Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
277/01.4PAPTS.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: ARMINDO MONTEIRO
Descritores: HOMICÍDIO POR NEGLIGÊNCIA
ACIDENTE DE VIAÇÃO
VEÍCULO
MOTOCICLO
CULPA EXCLUSIVA
INDEMNIZAÇÃO
DESPESAS PRÓPRIAS
DANOS FUTUROS
EQUIDADE
LUCRO CESSANTE
DANOS PATRIMONIAIS
DIREITO À VIDA
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 01/13/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO EM PARTE
Sumário : I - No caso de arguido que conduzia veículo automóvel e, apesar de ter visto o motociclo da vítima a cerca de 30 m a circular em sentido oposto, aproximou a sua viatura ao eixo da via, fez pisca sinalizando a intenção de mudança de direcção à esquerda, pretendendo entrar para um caminho particular que dá acesso à sua residência, e reduzindo a marcha da sua viatura, mas sem a parar, iniciou a travessia, invadindo a faixa de rodagem oposta, o que fez com que o condutor do motociclo travasse e acabasse por perder o equilíbrio, vindo a cair, nada autoriza a extrair a conclusão de que a vítima concorreu para a produção do resultado, de assacar à culpa exclusiva do arguido, que não tomou as indispensáveis precauções no descrever de uma manobra que não as dispensa, atenta a sua perigosidade, omissão que assume, aceitando a culpa penal, posto que não interpôs recurso da decisão condenatória de 1.ª instância. E a culpa decorrente da violação de preceito regulamentar que imponha determinada conduta envolve matéria de direito da competência do STJ enquanto tribunal de revista – art. 434.º do CPP.
II - Em caso de lesão de que proveio a morte, têm direito a indemnização os que podiam exigir alimentos ao lesado ou àqueles a quem o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural – art. 495.º, n.º 3, do CC – direito que, a inferir do elemento literal, deve entender-se como um direito próprio da família do falecido e não como um direito da vítima que, por via sucessória, se lhe transmita.
III - A função da obrigação de indemnizar é remover todo o dano real à custa do lesante, só assim se cumprindo o princípio programático previsto no art. 562.º do CC, de reconstituição da situação em que o lesado se acharia se não fosse a lesão, podendo o tribunal atender aos danos futuros desde que previsíveis – art. 564.º, n.º 2, do CC. O meio por que o legislador manifesta preferência na fixação da indemnização é o da restauração natural, havendo casos em que por tal não ser possível, se lança mão, então, para fins indemnizatórios, da atribuição de uma quantia em dinheiro, intervindo a equidade, se não puder ser determinado o exacto quantitativo, dentro dos limites que o tribunal tiver como provados – art. 566.º, n.º 3, do CC.
IV - A fixação do montante da indemnização pelos danos sofridos pela demandante e filha, privadas da contribuição do marido e pai, assume contornos delicados, exactamente porque há que lidar com o incerto, visto que a morte trouxe a incerteza no que respeita à sua capacidade de ganho futuro, apenas se sabendo que a vítima auferia um salário de €450 mensais, sendo certo que a indemnização deve cobrir os danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.
V - Importada da doutrina francesa, tem-se generalizado a ideia de que do salário auferido o comum das pessoas gasta com a sua pessoa 1/3 daquele para as suas necessidades pessoais, pelo que a privação do montante que àquelas seria afectado para contribuição das despesas domésticas se cinge ao remanescente e não à totalidade do salário ganho, a tanto se reconduzindo os lucros cessantes.
VI - Os prejuízos ao nível salarial estão em directa ligação com a capacidade laboral, que não se estende ao longo de todo o trajecto vital, antes se fazendo por referência a um período de vida activa, inconfundível com a esperança média de vida, sendo que este STJ começa a ponderar que o tempo de vida activa se estende para além dos 65 anos, atingindo mesmo os 70 anos.
VII - Mais recentemente tem-se aceite que o cálculo da perda de lucro cessante deve seguir uma metodologia por força da qual a indemnização deve representar um capital que se extinga no final da vida activa e seja susceptível de garantir as prestações periódicas correspondentes à sua capacidade de ganho, sendo a indemnização calculada em função do tempo previsível da vida activa da vítima, de molde a representar um capital produtor de rendimentos que cubra a diferença entre a situação anterior e actual, até final daquele período, segundo as tabelas financeiras usadas para a determinação de um capital necessário à formação de uma renda periódica correspondente a um juro anual.
VIII - Estes critérios merecem aceitação deste STJ, mas, como também comummente se aponta, não passam de índices meramente informadores da fixação, meros caminhos de solução, simples “guias”, instrumentos de trabalho, de feição auxiliar, que não permitem dispensar a equidade, que é a justiça do caso concreto, o dizer a solução de acordo com a lógica e o bom senso, na exacta medida das coisas, das regras da boa prudência, da criteriosa ponderação das realidades da vida, no caso concreto, que não ceda a critérios subjectivos de ponderação, de sensibilidade particularmente embotada, mas que também não enverede por uma sensibilidade requintada, antes se norteando por um padrão objectivo – cf. Prof. Antunes Varela.
IX - A equidade corrige os resultados julgados excessivos ou deficientes pelo julgador.
X - No caso concreto, ter-se-á que ponderar que a vítima tinha 35 anos de idade e, segundo um juízo de normalidade, trabalharia mais 35 anos, pelo que multiplicando o rendimento anual perdido de € 3600 (tomando por base o salário de € 450 e que 1/3 era gasto pela vítima, € 300 x 12 meses) por 35 anos, atingiria € 126 000 (€ 3600 x 35 anos).
XI - Mas considerando que as lesadas recebem essa soma de uma vez só, fazendo-o frutificar, auferindo juros, para evitar eventual enriquecimento sem causa, importa proceder a desconto.
XII - Também porque essa importância irá ser recebida de uma vez só, proporcionando a sua frutificação, necessariamente baixa, por ser baixa a taxa de juro, importa introduzir um factor de correcção, que alguma jurisprudência cifra entre 10% e 30%, ou entre 1/3 e 1/4, temperando o potencial de enriquecimento, em funcionamento da equidade, mas por outro lado não esquecendo a susceptibilidade de progressão salarial, julga-se justo fixar a indemnização em € 113 400 (10 % de dedução, de € 12 600, sobre € 126 000).
XIII - Quanto à fixação da indemnização por danos morais, é de reter que o dano morte é o prejuízo supremo, que absorve todos os prejuízos não patrimoniais, pelo que o montante da sua indemnização deve ser superior à soma de todos os outros danos imagináveis. Ocupando o topo da pirâmide dos direitos fundamentais, do qual derivam, deve abandonar-se um critério miserabilista, numa visão moderna e actualista, assumindo-se um que corresponda ao valor da vida posto em ênfase nos aerópagos internacionais, ao valor que lhe é dedicado num Estado de Direito, prestigiando-o por atribuição de adequada importância monetária ajustada a compensar o desgosto da sua supressão, de algum modo atenuando o sofrimento, sem embargo de dever estabelecer-se uma relação causal directa entre o aumento dos prémios de seguro e essa compensação.
XIV - O STJ tem vindo a ressarcir o dano morte necessariamente centrando-se nas circunstâncias do caso concreto, já que a vida, na expressão lapidar de um dos seus Juízes, “não tem preço fixo”; aqui, tendo em conta a idade da vítima (35 anos) e a sua expectativa de vida, ultrapassando mais de 70 anos, na sentença recorrida considerou-se os 73 anos, fixando o valor de compensação em € 50 000. Nada a objectar quanto a tal compensação que, radicando-se na vítima, se transmite aos seus herdeiros.
XV - Como se radica na vítima o sofrimento que antecede a sua morte – a vítima apercebeu-se da iminência da sua morte –, e por pouco que tenha mediado entre o sinistro e a morte, intercedeu, ainda, um hiato temporal, bastante para se aperceber da angústia da morte, dano necessariamente indemnizável porque a morte não foi instantânea, entendendo-se adequado o montante de € 5000 fixado na decisão recorrida.
XVI - A respeito dos danos morais sofridos pela esposa e filha da vítima, há a considerar que sofreram desgosto, tristeza, desolação e desespero com a morte do ofendido; tais sentimentos têm dolorosamente atormentado o dia-a-dia da assistente e continuam a atormentá-la; o ofendido, a assistente e a sua filha constituíam uma família feliz e unida por fortes laços afectivos; entre o ofendido e a demandante existia uma relação de profundo e intenso amor, o que se manteve até ao trágico acidente; pelo que ante este quadro de sentimentos não repugna o pretium doloris arbitrado de € 30 000, ponderando a sua gravidade, merecedora da tutela do direito (art. 496.º, n.º 1, do CC), de forma justa e não simbólica.
XVII - No que respeita à filha da vítima, agora com 11 anos de idade – já decorreram 8 anos sobre a instauração do processo – que tinha 3 anos de idade quando ficou sem o pai, há-de sofrer as consequências danosas de ficar privada para toda a vida do afecto, carinho, da companhia e ajuda do pai, de natureza irreversível, assomando mais à memória quando comparada a sua condição com a de outras crianças, adolescentes ou mulheres que o têm. Nada tem de exagero a importância de € 20 000 encontrada no acórdão recorrido, dados os laços de afecto, os sentimentos de carinho existentes e as consequências.
Decisão Texto Integral:
Acordam em conferência na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça :

