Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
| Relator: | SILVA SALAZAR | ||
| Descritores: | ACÇÃO DE REIVINDICAÇÃO FACTOS ESSENCIAIS ÓNUS DA ALEGAÇÃO ÓNUS DA PROVA CONDENAÇÃO EM OBJECTO DIVERSO DO PEDIDO | ||
| Nº do Documento: | SJ200610240018546 | ||
| Data do Acordão: | 10/24/2006 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA | ||
| Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
| Sumário : | I - O poder que a lei reconhece a este STJ de determinar a ampliação da matéria de facto nos termos do art. 729.º, n.º 3, e 730.º, do CPC, é manifestamente limitado pelo disposto no art. 664.º do mesmo diploma, que só permite que, para decidir, o Juiz atenda aos factos articulados pelas partes, sem prejuízo do disposto no art. 264.º. II - Este dispositivo, porém, não permite, nem nos termos do seu n.º 2, nem nos do seu n.º 3, se tome em consideração os factos essenciais à boa decisão da causa, que não foram oportunamente articulados. III - O que está em causa na presente acção é o reconhecimento do direito de propriedade da ora recorrente sobre uma parcela de terreno devidamente identificada. A procedência da acção depende, porém, da identidade entre a parcela adquirida e a parcela reivindicada, cabendo à autora o ónus da prova dessa identidade, por se tratar de facto constitutivo do direito que sobre tal parcela se arroga e o registo predial não originar presunção dessa identidade (art. 342.º, n.º 1, do CC). IV - Não sendo feita essa prova, a acção terá forçosamente de improceder, sem possibilidade de condenação no que se liquidar em execução de sentença, que implicaria a possibilidade de condenação em objecto diverso do pedido em manifesta violação do disposto no art. 661.º, n.º 1, do CPC. | ||
| Decisão Texto Integral: | Supremo Tribunal de Justiça:
Em 15/9/99, AA, S.A., instaurou contra BB, L.da, acção com processo ordinário, pedindo a condenação desta a reconhecer o seu direito de propriedade sobre uma parcela de terreno que identifica, com a área de 2.203 m2, por ela autora adquirida juntamente com outras parcelas por compra e venda celebrada em 4/6/96, e registada na competente Conservatória a seu favor, e a restituir-lha completamente livre e desocupada, pois que a ocupa sem qualquer título. Em contestação, a ré impugnou o direito de propriedade invocado pela autora sobre a aludida parcela de terreno, que é, com outras, objecto de um contrato – promessa de compra e venda de 21/9/95 devidamente registado celebrado entre a mesma vendedora das demais parcelas á autora, e ela ré, como promitente compradora, e pediu a condenação da autora como litigante de má fé, ao que esta se opôs. Oportunamente foi proferido despacho saneador que decidiu não haver excepções nem nulidades secundárias, após o que foi enumerada a matéria de facto desde logo dada por assente e elaborada a base instrutória. Realizada audiência de discussão e julgamento, no decurso da qual foram parcialmente deferidas reclamações de ambas as partes sobre a matéria de facto constante daquelas peças processuais, e decidida a matéria de facto sujeita a instrução, foi, após apresentação de alegações de direito pela autora e pela ré, proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu a ré do pedido. Apelou a autora, sem sucesso, uma vez que a Relação, por acórdão de fls. 770 a 822, negou provimento ao recurso e confirmou a sentença ali recorrida. Desse acórdão vem interposta a presente revista, de novo pela autora, que, em alegações, formulou as seguintes conclusões: 1ª - A autora, ora recorrente, deduziu a presente acção de reivindicação, ao abrigo do disposto no art.º 1311º do Cód. Civil, pedindo a condenação da ré, aqui recorrida, no reconhecimento do direito de propriedade da recorrente sobre a área de 2.203 m.2 da parcela n.º 8 do art.º 4º da Secção L da freguesia de Vila Nova da Rainha, bem como a restituir-lhe a referida área, completamente livre e desocupada; 2ª - A recorrente logrou demonstrar que, nos termos da escritura outorgada em 4/6/96, no 12º Cartório Notarial de Lisboa, comprou a CC e outros, uma parcela de terreno com a área total de 68.803 m.2, a desanexar do prédio misto, sito na Quinta das Barracas da Rainha – Campo de Quadros, nas freguesias de Vila Nova da Rainha e de Azambuja, município de Azambuja, descrito na Conservatória do Registo Predial de Azambuja sob o n.º 60 da freguesia de Vila Nova da Rainha e sob o n.