Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
7740/18.6T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: OLIVEIRA ABREU
Descritores: RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
DEVER DE INFORMAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
NEXO DE CAUSALIDADE
ILICITUDE
PRESUNÇÃO DE CULPA
DANO
VALORES MOBILIÁRIOS
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
PRESSUPOSTOS
Data do Acordão: 11/10/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
I. O objetivo essencial da atividade de intermediação é o de propiciar decisões de investimento informadas, em ordem a defender o mercado e a prevenir a lesão dos interesses dos clientes, importando que ao nível dos deveres impostos ao intermediário financeiro, incluindo o banco para tal autorizado, se destacam os deveres de informação, relativamente aos serviços que ofereça, lhe sejam solicitados ou que efetivamente preste, os quais deverão ser cumpridos através da prestação de “todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada”, sendo que a informação a prestar pelo intermediário financeiro ao investidor não qualificado, será ilícita se ocorrer a violação do dever de informação, com os seus requisitos indispensáveis: completude, veracidade, atualidade, clareza, objetividade e licitude.

II. A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente (princípio da proporcionalidade inversa).

III. Para que se verifiquem os pressupostos da responsabilidade civil contratual, do intermediário financeiro, é necessário demonstrar o facto ilícito (traduzido na prestação de informação errónea, no quadro de relação negocial bancária e intermediação financeira); a culpa (que se presume); o dano (correspondente à perda do capital entregue para subscrição do ajuizado produto financeiro); importando também apreciar o nexo de causalidade entre o facto e o dano (reconhecendo-se que, a quem alega o direito, cabe demonstrar a existência do nexo causal entre a ilicitude e o dano, não se presumindo, quer o nexo de causalidade quer o dano, donde, para que se possa afirmar que o intermediário financeiro é responsável pelo dano sofrido pelos investidores, necessário se torna que estes demonstrem o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano, devendo o nexo causal ser analisado através da demonstração, que decorre da matéria de facto).

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



I – RELATÓRIO

1. AA e BB, propuseram ação declarativa, com forma comum, contra Banco BIC Português, S.A., pedindo a condenação do Réu no pagamento da quantia de €50.000,00, acrescida de juros de mora à taxa legal, vencidos e vincendos desde 9/5/2016 até integral e efetivo pagamento, e perfazendo os vencidos até 28/2/2018 o montante de €3.583,00, bem como no pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais no montante de €10.000,00, sendo €5.000,00 para cada um dos Autores, acrescida de juros de mora à taxa legal, vencidos e vincendos desde a citação até integral e efetivo pagamento.

Articularam, com utilidade, que:

• São titulares de uma conta de depósitos à ordem junto do balcão de ... do BPN, entretanto incorporado por fusão no Réu;

• Foram contactados por funcionários do Réu (então ainda BPN), que lhes solicitaram a alteração das condições de um depósito a prazo de €50.000,00 anteriormente constituído, através da subscrição de um documento em branco pelo Autor, e jamais preenchido;

• Foram ainda informados que se tratava apenas de uma transferência de conta, para obtenção de melhor taxa de juro quanto a tal quantia, que constituía grande parte das poupanças dos Autores;

• Mais lhes foi assegurado que o produto em causa tinha todas as características de um depósito a prazo, sendo o capital investido integralmente garantido, à data do vencimento, sem qualquer limite ou condição;

• O produto apresentado denominava-se “OBRIGAÇÕES SLN RENDIMENTO MAIS 2006”, com o pagamento de juros remuneratórios à taxa Euribor a 6 meses, acrescido de 1,75% e com prazo de vencimento de 10 anos;

• Os Autores são pessoas humildes e trabalhadoras, com poucos conhecimentos nas áreas da economia e finanças, sendo meros aforradores, com o perfil de investidores conservadores;

• Os Autores viram-se compelidos a conformar-se com os conselhos prestados pelos funcionários do Réu que asseguraram tratar-se de um produto garantido e sem qualquer risco, sendo assim forçados a investir o referido montante de €50.000,00;

• Em 9/5/2016, data de vencimento das obrigações, estas não foram pagas aos Autores, também não o tendo sido posteriormente;

• Os Autores foram então informados que o risco pelo não pagamento recaía inteiramente sobre a sociedade detentora da totalidade do capital social do Réu e emitente das obrigações, o que nunca lhes tinha sido informado;

• A sociedade foi declarada insolvente em junho de 2016, não tendo os Autores expectativa de recuperar as poupanças investidas na obrigação emitida pela mesma.

2. O Réu apresentou contestação onde invocou a sua qualidade de intermediário financeiro na subscrição do produto financeiro emitido pela sociedade detentora da totalidade do seu capital social, mais invocando o cumprimento de todas as suas obrigações como intermediário financeiro na comercialização da obrigação subscrita pelos Autores, e excecionou a prescrição do direito dos Autores, bem como a caducidade do direito à anulação do negócio por erro, por ter decorrido um ano a contar da cessação do vício, a par da sua ilegitimidade passiva quanto à restituição do que houver recebido, em consequência da anulabilidade, por nada ter recebido dos Autores, apenas atuando como intermediário entre os mesmos e a sociedade emitente das obrigações. Conclui pela improcedência da ação e pela sua absolvição do pedido.

3. Os Autores responderam às exceções, alegando que apenas em 9/5/2016 se aperceberam em definitivo que não teriam a possibilidade de obter a quantia de €50.000,00 que haviam depositado na conta aberta no Réu, que o único contrato que estavam convencidos que existia era o da aplicação dessa quantia num depósito a prazo e nada mais, e que estavam convencidos e acreditavam que a quantia em causa continuava a estar à guarda do Réu. Concluem pela improcedência das exceções invocadas.

4. Em audiência prévia foi proferido despacho saneador tabelar, identificado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.

5. Teve lugar a audiência final, após o que foi proferida sentença na qual o Réu foi condenado a pagar aos Autores a quantia de €50.000,00, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento, mais sendo absolvido do restante peticionado.

6. Inconformado, o Réu/BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A. recorreu de apelação, tendo o Tribunal a quo conhecido do interposto recurso, proferindo acórdão mantendo a sentença proferida em 1ª Instância.

7. Novamente irresignado, o Réu/BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A. insurgiu-se contra o aludido acórdão, interpondo revista excecional, aduzindo as seguintes conclusões:

“1. A sentença recorrida conclui erradamente que o Banco-R. não cumpriu os seus deveres de informação aos AA. a propósito da venda de Obrigações SLN 2006, por este instrumento financeiro não ser isento de risco – não ser tão seguro quanto um Depósito a Prazo -, e bem assim quanto à identidade da entidade emitente!

2. O dever de informação previsto no CdVM e que impende sobre o intermediário financeiro, apesar de legalmente previsto em diploma distinto, não diverge do previsto no art.º 77º do RGICSF, constituindo ambos instrumentos de protecção do cliente/investidor nas relações contratuais que se estabeleçam pela entidade bancária ou pelo intermediário financeiro, consoante os casos, sendo certo que o regime de intermediário financeiro assume uma natureza especial em face do regime geral da actividade bancária, quando o Banco é age como intermediário.

3. Por outro lado, dos factos provados não resulta que o R. não houvesse informado quem era a entidade emitente, sendo que na falta de um tal facto, e porque o ónus recaía sobre os AA., não se pode retirar que efectivamente não tivesse sido dada essa informação, o que restou, pois, por provar.

