. 86 e segs.).
Nesta linha de orientação, permite-se a flexibilização do sistema, através da criação de regimes voluntários e de regimes profissionais complementares, de iniciativa privada, do mesmo passo que se consagram soluções optativas no seio dos próprios regimes obrigatórios.
De resto, as últimas “Leis de Bases” admitem já o princípio da diferenciação positiva, pretendendo que os diversos regimes se adaptem ao condicionalismo de cada grupo social ou profissional.
Neste particular, o caso específico dos ACTV´S para os Bancários é paradigmático.
O seu regime, no tocante à segurança social, não constitui novidade recente, e integra relevantes especificidades, quer no que respeita às prestações por ele abrangidas, quer no tocante à contribuição dos trabalhadores para o seu financiamento.
Por outro lado, é reconhecida a favorabilidade do sistema, quando em confronto com o Regime Geral, de que são exemplo os seguintes índices:
- até 1995, os trabalhadores bancários beneficiavam de um regime não contributivo e, desde então, contam com um regime de contribuições menores do que a generalidade dos trabalhadores;
- as pensões de reforma e de sobrevivência mínimas são superiores às do regime geral;
- em contraste com a generalidade das situações, não existe no sector, por regra, um período de carência para o direito à pensão;
- em caso de antecipação da idade de reforma, os trabalhadores bancários beneficiam de condições mais favoráveis do que as aplicáveis aos trabalhadores comuns;
- a taxa anual de formação da pensão de reforma é superior àquela que vigora no âmbito do regime geral.
O que se deixa dito logo evidencia, com meridiana clareza, que não estamos, “in casu”, perante um regime profissional meramente complementar da segurança social mas ao invés, perante um regime privativo de segurança social.
E, tratando-se de um regime especial, salvaguardado expressamente por lei, haverá que aplicá-lo em bloco – até porque ele é, na sua globalidade, mais favorável do que o regime geral – não fazendo o menor sentido complementá-lo, porventura onde ele seja, pontualmente, mais desfavorável, com outras regras que provenham do dito regime geral.
Queremos significar, em suma, que não deve ser convocado, no concreto dos autos, o regime constante do D.L. n.º 322/90 e, mais em concreto, o comando do seu artigo 11.º, anteriormente transcrito.
3-5
A nosso ver, este entendimento em nada belisca os princípios constitucionais atendíveis, mormente aquele que convoca o Acórdão em crise.
Enunciando, genericamente, o artigo 12.º que “todos os cidadãos gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres consagrados na Constituição”, logo o artigo 63.º n.º 1 particulariza que “Todos têm direito à Segurança Social”.
Porém, deste último princípio não decorre que o respectivo dever, a cargo do Estado, imponha “… necessariamente a organização de um sistema administrativo de segurança social tal que garanta as prestações sociais a todos os particulares” (Vieira de Andrade in “Direito ao Mínimo de Existência Condigna”, pág. 16, citado por Jorge Miranda e Rui Medeiros in “Constituição Portuguesa Anotada”, pág. 635).
Por outro lado, o falado direito também não exclui a existência de direitos atribuíveis apenas a quem satisfaça determinados requisitos, posto que essa selecção se mostre materialmente fundada.
É neste contexto que entronca o princípio de igualdade.
Este princípio não impede a diferença de tratamento, mas apenas a discriminação arbitrária, a irrazoabilidade, as distinções injustificadas por não terem fundamento material bastante.
Ora, no confronto entre os trabalhadores bancários e os demais trabalhadores, será forçoso recordar que o ACTV respectivo resultou da livre concertação colectiva e constitui um bloco unitário, onde se comanda o regime específico das relações de trabalho do sector e o seu regime especial de segurança social.
Consequentemente, jamais se poderia operar um válido confronto entre uma simples norma do ACTV e a norma correspondente do regime geral da Segurança Social, até porque está demonstrada a favorabilidade global daquele primeiro regime.
De resto, quando as sucessivas “Leis de Bases” reconhecem a subsistência provisória do regime enunciado no ACTV, mais não fazem do que colocá-lo à margem do sistema unificado.
E, na exacta medida em que a Constituição também não define o direito à Segurança Social, também não se pode pretender que o sobredito regime seja compelido a integrar uma concreta norma do sistema unificado que, num caso pontual, se mostre mais favorável.
Uma tal exigência levaria, patentemente, à subversão do equilíbrio negocial de que emergiu o regime especial privado.
Com evidente pertinência à temática dos autos, recorde-se o que se exarou no Acórdão desta Secção de 2/2/2006 (Revista n.º 2447/05):
“… Uma vez que a Constituição não define nem concretiza o conteúdo do direito à Segurança Social e também não estabelece prazos para a sua concretização, limitando-se a encarregar o Estado da tarefa de “organizar, coordenar e subsidiar um sistema de segurança social unificado e descentralizado (…) – artigo 63.º n.º 2 da C.R.P. – norma que, sendo programática, carece de concretização, isto significa que o prolongamento no tempo daquele regime especial, à margem do sistema geral unificado, apenas poderia dar lugar a um juízo de inconstitucionalidade por omissão (artigo 283.º da C.R.P.) decorrente do arrastamento e manutenção, por mais de 20 anos, da referida norma transitória, sendo que, por tal omissão, apenas podia ser responsabilizado o Estado e não a Ré/entidade empregadora”.
Dir-se-á que a Autora, não sendo trabalhadora bancária, de cujo regime nunca beneficiou, se vê discriminada no confronto com um cidadão, beneficiário do sistema geral, a quem, nas mesmíssimas circunstâncias, é atribuída uma pensão que àquela é negada.
Mas, em contraponto disso, importa reconhecer que também não é curial fazer recair sobre a instituição bancária o encargo correspondente.
Ademais, sendo a dívida alimentar uma dívida de valor, sempre a Autora poderá demandar da herança, ou dos herdeiros do falecido, o pagamento dos alimentos judicialmente fixados.


4 – DECISÃO
Em face do exposto, concede-se a revista, revogando-se o Acórdão da Relação e repristinando-se o segmento decisório da sentença proferida em 1.ª instância.

Custas, nas instâncias e no Supremo, a cargo da Autora.


Lisboa 2 de Dezembro de 2010
Sousa Grandão (Relator)
Pinto Hespanhol
Vasques Dinis