Em processo comum com intervenção do tribunal singular sob o n.º 277/01.4PAPTS.L1 . S1, Secção Única , do Tribunal Judicial de Ponta do Sol , foi submetido a julgamento AA , vindo, a final , a ser condenado como autor material de um crime de homicídio por negligência , p . e p pelo art.º 137.º n.º 1 , do CP , por referência aos art.ºs 14.º , 29.º e 35.º , do CE, na pena de 1 ano e 2 meses de prisão , cuja execução lhe foi suspensa por igual período .
Mais foi condenada a demandada BB – Companhia de Seguros , S A, ao pagamento da indemnização por danos patrimoniais de € 141.750,00 e 105.000, 00 € por danos não patrimoniais , à demandante CC , por si e em representação de sua filha menor DD, num total de € 246.750,00 , acrescendo juros de mora .
A demandada seguradora interpôs recurso para a Relação que alterou parcialmente a decisão da matéria de facto e quanto ao montante da indemnização , condenou ao pagamento de € 141.750 , por danos patrimoniais e € 105.000 , por danos não patrimoniais , sendo de € 5000 pelos danos sofridos pela própria vítima , 30.000€ pelos danos morais sofridos pela demandante , € 20.000 pela própria filha de ambos e 50.000 € pela perda do direito à vida da vítima .

Inconformada a seguradora interpôs recurso para este STJ apresentando na motivação as seguintes conclusões :
1. Não pode a ora recorrente concordar com o acórdão recorrido que considerou o arguido o único responsável pelo sinistro, bem como manteve a condenação no pagamento da quantia de €246.750,00 (duzentos e quarenta e seis mil setecentos e cinquenta euros) a título de danos patrimoniais e não patrimoniais.
2. Não obstante se encontrar provado que a velocidade máxima fixada para o local era de 90km/h, atentas as características do local onde ocorreu o sinistro (local ladeado de edificações, encontrando-se o pavimento em mau estado de conservação), e circulando o ofendido de noite, conforme pontos 1, 20 e 13 do douto acórdão recorrido, seria sempre recomendada uma velocidade moderada, muito abaixo do limite máximo de velocidade imposto para o local.
3. Após terminarem os rastos de travagem de 15,20 metros, ainda faltavam 14,20 metros até à entrada da casa do arguido, tendo o ofendido caído, resvalado e ficando imobilizado 86,70 metros após o local onde terminava o rasto de travagem, e o motociclo ficado à sua frente, sem alguma vez ter tocado no carro do arguido, factos demonstrativos de alta velocidade, de acordo com a experiência comum, bem como de acordo com as tabelas exemplificativas existentes.
4. Caso o ofendido circulasse a velocidade moderada para o local, tinha espaço suficiente para imobilizar o seu veículo no espaço livre e visível à sua frente, ou mesmo continuar a sua marcha, sem embater no veículo do arguido.