º 357 da freguesia de Azambuja e inscrito nas respectivas matrizes, a parte urbana sob o art.º 68º da freguesia de Vila Nova da Rainha, e a parte rústica sob os art.ºs 1º Secção L, L-1, L-2 e L-3, 4ª Secção L e 4ª Secção J, todos da freguesia de Vila Nova da Rainha, a qual compreendia a área de 2.203 m.2, a destacar da parcela n.º 8 do art.º 4º Secção L, freguesia de Vila Nova da Rainha; 3ª - A recorrente logrou provar, não apenas a aquisição derivada (escritura pública de compra e venda e respectivo registo na competente Conservatória do Registo Predial), mas também a aquisição originária da referida parcela, porquanto funciona a favor da recorrente, nos termos do art.º 7º do Cód. Reg. Predial, a presunção de que o seu direito existe e é por ela encabeçado, presunção legal essa que importa, nos termos do disposto no art.º 344º, n.º 1, do C.C., a inversão do ónus da prova, fazendo recair sobre a recorrida o ónus de provar que a parcela em questão pertenceria a outrem que não a recorrente, o que não logrou fazer: resulta, assim, provado que a recorrente é titular do direito de propriedade sobre uma parcela de terreno com a área de 2.203 m.2, a destacar da parcela n.º 8 do art.º 4º, Secção L, freguesia de Vila Nova da Rainha, pelo que, ao negar o reconhecimento do direito de propriedade da recorrente sobre a referida parcela de terreno, a sentença recorrida está, desde logo, em manifesta violação dos citados preceitos legais; 4ª - Ao decidir o acórdão recorrido que “não é com base no registo predial que se pode afirmar que determinado prédio tem esta ou aquela constituição, mas apenas que, em relação a ele, ocorre certa situação jurídica”, concluindo que não se pode, no caso em apreço, presumir, até prova em contrário, que o prédio misto descrito na Conservatória do Registo Predial da Azambuja sob o n.º 281 da freguesia de Vila Nova da Rainha, relativamente ao qual a recorrente goza da presunção de que é titular do direito de propriedade, tem a composição, a área e as confrontações constantes da respectiva descrição e afirmadas pela autora na petição inicial, na medida em que “está fora do âmbito da presunção do registo predial tudo o que se relacione com os elementos de identificação do prédio”, não considerou o Tribunal a quo a matéria de facto considerada assente nos autos a quo, para a qual aqui remete expressamente; 5ª - Não assiste, assim, razão, ao Tribunal a quo, quando afirma que se desconhece qual a área efectiva do prédio relativamente ao qual a autora goza da presunção registral de ser titular do direito de propriedade, bem como quais as reais confrontações desse prédio, porquanto tais elementos, embora não gozem da presunção legal estabelecida pelo art.º 7º do C.R.P., foram considerados provados, sendo, pois, indiscutível que a recorrente logrou provar o primeiro requisito necessário à procedência da presente acção reivindicatória, ou seja, que adquiriu um direito de propriedade sobre uma parcela de terreno com a área de 2.203 m.2 a destacar da parcela n.º 8 do art.º 4º, Secção L, freguesia de Vila Nova da Rainha: tal área integra o prédio adquirido pela recorrente, conforme resulta das als. a) a c) da matéria assente, razão pela qual sempre teria de proceder o pedido de reconhecimento do direito de propriedade da recorrente sobre a parcela de terreno sub judice, sendo totalmente descabida a consideração da inclusão, ou não, de tais factos na presunção legal; 6ª - Acresce que, com a transferência da propriedade mediante a celebração da escritura pública de compra e venda junta aos autos, os vendedores transmitiram, não apenas a propriedade, mas também a posse da referida parcela – veja-se, aliás, que um dos vendedores (Sr.a CC) colocou estacas dentro da parcela precisamente para delimitar as estremas do terreno a vender à Opel (conforme depoimentos das testemunhas transcritos e identificados na presente alegação e que aqui dão como reproduzidos), tendo-se verificado a tradição material com a entrega do terreno pelos transmitentes à Opel, que de imediato a ocupou, tendo desde logo iniciado as obras no mesmo; 7ª - A recorrida, ainda que pudesse eventualmente ser considerada possuidora da referida parcela de terreno, o que concebe sem conceder, nunca poderia beneficiar da presunção da titularidade do direito, porquanto, de acordo com o disposto no n.º 1 do art.