Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
14697/16.6T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO (CÍVEL)
Relator: NUNO PINTO OLIVEIRA
Descritores: RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
ACIDENTE DE VIAÇÃO
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
EQUIDADE
DANOS PATRIMONIAIS
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
DANOS FUTUROS
DANO BIOLÓGICO
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
Data do Acordão: 11/12/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário : Independentemente de estarem em causa danos patrimoniais ou não patrimoniais, o STJ tem entendido que o controlo, designadamente em sede de recurso de revista, da fixação equitativa da indemnização deve concentrar-se em quatro coisas: Em primeiro lugar, deve averiguar-se se estavam preenchidos os pressupostos normativos do recurso à equidade. Em segundo lugar, se foram considerados as categorias ou os tipos de danos cuja relevância é admitida e reconhecida. Em terceiro lugar, se, na avaliação dos danos correspondentes a cada categoria ou a cada tipo, foram considerados os critérios que, de acordo com a legislação e a jurisprudência, deveriam ser considerados — se, p. ex., no caso da indemnização por danos não patrimoniais, foram considerados o grau de culpabilidade do agente, a situação económica do lesante e a situação económica do lesado. Em quarto lugar, se, na avaliação dos danos correspondentes a cada categoria ou a cada tipo, foram respeitados os limites que, de acordo com a legislação e com a jurisprudência, deveriam ser respeitados. Está em causa fazer com que o juízo equitativo se conforme com os princípios da igualdade e da proporcionalidade — e que, conformando-se com os princípios da igualdade e da proporcionalidade, conduza a uma decisão razoável.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA



I. — RELATÓRIO


    1. AA propôs a presente acção declarativa de condenação com a forma de processo comum contra a Lusitânia — Companhia de Seguros, S.A., pedindo:

      I. — a condenação da Ré no pagamento de € 41.865,55 acrescido de juros de mora à taxa legal desde a data da citação até integral pagamento no que se refere aos danos patrimoniais e desde a data da sentença até integral pagamento no que concerne aos danos não patrimoniais;

    II. — a condenação da R. a reabrir o processo clínico do A. junto dos seus serviços médicos;

   III.— subsidiariamente, caso o pedido de condenação da R. em reabrir o processo clínico do A. junto dos seus serviços médicos, não seja julgado procedente, a condenação da Ré no pagamento ao Autor da quantia de € 2.200,00 acrescida de juros de mora taxa legal, desde a data da citação até integral pagamento, a título de danos futuros.


    2. A Ré contestou, pugnando pela improcedência do pedido.


   3. O Autor apresentou articulado superveniente, ampliando o pedido na quantia de € 4.786,96 e fundamentando a ampliação em despesas que teve com tratamentos médicos, com tratamentos de recuperação e com medicamentos.


  4. Em despacho de 04 de Outubro de 2019 foi admitida a ampliação do pedido efetuada.


   5. O Tribunal de 1.ª instância julgou a acção parcialmente procedente, condenando o Réu a pagar ao Autor:

      I. — a quantia de 8 271,90 euros a título de indemnização pelo dano biológico com repercussão patrimonial, acrescida dos juros de mora vincendos à taxa legal desde a data da sentença e até integral cumprimento;

   II. — a quantia de € 256,41 a título de indemnização por dano patrimonial emergente acrescida dos juros de mora à taxa legal desde a citação e até integral cumprimento;

   III. — a quantia de € 5.000,00 de indemnização por dano não patrimonial, acrescida dos juros de mora à taxa legal desde a data da sentença e até integral cumprimento, absolvendo a Ré do demais peticionado contra si.


    6. Inconformado, o Autor interpôs recurso de apelação.


    7. Finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões:

I. Vem o presente recurso interposto da decisão que, conhecendo da ação declarativa de condenação por responsabilidade civil extracontratual — acidente de viação, intentada pelo recorrente contra a companhia de seguros Lusitânia, ora recorrida, julgou aquela parcialmente procedente condenando esta a pagar-lhe a quantia de 8.271,90€ a título de dano biológico e a quantia de 5.000,00€ a título de danos não patrimoniais.

II. O âmago da divergência face à decisão recorrida reside nos montantes indemnizatórios fixados a título de dano biológico e a título de danos não patrimoniais.

III. Entende o recorrente que, da gravidade dos factos provados e das decisões superiores de casos análogos impunha-se a fixação de uma indemnização não inferior a 40.000,00€ a título de danos não patrimoniais e de dano biológico.

IV. Com o devido respeito, ao não fazê-lo o tribunal a quo violou o disposto nos artigos 607º do CPC, 8º n.º 3, 483º, 496º e 562º, todos do Código Civil, o que a não acontecer teria conduzido a uma solução conforme preconizada pelo recorrente, a fixação de uma compensação a título de danos não patrimoniais e dano biológico de 40.000,00€.

V. Dos factos provados resulta que o A. sofreu um acidente quando conduzia um motociclo do qual resultaram múltiplos traumatismos, dos joelhos, dos pés e dos ombros. Não obstante a alta manteve dores que agravaram e continuou medicado com novos episódios de urgência que concluíram por Entorses e Distensões do joelho e perna. Esteve em incapacidade temporária 5 meses e continua a padecer de dores constantes nos membros inferiores, quando faz esforços, o joelho esquerdo incha e dói de forma mais intensa. Realizou Fisioterapia e ficou com sequelas que lhe conferem uma incapacidade permanente de 3 pontos, dano estético grau 1, repercussão nas atividades físicas e de lazer grau 1, quantum doloris grau 2, sendo que ficou afetado psicologicamente, com frequentes as recordações do episódio e, quando conduz, fica nervoso sempre que presencia alguma manobra mais brusca. Por outro lado deixou de prestar a sua actividade remunerada, motivo, pelo qual, carece atualmente da ajuda de seus familiares.

VI. Em casos análogos ao dos presentes autos, com situações maioritariamente menos gravosas, foram fixadas indemnizações bem divergentes da que consta na decisão em crise, é o caso do Acórdão do STJ de 06-12-2017, Acórdão da Relação de Lisboa de 13-09-2018, Acórdão da Relação de Coimbra de 21-05-219.

VII. Conforme factos provados em "JJ" e "LL", JJ. Em consequência do acidente, o A. deixou de prestar a sua actividade remunerada. LL. Motivo, pelo qual, carece atualmente da ajuda de seus familiares.

