Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
633/13.5TTVIS.C1.S1
Nº Convencional: 4ª. SECÇÃO
Relator: RIBEIRO CARDOSO
Descritores: DESCANSO COMPENSATÓRIO
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 03/09/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA EM PARTE
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO / PRESTAÇÃO DO TRABALHO.
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS / PROVAS.
Doutrina:
- Aníbal de Castro, IMPUGNAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS, 2.ª ed., 111.
- Rodrigues Bastos, NOTAS AO “CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL”, vol. II, 3.ª Edição, 221 e 222; Vol. III, 247.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 342.º, N.ºS 1 E 2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA:

-DE 07/03/1985, IN B.M.J., 347.º/477.

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ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 05/04/1989, IN B.M.J. 386/446, DE 23/3/90, IN A.J., 7.º/90, 20, DE 12/12/1995, IN C.J., 1995, III/156, DE 18/6/96, C.J., 1996, II/143, DE 31/1/1991, IN B.M.J. 403.º/382.
-DE 16/12/2010, PROC. N.º 314/08.1TTVFX.L1.S1, DE 03/07/2014, PROC. N.º 532/12.8TTVNG.P1.S1, E DE 12/01/2017, WWW.DGSI.PT .
Sumário :
Nos termos do art. 342º, nºs 1 e 2 do Código Civil, cabe ao trabalhador alegar e provar, não só que prestou trabalho em dias de descanso semanal, feriados, dias de descanso compensatório e dias de descanso preparatório da viagem seguinte, mas também que não gozou os descansos compensatórios devidos. Feita esta prova, cabe à entidade empregadora provar o respetivo pagamento.
Decisão Texto Integral:

       
PROC. 633/13.5TTVIS.C1.S1
REVISTA
4ª Secção
RC/FP/CM

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça ([1]) ([2])

1 – RELATÓRIO

AA intentou a presente ação especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do seu despedimento, contra BB SA, através da apresentação do formulário a que se alude no artº 98º, nº 1, do Cod. Proc. Trabalho, na versão do Decreto-Lei nº 295/2009 de 13/10, alegando que foi despedido ilicitamente pela R.

Frustrada a conciliação na audiência das partes, a empregadora apresentou articulado motivador alegando que, não tendo havido qualquer procedimento disciplinar, se verificava erro na forma de processo, por ao litígio caber a forma de processo comum, devendo ser absolvida da instância, adiantando ainda que não despediu o A. pois o contrato de trabalho cessou por iniciativa deste.

O A. apresentou contestação defendendo inexistir erro na forma de processo e deduziu pedido reconvencional no qual pediu a condenação da R. a pagar-lhe:

a) € 523,74, referente ao primeiro mês de trabalho, em período experimental;

b) € 6.900,79, correspondente a diferenças no pagamento da cláusula 74ª nº 7 do contrato coletivo de trabalho;

c) € 57.938,37, relativo a trabalho suplementar prestado em dias de descanso e feriados;

d) € 33.723,47, por via de descanso compensatório não gozado;

e) € 5.265,33, de descanso imposto pela cláusula 20ª do contrato coletivo de trabalho;

f) € 683,83, por férias vencidas e não gozadas no ano de 1999;

g) € 4.342,31, proveniente de diferenças nos subsídios de férias dos anos de 1999 a 2013;

h) € 3.083,03, a título de diferenças nos subsídios de Natal dos anos de 1999 a 2013;

i) € 1.377,74, relativos a proporcionais de férias e subsídio de férias do ano da cessação do contrato;

j) € 1.033,30, referente à retribuição do mês de Agosto de 2013;

k) € 13.150,00, a título de indemnização pelo despedimento;

l) € 5.000,00, por danos não patrimoniais.

Os juros de mora, à taxa de 4% ao ano, desde o vencimento de cada uma das referidas prestações e até integral pagamento, montando já a € 983,25 os vencidos até 12.11.2013.

Respondeu a R. invocando que o A. foi admitido ao seu serviço em 1 de Abril de 1999 e que o contrato findou por denúncia deste, sendo que, em qualquer caso, a indemnização está calculada erradamente e não sofreu danos não patrimoniais. Mais refere que foram pagos ao A. os valores devidos, tendo sido efetuados descontos por virtude das faltas dadas. Acrescenta que está corretamente calculado o valor da cláusula 74ª, nº 7, oscilando em função da alteração da remuneração do trabalho extraordinário e refere que o A. gozou as férias a que tinha direito no ano de 1999, que recebeu os proporcionais de subsídio de férias do ano de 2013. Os subsídios de férias e de Natal estão erradamente calculados, por excesso, e pagou ao A. uma verba fixa, a título de trabalho prestado em dias de descanso.