º 1268º do Cód. Civil: “o possuidor goza da presunção da titularidade do direito, excepto se existir, a favor de outrem, presunção fundada em registo anterior ao início da posse”; 8ª - Pelo que, contrariamente ao referido no acórdão recorrido, não foi a recorrente “omissa na invocação concreta de quaisquer actos de posse que conduzissem à forma de aquisição originária do trato de terreno em litígio, ou pelo menos, que por eles se permita deduzir a transferência para si da posse desse trato ou a sua acessão na posse do mesmo” (conforme art.ºs 1263º, al. b), e 1256º, do C.C.), tendo a decisão recorrida, ao concluir desse modo, violado desde logo o disposto nos art.ºs 1263º, al. c), e 1264º do Cód. Civil; 9ª - Tal entendimento assenta na conclusão, também errónea, do Tribunal recorrido, quando no sentido de que a alusão que a recorrente faz à colocação por um dos vendedores (Sr.a CC) de estacas dentro da parcela, precisamente para delimitar as estremas do terreno a vender à recorrente, “é manifestamente extemporânea”, sendo-o, de igual modo, “extemporânea a alegação segundo a qual os transmitentes teriam procedido, logo depois da celebração da escritura pública de compra e venda, à entrega material do terreno à recorrente, que o teria ocupado de imediato, logo iniciando obras no mesmo (uma factualidade acerca da qual a petição inicial é totalmente omissa)”: pois tais elementos não constituem factos novos, que a recorrente apenas agora tenha alegado, mas são antes factos dos quais o julgador tomou conhecimento durante a fase de julgamento em sede de 1ª instância, mostrando-se essenciais à boa decisão da causa, na medida em que revelam a transmissão da posse da parcela de 2.203 m.2 em questão, bem como ainda a sua concreta localização, impondo-se o seu conhecimento por força do disposto no n.º 2 do art.º 264º do C.P.C., sob pena de violação desta norma, como se verificou; 10ª - Com efeito, para a decisão da lide, é absolutamente indiferente o saber ou conhecer por qual dos litigantes foi alegado o facto controvertido, e qual destes produziu a prova desse facto, o Juiz aprecia, forma a sua convicção, e julga, tendo em consideração todo o conteúdo do processo, isto é, todos os factos para aí vertidos, relevantes, e toda a prova produzida, para efeitos de prolação da decisão de mérito: o julgador, de acordo com o princípio da aquisição processual, para efeito de apuramento da verdade, deverá ter em linha de conta todas as provas produzidas – é o que decorre do espírito do at.º 659º do C.P.C. e da jurisprudência maioritária, tal como referido supra; 11ª - Está este Supremo em condições de sanar a violação do disposto no art.º 264º, n.º 2, do C.P.C., pelas instâncias, nos termos do disposto no n.º 3 do art.º 729º e 730º, ambos do C.P.C., o que se impõe; 12ª - Questão diversa da identificação da área adquirida é a da sua localização. E questão ainda diversa desta é a da demarcação da referida área no âmbito da parcela 8 do art.º 4º, Secção L; 13ª - Da conjugação da matéria de facto assente com a escritura pública de compra e venda, com as certidões registrais e ainda com o mapa junto aos autos como documentos 1 a 5 da petição inicial, cujo teor foi conformado pelas testemunhas, impunha-se concluir, como o impunha o disposto no n.º 2 do art.º 264º do C.P.C., que: (i) a recorrente é titular do direito de propriedade de uma parcela de terreno com a área de 2.203 m.2 a desanexar da parcela n.º 8 do art.º 4º, secção L, da freguesia de Vila Nova da Rainha; (ii) a área da parcela a desanexar, que foi adquirida pela recorrente, resulta provada – (al. b) da matéria assente); e (iii) a parcela n.º 8 do art.º 4º, Secção L, da freguesia de Vila Nova da Rainha situa-se do lado Poente da vala, pelo que, necessariamente, a área de 2.203 m.2 também se situa do lado Poente da vala – a localização da parcela adquirida pela recorrente ficou, assim, indubitavelmente demonstrada; 14ª - Assim, encontrando-se provado que a recorrida ocupa toda a parcela de terreno que confronta a Nascente com a vala (resposta aos pontos 6 e 7 da matéria assente), é forçoso concluir que a recorrida ocupa a área adquirida pela recorrente; 15ª - Sendo certo que a recorrida não logrou provar que tem sobre a referida parcela de terreno outro qualquer direito real que justifique a sua posse ou que a detém por virtude de direito pessoal bastante, na medida em que foi julgado improcedente todo o alegado pela mesma; 16ª - Pelo que, verificados que estão todos os requisitos necessários à procedência da presente acção reivindicatória – direito de propriedade da recorrente sobre a parcela de terreno, detenção/ ocupação da mesma pela recorrida sem título que legitime tal detenção – sempre deveria o acórdão recorrido ter reconhecido o direito de propriedade da recorrente sobre a concreta parcela de terreno de 2.203 m.2 a destacar da parcela n.