VIII. É de alterar o montante indemnizatório fixado de 5.000,00€ a título de danos não patrimoniais para 40.000,00€ a título de danos não patrimoniais e de dano biológico e para que se faça Justiça!

A Ré contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso.

O Tribunal da Relação de Lisboa confirmou:

— por unanimidade, a decisão da 1.ª instância relativa à indemnização pelo dano biológico com repercussão patrimonial;

— por maioria, a decisão da 1.ª instância relativa à indemnização pelo dano não patrimonial.

A Exma. Senhora Desembargadora que desempenhava a função de 2.ª Adjunta declarou que

Relativamente aos danos não patrimoniais fixados pela primeira instância no valor de 5 000,00 €, não se acompanha o decidido quanto à justeza dessa indemnização.

Sopesando a factualidade apurada e a análise de casos análogos, considera-se mais adequada uma compensação no valor de 9 000,00 €, pelos danos não patrimoniais resultantes das dores, da angústia e dos padecimentos do Autor em consequência do acidente.


   8. Inconformado, o Autor AA interpôs recurso de revista.


   9. Finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões:

Primeiro. O presente recurso vem interposto do Douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, que julgou totalmente improcedente o recurso interposto pelo autor, recorrente, e em consequência, confirmou integralmente a Sentença proferida pelo Tribunal de 1.º instância, que, por seu turno, havia julgado parcialmente procedente a acção interposta pelo autor, recorrente, e, consequentemente, condenou a ré, recorrida, a pagar àquele, i. a quantia de € 8.271,90 (oito mil duzentos e setenta e um euros e noventa cêntimos) a título de indemnização pelo dano biológico com repercussão patrimonial, acrescida dos juros de mora vincendos à taxa legal desde a data da sentença e até integral cumprimento; bem como ii. a quantia de € 256,41 (duzentos e cinquenta e seis euros e quarenta e um cêntimos) a título de indemnização por dano patrimonial emergente acrescida dos juros de mora à taxa legal desde a citação e até integral cumprimento; e ainda, iii. a quantia de € 5.000,00 (cinco mil euros) a título de indemnização por dano não patrimonial acrescida dos juros de mora à taxa legal desde a data da sentença e até integral cumprimento, absolvendo a ré, recorrida, do demais peticionado.

Segundo. Sucede que, no entendimento do autor ora recorrente, incorreu a decisão proferida e ora objecto de recurso, em manifesto lapso que determinou uma incorrecta aplicação do direito aos factos apurados, tendo violado, por erro de interpretação e aplicação, os artigos 495.º, número 2, 496.º, número 1 e 562.º, todos do Código Civil.

Terceiro. Ademais! O mesmo conta com um voto de vencido, no que toca aos montantes arbitrados como indemnização a título de dano não patrimonial, pelo que, nos termos do número 3 do artigo 671.º do Código de Processo Civil, nada obsta à admissibilidade do Recurso de Revista para que, por ora neste Supremo Tribunal de Justiça, seja objecto de reapreciação, a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa, nos termos que ora se formulam.

Quarto. A discordância do autor ora recorrente prende-se, em suma, com os valores atribuídos pela decisão ora objecto de recurso a título de indemnização pelo dano biológico e pelos danos não patrimoniais pela mesmo sofridos, considerando que, face à gravidade dos factos provados e em face das decisões jurisprudenciais de casos análogos, impunha-se a fixação de uma indemnização em montante nunca inferior a € 40.000,00 (quarenta mil euros).

Quinto. No que respeita aos valores da condenação pelos danos patrimoniais decorrentes do dano biológico, entendido como a panóplia de lesões sofridas pelo autor ora recorrente e geradoras de incapacidades permanentes, in casu, com repercussão na esfera patrimonial do lesado, designadamente na sua capacidade de auferir rendimentos com a sua profissão habitual, está inequivocamente demonstrado nos presentes autos, por provado, que o autor, na sequência das lesões sofridas, ficou permanente e irremediavelmente afectado na sua capacidade de gerar rendimento, pelo que, tal circunstância é inquestionavelmente indemnizável enquanto dano patrimonial. Contudo, mal andou o Douto Tribunal da Relação de Lisboa, ao confirmar que os montantes indemnizatórios fixados em sede de primeira instância, considerando a manifesta insuficiência dos mesmos para ressarcir, em absoluto, os rendimentos que o autor, ora recorrente, deixará de auferir – de forma permanente – por força das sequelas de que ficou a padecer em consequência das lesões sofridas na sequência do acidente de que foi vítima.

Sexto. Ademais! O Douto Tribunal da Relação de Lisboa incorreu em manifestos lapsos de valoração da prova produzida, tendo alcançado uma manifesta incorrecta aplicação do direito aos factos.

Sétimo. Muito embora elencada o vasto leque de ferramentas que terão servido de auxílio à tarefa do Douto Tribunal da Relação de Lisboa na apreciação do recurso que foi levado ao seu

conhecimento, como: os normativos legais constantes do Código Civil, a Tabela Nacional para a Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil aprovada pelo Decreto-Lei número 352/2007, de 23 de outubro, o anexo IV da Portaria número 377/2008, alterada pela Portaria número 679/2008 de 25 de junho, a jurisprudência fixada em casos anómalos e, ainda, o recurso a critérios como a equidade, a verdade é que a conclusão do Tribunal da Relação de Lisboa, por manifesto erro, consubstanciou uma decisão parca na sua justeza e adequação.

Oitavo. É, que, se por um lado, conforme resulta do Acórdão ora objecto de recurso, ficou apurado que as lesões sofridas pelo autor também se repercutem na sua capacidade de ganho, e que, para efeitos de apuramento da indemnização, se deve considerar o salário médico nacional, atendendo à imprescindibilidade deste elemento para o cálculo da indemnização, por outro lado, do Douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa resulta uma mísera quantia de € 8.271,90 (oito mil duzentos e setenta e um euros e noventa cêntimos) a título de indemnização pelo dano biológico com repercussão patrimonial, que, uma vez distribuída pelos próximos 43 (quarenta e três) anos de actividade profissional do autor, ora recorrente, se traduz numa compensação mensal mísera de € 16,03 (dezasseis euros e treze cêntimos).