Conclui referindo que o A., por culpa sua, que então assumiu, despistou o veículo que conduzia, importando a reparação em € 19.643,00, tendo ficado parado durante 25 dias úteis, assim causando um prejuízo de € 5.887,25, quantias que pretende ver compensadas com os créditos que venham a ser reconhecidos ao A.

Em resposta, o A. impugnou o alegado pela R., negando qualquer culpa no acidente sofrido, assim se opondo à compensação e pugnando pela condenação da R., por litigância de má-fé, em multa e na indemnização de € 2.000,00.

No despacho saneador considerou-se existir erro na forma de processo e determinou-se o prosseguimento como ação comum prevista no art. 51º e seguintes do CPT, aproveitando-se os atos praticados.

Prosseguindo o processo, realizou-se o julgamento e foi proferida sentença, culminada com o seguinte dispositivo:

«Julgo a presente acção parcialmente provada e, nessa parte, procedente, pelo que condeno a ré, BB SA, no pagamento, ao autor, AA, da quantia, presentemente, total de € 10.436,42 (já depois de deduzido, em compensação, o crédito da ré sobre ele, no montante de € 11.300,00), correspondente aos seguintes itens:

a) € 5.297,91, a título de diferenças no cômputo da cláusula 74ª nº 7;

b) € 4.653,48, correspondente a diferenças no subsídio de férias, incluindo proporcionais;

c) € 1.400,88, por via de diferenças no subsídio de Natal, incluindo proporcionais;

d) € 991,15, por retribuição (ilíquida) de Agosto de 2013.

e) € 9.393,00, de indemnização pelo despedimento.

f) O que venha a liquidar-se em execução de sentença referente a trabalho realizado nos dias de descanso semanal e feriados, bem como dias de descanso compensatório e dias de descanso preparatório da viagem seguinte.

g) Juros, à taxa legal, desde o vencimento até integral pagamento, sobre cada uma das anteriores quantias.

Absolvo a mesma ré de tudo o demais contra ela pedido.

Custas proporcionais»

Inconformados, apelaram o A. e a R., vindo a Relação a proferir a seguinte deliberação:

«Termos em que, se delibera julgar as apelações parcialmente procedente[s] em função do que se decide condenar a ré a pagar ao autor […]a quantia total de € 16.264,76 (já depois de deduzido, em compensação, o crédito da ré sobre ele, no montante de € 9.389,48), correspondente aos seguintes itens:

a) € 6.467,01, a título de diferenças no cômputo da cláusula 74ª nº 7;

b) € 4.342,31, correspondente a diferenças no subsídio de férias;

c) € 3.083,03, por via de diferenças no subsídio de Natal;

d) € 1.377,74 a título de proporcionais de subsídio de férias e de Natal

e) € 991,15, por retribuição (ilíquida) de Agosto de 2013.

f) € 9.393,00, de indemnização pelo despedimento

g) O que venha a liquidar-se em execução de sentença referente a trabalho realizado nos dias de descanso semanal e feriados, bem como dias de descanso compensatório e dias de descanso preparatório da viagem seguinte no período compreendido entre 1999 e Maio de 2007.

h) Juros, à taxa legal, desde o vencimento até integral pagamento, sobre cada uma das anteriores quantias.

Custas em ambos os recursos por apelante e apelado na proporção do decaimento.»

De novo inconformados com o assim decidido, recorreram o A. e a R. agora de revista para este Supremo Tribunal.

Por despacho transitado do aqui relator, a revista da R. não foi recebida e a do A. foi recebida «na parte em que pretende a alteração da decisão constante da alínea g) do acórdão e a repristinação do decidido na al. f) da sentença», não tendo sido recebida «na parte em que visa a alteração da decisão da matéria de facto».