5. Pelo que deverá considerar ter existido 50% de responsabilidade do ofendido no sinistro, ou caso assim não se considere, na produção e extensão dos danos, por conduzir em velocidade excessiva e inadequada para o local, características do veículo e da via, o que o impediu de parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente.
6. O ofendido violou o disposto no art. 24º, nº1, 25º, nºs 1, al. c), h) e j), 29º, nº2 do Código da Estrada, bem como o dever geral de prudência e diligência normal, sendo certo que vários metros antes de chegar perto do acesso à sua residência, o arguido sinalizou correctamente a intenção de realizar a manobra e dirigiu-se para o eixo da via.
7. Ainda que se considerasse que a responsabilidade pelo sinistro e danos pertence exclusivamente ao arguido, sempre se dirá que a condenação da ora Recorrente no pagamento de indemnizações a título de danos morais próprios da esposa e filha, danos morais próprios do ofendido antes da morte e danos patrimoniais a título de perda de contribuição da vítima nas despesas domésticas, nos montantes de €30.000,00, €20.000,00, €5000,00 e €141.750,00, respectivamente, é excessiva.
8. De acordo com a Portaria nº377/2008, de 26 de Maio, alterada pela Portaria nº nº679/2009, de 25 de Junho, bem como decisões jurisprudenciais em casos similares, as indemnizações devidas a título de ressarcimento dos danos morais próprios da esposa e filha em consequência do óbito do seu marido e pai, eram de €20.520,00, €15.390,00, montantes que a Recorrente considera justos e equitativos.
9. Sendo o montante máximo indemnizatório previsto pela supra referida Portaria para casos de sinistros que incluam sobrevivência até 24 horas, dores e antevisão da morte de €3078,00, e não se tendo provado nos autos que o ofendido sofreu dores, o acidente ocorreu em “fracções de segundo”, e a morte do ofendido foi imediata, pelo que não sobreviveu até 24 horas, considera a recorrente que a indemnização a arbitrar a título de danos morais do ofendido deverá ser reduzida para €3078,00, montante máximo previsto pela Portaria para danos mais amplos aos provados nos presentes autos.
10. De acordo com a Portaria nº377/2008, de 26 de Maio, a indemnização a título de danos patrimoniais a título de perda de contribuição da vítima nas despesas domésticas ascendia a €96.380,85, montante muito inferior ao atribuído pelo douto acórdão recorrido.
11. Sendo que, de acordo com os critérios perfilhados pelos Tribunais superiores em casos similares, designadamente, atendendo que o ofendido dispunha de mais 35 anos de vida activa, a esperança média de vida de 73 anos, auferia um salário anual de €5400,00, despendendo consigo próprio valor não inferior a 1/3 do referido ordenado, e introduzindo um desconto no valor achado na medida em que a indemnização será paga de uma só vez, permitindo ao seu beneficiário rentabilizá-la em termos financeiros, o referido montante ascendia a €102.600,00.
12. A págs. 25 no acórdão recorrido, o Tribunal da Relação de Lisboa considerou que o valor da indemnização pela falta de contribuição do ofendido nas despesas domésticas ascendia a 108.000,00, (atendendo uma esperança média de vida de 75 anos) montante este assinalado a bold, dando a entender que haveria uma redução da indemnização arbitrada a título de lucros cessantes, pelo que ao manter injustificadamente a condenação da ora Recorrente no pagamento da quantia de €141.750,00 a título de danos patrimoniais decorrente da perda de contribuição da vítima nas despesas domésticas, (€33.750,00 acima do montante que fundamentou como justo) violou o disposto no art. 483º, 562º, 563º, 564º e 566º do Código Civil, na medida em que o valor da condenação não foi equitativo ou justo, mas pelo contrário, excessivo, configurando um enriquecimento injustificado das Demandantes à custa da Recorrente.
13. Face ao exposto, ainda que se considerasse que a responsabilidade pelo sinistro e seus danos é exclusivamente imputável ao arguido, deveria ser alterada a douta sentença recorrida, reduzindo as indemnizações arbitradas a título de danos morais próprios da esposa e filha, danos morais próprios do ofendido antes da morte para €20.520,00, €15.390,00, €3078,00, e a indemnização a título de danos patrimoniais para valor não superior a €102.600,00, respectivamente, por se tratarem de valores justos e equitativos.
14. O acórdão recorrido violou o disposto nos art.s 24º, nº1, 25º, nºs 1, al. c), h) e j), 29º, nº1 do Código da Estrada, bem como arts. 483º, 496º, nº3, 505º, 562º, 563º, 564º, 566º, nºs 2 e 3, e 570º , do Código Civil.
Deverá ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se o douto acórdão recorrido, devendo ser considerado ter existido concorrência de culpas .
A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos:
1 - No dia 26 de Maio de 2001, cerca das 23:30, o arguido circulava na Estrada Regional n.º 101, no Sítio da Murteira, Ribeira Brava, no sentido Sul/Norte (saída da vila da Ribeira Brava), conduzindo o veículo ligeiro de passageiros de matrícula …;
2 - Em sentido contrário ao do arguido (entrada para a vila da Ribeira Brava), circulava EE, conduzindo o motociclo de matrícula 58-56-GJ, a uma velocidade concretamente não apurada;
3 – O arguido, ao chegar à recta que antecede o posto de abastecimento de combustíveis Shell e depois de ter passado pelo bar "Ponte Vermelha" que ali existe e, sensivelmente no primeiro terço da apontada recta, aproximou a sua viatura ao eixo da via e fez sinal de mudança de direcção à esquerda (vulgo pisca), pretendendo entrar para um caminho particular que dá acesso à sua residência;
4 -Verificou, então, que, em sentido contrário, circulava um veículo (veículo conduzido por EE)
5- No entanto e a despeito de ter visto o motociclo conduzido por EE a aproximar-se, e quando este encontrava-se a uma distância de cerca de 30 (trinta) metros do lado norte de tal acesso, o arguido, reduzindo apenas a marcha da sua viatura, mas sem a imobilizar, prestou-se a atravessar a faixa contrária, iniciando e completando tal travessia e dirigindo-se para a entrada do acesso àquela sua residência;
6 - Em face da proximidade a que se encontrava já daquele local, EE, perante a manobra do arguido, accionou os travões do motociclo, marcando no solo um rasto de travagem de 15,20 metros, rasto esse que termina a uma distância de 14,20 metros do lado Norte da entrada da casa do arguido e situado a meio da faixa de rodagem por onde seguia, a 4,45 metros da berma do lado esquerdo e 2,20 metros da berma do lado direito (ambas atendendo ao seu sentido de marcha);
7 - Contudo, não conseguiu desviar e manter o equilíbrio no motociclo, vindo a cair e a resvalar, imobilizando-se percorridos 86,70 metros do local onde terminava o rasto de travagem próximo do eixo da via;
8- Por sua vez, o motociclo veio tombado e de rastos pela via, imobilizando-se à frente e próximo de EE, atento o sentido de entrada para a Vila da Ribeira Brava, com a frente a 2,95 metros da berma do lado esquerdo atento esse mesmo sentido e a parte de trás a 3,50 metros da mesma berma;