Nono. Jamais se revela, pois assim, a indemnização atribuída a título de danos patrimoniais, cumpridora daquele que é o seu fim: um capital que se extinga ao fim da vida activa do, in casu, autor ora recorrente, e que seja susceptível de lhe garantir, durante toda ela, as prestações periódicas correspondentes à sua perda de ganho

Décimo. Assim, é manifesto que a decisão tomada, no apuramento de indemnização a atribuir pela incapacidade permanente geral que, permanente e irremediavelmente, acompanhará o autor, ora recorrente, não se encontra em linha com aqueles que são os critérios imperativos à factualidade levada ao conhecimento do tribunal a quo. Muito embora elencados pelo Douto Tribunal da Relação de Lisboa, a verdade é que a indemnização fixada é manifestamente parca, injusta, desadequada e, sobretudo, injusta.

Décimo primeiro. Mal andou o Douto Tribunal da Relação de Lisboa ao privilegiar os critérios apontados pela Portaria 377/2008 de 26 de maio atualizada pela Portaria 679/2009 de 25 de junho que, no seu anexo IV, uma vez que, salvo o devido respeito, que muito é, não é este o entendimento jurisprudencial dominante, nem mesmo o entendimento para o qual o julgamento com recurso ao critério da equidade aponta, considerando serem aqueles valores meramente indicativos e tendo os mesmos, por isso, já há muito, afastados do elenco dos recursos usados pelos tribunais portugueses para a fixação de montantes indemnizatórios.

Décimo segundo. Além do mais, parece ter-se olvidado, na decisão ora objecto de censura, que às fórmulas matemáticas ou de cálculo para a fixação dos montantes indemnizatórios por danos patrimoniais não poderá substituir o prudente arbítrio do julgador, ou seja, a utilização de critérios de equidade em obediência ao estipulado no número 3 do artigo 566.º do Código Civil.

Décimo terceiro. Uma incapacidade permanente parcial e geral representará para o autor, ora recorrente, um agravamento da penosidade para a execução, com regularidade e normalidade, entre as demais tarefas, aquelas que sejam próprias e habituais de qualquer actividade que implique a utilização do corpo, assim se justificando, a esse título, o arbitramento da indemnização por danos patrimoniais, atendendo à repercussão do dano biológico na capacidade de gerar rendimentos do autor.

Décimo quarto. Termos em que, dúvidas não restam de que o Tribunal da Relação de Lisboa, como seu Acórdão, incorreu em erro, face à factualidade provada, nomeadamente face à incapacidade permanente geral de que o autor, ora recorrente, ficou a padecer avaliada em 3 (três) pontos, na determinação da indemnização devida a título de danos futuros patrimoniais resultantes do dano biológico.

Décimo quinto. Há, pois, um notório erro na determinação do valor da indemnização, como uma violação do disposto nos artigos 483.º, 563.º, 564.º e 566.º, ambos do Código Civil, na medida em que o montante fixado a título de indemnização pelo dano biológico na sua vertente de dano patrimonial futuro, e no parco valor de € 8.271,90 (oito mil duzentos e setenta e um euros e noventa cêntimos), não se coaduna com os princípios indemnizatórios, não satisfazendo, por isso, as exigências que os normativos legais, bem como a tendência jurisprudencial determina, nem mesmo aquilo que decorre da imprescindível aplicação de juízos de equidade, na medida em que, o valor atribuído não é suficiente para indemnizar os danos patrimoniais futuros, sejam eles danos emergentes ou lucros cessantes, decorrentes do dano biológico sofrido pelo autor, ora recorrente.

Décimo sexto. Por seu turno, o mesmo se dirá quanto à indemnização no montante de € 5.000,00 (cinco mil euros), fixada pelo Tribunal da Relação de Lisboa como justa e adequada, com vista ao ressarcimento do autor, ora recorrente, pelos danos não patrimoniais sofridos.

Décimo sétimo. Contudo, com o devido respeito, não lhe assiste razão. É, aliás, nesse mesmo sentido, que aponta o voto de vencido constante da decisão ora objecto de recurso que, expressamente, afirma que o valor arbitrado não se coaduna com os padecimentos do autor, ora recorrente, devidamente comprovados nos presentes autos.

Décimo oitavo. Violou, pois, a decisão ora objecto de recurso, expressamente previsto no artigo 496.º do Código Civil, na medida em que não cumpriu com as exigências do normativo legal em causa que, inquestionavelmente, manda atender à gravidade dos danos sofridos, in casu, pelo autor, ora recorrente, devendo a fixação do montante a atribuir obedecer àquela que é a tendência jurisprudencial portuguesa, nomeadamente, progressiva quanto à actualização e elevação de valores indemnizatórios a atribuir como compensatórios de danos não patrimoniais.

Décimo nono. Sucede, porém, que nos presentes autos, se mostra – na verdade, se mostram! – as indemnizações fixadas, díspares quanto comparadas com decisões que, perante um quadro de facto similar, arbitram quantias indemnizatórias distintas, não obstante com vista à reparação dos mesmos – naturalmente, por analogia – danos não patrimoniais.

Vigésimo. Assim, da decisão ora objecto de recurso, é clara a violação daquilo que resulta da conjugação dos artigos 483.º, 496.º e 494.º, todos do Código Civil.

Vigésimo primeiro. Entende o autor, ora recorrente, que a Douto Acórdão ora objecto de recurso, não obstante as exigências legais resultantes dos normativos supra identificados, não fixou o montante indemnizatório de forma equitativa, não teve em atenção o grau de culpabilidade do agente, nem mesmo a situação económica deste e do lesado, nem tão pouco as demais circunstâncias do caso. Entende igualmente o autor, ora recorrente, que a decisão ora objecto de recurso, não acompanhou aqueles que têm sido os critérios seguidos pela jurisprudência nacional, nomeadamente e entre o demais, o juízo de equidade que impõe ao julgador a consideração de todas as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida, sem esquecer que a indemnização tem natureza mista, já que visa, por um lado, não só reparar – na medida da possível – o dano sofrido pelo lesado, proporcionando-lhe uma quantia pecuniária que permita ao lesado satisfazer interesses que atenuem ou apaguem o sofrimento consequente da lesão, e, por outro lado, também reprovar ou servir de sancionamento à conduta lesiva do agente.