Impetra o A., na procedência da revista, a substituição do “Acórdão recorrido [por] outro que mantenha a decisão condenatória constante da al. f) da sentença proferida em 1.ª instância ou, no limite, altere a sua redação para o seguinte: "o que venha a liquidar-se em execução de sentença referente a trabalho realizado nos dias de descanso semanal e feriados, bem como dias de descanso compensatório e dias de descanso preparatório da viagem seguinte, no período compreendido entre 1999 e agosto de 2013, descontando-se os valores recebidos, pelo Autor, indicados nos seus recibos como "Complemento Trabalho Extraordinário".

Formulou, para tanto, as seguintes conclusões as quais, como se sabe, delimitam o objeto do recurso ([3]) e, consequentemente, o âmbito do conhecimento deste tribunal:

«a) Por sentença proferida pelo tribunal de 1.ª instância foram dados como provados os seguintes factos:

"13. Durante todo o período de duração do contrato de trabalho entre Autor e Ré, o Autor prestou trabalho suplementar nos seus dias de descanso e em dias de feriado por ordem e determinação da Ré em número que não foi possível precisar.

14. Por virtude de trabalho suplementar prestado em dias de descanso e feriados, durante os anos de 1999 a 2013, o Autor não gozou nem foi pago por descanso compensatório.

15.       A Ré, ao longo de todo o tempo que durou a relação laboral, determinou por número de vezes que não foi possível fixar que o Autor saísse em viagem no dia seguinte ao retorno de outra viagem, sem qualquer intervalo de 24 horas de descanso".

26. A ré entregava mensalmente ao autor uma verba para pagamento do trabalho prestado em dias de descanso (domingos + sábados + feriados + descansos compensatórios não gozados), indicada nos seus recibos como "Complemento Trabalho Extraordinário".

b) Por sentença proferida pelo tribunal de 1.ª instância foram dados como não provados os seguintes factos:

"38. Para além disso, o autor gozou o descanso compensatório a que tinha direito;

39. O autor gozou as vinte e quatro horas de descanso entre as viagens."

c) O Tribunal da Relação alterou os factos 14 e 26, dados como provados, nos seguintes termos:

"14. Por virtude de trabalho suplementar prestado em dias de descanso e feriados, durante os anos de 1999 a Maio de 2007, o Autor não gozou nem foi pago por descanso compensatório".

26. A ré entregava mensalmente a partir de Junho de 2007 ao autor uma verba para pagamento do trabalho prestado em dias de descanso (domingos + sábados + feriados + descansos compensatórios não gozados), indicada nos seus recibos como "Complemento Trabalho Extraordinário".

d) E, consequentemente, alterou a al. f) da decisão condenatória para "g) o que venha a liquidar-se em execução de sentença referente a trabalho realizado nos dias de descanso semanal e feriados, bem como dias de descanso compensatório e dias de descanso preparatório da viagem seguinte no período compreendido entre 1999 e Maio de 2007".

e) O Tribunal da Relação efetuou uma errada e inexata interpretação do conjunto da factualidade dada como provada e dada como não provada errou o Tribunal da Relação alterar o facto 14 na extensão como o fez e, consequentemente decidir [sic].

f) E, ao alterar, com a extensão com que o fez, a al. f) da sentença condenatória, violou o disposto nas Cláusulas 20 e 41 do Contrato Coletivo de Trabalho aplicável ao sector.

g) É matéria dada como provada e assente que o Autor, desde 1 de abril 1999 a 31 de agosto de 2013, prestou trabalho suplementar em dias de descanso e, em dias feriados, por ordem e determinação da ré, em número que não foi possível precisar (vd. facto 13 dado como provado na sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª instância e não alterado pelo Tribunal da Relação).

h) Não resulta da prova produzida em audiência de discussão e julgamento que o Autor, no período compreendido entre 1 de abril de 1999 e 31 de agosto de 2013, gozou todo o descanso compensatório a que tinha direito (vd. facto 38 dado como não provado na sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª instância e não alterado pelo Tribunal da Relação).

i) Não resulta da prova produzida em audiência de discussão e julgamento que o Autor, no período compreendido entre 1 de abril de 1999 e 31 de agosto de 2013, gozou o descanso preparatório da viagem seguinte (vd. facto 39 dado como não provado na sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª instância e não alterado pelo Tribunal da Relação)

j) Não resulta da prova produzida nos presentes autos, nem resulta do facto provado 26 que a verba entregue mensalmente, pela Ré ao Autor liquide todo o trabalho prestado em dias de descanso, nos anos de 1999 a 2013.