Dito isto,

4. O único risco que percebemos existir, e que a decisão recorrida parece pressupor, na emissão obrigacionista em causa é o relativo ao cumprimento da obrigação de reembolso por não ser um instrumento sujeito a negociação em mercado regulamentado, não estaria sujeito à volatilidade dos mercados ou a diferenças de cotação resultantes do valor das diferentes ordens para aquisição e venda dos títulos, e por não ser previsível qualquer risco de liquidez porquanto a procura superava em muito a oferta destes produtos – note-se que esta era a segunda emissão da SLN (depois da emissão de 2006) e à data já haveria outras duas emissões do próprio Banco, e em todas elas a procura superou, por muito a oferta – o que se manteve sempre mesmo depois do período de subscrição no chamado mercado de balcão!

5. Resta, pois, o chamado risco de remuneração e de crédito correspondente à possibilidade de incumprimento da prestação principal da entidade emitente! Ou seja, corresponde ao chamado RISCO GERAL DE INCUMPRIMENTO!

6. A possibilidade deste incumprimento não corresponde a qualquer especial risco inerente ao modo de funcionamento endógeno do instrumento financeiro... antes corresponde ao normal e universal risco comum a todos, repete-se... a todos, os contratos!

7. E este não é objecto de qualquer tipo de obrigatoriedade de advertência ou informação especial. Impor a advertência de um tal risco geral importaria necessariamente o reconhecimento de uma capitis diminutio dos clientes, uma quase inimputabilidade ou incapacidade, impondo ao intermediário financeiro a obrigação de informação de uma evidência.

Por outro lado,

8. Do incumprimento da obrigação de reembolso da entidade emitente, em 2016, não podemos, sem mais, retirar que esse o risco dessa eventualidade fosse relevante – sequer concebível, à excepção de ser uma mera hipótese académica -, em 2006, dez anos antes! Ou seja, o juízo de avaliação do risco, da sua existência e relevância, tem ele próprio de ser um juízo de prognose póstuma!

9. A verificação do evento em 2016 não pode conduzir por si só à sua previsibilidade ou probabilidade, ou sequer possibilidade efectiva, em 2006! Pelo contrário,

10. Em 2006, a SLN era titular de 100% do capital social do Banco-R., como era dona de várias outras dezenas de empresas nas mais diversificadas áreas de negócio!

11. O risco associado ao reembolso das Obrigações correspondia, então ao risco de solvabilidade da SLN, e sendo esta totalmente dominante do Banco-R., então este risco de solvência, corresponderia ao risco de solvabilidade do próprio Banco – risco de reembolso de um Depósito a Prazo!

12. Em suma, a segurança da subscrição de Obrigações emitidas pela SLN seria correspondente à segurança de um Depósito a Prazo no BPN, e com isso equivaleria a um “produto BPN”.

13. E não se invoque à discussão o Fundo de Garantia de Depósitos (FGD)como critério de atribuição de segurança aos ditos depósitos a prazo.

14. É que se por um lado, à data, aquele FGD apenas cobria 25.000,00€ por conta,

15. Por outro, nenhum cliente, e os AA. certamente, efectuava os seus depósitos, fiado na garantia do FGD.

16. Ou seja, a segurança que os AA., e todos os clientes, associavam a um DP resumia-se à confiança exactamente na solvabilidade do Banco, e nada mais!

17. Era este mesmo pressuposto que assegurava o bom reembolso das Obrigações – razão por que dizer que o produto não tinha risco naturalmente não pode senão ser entendido como a atribuição de um risco mínimo, equivalente ao de um DP.

18. A afirmação de que a aplicação era isenta de risco, se levada literalmente, apenas poderia prevalecer no já referido caso de se resumir o declaratário não a uma pessoa financeiramente inapta, mas juridicamente incapaz! É que essa afirmação implicaria que alguém acreditasse – como se fosse possível! – que seria possível estabelecer uma qualquer relação jurídica sem risco.

19. O risco BPN ou risco SLN, da perspectiva da insolvência era também equivalente! Tanto assim que os pressupostos de nacionalização do Banco, no Dec. Lei 62-A/2008 d e11 de Novembro são exactamente os previstos para insolvência do Banco - a SLN insolveu, é certo... mas o Banco também! E antes, muito antes!

20. A menção do dito risco praticamente inexistente, como de resto do capital garantido, não pode senão ser entendida no contexto da atribuição de uma segurança acima da média ao produto, de confiança no normal cumprimento de todas as obrigações da emitente, sustentada em factos e juízo objectivamente razoáveis e previsíveis – neste sentido vejam-se os dois acórdãos do STJ já citados, de 6 de Junho de 2013 e de 12 de Janeiro de 2017.

21. A expressão capital garantido mais não é do que a descrição de uma característica técnica do produto – corresponde à garantia de que o valor de reembolso, no vencimento, é feito pelo valor nominal do título e correspondente ao respectivo valor de subscrição! Ou seja, o valor do capital investido é garantido - veja-se a este propósito o Plano de Formação Financeira em site do Conselho de Supervisores Portugueses.

22. Vale isto por dizer que, ainda que se entenda que esta expressão mereceria uma densificação ou explicação aos clientes, a fim de evitar qualquer confusão, o certo é que, transmitindo uma característica técnica, não se poderá firmar que o banco, ou os seus colaboradores agiram com culpa, e muito menos grave.

Acresce que,

23. Se é verdade que a informação tem que ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita (art. 7º CdVM), não é menos verdade que o cumprimento desse dever de transmissão da informação não se compadece com qualquer conceptologia idílica e de delimitação difusa quanto ao seu inadimplemento, sendo que o CdVM estabelece objectiva e precisamente qual a informação que tem de ser prestada quanto a cada um dos contratos de intermediação financeira e até – em alguns casos –, quanto aos instrumentos financeiros objecto dessa intermediação.

24. A menção do artº 312 nº 1 al. e) do CdVM aos “riscos especiais envolvidos nas operações a realizar” refere-se claramente ao negócio de intermediação, ao dito negócio de cobertura, sob pena de redundância da al. d) da mesma disposição – essa sim referente aos instrumentos financeiros envolvidos nos serviços de intermediação.

25. A alusão que a lei faz quanto ao risco de perda da totalidade do investimento está afirmada em função das características do investimento. Aliás como também o denota a necessidade de informação acerca da volatilidade do preço do instrumento financeiro, igualmente prescrita na alínea b) deste preceito e com a qual este risco de perda está umbilicalmente ligado. Trata-se, portanto, de um risco que tem que ser endógeno e próprio do mecanismo do instrumento financeiro e não motivado por qualquer factor extrínseco ao mesmo.

26. Ora, o investimento efectuado foi feito em Obrigações, não sujeitas a qualquer volatilidade, sendo o respectivo retorno do investimento certo no final do prazo, por reembolso do capital investido ao valor nominal do título (de “capital garantido”), acrescido da respectiva rentabilidade. Logo, não há necessidade de que a advertência do risco de perda da totalidade do investimento seja feita, porque a mesma não é aplicável ao caso!

27. Todo e qualquer investimento em todo e qualquer instrumento financeiro acarreta a possibilidade inerente de perda de total de capital… basta verificar-se, com neste caso, um incumprimento! Aliás, qualquer contrato, seja qual for a sua natureza, apenas um de dois destinos: o cumprimento ou incumprimento.

28. O risco de incumprimento não constitui qualquer risco especial da operação!

29. A ser alguma coisa, o risco de incumprimento de uma obrigação de compra é um RISCO GERAL de qualquer obrigação!

30. Não se pode confundir a advertência sobre o risco de perda do investimento com a análise de qualquer qualidade e robustez (ou falta dela) do emitente do título!

31. É que a este respeito, impõem-se clarificar que, em lado algum da lei resulta estar o intermediário financeiro obrigado a analisar ou avaliar a robustez financeira do emitente na actividade de intermediação financeira de recepção e transmissão de ordens.

