Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4879/19.4T8ALM.L1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: SOUSA LAMEIRA
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
CONTRATO DE SEGURO
RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
PRESSUPOSTOS
INFRAÇÃO ESTRADAL
CONSUMO DE ÁLCOOL
CULPA
IMPROCEDÊNCIA
Data do Acordão: 11/30/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
I - O acidente não pode ser imputado ao condutor do veículo que ao aproximar-se do local do acidente não se apercebeu atempadamente da sinalização de supressão de via, e bem assim, da própria supressão de via, que obrigava á descrição de uma curva, que não conseguiu fazer,  se o início do basculamento para a faixa contrária se apresentou ao Réu apenas a 50 metros do seu respectivo sinal indicador (Sinal ST5) e se a sinalização luminosa de indicação da supressão da via da esquerda por onde o Réu circulava, por meio de lanternas ET9 com balizas de posição ET5, não se lhe apresentava a funcionar.

II - Tendo sido a deficiente sinalização que impediu o condutor do veículo de executar em tempo oportuno a manobra de mudança de circulação para a faixa contrária e desse modo evitar o embate nos perfis de plástico, que não estavam iluminados e subsequentemente nos peões, que também não tinham coletes refletores, o acidente não lhe pode ser imputado a título de culpa.

III - Não tendo o Réu dado causa ao acidente não assiste à Seguradora direito de regresso contra ele, pois que esse direito de regresso apenas existe quando o condutor tenha dado causa ao acidente e conduzia com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


I – RELATÓRIO

l. Ageas Portugal, Companhia de Seguros, S.A., intentou a presente acção declarativa sob a forma de processo comum contra AA, alegando, resumidamente, que por força do contrato de seguro celebrado com o Réu procedeu ao pagamento das indemnizações decorrentes do acidente de viação do qual o Réu foi o único responsável em virtude de ter conduzido sob influência do álcool.

Conclui pedindo a sua condenação a pagar-lhe € 138.677,63 acrescidos de juros de mora vencidos e vincendos calculados à taxa legal de 4% ao ano a contar desde a data de citação e até efectivo e integral pagamento.

2. Devidamente citado, o Réu contestou invocando a prescrição e impugnando parcialmente os factos alegados, asseverando que não teve culpa na produção do acidente, nem a mesma tem relação com a condução sob a influência do álcool, antes o acidente ocorreu por deficiência da sinalização de aviso de basculamento de via, colocada a distância inferior à regulamentar, a qual aliás deu causa a despiste anterior do veículo cuja condutora se encontrava depois na faixa de rodagem, junto com amigos que a foram socorrer, e que acabaram a ser atropelados pelo R. Acresce que por força desse despiste, também a sinalização luminosa do basculamento da via se não encontrava no local em que se deveria encontrar. Invoca assim o R. que através destes factos ilide a presunção de causalidade do acidente e suas consequências ao estado de condução sob o efeito do álcool.

3. A Autora respondeu à excepção de prescrição, enunciando que só acabou de satisfazer o pagamento das indemnizações aos (a todos os) lesados em data em que ainda faltavam dois anos para se completar a prescrição.

4. Proferiu-se despacho saneador.

Elaboraram-se de seguida os temas de prova.

Teve lugar a audiência de discussão e julgamento que decorreu com observância do formalismo legal aplicável.

A final foi proferida decisão que julgou parcialmente procedente por provada a acção e, consequentemente:

a) condenar o Réu a pagar à Autora a quantia de € 67.230,78 (…), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal de 4% ao ano, a contar desde a data de citação do Réu e até efectivo e integral pagamento;

b) absolver o Réu do restante pedido contra ele deduzido pela Autora;

b) Custas a cargo da Autora e Réu na proporção do decaimento”.

5. Inconformados com o decidido, quer a Autora Ageas Portugal, Companhia de Seguros, S.A. quer o Réu AA interpuseram recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa, por Acórdão de 11 de Maio de 2023 decidido:

«acordam conceder provimento ao recurso do Réu e em consequência revogam a sentença recorrida, a qual substituem pelo presente acórdão que julga a acção improcedente por não provada e absolve o Réu dos pedidos contra ele formulados pela Autora, e acordam não conhecer do recurso da Autora por ter ficado prejudicado pela solução dada ao recurso do Réu».