º 8 do art.º 4º, Secção L e, consequentemente, condenado a recorrida na sua restituição: não o tendo feito, está em clara violação com o disposto no n.º 2 do art.º 1311º do C.C., segundo o qual “havendo reconhecimento do direito de propriedade a restituição só pode ser recusada nos termos previstos na lei”; 17ª - Entende ainda o Tribunal recorrido que o facto de o Tribunal de 1ª instância ter recusado uma determinada diligência probatória requerida pelas partes “não o impede, evidentemente, de, ao decidir a matéria de facto controvertida, vir a considerar que os meios de prova (documentais e testemunhais) produzidos foram insuficientes para a formação da convicção àcerca da realização de um determinado facto controvertido” : não pode, por razões óbvias, a recorrente aceitar a bondade de tal decisão; 18ª - Ao decidir desta forma, o Tribunal a quo violou, por um lado, a força de caso julgado do despacho de fls. 502 e 503 – porque tinha sido expressamente decidido que o Tribunal de 1ª instância ordenaria a produção de meios de prova adicionais, tal como a deslocação ao local, se tal fosse entendido necessário e, tendo sido considerado necessário, não foram tais meios de prova ordenados, violando ainda, nessa medida, o dever de pronúncia quanto à necessidade de produção de meios de prova adicionais criado pelo despacho de fls. 502 e 503; 19ª - A decisão do tribunal a quo encontra-se ainda em confronto claro com o disposto no n.º 3 do art.º 265º do C.P.C., o qual determina que: “incumbe ao Juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos que lhe é lícito conhecer”; 20ª - Também aqui (conclusões M a P e R e S), está este Supremo em condições de sanar a violação, pelas instâncias, do disposto nos art.ºs 264º, n.º 2, e 265º, n.º 2, ambos do C.P.C., nos termos do disposto no n.º 3 do art.ºs 729º e 730º do C.P.C., o que se impõe; 21ª - Sendo certo, porém, que, mesmo face à prova produzida, é evidente que ficou demonstrada a concreta demarcação da área de 2.203 m.2: as testemunhas, quer as arroladas pela recorrente, quer a s arroladas pela recorrida, confirmaram de forma explícita, em confronto com as plantas de fls. 43 e 256, a exacta localização da parcela, com referências concretas aos catetos e hipotenusa da área triangular, dando como referências concretas: o talude da linha do combóio, a vala existente que curva para a esquerda e que seria objecto de alinhamento, o poste de alta tensão, a ponte sobre a vala, o comprimento necessário para permitir a construção de um cais de descarga para um combóio com trinta carruagens e com 500 metros de comprimento; 22ª - Pelo que a recorrente logrou provar, contrariamente ao entendimento do Tribunal a quo, a exacta localização ou ”individualização material” da parcela de terreno de 2.203 m.2, desanexada da parcela n.º 8 do art.º 4º, Secção L, freguesia de Vila Nova da Rainha, a qual se situa obrigatoriamente do lado esquerdo da vala (do lado Poente), confrontando com esta a Nascente, tem uma forma triangular, partindo da ponta de acesso, tendo como catetos a vala (num comprimento de 94 metros) e os taludes do caminho de ferro, sendo que na hipotenusa está um poste de alta tensão; 23ª - Por último, sempre se dirá que, contrariamente ao perfilhado no acórdão recorrido, mesmo perante a impossibilidade de se individualizar a área cuja propriedade é reivindicada na presente acção (o que se concebe por mero dever de patrocínio), tal nunca seria bastante para não reconhecer o direito de propriedade da recorrente sobre a mesma e para levar à improcedência da acção; 24ª - Perante a prova produzida e a matéria de facto considerada assente, sempre estaria o Tribunal a quo obrigado a reconhecer o direito de propriedade da recorrente sobra a parcela de terreno com uma área de 2.203 m. 2, a qual fazia parte integrante, antes da desanexação efectuada, da parcela n.º 8 do art.