32. E também em lado nenhum da lei resulta a obrigação de prevenir o investidor acerca das hipóteses de incumprimento das obrigações assumidas pelo emitente do instrumento financeiro ou até da probabilidade de insolvência do mesmo!

33. O Banco-R. forneceu à A. todas as informações adequadas e necessárias à compreensão do produto financeiro em causa.

34. O risco de insolvência da entidade emitente é sempre e invariavelmente inerente a qualquer instrumento financeiro e a qualquer contrato.

35. Não existia, no caso, qualquer especial risco de incumprimento de que o Banco-R. devesse ter advertido os AA.

36. A douta decisão recorrida violou, por errónea interpretação o disposto no artº 314º e 312º do CdVM.

Por outro lado,

37. O nexo causal sujeito a prova será necessariamente entre um concreto ilícito - uma concreta omissão ou falta de explicação de uma determinada informação - e o dano!

38. Todavia, além da demonstração da causalidade “mecânica” entre o imputado facto ilícito e o dano, importaria a demonstração de que aquele mesmo ilícito é, em geral, adequado à produção daquele dano - o que, neste caso ficou por demonstrar!

39. No caso, o Banco terá prestado um serviço de recepção e transmissão de ordens por conta de terceiros, pelo qual terá recebido ordem de subscrição de Obrigações e a terá encaminhado por forma a garantir a efectiva titularidade pretendida pelos seus clientes. O Banco Recorrido nada tem que ver com a emissão de títulos propriamente dita, mas apenas com a intermediação financeira que permitiu a respectiva subscrição! Já o dano dos Recorrentes corresponde à falta de reembolso, na respectiva data de vencimento, daquela emissão de obrigações, por parte da SLN.

40. Estamos, portanto, perante duas relações contratuais distintas – uma em que o Banco teria praticado o suposto ilícito, e outra onde os AA. sofreram o seu dano!

41. A formulação negativa da teoria da causalidade adequada faz sentido apenas e só para o incumprimento da prestação principal de um contrato - em que a causalidade entre o ilícito e o dano resulta da identidade entre o dano e a prestação incumprida. Neste cenário percebe-se que se diga que apenas a verificação de uma circunstância excepcional afastaria a relação causal.

42. Todavia, o mesmo não se diga no caso do incumprimento de uma prestação acessória, como é o dever de informação num serviço de intermediação financeira de recepção de ordens, e muito menos no âmbito de uma relação contratual complexa em que o incumprimento de uma obrigação acessória de um contrato (de intermediação financeira) pode implicar um dano no âmbito de outro contrato (da emissão obrigacionista).

43. A prestação de informação falsa (ou falta de prestação de informação), no que diz respeito ao nexo causalidade, está umbilicalmente ligada ao regime do erro.

44. Na verdade, aquele nexo de causalidade parte dos mesmos exatos termos em que existe a essencialidade do erro.

45. Ou seja, num primeiro momento é indispensável que o investidor prove que, sem a violação do dever de informação, não celebraria qualquer negócio, ou celebraria um negócio diferente do que celebrou. Num segundo momento é necessário provar que aquele concreto negócio produziu um dano. E, num terceiro momento é necessário provar que esse negócio foi causa adequada daquele dano, segundo um juízo de prognose objectiva ao tempo da lesão – nada disso foi aqui feito!

46. Não basta, portanto, que se diga que existia um risco acrescido na subscrição proposta... é, além do mais, preciso que se demonstre que se o investidor soubesse daquele concreto risco que existia e que ele desconhecia, ele nunca teria investido como fez!

47. No caso concreto, além de não demonstrar alegado ou provado aquele facto negativo, ainda nos atreveremos a dizer que o contrário é relativamente óbvio... ou seja, em 2006 (sim, porque o contexto é o de 2006), ninguém relevava a eventualidade de uma situação de insolvência de um Banco ou de uma sociedade dona de um Banco – e como esse cenário não era sequer concebível, nunca ninguém duvidaria em investir mesmo em dívida subordinada, só por ser subordinada! Por fim, e em bom rigor,

48. A origem do dano dos AA. reside na incapacidade da SLN em solver as suas obrigações, circunstância a que o Banco Recorrido é alheio!

49. Não podemos, por tudo o que vimos de expor, deixar de concluir que não apenas o Banco-R. não praticou qualquer acto ilícito, como mesmo que o houvesse praticado, tal qual identificado pelas instâncias, e ele nunca seria causal relativamente ao dano alegado.

50. Além das normas já referenciadas, incorreu a decisão recorrida em violação do disposto no art.º 563º do Código Civil.

Termos em que se conclui pela procedência do presente recurso, e por via dele, pela revogação da douta decisão recorrida e sua substituição por outra que absolva o Banco-R. do pedido, assim se fazendo... JUSTIÇA!”.

8. Os Recorridos/Autores/AA e BB apresentaram contra-alegações, aduzindo, para o efeito, as seguintes conclusões:

“1 – O presente recurso não preenche os requisitos e pressupostos processuais enunciados no art.º 672 do C.P.C, devendo ser rejeitado em apreciação preliminar. Ainda assim,

2 – Os A.A recorridos foram postos perante um facto consumado, sem qualquer autorização prévia da sua parte, quanto à subscrição referida nos autos, e assim sem qualquer devida informação prévia por parte do R. recorrente, quanto às condições concretas e entidades, o que constitui culpa grave do mesmo com a consequente causal obrigação de indemnizar os A.A recorridos, como doutamente sustentado se mostra na aliás douta sentença e acórdão.

3 – E ao tempo de 2006, já existia por parte do R. recorrente, o dever legal de informar devidamente os A.A, o que no caso não sucedeu.

4 – O aliás douto acórdão não violou o disposto nos artºs 312 a 314-D, conforme vem alegado pelo seu recorrente.

Termos em que deve ser negado provimento ao recurso, e manter-se na íntegra o aliás douto acórdão, como se mostra ser de JUSTIÇA e de DIREITO”

9. Remetidos os autos à Formação, foi admitida a revista excecional.

10. Entretanto, foram os autos suspensos até ao trânsito em julgado dos autos pendentes para uniformização de jurisprudência, atinente à responsabilidade dos intermediários financeiros, por via do recurso admitido no Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito do Processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A.

11. Os aludidos autos para uniformização de jurisprudência (Processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A.) já transitaram em julgado.

12. Foram dispensados os vistos.

13. Cumpre decidir.


II. FUNDAMENTAÇÃO


II. 1. A questão a resolver, recortada das alegações apresentadas pelo Recorrente/Réu/BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A., consiste em saber se:

(1) O Tribunal a quo fez errada subsunção jurídica dos factos adquiridos processualmente, concretamente, no âmbito da responsabilidade contratual emergente da intermediação financeira, reconhecendo a verificação dos pressupostos da responsabilidade civil, o facto, a ilicitude, a culpa, o nexo causal e o dano, que em caso algum se presumem?


II. 2. Da Matéria de Facto

Factos Provados:

“1. O R. BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A. é uma sociedade comercial que tem por objecto social o exercício da actividade bancária e todas as outras que por lei sejam permitidas aos bancos (artigo 1.º da petição inicial).

2. O actual BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A. foi constituído em 2012, mediante a fusão, por incorporação, do anterior BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A., no BPN – BANCO PORTUGUÊS DE NEGÓCIOS, S.A., e com a alteração da denominação social deste último para a daquele primeiro (artigo 2.º da petição inicial).

3. O BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A. é detentor de todos os direitos e obrigações que o BANCO PORTUGUÊS DE NEGÓCIOS, S.A. detinha à data da fusão (artigo 6.º da petição inicial).