k) Não resulta da prova produzida nos presentes autos que a verba entregue mensalmente, pela Ré ao autor, liquide todos os descansos compensatórios e preparatórios não gozados pelo Autor, nos anos de 1999 a 2013.

l) Nos presentes autos está provado que a título de trabalho suplementar prestado em dias de descanso semanal e feriados, e a título de descansos compensatórios e preparatórios não gozados, no período de abril de 1999 a maio de 2007, o Autor nada recebeu.

m) Nos presentes autos está provado que a partir de junho de 2007 e até julho de 2013, ao Autor era liquidada uma quantia mensal fixa, independentemente do trabalho suplementar efetivamente prestado em dias de descanso e feriados e dos descansos compensatórios e preparatórios não gozados.

n) Pelo que o douto Tribunal da Relação ao decidir excluir todo o trabalho suplementar prestado em dias de descanso e excluir todos os descansos compensatórios e preparatórios não gozados, da liquidação de execução de sentença, no período entre junho de 2007 a 31 de agosto de 2013, efetuou uma errada interpretação da matéria de facto, violando o disposto nas Cláusulas 20 e 41 do Contrato Coletivo de Trabalho aplicável ao sector.

o) Face aos factos provados 13, 14, 15, 26 e 27 e aos factos não provados 38 e 39, o douto Tribunal da Relação deveria ter mantido a decisão condenatória constante da alínea f) da sentença proferida em 1.ª instância ou no seu limite ter alterado a mesma para "o que venha a liquidar-se em execução de sentença referente a trabalho realizado nos dias de descanso semanal e feriados, bem como dias de descanso compensatório e dias de descanso preparatório da viagem seguinte, no período compreendido entre 1999 e agosto de 2013, descontando-se os valores recebidos, pelo Autor, indicados nos seus recibos como "Complemento Trabalho Extraordinário".

p) Ao decidir como decidiu o douto Acórdão violou as Cláusulas 20.ª e 41.ª do Contrato Coletivo de Trabalho aplicável ao setor.”

Cumprido o disposto no art. 87º, nº 3 do CPT, o Exmo. Procurador-Geral-‑Adjunto emitiu parecer no sentido da negação da revista e da confirmação do acórdão recorrido, não tendo suscitado resposta.

2 – REGIME JURÍDICO ADJETIVO APLICÁVEL

Os presentes autos foram instaurados em 20 de setembro de 2013.

O acórdão recorrido foi proferido em 16 de junho de 2016.

Nessa medida, é aplicável:

- O Código de Processo Civil (CPC) na versão conferida pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho;

- O Código de Processo do Trabalho (CPT) aprovado pelo Decreto-Lei n.º 480/99, de 9 de novembro, e alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 323/2001, de 17 de dezembro, 38/2003, de 8 de março, 295/2009, de 13 de outubro, que o republicou, e Lei n.º 63/2013, de 27 de agosto.

3 - ÂMBITO DO RECURSO – DELIMITAÇÃO

Face às conclusões formuladas, a questão submetida à nossa apreciação consiste em saber, se deve ser repristinada a decisão condenatória constante da al. f) da sentença proferida em 1.ª instância ou, no limite, alterada a sua redação para o seguinte: "o que venha a liquidar-se em execução de sentença referente a trabalho realizado nos dias de descanso semanal e feriados, bem como dias de descanso compensatório e dias de descanso preparatório da viagem seguinte, no período compreendido entre 1999 e agosto de 2013, descontando-se os valores recebidos, pelo Autor, indicados nos seus recibos como "Complemento Trabalho Extraordinário”.

4 - FUNDAMENTAÇÃO

4.1 - OS FACTOS

A matéria de facto julgada provada pelas instâncias é a seguinte:

«1. A ré dedica-se ao transporte rodoviário de mercadorias.

2. No exercício dessa actividade económica, a Ré admitiu o Autor ao seu serviço

3. Com a categoria de Motorista e para exercer funções de motorista de transporte internacional rodoviário de mercadorias, sob as ordens, direcção, orientação e fiscalização da Ré,

4. Datada de 4 de Setembro de 2013, a Ré enviou ao autor missiva cujo teor – que aqui dou por integralmente reproduzido, nos seus precisos termos – é o que consta da folha 45 do processo.