º 4º, Secção L, da freguesia da Vila Nova da Rainha, parcela de terreno essa que era ilicitamente ocupada pela recorrida, a qual deveria, consequentemente, ser condenada na restituição da mesma; 25ª - Entendendo, porém, o Tribunal a quo, que não dispunha dos elementos necessários e suficientes à concreta individualização da referida parcela, sempre deveria ter relegado tal concretização para um momento ulterior – o da execução de sentença – na medida em que a questão de saber “onde” e “como” dentro da parcela 8 do art.º 4º da Secção L da freguesia de Vila Nova da Rainha se demarca a área de 2.203 m.2 constitui um aspecto que pode ser relegado para execução de sentença tendente ao cumprimento de entrega de coisa certa: não estando demarcada a área, a questão é apenas a da determinação da obrigação exequenda; 26ª - Determina o n.º 2 do art.º 661º do C.P.C. que: “se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o Tribunal condenará no que vier a ser liquidado sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida”; 27ª - O citado preceito legal impõe ao Juiz a obrigação de condenar no que se liquidar em execução de sentença se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, quer no caso de o autor formular um pedido genérico, quer no caso de ter concretizado o objecto ou especificado o valor mas não provar a concretização ou especificação. Tanto bastaria, pois, para ser julgada procedente a presente acção; 28ª - De tudo quanto foi exposto ao longo de todo o presente articulado resulta que, ao não reconhecer o direito de propriedade da recorrente sobre a parcela de terreno com a área de 2.203 m.2 desanexada da parcela n.º 8 do art.º 4º, Secção L, freguesia de Vila Nova da Rainha, o acórdão recorrido está em clara violação do disposto nos art.ºs 342º, 371º, n.º 1, 372º, 879º, 1263º, al. c), 1264º, 1305º e 1311º, todos do C.C., 7º do C.R.P. e art.ºs 264º, n.º 2, 265º, n.º 3, 659º e 661º, n.º 2, do C.P.C., e ainda o caso julgado formal que resulta do decidido a fls. 502 e 503 (art.º 672º do C.P.C.) e que obrigava o Tribunal a ordenar a produção de meios de prova adicional, tal como a deslocação ao local, caso viesse a considerar insuficiente a prova produzida quanto à localização e demarcação da área adquirida pela recorrente; 29ª - Na verdade, das soluções propugnadas pelo acórdão recorrido apenas pode resultar uma conclusão: o cidadão nunca logrará, lançando mão de todos os elementos documentais que a lei lhe faculta – escritura pública de aquisição da propriedade de determinado prédio, certidão da Conservatória do Registo Predial, caderneta predial emitida pela competente Repartição de Finanças, mapas cadastrais, etc., - fazer prova da exacta localização, dimensão, estremas e composição do objecto sobre o qual incide o seu direito de propriedade, maxime quando nem sequer é produzida prova contrária a tais factos. Em última instância, ninguém conseguirá provar que é proprietário de determinado prédio – rústico ou urbano; 30ª - Ao denegar, da forma exposta supra, o reconhecimento do direito de propriedade de que é titular a autora, ora recorrente, sobre a parcela de terreno com a área de 2.203 m.2, desanexada da parcela n.º 8 do art.º 4º, secção L, freguesia de Vila Nova da Rainha, o acórdão recorrido aplicou a lei – maxime o disposto nos art.ºs 1311º do C.C. e 7º do C..R.P. – em violação clara e frontal do direito, constitucionalmente consagrado no n.º 1 do art.º 62º da lei fundamental, de propriedade privada. Termina pedindo a revogação do acórdão recorrido. *** *** *** Em contra alegações, a ré, recorrida, pugnou pela confirmação daquele acórdão. *** *** *** Colhidos os vistos legais, cabe decidir, tendo em conta que os factos declarados assentes pela Relação são os seguintes: 1º - Por escritura outorgada em 4/6/96 no 12º Cartório Notarial de Lisboa, a autora comprou a CC e outros uma parcela de terreno com a área total de 68.803 m2, a desanexar do prédio misto sito na Quinta das Barracas da Rainha – Campo de Quadros – nas freguesias de Vila Nova da Rainha e de Azambuja, município de Azambuja, descrito na Conservatória do Registo Predial de Azambuja sob o n.º 60 da freguesia de Vila Nova da Rainha e sob o n.º 357 da freguesia de Azambuja e inscrito nas respectivas matrizes, a parte urbana sob o art.º 68º da freguesia de Vila Nova da Rainha e a parte rústica sob os art.