4. O R., à data denominado BANCO PORTUGUÊS DE NEGÓCIOS, S.A., foi a instituição colocadora no mercado das obrigações emitidas pela SOCIEDADE LUSA DE NEGÓCIOS, SGPS, S.A., a qual, até 11/11/2008, foi a sociedade holding detentora de 100% do capital social do grupo BPN (artigos 7.º e 8.º da petição inicial).

5. O R., enquanto entidade incumbida de proceder à colocação destas obrigações, estava registado na CMVM como intermediário financeiro (artigo 9.º da petição inicial).

6. O R. colocou, a 25/10/2004, as obrigações da referida SOCIEDADE LUSA DE NEGÓCIOS, SGPS, S.A. no mercado através da comercialização, junto dos seus clientes, do produto denominado “OBRIGAÇÕES SLN RENDIMENTO MAIS 2004”, o que renovou em 2006, através das “OBRIGAÇÕES SLN RM – 2006” (artigo 11.º da petição inicial).

7. O R. comercializou esse produto, junto dos seus clientes, transmitindo a informação de que o mesmo era um investimento seguro e sem qualquer risco (artigo 12.º da petição inicial).

8. Que correspondia a um investimento num produto BPN (artigo 13.º da petição inicial),

9. E que o capital investido estava integralmente garantido (artigo 14.º da petição inicial).

10. Segundo o R. o capital investido seria, sempre, integralmente reembolsado aos investidores [em vez de “pelos investidores”, já que a utilização dessa expressão corresponde a um manifesto lapso de escrita, decorrente da cópia integral do alegado na P.I., e facilmente detectável no contexto desse articulado] na data de vencimento do produto, a salvo de qualquer acontecimento ou contingência (artigo 15.º da petição inicial).

11. Ou seja, o R. comercializou o produto junto dos seus clientes, transmitindo que dispunha das mesmas características de um depósito a prazo, no que se referia à salvaguarda do capital investido (artigo 16.º da petição inicial).

12. As obrigações emitidas pela SOCIEDADE LUSA DE NEGÓCIOS, SGPS, S.A. não tinham garantia de pagamento do capital investido (artigo 21.º da petição inicial).

13. Sendo que, o risco de pagamento do capital recaía integralmente sobre a sociedade emitente (artigo 22.º da petição inicial).

14. Desde há muitos anos os AA. são titulares duma conta de depósitos à ordem junto do balcão de ... do R. (artigo 23.º da petição inicial).

15. Conta essa que foi aberta quando o R. ainda se denominava BANCO PORTUGUÊS DE NEGÓCIOS, S.A. (artigo 24.º da petição inicial).

16. Na qualidade de primeiro titular da conta, foi sempre o A. marido que estabeleceu contacto com o R. e os seus funcionários (artigo 25.º da petição inicial).

17. Enquanto cliente, o A. marido desenvolveu uma relação de confiança com o R., estabelecida por intermédio dos funcionários com que aquele sempre lidou (artigo 26.º da petição inicial).

18. Em Abril de 2006 foi apresentado ao A. por um funcionário do R. um produto com boa rentabilidade, tendo aquele aposto a sua assinatura no documento 7 junto com a P.I. (fls. 46), onde consta no canto superior esquerdo “BPN” e no canto superior direito “SLN 2006 Boletim de Subscrição”, com o seguinte teor:

“EMISSÃO DE OBRIGAÇÕES SUBORDINADAS

NATUREZA DA EMISSÃO

Emissão de até 1.000 obrigações subordinadas, ao portador e sob a forma escritural, com o valor nominal de € 50.000,00 cada uma, oferecidas directamente ao público, ao preço unitário igual ao valor nominal. A emissão será efectuada por uma ou mais séries de acordo com as necessidades do emitente e a procura dos investidores. Não sendo totalmente subscrita, a presente emissão de obrigações ficará limitada às subscrições recolhidas.

MÍNIMO DE SUBSCRIÇÃO

€ 50.000,00 (1 obrigação).

PERÍODO DE SUBSCRIÇÃO

De 10 de Abril a 05 de Maio de 2006. O período de subscrição terminará antes de 5 de Maio de 2006, caso as ordens de subscrição recebidas perfaçam o montante total da emissão.

DATA DE LIQUIDAÇÃO FINANCEIRA

08 de Maio de 2006.

PRAZO E REEMBOLSO

O prazo da emissão é de 10 anos, sendo o reembolso do capital efectuado em 09 de Maio de 2016. O reembolso antecipado da emissão só é possível por iniciativa da SLN – Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A., a partir do 5.º ano e sujeito a acordo prévio do Banco de Portugal.

REMUNERAÇÃO

Juros pagos semestralmente e postecipadamente, às seguintes taxas:

CUPÕES

TAXA ANUAL NOMINAL BRUTA

1.º Semestre

4,5%*

9 cupões seguintes

Euribor 6 Meses + 1,15%

Restantes Semestres

Euribor 6 Meses + 1,50%

* Taxa Anual Efectiva Líquida: 3,632%

(…)”.

19. O produto apresentado pelo funcionário do R. denominava-se “OBRIGAÇÕES SLN RENDIMENTO MAIS 2 - 2006”, com prazo de reembolso em 9/5/2016 (artigo 40.º da petição inicial).

20. Os funcionários do R. asseguraram ao A. que o referido produto se tratava de uma aplicação segura e sem qualquer risco (artigo 41.º da petição inicial).

21. De capital garantido (artigo 42.º da petição inicial).

22. Os AA. são pessoas humildes e trabalhadoras, com poucos conhecimentos nas áreas da economia e finanças (artigo 44.º da petição inicial).

23. São meros aforradores, pessoas com idade avançada, agricultores e o A. marido reformado da GNR (artigo 47.º da petição inicial).

24. Com o perfil de investidores conservadores (artigo 48.º da petição inicial).

25. Os AA. sempre depositaram confiança no R. e nos seus funcionários (artigo 50.º da petição inicial).

26. O produto apresentava-se com uma taxa de juro atractiva e, supostamente, não tinha qualquer risco (artigo 51.º da petição inicial).

27. A importância de € 50.000,00 foi transferida da conta à ordem titulada pelos AA., e aplicada na subscrição do produto “OBRIGAÇÕES SLN RENDIMENTO MAIS 2006” (artigo 53.º da petição inicial).

28. Ficando os AA. detentores de uma obrigação no valor de € 50.000,00 – Rendimento Mais 2 – 2006 SLN (artigo 55.º da petição inicial).

29. Após a subscrição, o A. marido ficou convencido de que tinha feito um investimento seguro, que, ao longo de dez anos, lhe iria render juros remuneratórios elevados (artigo 56.º da petição inicial).

30. Em nenhum momento dos contactos levados a cabo pelo R. junto do A., este foi informado que estava a subscrever um instrumento financeiro cujo risco recaía, exclusivamente, sobre a sociedade emitente e relativamente ao qual o R. não assumia qualquer responsabilidade pelo respectivo cumprimento (artigo 58.º da petição inicial).

31. Em 11/11/2008, tendo como fundamento “o volume de perdas acumuladas pelo Banco Português de Negócios, S.A., doravante designado por BPN, a ausência de liquidez adequada e a iminência de uma situação de ruptura de pagamentos que ameaçam os interesses dos depositantes e a estabilidade do sistema financeiro”, o Estado nacionalizou todas as acções representativas do capital social do BPN (artigo 59.º da petição inicial).

32. Em 2010, a SOCIEDADE LUSA DE NEGÓCIOS, SGPS, S.A., emitente das obrigações e, até à nacionalização, detentora da totalidade do capital social do BPN, foi transformada em GALILEI, SGPS, S.A. (artigo 60.º da petição inicial).