Vigésimo segundo. Assim, sendo relevantes, entre o demais, que o autor, ora recorrente, aos seus poucos 22 (vinte e dois) anos de idade foi vítima de acidente que se ficou a dever a culpa grave e exclusiva do condutor do veículo seguro pela ré, do qual resultaram graves lesões corporais para o autor, nomeadamente traumatismo ao nível dos joelhos, pés e ombros, com dores intensas e limitação de movimentos, que se agravaram; que sofreu imensas dores e a grande sofrimento; que necessitou de acompanhamento médico reiterado, inclusive através do recurso a serviços de urgência hospitalar; que necessitou de realização de inúmeras e contínuas sessões de fisioterapia; que necessitou de acompanhamento em consultas médicas da especialidade de ortopedia; que necessitou de ajudas técnicas medicamentosas; que se viu impossibilitado de continuar a sua actividade profissional e, consequentemente, se viu forçado a depender economicamente dos seus pais; que ficou com inúmeras cicatrizes que consubstanciam dano estético permanente; que ficou afectado de status pós traumático do joelho esquerdo, como gonalgia residual e status pós traumático do tornozelo esquerdo, como talalgia residual os quais importam um défice funcional permanente de integridade físico-psíquica em 3 pontos; que padeceu de quantum doloris; que ficou afectado de diminuição da força muscular e mobilidades limitadas dos membros afectados; que ficou afetado psicologicamente, com frequentes as recordações do episódio e, quando conduz, fica nervoso sempre que presencia alguma manobra mais brusca; que sofreu défices funcionais temporários compreendidos entre a data do acidente, 26/06/2015 e 29/11/2015; e que ficou permanentemente afectado nas suas actividades desportivas e de lazer, é imperativo concluir pela modificação da indemnização atribuída ao autor, ora recorrente, a título de danos não patrimoniais, naturalmente, para montante superior.

Termos em que, requer o autor, ora recorrido, que seja o presente recurso de revista julgado procedente e, assim, seja alterada, para quantia superior, a condenação pelos danos patrimoniais decorrentes do dano biológico reflectido na incapacidade parcial permanente de que ficou irremediavelmente afectado; bem como que seja alterada, também para quantia superior, a condenação pelos danos não patrimoniais sofridos pelo autor, ora recorrente, nunca se fixando, a soma das duas, em montante inferior a € 40.000,00 (quarenta mil euros).

pois só assim se fará a costumada JUSTIÇA!


  10. A Ré Lusitânia — Companhia de Seguros, S.A., contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso.


   11. Finalizou a sua contra-alegação com as seguintes conclusões:

1. O presente recurso vem interposto do Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido no âmbito do processo supra identificado o qual, tendo confirmado integralmente a sentença proferida em 1.ª instância, resulta na condenação da aqui Ré nos seguintes montantes:

a. a quantia  de  8.271,90  €, a  título de indemnização pelo dano biológico com repercussão patrimonial;

b. a quantia de 256,41 €, a título de indemnização por dano patrimonial;

c. a quantia de 5.000,00 €, de indemnização por dano não patrimonial.

2. A sentença prolatada pelo tribunal a quo não merece, por parte da Recorrida, qualquer censura, devendo-se manter nos seus precisos termos.

3. Porém, o Autor vem peticionar o montante de € 40.000,00, a título de danos patrimoniais futuros e danos não patrimoniais, não especificando qual o montante que deve ser atribuído a cada um daqueles danos.

4. Não é correcto afirmar que o Tribunal da Relação de Lisboa incorreu em lapsos de valoração da prova produzida, uma vez que o próprio Autor não recorreu da matéria de prova.

5. Resultou provado que o Autor ficou a padecer de um défice permanente funcional de 3 ponto em 100.

6. Porém, não resultou provado que o Autor tivesse celebrado qualquer contrato de trabalho ou prestação de serviços, muito menos que auferisse a quantia mensal de € 1.200,00.

7. Dada a ausência de outros elementos, como qualificações académicas, não pode considerar-se outra medida, se não o salário mínimo mensal para o cálculo da indemnização a atribuir pelos danos não patrimoniais, na vertente de dano biológico, em linha com o decidido pela 1.ª instância e pela Relação de Lisboa.

8. Na verdade, a jurisprudência do STJ tem afirmado que a fixação da indemnização por danos patrimoniais futuros deve ser fixada segundo juízos de equidade, considerados os seguintes fatores:

   a.  Idade do lesado;

   b.  Grau de incapacidade geral permanente;

  c. As potencialidades de aumento de ganho em profissão ou actividade económica alternativa, aferidas em regra pelas suas qualificações.

9. Ora, o Autor:

   a.    Tinha 22 anos à data dos factos;

   b.     Ficou a padecer de uma incapacidade de 3%;

   c.    Não tinha especiais qualificações académicas;

   d.   Não executava qualquer contrato de trabalho ou prestação de serviços.

10. Posto isto, tanto a 1.ª instância, como a Relação de Lisboa aplicaram o Direito tendo em conta as particularidades do caso, estando sempre atentas à aplicação uniforme do Direito, nos termos do artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil.

11. Sendo certo que observando casos análogos, o arbitramento da indemnização a título de danos não patrimoniais no total de € 8.271,90 apraz-se por justo.

12. Mais que isso, seria retirar à indemnização a natureza compensatória, seria ultrapassar a função repositora do estado das coisas.

13. Nem se pode alegar a equidade para conseguir mais que aquilo que o Direito permite.

14. Uma vez que o artigo 566.º, n.º 3, do Código Civil “não dispensa o lesado de alegar e provar os factos que revelem a existência de danos e permitam a sua avaliação segundo um juízo de equidade”, cfr. Pires de Lima/Antunes Varela, idem, anotação ao artigo 566.º, do Código Civil.

15. Quanto aos danos não patrimoniais decidiu a Relação de Lisboa não alterar a decisão da primeira instância, confirmando o montante de € 5.000,00.

16. É verdade que o Autor sofreu o suficiente para fazer intervir a tutela do Direito quanto aos danos não patrimoniais.

17. Porém, são apenas indemnizáveis os danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do Direito, não sendo indemnizáveis os incómodos ou contrariedades.