ºs 10º, Secção L, L-1, L-2 e L-3, 4º - Secção L, e 4º, Secção J, todos da freguesia de Vila Nova da Rainha (certidão de fls. 201 a 211); 2º - A parcela referida é composta pelas áreas de 44.400 m2, que constitui toda a parcela n.º 6 do art.º 4º, Secção L, da freguesia de Vila Nova da Rainha, de 22.200 m2, que constitui toda a parcela n.º 7 do art.º 4º, Secção L, da freguesia de Vila Nova da Rainha, e de 2.203 m2 a destacar da parcela n.º 8 do art.º 4º, Secção L, da freguesia de Vila Nova da Rainha; 3º - A aquisição referida foi registada a favor da autora em 12/6/96 na Conservatória do Registo Predial pela inscrição G-1; 4º - A parcela de terreno referida constitui actualmente o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Azambuja sob o n.º ..../Azambuja, desanexado dos prédios n.ºs 00060/Azambuja e ......./Azambuja; 5º - O prédio referido confronta a Norte com DD, a Sul com a linha férrea, a Nascente com a autora, e a Poente com a ré; 6º - Por escritura outorgada no 14º Cartório Notarial de Lisboa, em 14/11/96, a ré adquiriu a CC e outros o prédio misto denominado Quinta das Barracas da Rainha, sito em Campo de Quadros, freguesia de Vila Nova da Rainha, concelho de Azambuja, descrito na Conservatória do Registo Predial de Azambuja sob o n.º ..../Aazmbuja; 7º - Os prédios da autora e da ré são confrontantes entre si, nos limites Poente/Nascente; 8º - A confrontação Poente/Nascente dos prédios da autora e da ré, pelo menos numa extensão de 141 metros, é feita por uma vala onde se situa uma linha de água; 9º - A ré celebrou em 21/9/95 o contrato – promessa de compra e venda de fls. 194 a 199; 10º - A favor da ré, no que respeita às descrições prediais ......./........ e ........./........., pelas cotas G4 e AP ../........., está inscrita uma aquisição provisória por natureza e por dúvidas que foi convertida pela AP .../......... conforme teor de fls. 19 a 42; 11º - A vala referida no n.º 8º corre a céu aberto, nomeadamente para escoamento das águas pluviais em direcção ao rio Tejo; 12º - O que resulta do teor da escritura de fls. .. a ....; 13º - A ré vem ocupando toda a parcela de terreno que confronta ainda a Nascente com a vala de água mencionada nos n.ºs 8º e 11º numa extensão de cerca de 94 metros. *** *** *** A estes factos pretende a recorrente o aditamento de outros com base no disposto nos art.ºs 264º, n.º 2, e 265º, n.º 3, do Cód. Proc. Civil, sustentando que este Supremo pode providenciar nesse sentido á luz do disposto nos art.ºs 729º, n.º 3, e 730º, do mesmo Código. Consistiriam tais factos em que a vendedora CC colocara estacas dentro da parcela n.º 8 para delimitar as estremas do terreno a vender à autora, a quem logo os vendedores o entregaram, tendo-o a autora ocupado de imediato e iniciado obras no mesmo. Tais factos, porém, não foram oportunamente articulados, apesar de serem, como a própria recorrente o reconhece (conclusão 9ª), essenciais à boa decisão da causa. E são essenciais porque integrariam a prática de actos de posse numa parte concreta e delimitada da parcela n.º 8, possibilitando em consequência a identificação da área dessa parcela vendida á autora. Ora, o poder que a lei reconhece a este Supremo Tribunal de determinar a ampliação da matéria de facto nos termos dos art.ºs 729º, n.º 3, e 730º, do Cód. Proc. Civil, é manifestamente limitado pelo disposto no art.º 664º do mesmo diploma, que só permite que, para decidir, o Juiz atenda aos factos articulados pelas partes, sem prejuízo do disposto no art.º 264º. Este dispositivo, porém, não permite se tome aqueles factos em consideração, nem nos termos do seu n.º 2, nem nos do seu n.º 3. Neste caso, porque, embora aqueles factos sejam essenciais à procedência das pretensões da autora, não se vê, nem a recorrente o demonstra, que sejam complemento ou concretização de outros oportunamente alegados, precisamente por não ter sido articulada a prática de actos de posse; naquela hipótese do n.º 2, porque não se trata de factos instrumentais, que podem ser definidos como factos que não se integram na norma fundamentadora do direito invocado (ou da excepção) e em si lhe são indiferentes, apenas servindo para, da sua existência, se concluir pela dos próprios factos essenciais fundamentadores do direito ou da excepção, com uma função semelhante à de factos base de presunção. Não é esta a situação: como se disse, aqueles factos têm de ser considerados essenciais por se integrarem na norma fundamentadora do direito na medida em que, se oportunamente articulados, permitiriam a formação de uma convicção sobre a concreta parcela de terreno em que eram praticados actos de posse demonstrativos da respectiva localização, mas não são complemento ou concretização de outros oportunamente alegados. Assim, não pode este Supremo, nem sequer com base no invocado art.