33. Em 9/5/2016, data de vencimento das obrigações, estas não foram pagas aos AA., nem posteriormente (artigo 61.º da petição inicial).

34. Face a tal situação, os AA. deslocaram-se ao balcão do R., para saber como se havia de resolver a situação (artigo 62.º da petição inicial).

35. Nessa altura, os AA. foram informados que, relativamente àquele produto, o dever de liquidar as obrigações pertencia à sociedade GALILEI, SGPS, S.A., enquanto entidade emitente (artigo 64.º da petição inicial).

36. E que, como tal, o risco pelo não pagamento recaía inteiramente sobre a GALILEI, SGPS, S.A., não assumindo o R. qualquer responsabilidade pelo capital investido (artigo 65.º da petição inicial).

37. Em 29/6/2016 foi declarada a insolvência da sociedade GALILEI, SGPS, S.A., no âmbito do processo de insolvência n.º 23449/15.0T8LSB, que corre os seus termos na Comarca ..., ... - Instância Central – 1.ª Secção de Comércio - ... (artigo 67.º da petição inicial).

38. Os AA. desconheciam e nunca foram informados que, ao subscrever o produto “OBRIGAÇÕES SLN RENDIMENTO MAIS 2 - 2006”, estavam a aplicar as suas poupanças num produto cujo risco recaía inteiramente nesta sociedade emitente, sem qualquer garantia do R. (artigo 69.º da petição inicial).

39. Os AA. estavam convencidos que estavam a aplicar as suas poupanças num produto integralmente garantido e sem qualquer risco (artigo 70.º da petição inicial).

40. Os AA. estavam convencidos que o reembolso do capital investido estaria, sempre, assegurado (artigo 71.º da petição inicial).

41. O A. marido transmitiu expressamente ao R., na pessoa dos seus funcionários, que não pretendia investir em qualquer produto que não fosse seguro (artigo 72.º da petição inicial).

42. O que os funcionários do R. afiançaram relativamente ao produto subscrito (artigo 73.º da petição inicial).

43. Foi por força da intervenção do R. que os AA. decidiram subscrever o produto “OBRIGAÇÕES SLN - RENDIMENTO MAIS 2 - 2006” (artigo 74.º da petição inicial).

44. Se os AA. tivessem conhecimento de que aquele produto não tinha capital garantido, nunca teriam dado ordem para a sua subscrição (artigo 75.º da petição inicial).

45. O R., à data denominado BANCO PORTUGUÊS DE NEGÓCIOS, S.A., foi a instituição colocadora destas obrigações no mercado (artigo 76.º da petição inicial).

46. O R., enquanto entidade incumbida de proceder à colocação destas obrigações, estava registado na CMVM como intermediário financeiro (artigo 77.º da petição inicial).

47. O R., na qualidade de instituição colocadora, interveio nesta operação de intermediação financeira dos produtos subscritos pelos AA. (artigo 78.º da petição inicial).

48. A obrigação da GALILEI, subscrita pelos AA., está confiada ao R., depositada numa sua conta de títulos (artigo 79.º da petição inicial).

49. (eliminado)

50. (eliminado)

51. A obrigação emitida pela GALILEI e colocada no mercado pelo R. não foi paga na data do seu vencimento, em 9/5/2016, nem posteriormente (artigo 89.º da petição inicial).

52. Esta situação tem provocado angústia, ansiedade e perturbação nos AA. (artigo 91.º da petição inicial).

53. Os AA. são pessoas trabalhadoras, e o capital investido corresponde a grande parte das suas poupanças (artigo 92.º da petição inicial).

54. Os Autores desesperam com a possibilidade de perderem todo o fruto do seu trabalho (artigo 93.º da petição inicial)”.

Factos não provado:

“a) Tal política de “venda” constituiu uma ordem expressa e directa da administração do R., dirigida aos seus funcionários (artigo 17.º da petição inicial).

b) Consta da Nota Interna emitida pela Direcção de Comunicação Institucional e Marketing como característica da subscrição, que o produto tinha “capital garantido: 100% do capital investido” (artigo 18.º da petição inicial).

c) E, ainda, refere, que “O SLN Rendimento Mais 2004 é uma excelente oportunidade de investimento, uma vez que garante o capital investido…” (artigo 19.º da petição inicial).

d) Os AA. constituíram nos anos de 2004/2005, na Agência de ... do R., um depósito a prazo, no montante de € 50.000,00 à taxa de juros de 3,5% ao ano, sendo os juros provenientes desta conta creditados na sua conta à ordem com o n.º ...01 (artigo 29.º da petição inicial).

e) Os AA. sempre procuraram aplicar as suas poupanças em produtos financeiros rentáveis, mas, acima de tudo, seguros e garantidos (artigo 31.º da petição inicial).

f) O R. ocultou de forma deliberada as informações acerca do produto subscrito pelos AA., designadamente, a sua verdadeira natureza (artigo 80.º da petição inicial).

g) E, agiu no sentido de induzir os AA. em erro acerca dessa mesma natureza, dando instruções aos seus funcionários para comercializá-lo como se tivesse as mesmas características de um depósito a prazo (artigo 81.º da petição inicial).

h) De resto, a “venda” das obrigações como se fossem um Depósito a Prazo constituiu uma ordem expressa e directa da administração do R., dirigida aos seus funcionários (artigo 83.º da petição inicial).”


II. 3. Do Direito


O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do Recorrente/BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A., não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso, conforme prevenido no direito adjetivo civil - artºs. 635º n.º 4 e 639º n.º 1, ex vi, art.º 679º, todos do Código de Processo Civil.

II. 3.1. O Tribunal a quo fez errada subsunção jurídica dos factos adquiridos processualmente, concretamente, no âmbito da responsabilidade contratual emergente da intermediação financeira, reconhecendo a verificação dos pressupostos da responsabilidade civil, o facto, a ilicitude, a culpa, o nexo causal e o dano, que em caso algum se presumem? (1)

Cotejado o acórdão recorrido, anotamos que o Tribunal a quo, perante a facticidade demonstrada nos autos (reapreciada que foi a decisão de facto proferida em 1ª Instância), concluiu, no segmento decisório, pela confirmação da decisão proferida em 1ª Instância que condenou o Banco BIC, a pagar aos Autores a quantia de €50.000,00, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento, mais sendo absolvido do restante peticionado.

O aresto escrutinado apreendeu a real conflitualidade subjacente à demanda trazida a Juízo.

Assim, acompanhando o objeto da apelação interposta pelo Recorrente/Réu/BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A., o Tribunal recorrido proferiu aresto fazendo apelo a um enquadramento jurídico-normativo posto em crise com a interposição da presente revista.

Elaborando o enquadramento jurídico que a facticidade demonstrada exige, diremos que o contrato de intermediação financeira encerra um negócio jurídico celebrado entre um intermediário financeiro e um cliente (investidor), relativo à prestação de atividades de intermediação financeira, enunciando-se, a propósito que, nos termos do n.º 1 do art.º 289.º do Código dos Valores Mobiliários, são atividades de intermediação financeira: a) Os serviços de investimento em valores mobiliários; b) Os serviços auxiliares dos serviços de investimento; c) A gestão de instituições de investimento coletivo e o exercício das funções de depositário dos valores mobiliários que integram o património dessas instituições, sublinhando, outrossim, que os serviços de investimento compreendem: a) A receção e a transmissão de ordens por conta de outrem; b) A execução de ordens por conta de outrem; c) A gestão de carteiras por conta de outrem; d) A colocação em ofertas públicas de distribuição.