5. A ré não moveu ao autor qualquer procedimento disciplinar.

6. O Autor esteve de férias no período compreendido entre 1 a 30 de Agosto de 2013.

7. A partir de 6 de Setembro de 2013, a Ré não destinou ao autor mais nenhum transporte de mercadorias

8. A partir de 6 de Setembro de 2013, a ré afirmou ao autor que o seu contrato de trabalho já havia cessado.

9. Datada de 16 de Setembro de 2013, a Ré enviou ao autor missiva cujo teor – que aqui dou por integralmente reproduzido, nos seus precisos termos – é o que consta da folha 46 do processo

10. A ré admitiu o autor ao seu serviço mediante uma retribuição mensal de 105.000$00 acrescida dos prémios TIR (22.900$00 em 1999), da retribuição da cláusula 74.º, n.º 7 prevista no CCT aplicável ao sector e, de despesas de deslocação calculadas em função dos quilómetros em substituição do pagamento das refeições mediante apresentação de factura.

11. As relações laborais entre Autor e Ré regeram-se pelo C.C.T., aplicável ao sector de transporte de mercadorias, celebrado entre a ANTRAM e a FESTRU, publicado nos BTE n.º 9/80, BTE n.º 18/81, BTE n.º 16/82, e BTE n.º 30/97.

12. Sob a rubrica “HORAS EXTRA (ESTRANGEIRO)” a ré liquidou ao autor os montantes que constam dos documentos juntos e numerados de 4 a 206, cujo teor – que aqui dou por integralmente reproduzido, nos seus precisos termos – é o que consta das folhas 46 verso a 150 do processo.

13. Durante todo o período de duração do contrato de trabalho entre Autor e Réu, o Autor prestou trabalho suplementar nos seus dias de descanso e em dias feriados por ordem e determinação da Ré em número que não foi possível precisar.

14. Por virtude de trabalho suplementar prestado em dias de descanso e feriados, durante os anos de 1999 a Maio de 2007, o Autor não gozou nem foi pago por descanso compensatório (alterado pela Relação).

15. A Ré, ao longo de todo o tempo que durou a relação laboral, determinou por número de vezes que não foi possível fixar que o Autor saísse em viagem no dia seguinte ao retorno de outra viagem, sem qualquer intervalo de 24 horas de descanso.

16. Cerca do dia 6 de Outubro de 1999, por determinação da ré, o Autor realizou um transporte de mercadorias com destino a Paris, França, percorrendo para tanto 3 395 km.

17. Cerca de 27/09/1999, por determinação da ré, o autor realizou um transporte de mercadorias com destino a Nuerenberg, Alemanha, percorrendo 5 422 Km.

18. A ré não pagou ao Autor, os proporcionais de férias e subsídio de férias, correspondentes ao ano de 2013 – de 01/01 a 6/09.

19. A ré não pagou ao autor a retribuição referente ao mês de Agosto de 2013.

20. Após a cessação do contrato o autor viu-se sem auferir a correspondente retribuição.

21. O autor foi admitido ao serviço da ré mediante contrato individual de trabalho em 01.04.1999

22. O autor faltou ao trabalho nos dias e pelos motivos indicados no documento cujo teor – que aqui dou por integralmente reproduzido, nos seus precisos termos – é o que consta da folha 330,

23. Tendo-lhe a ré feito os competentes descontos na sua retribuição salarial.

24. O autor gozou e foram-lhe pagos 18 dias de férias do ano de 1999.

25. O autor recebeu o proporcional de subsídio de férias de 2013.

26. A ré entregava mensalmente a partir de Junho de 2007 ao autor uma verba para pagamento do trabalho prestado em dias de descanso (domingos + sábados + feriados + descansos compensatórios não gozados), indicada nos seus recibos como “Complemento Trabalho Extraordinário” (alterado pela Relação).

27. Tal verba foi de 150,00 euros de Junho a Dezembro de 2007, 175,00 euros de Janeiro de 2008 a Novembro de 2008 e de 100,00 euros de Dezembro de 2008 em diante.

28. Alguns dos dias de descanso eram passados pelo autor em parques de áreas de serviço com restaurantes, cafés, lojas comerciais, casas de banho e zonas de lazer, outros em instalações de empresas associadas da ré, frequentados por outros motoristas da ré, e nas quais os camiões e os motoristas permanecem em total segurança, dado tratarem-se de instalações vedadas, permanentemente vigiadas através de câmaras de segurança, de acesso restrito e apenas permitido a quem for detentor do competente cartão de entrada.