º 265º, n.º 3, por não ser lícito ao Juiz conhecer de tais factos, determinar a ampliação da matéria de facto mediante averiguação da existência dos aludidos factos essenciais não articulados, não assistindo em consequência razão à ora recorrente nessa parte e tendo de ser mantida a descrição dos factos assentes, tanto mais que não se verifica qualquer das hipóteses previstas no art.º 722º, n.º 2, do Cód. Proc. Civil (art.º 729º, n.º 2, do mesmo diploma). O que está em causa na presente acção é o reconhecimento do direito de propriedade da ora recorrente sobre uma parcela de terreno com a área de 2.203 ms.2 a destacar da parcela n.º 8 do art.º 4º da Secção L da freguesia de Vila Nova da Rainha, localizada numa extensão de 94 metros a Poente e ao longo de uma vala por onde corre uma linha de água, vala essa que delimita, numa extensão de pelo menos 191 metros, os prédios da autora e da ré, pelo Poente daqueles e pelo Nascente destes, e a sua consequente restituição pela recorrida, que a ocupa. Tal parcela vem identificada pela ora recorrente (art.ºs 2º, al. c), 12º, 13º e 14º, da petição inicial) com referência ao documento que juntou com o n.º 5 e que se encontra a fls. 43 dos presentes autos: trata-se da parcela que nesse documento é indicada sob n.º 3, delimitada a amarelo, de forma aí apresentada como triangular, e que se encontrava integrada na dita parcela 8 do art.º 4º. Suscita a recorrente a questão de determinar se ela logrou ou não provar tanto a aquisição derivada como a aquisição originária do direito de propriedade sobre a parcela de terreno com a área de 2.203 ms.2, que identifica. A este respeito, não se pode entender que a ora recorrente tenha conseguido fazer prova da aquisição originária, pelos fundamentos invocados no douto acórdão recorrido, que desta e das outras questões suscitadas fez exaustivos e correctos estudo e análise, com adequada e até exemplar, de forma que se pode dizer que não se vê com frequência, interpretação e aplicação aos factos dados por provados dos preceitos legais a eles respeitantes, pelo que com ele inteiramente se concorda e aos seus fundamentos se adere ao abrigo do disposto nos art.ºs 726º e 713º, n.º 5, do Cód. Proc. Civil. Sempre se dirá, porém, que não restam dúvidas de que a autora adquiriu o direito de propriedade sobre uma parcela de terreno que abrangia, além das parcelas n.ºs 6 e 7 do art.º 4º, Secção L, da freguesia de Vila Nova da Rainha, uma área de 2.203 ms.2 a destacar da parcela n.º 8 do mesmo art.º 4º, sejam quais forem as concretas localização, área e confrontações desta parcela n.º 8. Por um lado, por compra aos anteriores proprietários (art.º 874º do Cód. Civil), a qual logo produziu os seus efeitos translativos apesar de sujeita a condições suspensivas, por estas, segundo decidiu sem impugnação a sentença da 1ª instância, se terem verificado, tendo a sua verificação efeitos retroactivos nos termos do art.º 276º do Cód. Civil; por outro lado, por não ter sido ilidida a presunção de propriedade resultante do respectivo registo - art.º 7º do Cód. de Registo Predial -, efectuado ainda antes da venda da parcela n.º 8 à ré e de qualquer eficaz registo a favor desta ( a cujo contrato – promessa de compra e venda não pode ser atribuída eficácia real por falta da respectiva declaração expressa exigida pelo art.º 413º, n.º 1, do Cód. Civil). É certo que a ré, por contrato – promessa de compra e venda, havia prometido comprar, com a correspondente obrigação de venda assumida pela outra parte, a dita parcela n.º 8; mas certo é também que, antes da celebração da escritura que titulava a compra e venda prometida, foi celebrada a dita venda à autora, como se referiu com efeitos a partir da data da sua celebração, pelo que a posterior venda à ré não podia já abranger a dita área de 2.203 ms.2, sob pena de nos encontrarmos perante venda de coisa alheia, ineficaz em relação à autora. O que significa que, no que à autora se refere, a venda à ré só pode ser entendida como abrangendo a parcela n.