O objetivo essencial da atividade de intermediação é o de propiciar decisões de investimento informadas, em ordem a defender o mercado e a prevenir a lesão dos interesses dos clientes, importando que ao nível dos deveres impostos ao intermediário financeiro, incluindo o banco para tal autorizado, se destacam os deveres de informação, expressos no Código dos Valores Mobiliários, relativamente aos serviços que ofereça, lhe sejam solicitados ou que efetivamente preste, os quais deverão ser cumpridos através da prestação de “todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada”, sendo que a informação a prestar pelo intermediário financeiro ao investidor não qualificado, será ilícita se ocorrer a violação do dever de informação, com os seus requisitos indispensáveis: completude, veracidade, atualidade, clareza, objetividade e licitude.

Subsumida a facticidade adquirida processualmente, não temos dificuldade em reconhecer, aliás, pacificamente aceite pelas partes, a celebração entre os Autores/AA e BB e o Réu/BANCO BIC PORTUGUÊS, SA. (que além de ser uma instituição de crédito, era também um intermediário financeiro, tratando da comercialização, aos seus balcões, nomeadamente, de obrigações da SLN, executando ordens de subscrição, que lhe foram transmitidas), de um negócio jurídico, qualificado como contrato de intermediação financeira.

Sendo, pois, incontroversa, a qualificação jurídica do ajuizado negócio outorgado entre as partes, impõe-se saber e decidir, se o Banco/Réu violou, quanto aos Autores, deveres que sobre si impendiam, enquanto intermediário financeiro, aquando da aquisição, por estes, do produto financeiro articulado, e, consequentemente, apurar se o Banco/Réu é responsável pela pretensão jurídica arrogada nestes autos.

Neste particular, sublinhamos, desde já, que a extensão e a profundidade da informação, a cargo do intermediário financeiro, devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente (princípio da proporcionalidade inversa), o que pressupõe o reconhecimento de que as exigências de informação variam em função do perfil do cliente a quem o serviço é prestado, assentando o cumprimento do dever de informação num princípio de proporcionalidade, o que, de resto, este Tribunal de recurso reconhece, e não questiona.

Colhemos do Código dos Valores Mobiliários que os intermediários financeiros, enquanto entidades que exercem, a título profissional, atividades de intermediação financeira, estão sujeitos a múltiplos deveres de informação, sejam deveres comuns ou específicos do serviço de investimento/auxiliar que em cada caso concreto esteja em causa.

Enunciamos, de seguida, os preceitos legais que importam aos princípios que devem orientar os intermediários financeiros no exercício da respetiva atividade; os deveres de informação, mormente os deveres comuns, e, de igual modo; os preceitos legais atinentes à responsabilidade civil dos intermediários financeiros, por danos causados a qualquer pessoa, em consequência da violação dos deveres respeitantes à organização e ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.

O art.º 304º do Código dos Valores Mobiliários estabelece os princípios que devem orientar a atividade dos intermediários financeiros:

“1 - Os intermediários financeiros devem orientar a sua actividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado.

2 - Nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa-fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.

3 - Na medida do que for necessário para o cumprimento dos seus deveres, o intermediário financeiro deve informar-se sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência em matéria de investimentos e os objetivos que prosseguem através dos serviços a prestar.

4 - Os intermediários financeiros estão sujeitos ao dever de segredo profissional nos termos previstos para o segredo bancário.

5 - Estes princípios e os deveres referidos nos artigos seguintes são aplicáveis aos titulares do órgão de administração do intermediário financeiro e às pessoas que efetivamente dirigem ou fiscalizam cada uma das atividades de intermediação.”

O art.º 312º do Código dos Valores Mobiliários, estatui, acerca dos princípios gerais do intermediário financeiro, concretamente os deveres de informação:

1 - O intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efetivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, incluindo nomeadamente as respeitantes a:

a) Riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar;

b) Qualquer interesse que o intermediário financeiro ou as pessoas que em nome dele agem tenham no serviço prestado ou a prestar;

c) Existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de proteção equivalente que abranja os serviços a prestar;

d) Custo do serviço a prestar.

2 - A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente.

3 - A circunstância de os elementos informativos serem inseridos na prestação de conselho, dado a qualquer título, ou em mensagem promocional ou publicitária não exime o intermediário financeiro da observância dos requisitos e do regime aplicáveis à informação em geral.

Ainda quanto ao dever de informação, o art.º 7º do Código dos Valores Mobiliários, preceitua no seu n.º 1:

“1 - Deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita a informação respeitante a valores mobiliários, a ofertas públicas, a mercados de valores mobiliários, a atividades de intermediação e a emitentes que seja suscetível de influenciar as decisões dos investidores ou que seja prestada às entidades de supervisão e às entidades gestoras de mercados, de sistemas de liquidação e de sistemas centralizados de valores mobiliários.”

De igual modo, refira-se que, em matéria de conflitos de interesses e realização de operações pessoais, o art.º 309º do Código dos Valores Mobiliários, relaciona os seguintes princípios gerais:

“1 - O intermediário financeiro deve organizar-se e atuar de modo a evitar ou a reduzir ao mínimo o risco de conflito de interesses.

2 - Em situação de conflito de interesses, o intermediário financeiro deve agir por forma a assegurar aos seus clientes um tratamento transparente e equitativo.

3 - O intermediário financeiro deve dar prevalência aos interesses dos clientes, tanto em relação aos seus próprios interesses ou de empresas com as quais se encontra em relação de domínio ou de grupo, como em relação aos interesses dos titulares dos seus órgãos sociais e dos seus trabalhadores.

4 - Sempre que o intermediário financeiro realize operações para satisfazer ordens de clientes, deve pôr à disposição destes os valores mobiliários pelo mesmo preço por que os adquiriu.”

Ademais, o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, prevenido no Decreto-Lei n.º 298/92 de 31 de dezembro, impõe, nos seus artºs. 73º, a 76º, às instituições de crédito, em quaisquer das atividades que pratiquem, que garantam aos seus clientes, superlativos graus de tecnicidade, provendo a respetiva organização com os meios materiais e humanos necessários para realizar condições apropriadas de qualidade e eficiência, devendo os seus administradores e empregados proceder com diligência, lealdade e respeito consciencioso dos interesses que lhe são confiados, pelos clientes, informando-os sobre a remuneração que oferecem pelos fundos recebidos e sobre o preço dos serviços prestados e outros encargos prestados, devendo sempre e em todo o caso, proceder com a diligência de um gestor criterioso.

Merecendo, a este propósito ser sublinhado o art.º 77.º, n.º 1, do consignado Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras - Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, que estatui:

“As instituições de crédito devem informar com clareza os clientes sobre a remuneração que oferecem pelos fundos recebidos e os elementos caracterizadores dos produtos oferecidos, bem como sobre o preço dos serviços prestados e outros encargos a suportar pelos clientes”.

Dos enunciados normativos importa reter que a relação contratual obrigacional que se estabelece entre o cliente e o intermediário financeiro, deve estar sempre pautada pela lealdade, sustentada no rigor informativo pré-contratual e contratual por parte do intermediário financeiro, condizente a uma informação objetiva, completa, verdadeira, atual, clara, e lícita, tendo em conta, sublinhamos, que entre clientes não qualificados, a avaliação do risco não é tão informada quanto a da contraparte.

Doutrina e Jurisprudência reconhecem, pacificamente, resultar dos enunciados preceitos legais, impor-se ao intermediário financeiro, para além do dever de informação, clara e relevante para a opção que pretende tomar, o dever de avaliar a adequação das operações financeiras face aos conhecimentos, experiência, situação financeira e objetivos do investidor, cliente, sendo certo que o dever contratual de agir conforme os elevados padrões de diligência, lealdade e transparência, impostos ao intermediário financeiro no interesse legítimo dos seus clientes, resulta, ao cabo e ao resto, no dever de agir de boa-fé, neste sentido, Agostinho Cardoso Guedes, in, A Responsabilidade do banco por informações à luz do artigo 485º do Código Civil - Revista de Direito e Economia, Volume XIV, páginas 138 e139, Gonçalo Castilho dos Santos, in, A responsabilidade civil do intermediário financeiro perante o cliente, página 76, 96 e 141, 2008, Almedina, por todos, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Março de 2018.