29. Por vezes, o autor aparcava o camião que lhe estava confiado em tais instalações, podendo ausentar-se de junto do mesmo pelo tempo que desejasse,

30. Em regra, nesses dias são realizados os repousos semanais obrigatórios impostos pelos Regulamentos (CE) nºs 3820/1985 e 561/2006, que, por norma, abarcam a totalidade ou quase totalidade dos fins-de-semana.

31. Nos fins de semana é proibido circular na quase totalidade do território europeu.

32. Em 20.03.2007, a ré trazia confiado ao autor um camião da sua frota, composto pelo tractor de matrícula 00-00-QQ e pelo semi-reboque de matrícula X-‑000069, em ordem ao cabal exercício das suas funções de motorista de pesados afecto ao transporte internacional rodoviário de mercadorias.

33. No âmbito do exercício de tais funções, enquadradas no seu contrato de trabalho, e segundo ordens da ré, o autor estava obrigado a conduzir o referido camião com especial dever de cuidado, prudência e diligência, pois constituía um especial risco e perigo para a segurança pessoal do autor e dos demais utilizadores das vias rodoviárias em que o mesmo circulava,

34. O autor estava obrigado a conduzir o camião dentro dos limites de velocidade legalmente impostos, a adaptar a condução e velocidade do camião às concretas características do piso das vias rodoviárias, do volume do tráfego rodoviário, do peso das mercadorias transportadas e das condições climatéricas e a executar todas as manobras rodoviárias dentro das regras estradais em vigor.

35. No dia 20.03.2007, por volta das 14H30, em ..., Portugal, o autor despistou-se com o camião da ré, tombando-o para o lado direito após descrever uma rotunda,

36. Em violação dos apontados deveres.

37. Questionado pela ré sobre os motivos que originaram o despiste do seu camião, nada apontou em concreto, designadamente, qualquer motivo de ordem natural, mecânica ou resultante da intervenção de terceiros,

38. Assumiu o autor a sua exclusiva responsabilidade pela produção do acidente.

39. Em consequência do despiste em referência, o 00-00-QQ sofreu inúmeros danos a nível do chassis, guarda-lamas, óptica, roda e chaparia do lado direito, e o X-‑000069 ficou com o chassis empenado e praticamente destruído a nível da sua estrutura.

40. O camião da ré foi reparado na sua oficina.

41. No âmbito da reparação do camião da ré, foram utilizadas peças retiradas do stock de peças de manutenção existente na empresa da ré para apoio da sua oficina e gastas trezentas e nove horas de mão-de-obra, correspondendo, respectivamente, a 11.300,00 euros de peças e 8.343,00 euros de mão de obra.

42. A reparação do camião da ré decorreu durante 25 dias úteis, tendo o mesmo estado paralisado durante esse período, não podendo, por isso, fazer transportes de mercadorias, provocando outros custos à ré com o seu aluguer, seguro, imposto de circulação, ocupação de oficina.

43. Nos termos da tabela de paralisações firmada entre a APS e a Antram, o valor indemnizatório diário pela paralisação de um veículo igual ao confiado ao autor é de 235,49 euros.»

4.2 – O DIREITO

Debrucemo-nos então sobre a referida questão que constitui o objeto do recurso, não sem que antes se esclareça que este tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas alegações e conclusões, mas apenas as questões suscitadas ([4]).

A Relação, tendo considerado existir contradição entre os factos que a 1ª instância considerara provados e consignara sob os números 14 e 26, bem como por não estarem conformes com a prova produzida, procedeu à respetiva alteração e, por consequência e sem outros fundamentos, adequou a alínea f) do dispositivo da sentença à matéria de facto que julgou provada.

O recorrente discorda de tal alteração, defendendo que, mesmo mantendo-‑a, a consequência jurídica que decorre de tal factualidade não é a decidida no acórdão, sendo a alteração fática juridicamente irrelevante devendo, por isso, repristinar-se o decidido na al. f) da sentença.

Os factos julgados provados pela 1ª instância e consignados nos números 14 e 26 eram os seguintes:

“14. Por virtude de trabalho suplementar prestado em dias de descanso e feriados, durante os anos de 1999 a 2013, o Autor não gozou nem foi pago por descanso compensatório.