9 -No local do despiste, aquela estrada possui 6,65 metros de largura e configura uma recta plana, apresentando uma extensão de 410 metros no sentido da saída da Vila da Ribeira Brava (sentido em que seguia o arguido);

10 - O local do despiste, no sentido Ribeira Brava -Funchal, do lado direito, existe um passeio para peões e o muro de contenção da ribeira em toda a sua extensão e do lado esquerdo, terrenos e residências;
11 - Em consequência do despiste, EE sofreu várias lesões, designadamente fractura completa da coluna dorsal, e que determinaram, como consequência necessária e directa a sua morte;
12 -Ao tempo do acidente não chovia nem havia nebulosidade, sendo que os postes de iluminação pública ali existentes encontravam-se em funcionamento;
13 - No local do despiste, a cerca de 21,20 metros da entrada da casa do arguido, o piso da hemi-faixa de rodagem em que seguia EE apresentava um desnível/depressão.
14- Ao agir da forma descrita, o arguido fê-lo com manifesta falta de atenção e cuidado, olvidando os mais elementares deveres de precaução e cautela, ao prestar-se invadir e atravessar a faixa contrária, não atentando ao facto de que se aproximava o veículo conduzido pela vítima e que, face a proximidade a que realizava tal manobra o obrigava a modificar a velocidade a que seguia, causava perigo para o mesmo que se poderia desequilibrar e cair;

15- Violou, assim, o arguido as regras de trânsito e o dever objectivo de cuidado que as circunstâncias concretas inerentes a uma condução prudente e atenta impunham e são exigíveis para evitar o evento danoso, no caso concreto, o despiste daquele veículo e a morte do ofendido;
16- Sabia ainda que tal conduta era proibida e punida pela lei penal;
17- No local do despiste, junto à casa do arguido a estrada tem a largura de 6,75 m, e a hemi-faixa de rodagem junto aquela entrada tem 3,45 m;
18 - A velocidade máxima permitida no local dos factos era de 90 km/h;
19 - Na data dos factos supra mencionados, o ofendido EE tinha 35 anos de idade, era casado com a assistente CC, desde 16 de Fevereiro de 1998, e dessa união nasceu DD, a 15 de Maio de 1998;
20 –O ofendido EE a data dos factos gozava de boa constituição física e saúde;
21– O ofendido era sócio (com outros dois irmãos) da sociedade "… -Restaurantes, Lda.", com sede no Edifício …, …, freguesia de …, concelho Funchal, NIPC …, a qual explorava dois restaurantes, um denominado "O …", sito no Edifício …, na Rua … e …, Ribeira Brava, do qual era sócio gerente e outro denominado "…", sito no Edifício …, no …, freguesia de ..., concelho do Funchal;
22 - No exercício de tal actividade, o ofendido auferia mensalmente o montante líquido de €450,00;
23 – A assistente e a filha ficaram privadas de rendimentos no valor de €450,00 por mês , aditando-lhe a Relação “ o qual ( € 450 ) revertia em parte para a assistente e a filha ).

24 - A assistente e filha sofreram desgosto, tristeza, desolação e desespero com a morte do ofendido;
25 -Tais sentimentos têm dolorosamente atormentado o dia a dia da assistente e continuam a atormentá-la;
26 - O ofendido, a assistente e sua filha constituíam uma família feliz e unida por fortes laços afectivos;
27- Entre o ofendido e a demandante existia uma relação de profundo e intenso amor, que se manteve até ao trágico acidente:
28 - O ofendido deixou uma filha, que tinha 3 anos de idade quando ficou sem o pai, ficando privada para toda a vida do afecto, carinho, da companhia e da ajuda do pai;
29- O ofendido apercebeu-se da eminência da morte a qual lhe sobreveio , no acidente , das lesões que sofreu referidas no relatório de autópsia ( na redacção definitiva levada a cabo pela Relação ) .
30- Por contrato de seguro, titulado pela apólice nº2-1-43-04659707, o arguido havia transferido para a Ré seguradora BB – Companhia de Seguros, S.A., o risco da responsabilidade civil emergente de acidente de viação e cujo contrato mantinha em vigor na altura dos factos;
31 – O arguido é carteiro de profissão, auferindo mensalmente a quantia de €600,00;
32 - O arguido vive com mulher, ceramista e filho de 4 anos de idade, sendo que este na sua actividade profissional aufere mensalmente em média a quantia de €200,00,
33 -O arguido despende cerca de €500,00 a titulo de renda da habitação;

34 - O arguido é conhecido como sendo um condutor responsável, não constando averbada qualquer infracção no seu registo individual de condutor;

35 -O arguido não possui antecedentes criminais.


Colhidos os legais vistos , cumpre decidir sobre o pedido cível indemnizatório enxertado :
A seguradora , na presença do quadro factual descrito , pugna , numa primeira vertente da sua defesa , pela repartição de culpas, cabendo , na sua óptica , 50% de responsabilidade do ofendido na produção do sinistro e 50% ao seu segurado com a correspectiva repercussão, por força do art.º 570.º , do CC , no montante dos danos a indemnizar , por aquele conduzir em velocidade excessiva e inadequada para o local, características do veículo e da via, o que o impediu de parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente.