18. Sendo certo que a indemnização dos danos não patrimoniais não pode representar um negócio.

19. Resultou apenas provado que o Autor sofreu um impacto psicológico com o acidente.

20. Não tendo resultado provado que coxeie, que padeça de limitações no joelho esquerdo e que necessitará de novas sessões de fisioterapia.

21. Analisadas outras decisões de casos análogos, apraz-nos por correcta a valorização dos danos não patrimoniais em € 5.000,00, sendo certo que um qualquer valor superior implicaria uma situação bem mais gravosa do que a do Autor.

22. A decidir-se, como peticiona o Autor, ficarão irremediavelmente violados, entre outras normas e princípios do ordenamento jurídico, os artigos 486.º, 496.º, 562.º, 564.º e 566.º, todos do Código Civil.

Nestes termos e nos demais de direito, requer-se a V. Exas. que seja negado provimento ao presente recurso, mantendo-se a douta Sentença recorrida, só assim se fazendo JUSTIÇA

   12. Como o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões dos Recorrentes (cf. arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608.º, n.º 2, por remissão do art. 663.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), a questão a decidir in casu é a seguinte: — se o acórdão recorrido, ao fixar uma indemnização de 8 271,90 euros pelo dano biológico com repercussão patrimonial e uma indemnização de € 5.000,00 pelo dano não patrimonial desrespeitou os critérios admitidos e reconhecidos pela lei e pela jurisprudência.


II. — FUNDAMENTAÇÃO

            OS FACTOS

   13. O acórdão recorrido deu como provados os factos seguintes:

A. No dia 26-06-2015, cerca das 13:20 horas, o Autor conduzia o motociclo, de marca Honda, com a matrícula ...-...-GU, na Rua …, em … .

B. No mesmo sentido, circulava o veículo ...-AJ-..., conduzido pelo segurado da Ré.

C. Sucede que, o referido segurado efetuou uma manobra de inversão do sentido de marcha.

D. Ao fazê-lo, acabou por invadir a faixa de rodagem onde seguia o Autor, indo embater lateralmente no veículo ...-...-GU, conduzido pelo Autor.

E. O acidente atrás descrito ficou a dever-se a culpa grave e exclusiva do condutor do veículo ...-AJ-....

F. Em consequência do acidente acima descrito, resultaram para o Autor lesões corporais, dores intensas nos membros inferiores e limitação de movimentos.

G. Transportado, de imediato, para o Hospital de …, foi-lhe diagnosticado a existência de traumatismos ao nível dos joelhos, pés e nos ombros.

H. Após a realização de exames, foi-lhe passada alta hospitalar mediante medicação analgésica e relaxante muscular.

I. Pese embora, tenha sido concedida alta ao Autor no dia do acidente, este manteve um quadro doloroso ao nível dos membros, o qual se agravou em inícios de Julho de 2015.

J. Motivo, pelo qual, em 15/07/2015, se deslocou ao serviço de urgência do Hospital ..., onde foi diagnosticado ao Autor um “traumatismo do joelho, perna e tornozelo e pé”, apresentando o mesmo: “Dor ligeira (…). Joelho esquerdo com ligeiro edema, sem sinais de hidrartrose. Sinal de gaveta negativo. Movimentos conservados. Pé esquerdo sem edema. Palpação dolorosa. Movimentos conservados.”

L. O A. continuou sujeito a medicação: naproxeno 500 x 2/dia. Pomada AINE. Posição elevada do pé.

M. A 31/07/2015, deslocou-se aos serviços clínicos da Ré, sito no Hospital …, em …, a fim de ser novamente observado.

N. Nessa unidade hospitalar, foram diagnosticados ao Autor, dois episódios clínicos com a seguinte descrição: “Entorses e Distensões do joelho e perna Soe” “Entorses e Distensões do tornozelo Soe”

O. Em consequência, ao Autor foi prescrito o início de tratamentos de fisioterapia, por um período de 15 sessões.

P. Mais tarde, e com base em relatórios clínicos, os serviços médicos da R. fixaram ao Autor, a partir de 14/09/2015, uma incapacidade temporária parcial de 20% até 24/09/2015.

Q. Percentagem que se manteve inalterada até 01/10/2015.

R. Em 01/10/2015, os serviços clínicos da R. consideraram que o A. apresentava: “marcha sem claudicação. Mantém dor att esq. eo – sem edema da att; sem sinais de instabilidade, sem gaveta rx da att e pé sem sinais de fractura tem ecografia da tt Deve terminar os tratamentos MFR”

S. Em consequência, foi atribuída ao A. uma incapacidade temporária parcial de 15% até 29/10/2015.

T. Do relatório da ecografia da tíbio társica esquerda mencionada em R), consta: “Notamos em situação paramediana interna e subjacente à zona mais dolorosa hipoecogenicidade que faz procidência dos espaços articulares com maior expressão a nível da articulação astrágalo-escafoideia. Este achado é compatível com espessamento sinovial. Coexistem no seio da alteração descrita, algumas imagens milimétricas hiperecongéneas atribuíveis a discretoas calcificações / fragmentos ósseos. Discreta lâmina liquida envolvendo o hallux. Restante avaliação ligamentar e tendinosa sem evidentes alterações ecográficas.”

U. A 29/10/2015, foi concedida alta clínica, com subjectivos dolorosos na tibiotársica esquerda.

V. O Autor continua a padecer de dores constantes nos membros inferiores.

X. Quando faz esforços, o joelho esquerdo incha e dói de forma mais intensa.

Z. Em 17/12/2015, o Autor deslocou-se aos serviços de urgência do Hospital …, com queixas focalizadas ao nível da tibio-társica esquerda e do joelho esquerdo, com a prioridade atribuída de “Pouco Urgente”.

AA. Foi acompanhado nas consultas de ortopedia daquela unidade hospitalar.

BB. Apresenta as seguintes sequelas relacionáveis do o acidente:

— Membro superior esquerdo: Cicatriz hiperpigmentada, na face posterior do terço proximal do antebraço, de maior eixo horizontal, com 2 cm por 0,5 cm; mancha ligeiramente hiperpigmentada, na face posterior do terço proximal do antebraço, de maior eixo vertical, com 6 cm e 3 cm; sem limitação da mobilidade do ombro, cotovelo e punho esquerdo

— Membro inferior esquerdo: Cicatriz hiperpigmentada, na face anterior do joelho, ovalada, com 2 cm por 1,5 cm, ligeiramente dolorosa à apalpação; mobilidade do joelho preservada e indolor; sem instabilidade do joelho no plano sagital ou coronal; palpação dolorosa da articulação tibiotársica, anteriormente ao maléolo medial; mobilidade do tornozelo dolorosa, com limitação nos graus máximos da dorsiflexão e flexão plantar relativamente ao contralateral, com arco preservado entre os 20º e os 40º; sem instabilidade do tornozelo; mobilidades do pé preservadas e indolores.