6. Inconformado veio a Autora interpor recurso de revista formulando as seguintes conclusões:

A. O Tribunal “a quo” com a tese defendida no Acórdão proferido e de que ora se recorre, desresponsabilizou o Recorrido pela eclosão do sinistro, face à alteração e aditamento à matéria de facto.

B. As conclusões retiradas pelo Tribunal a quo, não se coadunam com a prova produzida, nomeadamente, as razões do embate do 1.º sinistro, as quais não se prendem com questões de sinalética ou iluminação, mas tão somente pela distração da condutora.

C. Não ficou provado que o primeiro sinistro ocorreu por falta ou deficiência da sinalização, ou iluminação, muito menos pela distância da sinalização de mudança de direcção ao início do basculamento ser curta.

D. A condutora do primeiro sinistro foi responsável pela eclosão do sinistro, recaindo sobre si a culpa do mesmo por violação dos artigos 11.º n.º 2 e 24.º n.º 1 do Código da Estrada.

E. O aditamento efetuado ao ponto L dos factos provados, em nada altera ou desresponsabiliza o condutor do segundo sinistro, ora Recorrido, sendo irrelevante se circulava com uma taxa de álcool superior à legalmente permitida para averiguação da culpa.

F. Objetivamente, nenhum dos condutores conseguiu imobilizar o veículo no espaço disponível à sua frente, por distração quando passaram pelo sinal ST5 ou por excesso de velocidade, ou por ambos.

G. Se fosse gritante a deficiência da sinalização, teriam outros condutores se despistado por falta de tempo, para descrever a curva à esquerda, por contarem que o basculamento só iria ocorrer dali a 200 metros, o que não ocorreu.

H. A diferença entre o Recorrido e os demais condutores que ali passaram, viram o sinal ST5 e não se despistaram foi a velocidade a que circulavam.

I. Os demais condutores conseguiram adequar a velocidade às circunstâncias de tempo e local, ao contrário do Recorrido, razão pela qual, não conseguiu imobilizar o veículo no espaço disponível à sua frente, nem descrever a curva à esquerda, em violação do artigo 24.º n.º 1 do Código da Estrada.

J. Não só o Recorrido não conseguiu parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente, como provocou o embate nos perfis móveis e nos peões, tendo sido o único e exclusivo responsável pela eclosão do sinistro.

K. Apesar de as luzes sequências estarem desligadas, as balizas ET5 eram retrorrefletoras, sendo possível identificar o basculamento através das mesmas que descreviam perfeitamente a curva à esquerda.

L. Considera-se que o Recorrido circulava em excesso de velocidade, desatento à configuração da via, e à sinalização que se lhe apresentava.

M. O sinistro dos presentes autos não ocorreu em razão da deficiente sinalização temporária, uma vez que, era possível a um condutor prudente e atento evitar o acidente, como se demonstrou que inúmeros outros condutores o fizeram naquela noite perante as mesmas circunstâncias que o Recorrido.

N. Os peões não estavam num local onde fosse previsível a circulação de qualquer veículo, nem sentiam de facto, a sua segurança em perigo, caso contrário, não teriam permanecido naquele local.

O. É irrelevante a circunstância dos peões estarem sem coletes refletores para a averiguação da responsabilidade do Recorrido, pois não teriam alterado o resultado.

P. O Recorrido deu causa ao acidente, não tendo sido demonstrado que a distância a que estava colocado o sinal ST5, e o facto de não haver iluminação, tenham sido determinantes para afastar a culpa do Recorrido na eclosão do sinistro.

Q. Encontram-se verificados os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, artigo 483.º, n.º 1 do CPC, sujeito, ilicitude, nexo de causalidade, culpa e dano.