Atente-se no elenco factual assente , em princípio imodificável , a menos que se detectassem –e não detectam -, vícios enquadráveis no âmbito art.º 410.º n.º 2 , do CPP, por isso que aquele elenco é transponível de pleno , nos moldes da sua aquisição em julgamento , por força da adesão do enxerto cível à acção penal, que o arguido, no já longínquo ano de 2001, e no seu dia 26 de Maio , cerca das 23:30, e, sensivelmente no primeiro terço de uma recta da EN Regional n.º 101, no Sítio da Murteira, Ribeira Brava, no sentido Sul/Norte (saída da vila da Ribeira Brava), conduzindo o veículo ligeiro de passageiros de matrícula …, aproximou a sua viatura ao eixo da via , fez pisca sinalizando a intenção de mudança de direcção à esquerda , pretendendo entrar para um caminho particular que dá acesso à sua residência .
Em sentido contrário circulava o motociclo conduzido por EE , que viu a aproximar-se, e quando este se encontrava a uma distância de cerca de 30 (trinta) metros, o arguido, reduzindo apenas a marcha da sua viatura, mas sem a parar , com o intuito de aceder à sua residência , situada à sua esquerda , iniciou a travessia , invadindo a faixa de rodagem oposta .
O EE, perante a proximidade do arguido e a descrita manobra accionou os travões do motociclo, marcando no solo um rasto de travagem de 15,20 metros, rasto esse que termina a uma distância de 14,20 metros do lado Norte da entrada da casa do arguido e situado a meio da faixa de rodagem por onde seguia, a 4,45 metros da berma do lado esquerdo e 2,20 metros da berma do lado direito (ambas atendendo ao seu sentido de marcha);
Não conseguindo desviar e manter o equilíbrio no motociclo, veio a cair e a resvalar, imobilizando-se percorridos 86,70 metros do local onde terminava o rasto de travagem próximo do eixo da via;
O motociclo , tombado e de rastos pela via, imobilizou-se à frente e próximo de EE, atento o sentido de entrada para a Vila da Ribeira Brava, com a frente a 2,95 metros da berma do lado esquerdo atento esse mesmo sentido e a parte de trás a 3,50 metros da mesma berma;

No local do despiste, aquela estrada possui 6,65 metros de largura e configura uma recta plana, apresentando uma extensão de 410 metros no sentido da saída da Vila da Ribeira Brava (sentido em que seguia o arguido);

No local do despiste, no sentido Ribeira Brava -Funchal, do lado direito, existe um passeio para peões e o muro de contenção da ribeira em toda a sua extensão e do lado esquerdo , terrenos e residências;
Em consequência do despiste, EE sofreu várias lesões, designadamente fractura completa da coluna dorsal, e que determinaram, como consequência necessária e directa a sua morte;
Ao tempo do acidente não chovia nem havia nebulosidade, sendo que os postes de iluminação pública ali existentes encontravam-se em funcionamento;
No local do despiste, a cerca de 21,20 metros da entrada da casa do arguido, o piso da hemi-faixa de rodagem em que seguia EE apresentava um desnível/depressão.
A velocidade máxima permitida no local dos factos era de 90 km/h.
O segurado da demandada , intentando mudar de direcção para a esquerda , devia rodear-se dos cuidados impostos nos art.ºs 35.º , n.º 1 e 44.º n.º 1 , do CE , então vigente , aprovado pelo Dec.º_Lei n.º 114/94 , de 3/5 , adequados a prevenir a lesão de pessoas e bens , designadamente aproximando-se do eixo da via , sinalizando , com a antecedência devida , esse seu propósito , e só ultimar a manobra quando dela não resultasse perigo ou embaraço para os utentes da via .
O arguido , apesar de ter visto o motociclo a cerca de 30 metros a circular em sentido oposto , encetou a descrita manobra, sem parar , abrandando a velocidade , levando a vítima a , em manobra de recurso , colhida de surpresa , fazer uso dos travões , para evitar a colisão , não conseguindo desviar e manter o equilíbrio no motociclo, caindo, resvalando e imobilizando-se percorridos 86,70 metros do local onde terminava o rasto de travagem , de 15,20 metros.
O arguido cortou a linha de marcha do EE , quando este se achava a cerca de 30 metros de si , a uma distância demasiado curta para executar a manobra de mudança de direcção para a esquerda com toda a segurança , por se traduzir na intercepção da linha de marcha da vítima , a quem não era , em princípio , razoável contar com a negligência alheia , por lhe dever o arguido franquear a circulação , pois era ele quem desfrutava da primazia de trânsito .

A seguradora , em sustento da tese de excesso da velocidade, transcreve nas conclusões o conceito legal de velocidade excessiva , relativa , enunciado no art.º 24.º n.º 1 , do CE , por aquele conduzir em velocidade “ inadequada para o local, características do veículo e da via, o que o impediu de parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente” , não se provando que fossem a noite ou a existência de edificações no local concausa do acidente e deste modo fundando a corresponsabilização no resultado letal , nos termos e para os efeitos do art.º 570.º, do CC.
E mesmo quanto ao fundamento da velocidade dita absoluta prevista no art.º 27.º , n.º 1 , do CE , por limitada , como diz , a 90 Kms/hora , não pode perder-se de vista que a tal velocidade corresponde uma distância de travagem de 54,75 m ( cfr. Quadro de distâncias de paragem para travões hidráulicos e de disco , com origem no Código de Estrada de Baptista Lopes e Ayres Pereira , citados por Júlio Serras , Código da Estrada , pág. 39 ) , já que confrontado , desde logo , o rasto de travagem impresso no pavimento de 15,20 metros, é , em muito inferior àquele , indiciando circulação a velocidade inferior .
A proclamada velocidade excessiva não pode repousar em qualquer outro elemento mesmo quando se pondere que ao cair e resvalar, se imobilizou percorridos 86,70 metros do local onde terminava o rasto de travagem próximo do eixo da via , porque é da experiência comum os condutores serem frequentemente arrastados pelos motociclos, deslizando pela via até dele se libertarem ou aquele se imobilizar , não sendo minimamente decisivo para fixação da velocidade aquele percurso de arrastamento de 86, 70 ms .