26. A ré entregava mensalmente ao autor uma verba para pagamento do trabalho prestado em dias de descanso (domingos + sábados + feriados + descansos compensatórios não gozados), indicada nos seus recibos como “Complemento Trabalho Extraordinário”.

 Em face destes factos, conjugados com o facto provado consignado sob o nº 13 (13. Durante todo o período de duração do contrato de trabalho entre Autor e Réu, o Autor prestou trabalho suplementar nos seus dias de descanso e em dias feriados por ordem e determinação da Ré em número que não foi possível precisar), condenou-se a R., na al. f) do dispositivo, a pagar ao A. «O que venha a liquidar-se em execução de sentença referente a trabalho realizado nos dias de descanso semanal e feriados, bem como dias de descanso compensatório e dias de descanso preparatório da viagem seguinte.»

A Relação alterou aqueles factos julgando provado que:

“14 - Por virtude de trabalho suplementar prestado em dias de descanso e feriados, durante os anos de 1999 a Maio de 2007, o Autor não gozou nem foi pago por descanso compensatório.

26 - A ré entregava mensalmente a partir de Junho de 2007 ao autor uma verba para pagamento do trabalho prestado em dias de descanso (domingos + sábados + feriados + descansos compensatórios não gozados), indicada nos seus recibos como “Complemento Trabalho Extraordinário”.

Em consequência desta decisão alterou a transcrita al. f) do dispositivo da sentença que passou a ser do seguinte teor, agora sob alínea g):

«g) O que venha a liquidar-se em execução de sentença referente a trabalho realizado nos dias de descanso semanal e feriados, bem como dias de descanso compensatório e dias de descanso preparatório da viagem seguinte no período compreendido entre 1999 e Maio de 2007

É contra esta alteração e limitação temporal que o recorrente se rebela.

Vejamos.

Está provado que o A. esteve ao serviço da R. desde o dia 1.04.1999 a Setembro de 2013 e que, durante todo o período de duração do contrato de trabalho, o Autor prestou trabalho suplementar nos seus dias de descanso e em dias feriados por ordem e determinação da Ré em número que não foi possível precisar e que, por virtude de trabalho suplementar prestado em dias de descanso e feriados, durante os anos de 1999 a Maio de 2007, o Autor não gozou nem foi pago por descanso compensatório.

Vem também provado que as relações laborais entre Autor e Ré regeram-se pelo C.C.T., aplicável ao sector de transporte de mercadorias, celebrado entre a ANTRAM e a FESTRU, publicado nos BTE n.º 9/80, BTE n.º 18/81, BTE n.º 16/82, e BTE n.º 30/97.

Estabelece a cláusula 41ª, do CCT referido, que o trabalho prestado nos dias feriados e de descanso, ainda que a duração deste trabalho seja inferior ao período de duração normal, será sempre pago como dia completo de trabalho (nº 2). Cada hora ou fracção trabalhada para além do período normal de trabalho será paga pelo triplo do valor resultante da aplicação da fórmula consignada na cláusula 42ª (nº 3). Se o trabalhador prestar serviço em qualquer dos seus dias de descanso semanal, terá direito a descansar obrigatoriamente um dia completo de trabalho num dos três dias úteis seguintes, por cada dia de serviço prestado, independentemente do disposto nos n.ºs 1 e 2 desta cláusula (nº 4). Por cada dia de descanso semanal ou feriado em serviço no estrangeiro, o trabalhador, além do adicional referido nos nºs 1 e 2 desta cláusula, tem direito a um dia de descanso complementar, gozado seguida e imediatamente à sua chegada (nº 5). Considera-se haver sido prestado trabalho em dias de descanso semanal e/ou complementar ou feriado sempre que se não verifiquem, pelo menos, vinte e quatro horas consecutivas de repouso no decurso do dia civil em que recair… (nº 6).

Como vem sendo entendimento desta Secção ([5]), nos termos do art. 342º, nºs 1 e 2 do Código Civil, cabe ao trabalhador alegar e provar, não só que prestou trabalho suplementar (extensível ao trabalho em dias de descanso semanal e feriados, dias de descanso compensatório e dias de descanso preparatório da viagem seguinte), mas também que não gozou os descansos compensatórios devidos. Feita esta prova, cabe à entidade empregadora provar o respetivo pagamento.