CC. Em consequência do acidente descrito em A), ficou o A. afectado de:

- status pós traumático do joelho esquerdo, como gonalgia residual;

- status pós traumático do tornozelo esquerdo, como talalgia residual os quais importam um défice funcional permanente de integridade físico-psíquica em 3 pontos.

DD. Aquelas sequelas são compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas implicam esforços suplementares para superar a diminuição de capacidade de ganho que aquelas sequelas implicam.

EE. Face às cicatrizes enunciadas o dano estético permanente é fixável no grau 1, numa escala de 7 graus de gravidade crescente.

FF. Em consequência do abandono de algumas actividades desportivas que era desenvolvidas pelo A. após o acidente, a repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer é fixável no grau 1, numa escala de 7 graus de gravidade crescente.

GG. Instada a reabrir o processo clínico, a R. remeteu ao A. um email datado de 17/12/2015, com a seguinte resposta: “Confirmamos a recepção da comunicação de V.Exas., datada de 16 de dezembro de 2015 (…). Na sequência da nossa conversa telefónica, agradecemos e solicitamos que nos envie o seu relatório médico que contrarie o nosso relatório, a fim de procedermos à sua análise e, caso afirmativo, procedermos em conformidade com o reclamado. (…).”

HH. A R. apresentou ao A. a quantia de € 1.150,00 a título de proposta de indemnização final.

II. Em consequência do acidente, o A. ficou afetado psicologicamente, com frequentes as recordações do episódio e, quando conduz, fica nervoso sempre que presencia alguma manobra mais brusca.

JJ. Em consequência do acidente, o A. deixou de prestar a sua actividade remunerada.

LL. Motivo, pelo qual, carece atualmente da ajuda de seus familiares.

MM. O A., em Junho, prestou serviços na empresa Central Mensageiro até ao dia 26/06/2015, uma vez que o acidente inviabilizou que ali continuasse a prestar aqueles serviços.

NN. Em consultas médicas e medicamentos, despendeu o Autor a quantia total de 47,37 €.

OO. Existe um contrato de seguro do ramo automóvel celebrado entre a Lusitânia, Companhia de Seguros, S.A. e Partilha Constante Associação, relativo ao veículo ligeiro de mercadorias de matrícula ...-AJ-..., titulado pela apólice de seguro n.º 82…4.

PP. Após a apresentação da acção em juízo, o A. continuou em consultas, exames, tratamentos e medicado.

QQ. Em consultas de fisioterapia e tratamentos de fisioterapia na Clínica …, o A. despendeu 302,05 €.

RR. Com cirurgia, internamento, consultas e tratamento no Hospital da ... o A. despendeu 4.263,23 €.

SS. Com consultas e exames na Clínica … e …, o A. despendeu a quantia de 75,00 €.

TT. Com a medicação prescrita, o A. despendeu a quantia de 146,86 €.

UU. Em consequência das lesões sofridas no acidente mencionado em A), o A. ficou afectado de:

- um défice funcional temporário com repercussão temporária na actividade profissional total entre 26/06/2015 e 20/08/2015;

- um défice funcional temporário com repercussão temporária na actividade profissional parcial entre 21/08/2015 e 29/11/2015.

- quantum doloris entre 26/06/2015 e 29/11/2015 fixável no grau 2 (numa escala de 7 de gravidade crescente).

O DIREITO

   14. Independentemente de estarem em causa danos patrimoniais ou não patrimoniais, o Supremo Tribunal de Justiça tem entendido que o controlo, designadamente em sede de recurso de revista, da fixação equitativa da indemnização [1] deve concentrar-se em quatro coisas. Em primeiro lugar, o Supremo Tribunal de Justiça deve averiguar se estavam preenchidos os pressupostos normativos do recurso à equidade [2]. Em segundo lugar, se foram considerados as categorias ou os tipos de danos cuja relevância é admitida e reconhecida. Em terceiro lugar, se, na avaliação dos danos correspondentes a cada categoria ou a cada tipo, foram considerados os critérios que, de acordo com a legislação e a jurisprudência, deveriam ser considerados — se, p. ex., no caso da indemnização por danos não patrimoniais, foram considerados o grau de culpabilidade do agente, a situação económica do lesante e a situação económica do lesado. Em quarto lugar, se, na avaliação dos danos correspondentes a cada categoria ou a cada tipo, foram respeitados os limites que, de acordo com a legislação e com a jurisprudência, deveriam ser respeitados. Está em causa fazer com que o juízo equitativo se conforme com os princípios da igualdade e da proporcionalidade — e que, conformando-se com os princípios da igualdade e da proporcionalidade, conduza a uma decisão razoável [3].

   14. O recurso à equidade tem de qualquer forma um sentido de todo em todo distinto, consoante estejam em causa danos patrimoniais ou danos não patrimoniais. 

      Em relação aos danos patrimoniais, designadamente aos danos patrimoniais futuros, o princípio é o de que a indemnização deve calcular-se de acordo com os princípios e com as regras dos arts. 562.º ss. do Código Civil. A equidade funciona como último recurso, “para permitir alcançar uma definição concreta do conteúdo de um direito subjectivo”, designadamente do direito a uma indemnização, “quando o valor exacto dos danos não foi apurado” [4]. Em relação aos danos não patrimoniais, o princípio é o de que a indemnização deve calcular-se de acordo com a equidade (art. 496.º, n.º 4, do Código Civil) [5]. A equidade funciona como único recurso,

“ainda que não descurando as circunstâncias que a lei manda considerar, a saber: o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso (por exemplo, a natureza e a intensidade e da lesão infligida)” [6] [7].

     15. O acórdão recorrido confirmou a decisão do Tribunal de 1.ª instância de fixar a indemnização do (chamado) dano biológico [8], na sua repercussão patrimonial, em 8 271,90 euros.