Igualmente não vem demonstrada a existência de piso em mau estado , designadamente uma cratera na estrada , determinante da queda do motociclo e do resvalar ao longo da via , causal do acidente à luz de violação de qualquer regra de direito estradal, cuja origem reside no acto de o arguido não parar ao avistar a curta distância de si , cerca de 30 metros , intentar a mudança , cortando o sentido de marcha à vítima , que , colhida de surpresa , perdeu o domínio do motociclo , caindo e resvalando pelo pavimento .
E mesmo que circulasse em excesso de velocidade absoluta ou relativa –que se não provou - não era essa velocidade , e inerente contraordenação , causal do acidente por só dever o arguido realizar a marcha quando reunidas todas as condições de segurança , e não interceptar o sentido de marcha da vítima , prioritária na circulação .
Este STJ já se pronunciou num caso em tudo paralelo a este , quando sentenciou que “ Deve ser considerado único culpado de um acidente de viação o condutor que inicia uma manobra de mudança de direcção para esquerda por forma a cortar a estrada a um veículo que circula em sentido contrário e que , no momento , se encontra a cerca de 30 metros” ( Ac. de 29.10.91, BMJ 410, pág.769 ) , pois nenhum condutor , disse-o este STJ , deve iniciar tal manobra sem certificar , previamente , que dela não resulta perigo ou embaraço para o trânsito ( cfr. Ac.de 4/7/91 , BMJ 459, pág. 751 ) .
Nada autoriza , pois , a extrair a conclusão de que a infeliz vítima concorreu para a produção do resultado , de assacar à culpa exclusiva do arguido , que não tomou as indispensáveis precauções no descrever de uma manobra que não os dispensa atenta a sua perigosidade , omissão que assume , de resto , aceitando a culpa penal , não interpondo recurso . da decisão condenatória de 1.ª instância .
E a culpa decorrente da violação de preceito regulamentar que imponha determinada conduta envolve matéria de direito da competência deste STJ enquanto tribunal de revista –art.º 434.º , do CPP .
A seguradora contesta a medida da indemnização arbitrada , quer no aspecto do dano patrimonial quer no âmbito do dano moral , em sede de compensação , pois peca por excessiva , devendo sofrer redução em todas as sua parcelas .
Realmente a Relação deixa entrever que é justo proceder a uma redução da indemnização por danos patrimoniais futuros, derivados da perda da contribuição patrimonial da vítima para os encargos da família constituída pelas demandantes civis CC , mulher da vítima e filha DD , ambas … , quando a págs. 25 do acórdão se escreve que , por força da intervenção de factor de correcção , que cita , “ obtemos o valor da indemnização pela falta de contribuição da vítima nas despesas domésticas no montante de 108.000 euros “ , sucedendo , porém , que , no dispositivo do acórdão , por evidente lapso , desatenção, se fixa a indemnização vinda da 1.ª instância de 141.750 € , olvidando-se aquele valor , que , mesmo assim , a seguradora sequer aceita , devendo fixar-se em 102.600 €.
Em caso de lesão de que proveio a morte tem direito a indemnização os que podiam exigir alimentos ao lesado ou àqueles a quem o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural –art.º 495 .º n.º 3 , do CC - , direito que , a inferir do elemento literal , deve entender-se como um direito próprio da família do falecido e não como um direito da vítima que , por via sucessória, se lhe transmita , como vem sendo sustentado por este STJ-cfr. Ac. de 17.12.2009 , P.º n.º 340/03.7.TBPNH.C1.S1 .

A função da obrigação de indemnizar é remover todo o dano real à custa do lesante , só assim se cumprindo o princípio programático previsto no art.º 562 .º , do CC , de reconstituição da situação em que o lesado se acharia se não fosse a lesão , podendo o tribunal atender aos danos futuros desde que previsíveis –art.º 564.º n.º 2 , do CC.
O meio por que o legislador manifesta preferência na fixação da indemnização é o da restauração natural , havendo casos em que por tal não ser possível , se lança mão então , para fins indemnizatórios, da atribuição de uma quantia em dinheiro , intervindo a equidade , se não puder ser determinado o exacto quantitativo , dentro dos limites que o tribunal tiver como provados –art.º 566.º n.º 3 , do CC:
A fixação do montante da indemnização pelos danos sofridos pela demandante e filha , privados da contribuição do marido e pai , assume contornos delicados exactamente porque há que lidar com o incerto , visto que a morte daquele trouxe a incerteza no que respeita à sua capacidade de ganho futuro , apenas se sabendo que a vítima auferia um salário de 450 € mensais , sendo certo que a indemnização deve cobrir os danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.
Importada da doutrina francesa tem –se generalizado a ideia de que do salário auferido o comum das pessoas gasta com a sua pessoa 1/3 daquele para suas necessidades pessoais, pelo que a privação do montante que àquelas seria afectado para contribuição das despesas domésticas se cinge ao remanescente e não à totalidade do salário ganho, a tanto se reconduzindo os lucros cessantes .
Os prejuízos ao nível salarial estão em directa ligação com a capacidade laboral , que não se estende ao longo de todo o trajecto vital , antes se fazendo por referência a um período de vida activa , inconfundível com a esperança média de vida , que vem aumentando mercê da melhoria das suas condições , maior para as pessoas do sexo feminino, atingindo , segundo o INE , em 2001 , para as pessoas do sexo feminino a cifra de 80, 30 anos e um nível inferior de 73, 47 anos para os homens , do mesmo modo que este STJ , numa visão actualista das coisas e na sua tarefa de adaptação do direito ao mundo real começa a ponderar que o tempo de vida activa se estende para além dos 65 anos , atingindo mesmo os 70 anos ( cfr. o Ac. recentíssimo do deste STJ supracitado de 17.12.2009 , in Revista n.º 340/03.7PPNH.C1.S1-7.ª Sec.), hipótese que a recorrente não enjeita, considerando –se as condições mais exigentes de reforma e a probabilidade de continuidade do trabalho para além da reforma .
A Portaria n.º 377/08 , de 26/5 , com inspiração no direito espanhol e francês, no sistema dos “ barème “ , que estabelece meras propostas , critérios orientadores para apresentação aos lesados , em caso de acidente de viação , por dano corporal , estipulando no seu art.º 6.º b) , que para fins de cálculo de prestações em caso de violação do direito à vida e de prestações de vida ao cônjuge ou descendente incapaz por anomalia psíquica se presume que trabalharia até aos 70 anos , concretiza a abertura do legislador a um tempo de vida activa excedente a 65 anos .
A jurisprudência deste STJ tem , de resto , vindo a abandonar a idade de 65 anos como ponto de inacção definitiva ; a reforma não é sinal de pura inutilidade, isto como corolário do aumento da longevidade –cfr., neste sentido , além de outros citados no Ac. deste STJ , de 25.11.2009 , oRec.º n.º 397/03 .OGEBNV.S1 , desta 3:ª Sec., onde se faz uma abundante recensão de jurisprudência nesse sentido.