Revisitando os factos provados consta-se que o A., como lhe competia, provou que durante todo o período de duração do contrato de trabalho entre Autor e Réu, o Autor prestou trabalho suplementar nos seus dias de descanso e em dias feriados por ordem e determinação da Ré em número que não foi possível precisar; que a Ré, ao longo de todo o tempo que durou a relação laboral, determinou por número de vezes que não foi possível fixar que o Autor saísse em viagem no dia seguinte ao retorno de outra viagem, sem qualquer intervalo de 24 horas de descanso e que, por virtude de trabalho suplementar prestado em dias de descanso e feriados, durante os anos de 1999 a Maio de 2007, o Autor não gozou nem foi pago por descanso compensatório.

Temos assim que o A. cumpriu o ónus que se sobre si impendia, ainda que sem concretização do número de dias em causa.

Por seu turno a Ré apenas logrou provar que entregava mensalmente a partir de Junho de 2007 ao autor uma verba para pagamento do trabalho prestado em dias de descanso (domingos + sábados + feriados + descansos compensatórios não gozados), indicada nos seus recibos como “Complemento Trabalho Extraordinário”.

Assim, não só não se apuraram quais os domingos, sábados, feriados e descansos compensatórios que o A. não gozou, como se desconhece se a verba que a R., a partir de Junho de 2007, entregava mensalmente ao A., correspondia aos valores devidos nos termos do CCT referido.

Não constituindo o objeto da revista saber se, face à insuficiência dos factos provados na ação declarativa, pode a liquidação ser relegada para posterior liquidação, impõe-se que, aos valores apurados na liquidação decidida pelas instâncias, se proceda à dedução das quantias já pagas pela R.

Em face do que se impõe a concessão parcial da revista.

5 – DECISÃO

Pelo exposto delibera-se:

1 – Conceder parcialmente a revista e alterar a alínea g) do acórdão recorrido que passará a ter a seguinte redação:

g) O que venha a liquidar-se em execução de sentença referente a trabalho realizado nos dias de descanso semanal e feriados, bem como dias de descanso compensatório e dias de descanso preparatório da viagem seguinte, descontando-se os valores recebidos pelo Autor, a partir de Junho de 2007, indicados nos seus recibos como "Complemento Trabalho Extraordinário".

2 – Condenar o A. e R. nas custas da revista na percentagem que se fixa em 20% para o A. e 80% para a R.

 (Anexa-se o sumário do acórdão).

Lisboa, 9.03.2017

Ribeiro Cardoso - Relator

Ferreira Pinto

Chambel Mourisco

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SUMÁRIO

Descanso compensatório

Ónus da prova

Nos termos do art. 342º, nºs 1 e 2 do Código Civil, cabe ao trabalhador alegar e provar, não só que prestou trabalho em dias de descanso semanal, feriados, dias de descanso compensatório e dias de descanso preparatório da viagem seguinte, mas também que não gozou os descansos compensatórios devidos. Feita esta prova, cabe à entidade empregadora provar o respetivo pagamento.

Lisboa, 9.03.2017

(Ribeiro Cardoso)

(Ferreira Pinto)

(Chambel Mourisco

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[1] Relatório elaborado tendo por matriz o constante no acórdão recorrido.
[2] Acórdão redigido segundo a nova ortografia com exceção das transcrições (em itálico) em que se manteve a original.
[3] Cfr. 635º, n.º 3 e 639º, n.º 1 do Código de Processo Civil, os Acs. STJ de 5/4/89, in BMJ 386/446, de 23/3/90, in AJ, 7º/90, pág. 20, de 12/12/95, in CJ, 1995, III/156, de 18/6/96, CJ, 1996, II/143, de 31/1/91, in BMJ 403º/382, Rodrigues Bastos, in “NOTAS AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL”, vol. III, pág. 247 e Aníbal de Castro, in “IMPUGNAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS”, 2ª ed., pág. 111.    
[4] Ac. STJ de 5/4/89, in BMJ, 386º/446 e Rodrigues Bastos, in NOTAS AO Código de Processo CivIL, Vol. III, pág. 247, ex vi dos arts. 663º, n.º 2 e 608º, nº 2 do CPC.
[5] Cfr. acórdãos de 16.12.2010, proc. 314/08.1TTVFX.L1.S1 (Mário Pereira), de 3.07.2014, proc. 532/12.8TTVNG.P1.S1 (Fernandes da Silva), e de 12.01.2017, subscrito pelo presente coletivo, todo em www.dgsi.pt.