    16. Esclarecendo que a compensação a atribuir pelo dano biológico, quando não determina a diminuição da capacidade de ganho do lesado, não tem de ter uma relação directa com a sua actividade profissional ou com os seus rendimentos, o acórdão recorrido

  I. — atendeu ao grau de desvalorização ou de incapacidade de 3 pontos, ao esforço adicional ou suplementar exigido e à idade do lesado. II. — constatou que a Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio, alterada pela Portaria n.º 679/2009, de 25 de Junho, prevê, para uma desvalorização entre 1 e 5 pontos, uma indemnização de € 851,58 a € 1.041,39 por ponto, quando a vítima tenha entre 21 a 25 anos de idade — e, por consequência, que a portaria prevê, para uma desvalorização de 3 pontos, uma indemnização pelo dano biológico de € 2,554,74 a € 3.124,17;  III. — corrigiu os resultados da Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio, alterada pela Portaria n.º 679/2009, de 25 de Junho, em função do salário médio nacional de 2018 — 970,40 euros —; e IV. — constatou que a indemnização deveria situar-se entre € 6.151,66 e € 7.522,81 fazendo funcionar os critérios da tabela em questão e que poderia situar-se num valor médio, “estando quer a idade do lesado quer o défice apresentado próximo do meio dos elementos do quadro”.

    17. Concluiu, considerando as circunstâncias concretas do caso, que a indemnização de 8 271,90 euros pelo dano biológico com repercussão patrimonial era adequada.

     18. Em tema de danos patrimoniais, o n.º 1 do art. 564.º do Código Civil determina que a indemnização abranja os danos emergentes e os lucros cessantes e o n.º 2, que na determinação dos danos patrimoniais futuros deva distinguir-se os danos previsíveis e os danos imprevisíveis:

“Na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior”.

    19. Estando em causa os danos patrimoniais e, em particular, os danos patrimoniais futuros, os pressupostos do recurso à equidade para a fixação da indemnização estavam preenchidos.

   20. O cálculo dos danos patrimoniais futuros reveste-se de “grande complexidade”:

“… obriga a uma previsão dificilmente fundamentável em termos objectivos sobre danos que, naturalmente, se destinam a compensar perdas patrimoniais apenas futuramente concretizadas e, consequentemente, apenas futuramente quantificáveis” [9].

   21. O Supremo Tribunal de Justiça tem admitido o recurso à equidade para a fixação da indemnização — como se disse, p. ex., no acórdão de 23 de Maio de 2019, proferido no processo n.º 1046/15.0T8PFN.P1.S1:

“I. — É reconhecido o melindre da fixação do valor indemnizatório pelos prejuízos decorrentes da perda de capacidade aquisitiva futura, na medida em que se funda em parâmetros de incerteza, nomeadamente, quer quanto ao tempo de vida do lesado, quer quanto à própria evolução salarial que a vítima teria ao longo da sua vida, evolução que hoje, mais do que nunca, é de uma imprevisibilidade evidente, inclusive, a própria manutenção do emprego, cada vez mais incerta, outrossim, os próprios índices de inflação, entre outros.

II. — Não podendo ser quantificado, em termos de exactidão, o prejuízo decorrente da perda de capacidade aquisitiva futura, impondo-se ao Tribunal que julga equitativamente”.

   22. Em consequência, “[a] determinação de indemnizações por dano biológico, na sua vertente patrimonial, e particularmente por danos não patrimoniais, obedece a juízos de equidade, assentes numa ponderação casuística, à luz das regras da experiência comum […] [10].

   23. Em concreto, o acórdão recorrido considerou os critérios que, de acordo com a legislação e a jurisprudência, deveriam ser considerados — grau de desvalorização ou de incapacidade de 3 pontos, esforço adicional ou suplementar exigido, à idade do lesado e salário médio nacional — e, na avaliação dos danos correspondentes a cada categoria ou a cada tipo, respeitou os limites que, de acordo com a legislação e com a jurisprudência, deveriam ser respeitados.

   24. O acórdão recorrido confirmou ainda a decisão do Tribunal de 1.ª instância de fixar a indemnização do dano bibiológico, na sua repercussão não patrimonial, em 5000 euros.

   25. Embora os danos fosse suficientemente graves para explicarem / justificarem a tutela do direito, o acórdão recorrido constatou que não eram muito graves, “já que não determinaram qualquer intervenção cirúrgica ou internamento hospitalar”,

“tendo o A. tido alta do hospital no próprio dia do acidente, tendo o episódio sido qualificado pelo hospital como pouco urgente e tendo o A. sido considerado clinicamente curado em 29/10/2015, poucos meses depois do acidente”. 

    26. O n.º 1 do art. 496.º do Código Civil determina que, “[n]a fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito” e o n.º 4 determina que “[o] montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º”, ou seja, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso que resultem dos factos apurados [11].

   27. O acórdão recorrido considerou os critérios de avaliação dos danos não patrimoniais que, de acordo com a legislação e a jurisprudência, deveriam ser considerados e respeitou os limites que, de acordo com a legislação e com a jurisprudência, deveriam ser respeitados: em primeiro lugar, considerou, como devia, os critérios dos arts. 494.º e 496.º do Código Civil e, em segundo lugar, dentro dos critérios dos arts. 494.º e 496.º do Código Civil, considerou, como devia, as circunstâncias do caso e, em especial, a extensão dos danos.

   28. Ora, como se diz, p. ex., no acórdão do STJ de 10 de Novembro de 2016 — processo n.º 175/05.2TBPSR.E2.S1 —,

“[o] ‘juízo de equidade’ das instâncias, alicerçado, não na aplicação de um estrito critério normativo, mas na ponderação das particularidades e especificidades do caso concreto, não integra, em bom rigor, a resolução de uma ‘questão de direito’, pelo que tal juízo prudencial e casuístico das instâncias deverá, em princípio, ser mantido, salvo se o julgador se não tiver contido dentro da margem de discricionariedade consentida pela norma que legitima o recurso à equidade — muito em particular, se o critério adoptado se afastar, de modo substancial, dos critérios ou padrões que generalizadamente se entende deverem ser adoptados, numa jurisprudência evolutiva e actualística, abalando, em consequência, a segurança na aplicação do direito, decorrente da adopção de critérios jurisprudenciais minimamente uniformizados, e, em última análise, o princípio da igualdade”.