Os métodos de cálculo da perda salarial , de indemnização , oscilaram entre o recurso às tabelas de cálculo das pensões por incapacidade laboral e sua remição , que foi abandonada( BMJ 307, 242 e 357, págs . 396 e 412 ) apontando-se , ainda , o uso de complexa fórmula matemática , como a que se enunciou no Ac. da Rel.Coimbra , de 4.4.1994 , in CJ , TII , 1995 , pág. 25 , que não conheceu adeptos , pela sua difícil praticabilidade , seguindo-se , ainda , os critérios para cálculo do usufruto para fins fiscais .
A partir de 10.5.77 –BMJ 267 , 144 -, noticia o predito AC. de 25.11.2007, a jurisprudência , a breve trecho , ensaiou uma nova metodologia de cálculo da perda de lucro cessante , por força do qual a indemnização deve representar um capital que se extinga no final da vida activa e seja susceptível de garantir as prestações periódicas correspondentes à sua capacidade de ganho , critério adoptado nos Acs. de 9.1.79 e 18.1.79 , sendo aquele o primeiro seguidor daquele critério pioneiro , introduzindo-lhe uma reformulação por força da qual a indemnização deve ser calculada em função do tempo previsível da vida activa da vítima de molde a representar um capital produtor de rendimentos que cubra a diferença entre a situação anterior e actual até final daquele período , segundo as tabelas financeiras usadas para a determinação de um capital necessário à formação de uma renda periódica correspondente ao juro anual de 9% .
A partir daí a jurisprudência seguiu este critério , servindo-se das taxas de juro estabelecidas para as operações bancárias activas de crédito , evoluindo para as de depósitos a prazo, adaptando a taxa de juro às flutuações respectivas no mercado financeiro , que em 2001 eram contabilizadas entre 3, 2,5 e 2% ( cfr.Revistas n.º 385/00 , 287/09, da 6.ª Sec. e 2581 /06 -2.ª Sec. ) .

Estes critérios merecem aceitação deste STJ , mas , como também comummente se aponta , não passam de índices meramente informadores da fixação, meros caminhos de solução , simples “ guias “ , instrumentos de trabalho , de feição auxiliar , que não permitem dispensar a equidade , que é a justiça do caso concreto , o dizer a solução de acordo com a lógica e o bom senso , na exacta medida das coisas , das regras da boa prudência , da criteriosa ponderação das realidades da vida , no caso concreto , que não ceda a critérios subjectivos de ponderação , de sensibilidade particularmente embotada , mas que também não enverede por uma sensibilidade requintada, antes se norteando por um padrão objectivo -cfr. Prof. Antunes Varela , in Das Obrigações em Geral , I , págs . 485 , nota 3 e 486 –, que leve em apreço a gravidade do dano .
O problema continua em aberto , reconhece-se , no Ac. deste STJ , de 25.6.2002 , in cJ , STJ , Ano X, TII , págs . 132 e 133 , pois os tribunais se intrometem em matéria onde reina a incerteza , em terreno oscilante , mas onde a equidade pode desempenhar um papel importante e imprescindível sobretudo se , de acordo com um critério de normalidade , orientado para o que em condições normais ocorre , em função de um concreto e possível juízo de prognose de concretização do que é altamente provável.
A equidade corrige os resultados julgados excessivos ou deficientes pelo julgador .
Não causa estranheza , pois , que , face àquela natureza , o STJ no acórdão em referência , tenha reputado , também , como critério possível , introduzindo uma certa flexibilização no cálculo , a aplicação de uma regra de três simples em que cura de determinar qual o capital simplesmente produtor do rendimento anual que se deixou de obter , tendo em conta a taxa de juro de 3% ; ou seja qual o capital que à taxa de juro em alusão reproduz aquele rendimento ., a que é de deduzir um factos de correcção .
Continua este STJ a anotar que os critérios descritos não podem olvidar a perenidade do emprego , como a progressão na carreira , a melhoria de vida , a evolução salarial , a inflação , os índices de produtividade ,o desenvolvimento tecnológico , as alterações das taxas de juro , as despesas com a saúde , a susceptibilidade de o lesado trabalhar para além da reforma , etc,-Cfr. BMJ 498 , 222
O acórdão da 1.ª instância lançou mão do salário integral que a vítima auferia ao longo de 40 anos –até aos 75 , de média de vida - mas não ponderou que parte do salário era gasto com a vítima e , por isso a Relação , tomando como base que do salário de 450 € 300€ ( 1/3 era gasto por si ) eram destinados à mulher e filha de ambos ,multiplicou esse rendimento perdido anualmente , de 3.600 € por 40 anos obteve a importância de 144.000 € a que deduziu a importância de ¼ , a deduzir na capitalização , para o efeito de se conseguir a extinção no final do período para foi calculado e , sem mais , atingiu a soma de 108.000 $00 , porque aqueles lesados iriam receber o capital de uma vez só ( (300 €x12 meses x40 anos ) -1/4 .
Ter-se-à de ponderar que a vítima tinha 35 anos de idade e , segundo um juízo de normalidade , trabalharia mais 35 anos , pois era uma pessoa de boa constituição física e saúde , sendo sócio com dois irmãos , explorando dos restaurantes , de um deles sendo gerente , nada tendo de exagerado pensar que o fizesse até aos 70 anos , pelo que multiplicando esse rendimento perdido de 3.600 € por 35 anos atingiria 126.000 € -( 3600 € x 35 anos ) .