Conforme decorre da lei, o dever de informação exigido ao intermediário financeiro inclui um dever de recolha de informação (sobre a experiência e o conhecimento do cliente em matéria de investimento), um dever de avaliação da adequação do investimento proposto ao cliente.

No que tange à responsabilidade civil do intermediário financeiro, por danos causados ao investidor em consequência da violação dos deveres respeitantes à organização e ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública, estabelece o art.º 314º do Código dos Valores Mobiliários:

“1 - Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.

2 - A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.”

Necessariamente esta responsabilidade pressupõe a verificação dos pressupostos da responsabilidade civil, quais sejam, a demonstração do facto ilícito (traduzido na prestação de informação errónea, no quadro de relação negocial bancária e intermediação financeira); a culpa (que se presume); o dano (correspondente à perda do capital entregue para subscrição do ajuizado produto financeiro); importando também apreciar o nexo de causalidade entre o facto e o dano (reconhecendo-se que, a quem alega o direito, cabe demonstrar a existência do nexo causal entre a ilicitude e o dano, não se podendo presumir, quer o nexo de causalidade quer o dano, donde, para que se possa afirmar que o intermediário financeiro é responsável pelo dano sofrido pelos investidores, necessário se torna que estes demonstrem o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano, devendo o nexo causal ser analisado através da demonstração, que decorre da matéria de facto).

Para o caso trazido a Juízo releva especialmente o facto de ter sido uniformizada jurisprudência sobre a responsabilidade dos intermediários financeiros, por via do recurso admitido no âmbito do Processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A. que, a respeito do pressuposto da ilicitude, consignou a seguinte resposta uniformizadora:

“1. No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos arts. 7º, nº 1, 312º, nº 1, al. a), e 314º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo DL nº 357-A/07, de 31-10, e 342º, nº 1, do CC, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano;

2. Se o Banco, intermediário financeiro – que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” – informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco”, sem outras explicações, nomeadamente, o que era obrigações subordinadas), não cumpre o dever de informação aludido no art. 7º, nº 1, do CVM.”

Outrossim, a propósito do pressuposto da responsabilidade civil atinente ao exigido nexo de causalidade entre o facto e o dano, decorre do enunciado acórdão de uniformização de jurisprudência proferido no âmbito do Processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A. que a demonstração desse nexo de causalidade constitui ónus do investidor, ainda que não qualificado, como resulta do ponto 1 do sumário do consignado AUJ, explanado nos pontos 3 e 4 da respetiva resposta uniformizador, cujo teor adiante se declara:

“3. O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

4. Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.” 

Daqui se colhe a firme orientação segundo a qual é sobre o interessado que recai o respetivo ónus da prova, ficando clarificado, não poder aceitar-se a dispensa da demonstração dos factos integrantes deste pressuposto mediante a adesão a uma tese como aquela que faz presumir a causalidade a partir da verificação da ilicitude.

Elaborada a caracterização e enquadramento jurídico, relembremos a decisão da matéria de facto relevante para daí podermos conhecer da alegada violação dos deveres de informação, por parte Banco/Réu, enquanto intermediário financeiro, impondo-se sublinhar que o cumprimento ou incumprimento dos deveres de informação impostas ao intermediário financeiro, só ao nível do caso concreto, pode ser efetivamente determinado, tendo por base o perfil do cliente e as específicas circunstâncias da contratação.

Relembremos os factos relevantes, adquiridos processualmente.

“1. O R. BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A. é uma sociedade comercial que tem por objecto social o exercício da actividade bancária e todas as outras que por lei sejam permitidas aos bancos (artigo 1.º da petição inicial).

2. O actual BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A. foi constituído em 2012, mediante a fusão, por incorporação, do anterior BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A., no BPN – BANCO PORTUGUÊS DE NEGÓCIOS, S.A., e com a alteração da denominação social deste último para a daquele primeiro (artigo 2.º da petição inicial).

3. O BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A. é detentor de todos os direitos e obrigações que o BANCO PORTUGUÊS DE NEGÓCIOS, S.A. detinha à data da fusão (artigo 6.º da petição inicial).

4. O R., à data denominado BANCO PORTUGUÊS DE NEGÓCIOS, S.A., foi a instituição colocadora no mercado das obrigações emitidas pela SOCIEDADE LUSA DE NEGÓCIOS, SGPS, S.A., a qual, até 11/11/2008, foi a sociedade holding detentora de 100% do capital social do grupo BPN (artigos 7.º e 8.º da petição inicial).

14. Desde há muitos anos os AA. são titulares duma conta de depósitos à ordem junto do balcão de ... do R. (artigo 23.º da petição inicial).

15. Conta essa que foi aberta quando o R. ainda se denominava BANCO PORTUGUÊS DE NEGÓCIOS, S.A. (artigo 24.º da petição inicial).

16. Na qualidade de primeiro titular da conta, foi sempre o A. marido que estabeleceu contacto com o R. e os seus funcionários (artigo 25.º da petição inicial).

17. Enquanto cliente, o A. marido desenvolveu uma relação de confiança com o R., estabelecida por intermédio dos funcionários com que aquele sempre lidou (artigo 26.º da petição inicial).

18. Em Abril de 2006 foi apresentado ao A. por um funcionário do R. um produto com boa rentabilidade, tendo aquele aposto a sua assinatura no documento 7 junto com a P.I. (fls. 46), onde consta no canto superior esquerdo “BPN” e no canto superior direito “SLN 2006 Boletim de Subscrição”, com o seguinte teor:

(…)

20. Os funcionários do R. asseguraram ao A. que o referido produto se tratava de uma aplicação segura e sem qualquer risco (artigo 41.º da petição inicial).

21. De capital garantido (artigo 42.º da petição inicial).

22. Os AA. são pessoas humildes e trabalhadoras, com poucos conhecimentos nas áreas da economia e finanças (artigo 44.º da petição inicial).

23. São meros aforradores, pessoas com idade avançada, agricultores e o A. marido reformado da GNR (artigo 47.º da petição inicial).

24. Com o perfil de investidores conservadores (artigo 48.º da petição inicial).

25. Os AA. sempre depositaram confiança no R. e nos seus funcionários (artigo 50.º da petição inicial).

27. A importância de € 50.000,00 foi transferida da conta à ordem titulada pelos AA., e aplicada na subscrição do produto “OBRIGAÇÕES SLN RENDIMENTO MAIS 2006” (artigo 53.º da petição inicial).

28. Ficando os AA. detentores de uma obrigação no valor de € 50.000,00 – Rendimento Mais 2 – 2006 SLN (artigo 55.º da petição inicial).

29. Após a subscrição, o A. marido ficou convencido de que tinha feito um investimento seguro, que, ao longo de dez anos, lhe iria render juros remuneratórios elevados (artigo 56.º da petição inicial).

30. Em nenhum momento dos contactos levados a cabo pelo R. junto do A., este foi informado que estava a subscrever um instrumento financeiro cujo risco recaía, exclusivamente, sobre a sociedade emitente e relativamente ao qual o R. não assumia qualquer responsabilidade pelo respectivo cumprimento (artigo 58.º da petição inicial).