º 8 já considerada reduzida da área desanexada de 2.203 ms.2. A procedência da acção depende, porém, da identidade entre a parcela adquirida e a parcela reivindicada, cabendo à autora o ónus da prova dessa identidade, por se tratar de facto constitutivo do direito que sobre tal parcela se arroga e o registo predial não originar presunção dessa identidade (art.º 342º, n.º 1, do Cód. Civil). Ora, dos factos dados por provados resulta que a autora não logrou fazer a prova dessa identidade, sobretudo por falta de prova de factos integrantes da aquisição originária: para além de a parcela que a autora adquiriu não vir identificada na escritura de compra e venda nem no registo predial, não se mostra demonstrada a prática de qualquer acto de posse pela autora ou mesmo pelos vendedores sobre qualquer parte concreta do terreno integrante da dita parcela n.º 8. Apenas se sabe que os prédios da autora e da ré confrontam entre si, a Poente daqueles e a Nascente destes, pelo menos, numa extensão de 141 metros, por uma vala onde circula uma linha de água a céu aberto para escoamento de águas pluviais em direcção ao rio Tejo, sendo que a ré vem ocupando toda a parcela que, numa extensão de cerca de 94 metros, confronta ainda a Nascente com a dita vala. É esta a parcela que a autora reivindica; mas não se sabe se foi essa parcela, situada a Poente da vala e que se encontrava integrada na dita parcela n.º 8, que a autora adquiriu, tanto mais que ficou sem se saber se essa parcela n.º 8 se situava integralmente ou só em parte a Poente da vala, ou se, ao longo dos aludidos 94 metros ou parte deles, abrangia terreno situado a Nascente da mesma vala. Daí que subsista a dúvida sobre se a parcela de 2.203 ms.2 adquirida pela autora é a mesma que reivindica por meio desta acção, tanto mais que, quer se considere, quer não, ser essa parcela localizada totalmente ou em parte a Poente da vala, e totalmente ou em parte ao longo dos aludidos 94 metros, sempre o prédio da autora confrontaria por sua vez, a Poente, com prédio da ré, ou, anteriormente, dos vendedores, como do respectivo registo predial consta. Acresce, quanto á questão da pretensa ofensa de caso julgado formal formado pelo despacho que, no decurso da audiência de julgamento, a fls. 502/503, indeferiu “para já” (sic) o requerimento da autora de inquirição das testemunhas no local, sem prejuízo de o Tribunal, no decurso da produção de prova, vir a entender que realmente seria necessária a sua deslocação ao local da demanda, não se detecta aí qualquer violação de caso julgado, uma vez que da não deslocação do Tribunal ao local da demanda apenas resulta que o Tribunal se convenceu de que se encontrava esclarecido quanto aos factos e de que, mesmo com essa deslocação, não lograria diferente resultado quanto ao seu apuramento. Igualmente não pode ser reconhecida razão á ora recorrente quanto à questão da condenação no que se liquidar em execução de sentença: o objecto da presente acção de reivindicação é uma parcela determinada e concreta de terreno, pelo que a procedência da acção depende, desde logo, da prova de ser a autora proprietária dessa concreta e determinada parcela de terreno. Não sendo feita essa prova, a acção terá forçosamente de improceder, sem possibilidade de condenação no que se liquidar em execução de sentença, que implicaria a possibilidade de condenação em objecto diverso do pedido em manifesta violação do disposto no art.º 661º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil. Assim, embora se reconheça que a ora recorrente adquiriu a propriedade sobre uma parcela com a área de 2.203 ms.2 a destacar da parcela n.º 8 do art.º 4º Secção L da freguesia de Vila Nova da Rainha, cujas estremas possivelmente só poderá determinar mediante recurso a uma acção, agora comum, para demarcação, com base no disposto no art.º 1353º do Cód. Civil, a presente acção terá necessariamente de improceder, inclusivamente quanto ao pedido de restituição, não por se ter considerado demonstrado ter a ré qualquer direito em relação a essa parcela que ocupa mas precisamente por se ignorar se tal parcela ocupada pela ré é a que foi adquirida pela autora. *** *** *** Pelo exposto, acorda-se em negar a revista, confirmando-se o acórdão recorrido. Custas pela recorrente. *** *** *** Lisboa, 24 de Outubro de 2006 Silva Salazar (Relator) Afonso Correia Ribeiro de Almeida |