   29. Os resultados alcançados pelo acórdão recorrido contêm-se dentro da margem de discricionaridade consentida pelo art. 496.º do Código Civil, não divergindo ou, em qualquer caso, não divergindo de modo substancial dos critérios admitidos e reconhecidos pela jurisprudência — a compensação de 5000 euros para os danos não patrimoniais é comparável à fixada, p. ex., no acórdão do STJ de 27 de Fevereiro de 2018 — processo n.º 3901/10.4TJNF.G1.S1 —, em que, para uma pessoa mais jovem (com 10 danos de idade), para um défice permanente da integridade físico-psíquica equivalente, para um quantuam doloris mais grave (4 pontos) e para uma repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer mais grave (3 pontos), se fixou uma compensação de 8 000 euros.

III. — DECISÃO

     Face ao exposto, nega-se provimento ao recurso e confirma-se o acórdão recorrido.

        Custas pelo Recorrente AA.

Lisboa, 12 de Novembro de 2020

Nuno Manuel Pinto Oliveira (Relator)

           

José Maria Ferreira Lopes

Maria dos Prazeres Pizarro Beleza

   Nos termos do art. 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1 de Maio, declaro que o presente acórdão tem o voto de conformidade da Exma. Senhora Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza e do Exmo. Senhor Conselheiro José Maria Ferreira Lopes.

______

[1] Sobre o recurso à equidade, vide designadamente António Castanheira Neves, Curso de Introdução ao estudo do direito (policopiado), Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra, 1971-1972, pág. 244;  ou Manuel Carneiro da Frada, “A equidade ou a justiça com coração. A propósito da decisão arbitral segundo a equidade”, in: Forjar o direito, Livraria Almedina, Coimbra, 2015, págs. 653-687.

[2] Vide, por último, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Outubro de 2018, no processo n.º 2416/16.1T8BRG.G1.S1, e de 6 de Dezembro de 2018, no processo n.º 652/16.0T8GMR.G1.S2.

[3] Vide, por último, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Fevereiro de 2018, no processo n.º 245/12.0TAGMT.G1.S1, de 17 de Maio de 2018, processo n.º 952/12.8TVPRT.P1.S1, de 18 de Outubro de 2018, no processo n.º 3643/13.9TBSTB.E1.S1, e de 6 de Dezembro de 2018, processo n.º 652/16.0T8GMR.G1.S2.

[4] Cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Abril de 2018, no processo n.º 661/16.9T8BRG.G1.S1.

[5] Está em causa o “arbitramento de uma quantia monetária, cujo montante resulta da ponderação de critérios de equidade e que toma em conta, tanto a gravidade objectiva dos factos geradores do dano e do dano em si, como os contornos subjectivos desse mesmo dano” — cf. Mário Tavares Mendes / Joaquim de Sousa Ribeiro / Jorge Ferreira Sinde Monteiro, “Relatório do Conselho constituído para fixação dos critérios das indemnizações por morte das vítimas dos incêndios em Portugal, nos meses de junho e outubro de 2017”, in: Diário da República, 2.ª série, de 30 de Novembro de 2017 — págs. 27202(4) a 27202 (7) = In: Revista da Faculdade de Direito e de Ciência Política da Universidade Lusófona do Porto, n.º 10 (2017), págs. 135-147.

[6] Cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Janeiro de 2019, no processo n.º 4378/16.6T8VCT.G1.S1.

[7] Sobre a compensação dos danos não patrimoniais, vide Maria Manuel Veloso Gomes, “Danos não patrimoniais”, in: Comemorações dos 35 anos do Código Civil e dos 25 anos da Reforma Manuel Carneiro da Frada, “Nos 40 anos do Código Civil português. Tutela da personalidade e dano existencial”, in: Themis — Edição especial: Código Civil português: Evolução e perspectivas de reforma, 2008, págs. 47-68 = in: Forjar o direito, Livraria Almedina, Coimbra, 2015, págs. 289-313; Rui Soares Pereira, A responsabilidade por danos não patrimoniais do incumprimento das obrigações no direito civil português, Coimbra Editora, Coimbra, 2009; João Mendonça Pires da Rosa, “Cálculo da indemnização pelos danos não patrimoniais”, in: Centro de Estudos Judiciários, O dano na responsabilidade civil, Outubro de 2014, págs. 45-62; e Rute Teixeira Pedro, “Da ressarcibilidade dos danos não patrimoniais no direito português: A emergência de uma nova expressão compensatória da pessoa — Reflexão por ocasião do quinquagésimo aniversário do Código Civil”, in: Estudos comemorativos dos 20 anos da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, vol. II, Livraria Almedina, Coimbra, 2017, págs. 637-665.

[8] Sobre o dano biológico, vide desenvolvidamente Maria da Graça Trigo, Adopção do conceito de dano biológico pelo direito português”, in: Revista da Ordem dos Advogados, ano 72.º (2012), págs. 147-178; ou Maria da Graça Trigo, Responsabilidade civil. Temas especiais, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2015, págs. 69-87. O tema foi recentemente retomado por Luísa Monteiro de Queiroz, “Do dano biológico”, in: Revista da Ordem dos Advogados, ano 75.º (2015), págs. 183-222, e por José Carlos Brandão Proença. “A responsabilidade civil extracontratual nos 50 anos de vigência do Código Civil: um olhar à luz do direito contemporâneo”, in: Elsa Vaz de Sequeira / Fernando Oliveira e Sá (coord.), Edição comemorativa do cinquentenário do Código Civil, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2017, págs. 313-388 (esp. nas págs. 368-371).

[9] Mário Tavares Mendes / Joaquim de Sousa Ribeiro / Jorge Ferreira Sinde Monteiro, “Relatório do Conselho constituído para fixação dos critérios das indemnizações por morte das vítimas dos incêndios em Portugal, nos meses de junho e outubro de 2017”in: Revista da Faculdade de Direito e de Ciência Política da Universidade Lusófona do Porto, cit., pág. 144.

[10] Cf. acórdão do STJ de 30 de Maio de 2019 — processo n.º 3710/12.6TJVNF.G1.S1.

[11]Vide por último o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Janeiro de 2019 — processo n.º 4378/16.6T8VCT.G1.S1.