38. Os AA. desconheciam e nunca foram informados que, ao subscrever o produto “OBRIGAÇÕES SLN RENDIMENTO MAIS 2 - 2006”, estavam a aplicar as suas poupanças num produto cujo risco recaía inteiramente nesta sociedade emitente, sem qualquer garantia do R. (artigo 69.º da petição inicial).

39. Os AA. estavam convencidos que estavam a aplicar as suas poupanças num produto integralmente garantido e sem qualquer risco (artigo 70.º da petição inicial).

40. Os AA. estavam convencidos que o reembolso do capital investido estaria, sempre, assegurado (artigo 71.º da petição inicial).

41. O A. marido transmitiu expressamente ao R., na pessoa dos seus funcionários, que não pretendia investir em qualquer produto que não fosse seguro (artigo 72.º da petição inicial).

42. O que os funcionários do R. afiançaram relativamente ao produto subscrito (artigo 73.º da petição inicial).

43. Foi por força da intervenção do R. que os AA. decidiram subscrever o produto “OBRIGAÇÕES SLN - RENDIMENTO MAIS 2 - 2006” (artigo 74.º da petição inicial).

44. Se os AA. tivessem conhecimento de que aquele produto não tinha capital garantido, nunca teriam dado ordem para a sua subscrição (artigo 75.º da petição inicial).

53. Os AA. são pessoas trabalhadoras, e o capital investido corresponde a grande parte das suas poupanças (artigo 92.º da petição inicial)”.

Daqui resulta serem os Autores, titulares de uma obrigação subordinada, na qual foram aplicadas as suas poupanças e sem estarem devidamente esclarecidos acerca das suas características, a qual não era adequada ao seu perfil de investidores, avessos ao risco, sendo os Autores, pessoas habituadas a aplicar o seu dinheiro apenas em depósitos a prazo, o que era do conhecimento dos funcionários da agência do BPN, com os quais os Autores lidavam e em quem estes confiavam, sendo que se aos Autores tivessem sido dadas completas informações sobre as características do produto financeiro que lhes foi proposto, lhes tivessem mostrado e explicado integralmente o conteúdo da nota informativa respeitante a esse produto, os Autores não o teriam adquirido.

Está, pois, adquirido processualmente que os Autores não possuíam conhecimentos sobre os diversos tipos de produtos financeiros, concretamente, a obrigação subordinada, e não sabiam avaliar, por isso, os riscos da aplicação neste produto financeiro, sendo certo que ficaram convencidos de que o seu dinheiro tinha sido investido numa aplicação segura e com as características de um depósito a prazo, por isso, num produto do Banco, garantido e assegurado pelo Banco/Réu, um produto sem risco e com reembolso garantido.

Esta declaração, para com estes Autores, deverá ser compreendida à luz dos critérios interpretativos das declarações negociais - art.º 236º do Código Civil - .

A declaração só pode significar que o Banco/Réu assumiu um compromisso perante os Autores, seus clientes, o do reembolso do capital investido no consignado produto financeiro. É isto que decorre das regras da normalidade do acontecer e da relação de confiança com uma instituição bancária que não pode deixar de ser ponderada no interesse do próprio sistema financeiro.

O Banco/Réu incumpriu o compromisso assumido de avaliar a adequação das operações financeiras face aos conhecimentos, experiência, situação financeira e objetivos dos Autores, enquanto investidores e clientes, de tal sorte que o Banco/Réu, ao deixar de agir conforme os elevados padrões de diligência, lealdade e transparência, que lhe eram impostos, enquanto intermediário financeiro, tudo isto, no interesse legítimo dos seus clientes, aqui Autores, não cuidou de proceder com boa-fé.

Assim, reconhecemos verificada a ilicitude da conduta do Banco/Réu, na violação do dever de informação e do compromisso assumido de garantia do capital investido, sendo este não cumprimento, sancionado no âmbito da responsabilidade civil contratual, impendendo, de igual modo, sobre o Banco/Réu, enquanto intermediário financeiro, presunção de culpa, nos termos do direito substantivo civil, sendo que a culpa do devedor, aqui Banco/Réu, é reconhecidamente grave, até pelo especial dever de diligência que impendia sobre o Banco/Réu, grosseiramente desconsiderado.

Verificados que estão os pressupostos da responsabilidade civil contratual, concretamente, o facto ilícito, traduzido na prestação de informação errónea, no quadro de relação negocial bancária e intermediação financeira; a culpa, que se presume nos termos do direito substantivo civil, sendo que no caso em apreço está adquirido facticidade que a sustenta; e o dano, correspondente à perda do capital entregue para subscrição do ajuizado produto financeiro, importa apreciar do nexo de causalidade entre o facto e o dano, ou seja, saber se os Autores, acaso tivessem sido informado das verdadeiras características do produto que adquiriram, a troco das entregas de dinheiro a que procederam, se não o teriam efetuado.

Como sabemos, a nossa lei substantiva civil ao tratar do pressuposto do nexo de causalidade, no âmbito da responsabilidade civil, estabelece a teoria da causalidade adequada, o mesmo é dizer que é necessário que, em concreto, a ação ou omissão tenha sido condição do dano; e que, em abstrato, dele seja causa adequada, perfilhando, assim, o nosso ordenamento jurídico, a teoria da “causalidade adequada” na sua formulação negativa ou seja, para que um facto seja causa adequada de um determinado evento, “não é de modo nenhum necessário que o facto, só por si, sem a colaboração de outros, tenha produzido o dano”, sendo essencial que o “facto seja condição do dano, mas nada obsta a que, como vulgarmente sucede, ele seja apenas uma das condições desse dano”

Outrossim, como já adiantamos, a quem alega o direito, cabe demonstrar a existência do nexo causal entre a ilicitude e o dano, não se podendo presumir, quer o nexo de causalidade quer o dano, donde, para que se possa afirmar que o Banco/Réu é responsável pelo dano sofrido pelos Autores, necessário se torna que estes demonstrem o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano, devendo o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação e o dano causado aos Autores, ser analisado através da demonstração, que decorre da matéria de facto, ou seja, de que se tais deveres de informação tivessem sido cumpridos, os Autores não teriam investido naquela aplicação financeira, isto é, impõe-se que da facticidade demonstrada se possa concluir que os Autores não teriam tomado a decisão de subscrever o produto financeiro se lhes tivesse sido dito, pelos funcionários do Banco/Réu, que corriam o risco de perder o dinheiro investido.

Com vista a este particular pressuposto da responsabilidade civil, e rememorando a matéria de facto adquirida processualmente, concluímos que os Autores não teriam tomado a decisão de subscrever aquele produto financeiro (compra da obrigação subordinada) se lhes tivesse sido dito, pelos funcionários do Banco/Réu, que corriam o risco de perder o seu dinheiro, importando, assim, retirar dos factos demonstrados, o necessário nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano, enquanto pressuposto da responsabilidade civil contratual, tão evidente se torna ao cotejar os factos concretos que permitem estabelecer o nexo entre o incumprimento dos deveres de informação e os prejuízos alegados pelos Autores.

Em face da facticidade demonstrada, a subsumir juridicamente, nos termos consignados, não reconhecemos à argumentação aduzida pelo Recorrente/Réu/BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A., virtualidade bastante no sentido de alterar a decisão recorrida, merecendo esta a aprovação deste Tribunal ad quem.


III. DECISÃO

Pelo exposto e decidindo, os Juízes que constituem este Tribunal, acordam em julgar improcedente o recurso interposto, negando-se a revista, mantendo-se, consequentemente, o acórdão recorrido.

Custas pelo Recorrente/Réu/BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A.

Notifique.


Lisboa, Supremo Tribunal de Justiça, 10 de novembro de 2022

                                                         

Oliveira Abreu (Relator)

Nuno Pinto Oliveira

Ferreira Lopes