Mas considerando que os lesados a receberem essa soma de uma vez só , fazendo-o frutificar , auferindo juros , para evitar eventual enriquecimento sem causa , importa proceder a desconto , que como escreve o Exm.º Cons.º Sousa Dinis , in , Dano Corporal em Acidente de Viação , in CJ , STJ , Ano IX , TI , 2001 , 5 , não pode alienar-se da condição do país , do seu nível de vida e até da sensibilidade do juiz .
Mas porque , já o dissemos essa importância irá ser recebida de uma vez só proporcionando a sua frutificação , necessariamente baixa , por baixa ser a taxa de juro, importa introduzir um factor de correcção , que alguma jurisprudência cifra entre 10 e 30% , ou entre 1/3 e ¼ , temperando o potencial de enriquecimento , em funcionamento da equidade , mas por outro lado não esquecendo a susceptibilidade de progressão salarial –de certo que se vivo fosse a vítima não perceberia essa importância de 450 € mensais –julga-se justo fixar a indemnização em 113 . 400 .000€ (10% de dedução, de 12.600€ , sobre 126.000€ ) na ponderação das circunstâncias do caso concreto . , concordando-se com o critério seguido , mas corrigido pelo descrito modo .
Quanto à fixação da indemnização por danos morais , de reter que , o direito à vida é um direito absoluto , “ erga omnes “ , já que impõe um comportamento negativo dos outros , de respeito absoluto , na citação do Prof. Leite de Campos , in A Vida , Morte e sua Indemnização , BMJ 365 e segs .
O dano da morte é o prejuízo supremo , diz , que absorve todos os outros prejuízos não patrimoniais , pelo que o montante da sua indemnização deve ser superior à soma de todos os outros danos imagináveis , afirmação que , em nosso ver , conhece limitações nos casos em que o dano é a expressão de um estado de falência total da qualidade de vida , se protela por longo período , afectando não só a vítima mas a condição dos que com ela privam .
Ocupando o topo da pirâmide dos direitos fundamentais , do qual derivam , deve abandonar –se um critério miserabilista , numa visão moderna e actualista ( cfr. Acs . deste STJ , de 6.2.96 , BMJ 454, pág. 695 e de 23.4.98 , CJ , STJ , II , Ano VI , 98 , pág. 51 ) assumindo-se um que corresponda ao valor da vida posto em ênfase nos areópagos internacionais , ao valor que lhe é dedicado num Estado de direito, prestigiando –o por atribuição de adequada importância monetária ajustada a compensar o desgosto da sua supressão , pelo prazer que o dinheiro proporciona , de algum modo atenuando o sofrimento , sem embargo de dever estabelecer-se uma relação causal directa entre o aumento dos prémios de seguros e essa compensação , que , correspondendo as seguradoras , não deixam de se auto-prestigiar .
Este STJ tem vindo a ressarcir o dano da morte , necessariamente centrando-se nas circunstâncias do caso concreto , já que a vida na expressão lapidar de um dos seus Juízes , “ não tem preço fixo “ , convindo que tendo em conta a idade da vítima ( 35 anos ) e a sua expectativa de vida , ultrapassando mais de 70 anos -na sentença recorrida considerou-se os 73 anos - , fixando o valor de compensação entre os 50 a 60 .000€ , como afirmou o citado Ac. deste STJ de 17.12.2009 .
Nada a objectar quanto a tal compensação que , radicando-se na vítima , se transmite aos seus herdeiros , nos termos do art.º 496.º n.º 2 , do CC .

Como se radica na vítima o sofrimento que antecedeu a sua morte –a vítima apercebeu-se da iminência da sua morte , e por pouco que tenha mediado entre o sinistro e a morte intercedeu , ainda , um hiato temporal , bastante para se aperceber da angústia da morte , dano necessariamente indemnizável porque a morte não foi instantânea .

A respeito dos danos morais sofridos pela esposa e filha da vítima :

A assistente e filha sofreram desgosto, tristeza, desolação e desespero com a morte do ofendido; tais sentimentos têm dolorosamente atormentado o dia a dia da assistente e continuam a atormentá-la;
O ofendido, a assistente e sua filha constituíam uma família feliz e unida por fortes laços afectivos;
Entre o ofendido e a demandante existia uma relação de profundo e intenso amor, que se manteve até ao trágico acidente.
Ante este quadro de sentimentos não repugna qualquer censura o “ pretium doloris “ arbitrado . ponderando a sua gravidade , merecedora da tutela do direito ( art.º 496.º n.º 1 , do CC) de forma justa e não simbólica .
No que respeita à filha DD , agora com 11 anos –já decorreram 8 anos sobre a instauração do processo - que tinha 3 anos de idade quando ficou sem o pai, há-de sofrer as consequências danosas de ficar privada para toda a vida do afecto, carinho, da companhia e da ajuda do pai , de natureza irreversível, assomando mais à memória quando comparada a sua condição com a de outras crianças , adolescentes ou mulheres que o têm .
Nada tem de exagero as importâncias mencionadas dados os laços de afecto , os sentimentos de carinho existentes e as consequências
Isto mesmo que os quantitativos compensatórios excedam os indicados no Anexo
à Portaria n.º 377/08 , seus Grupos I e II , por desempenharem um papel de mero “ guia “ , informador para o julgador , sem carácter vinculativo , atento a dimensão do “ quantum doloris “ repercutido na matéria de facto densificadamente comprovada , pois a perda da vítima atormenta dolorosamente o seu dia a dia e continuará a atormentar a demandante reflexo da existência entre uma relação de profundo e intenso amor, que se manteve até ao trágico acidente , expressão de uma família feliz e unida por fortes laços afectivos.
Nestes termos se revoga em parte o acórdão da Relação , fixando-se a indemnização por danos não patrimoniais futuros em 113.600€ , em tudo o mais se mantendo o decidido , ascendendo a soma total a pagar pela seguradora , no que vai condenada , em 218.600 € ( duzentos e dezoito mil e seiscentos euros ) .
Custas na proporção do decaimento pela seguradora e demandantes civis .
Lisboa, 13 de Janeiro de 2010
Armindo Monteiro (Relator)
Santos Cabral