R. O Recorrido circulava sem a devida atenção, não tendo adequado a velocidade às características de tempo e espaço, indo atropelar cinco peões, provocando diversos danos nos mesmos, em clara violação do disposto no artigo 24.º n.º 1 do Código da Estrada.

S. O Recorrido circulava com uma taxa de álcool superior à legalmente permitida, tendo a mesma influenciado e comprometido o exercício da condução, não lhe permitindo, fazer um correto juízo, adequando a velocidade a que circulava, às características da via.

T. Caso o Recorrido não tivesse ingerido bebidas alcoólicas, certamente, teria conseguido entender a sinalética, e adequado a velocidade à configuração da via, evitando o embate.

U. O Recorrido foi o único e exclusivo responsável pelo sinistro, não se verificando qualquer causa de exclusão da sua responsabilidade, tendo dado causa ao mesmo, pelo que, nos termos do art. 27.º, n.º 1, al. c), do DL n.º 291/2007, de 21-07, tem a Recorrente direito a ser ressarcida de todas as despesas por si liquidadas.

V. Deve a sentença proferida pelo Tribunal “a quo” ser revogada e alterada por outra na qual seja feita a correcta e devida interpretação dos factos ao direito, concluindo pela violação do artigo 24.º n.º 1 do Código da Estrada e consequentemente, pelo reconhecimento do Direito de Regresso da Recorrente, condenando o Recorrido no pedido.

W. A MMª Juiz do Tribunal de 1.ª Instância defendeu que os danos em causa nos presentes autos são autonomizáveis não pela sua natureza ou bem jurídico atingido, mas sim consoante o lesado.

X. A autonomização de danos consoante o lesado não tem reflexo normativo ou jurisprudencial.

Y. No caso dos presentes autos a Recorrente por via do mesmo facto viu-se obrigada a suportar danos de diversos lesados.

Z. O responsável pelo facto gerador da obrigação da Recorrente indemnizar os lesados foi apenas um;

AA. Se fosse defensável e juridicamente sustentável que os danos são autonomizáveis consoante o lesado, a Recorrente ver-se-ia obrigada a intentar várias acções de regresso;

BB. O prazo de prescrição começa a correr, efectuado que esteja, o último pagamento da obrigação;

CC. O art. 306º do CC, estatui que o prazo de prescrição só começa a correr quando a indemnização puder ser exigida;

DD. A indemnização pretendida pela Recorrente, no âmbito do Direito de Regresso estatuído no art. 27º, nº1, al. c) do DL 291/2007, só é passível de ser exigida, depois de conhecida toda a dimensão dessa mesma indemnização, o que aconteceu apenas, quando se encontraram todos os lesados ressarcidos;

EE. Todos os danos ressarcidos pela Recorrente correspondem ao mesmo núcleo indemnizatório, designadamente por se tratarem de danos normativamente semelhantes,

FF. O último pagamento, considerado na sentença “a quo”, efetuado a 17 de novembro de 2016, liquidado a título de indemnização global, à lesada BB, corresponde não só a danos não patrimoniais como patrimoniais;

GG. O prazo de prescrição do último pagamento, deve aproveitar aos demais pagamentos efetuados, uma vez que, a sua natureza normativa é a mesma de todos os danos considerados como prescritos pela MMª Juiz do Tribunal de 1.ª Instância, designadamente os pagamentos constantes no elenco dos factos dados como assentes, como facto R);

HH. Todos os pagamentos têm a mesma natureza, não sendo normativamente diferenciados, não havendo por isso qualquer fundamento para juridicamente os considerar autónomos;

II. Estando salvaguardada a tempestividade do pedido da Recorrente no que ao último pagamento efectuado diz respeito, designadamente a quantia paga a 17.11.2016, conforme facto assente em R) e não se podendo sustentar a sua autonomização relativamente aos demais danos constantes nos factos assentes em R), não se pode aceitar a prescrição de qualquer um destes pagamentos;

Conclui pedindo que seja concedido provimento ao recurso.

7. O Réu, apresentou contra-alegações, tendo formulado as seguintes conclusões:

1. Veio a AGEAS, SA recorrer do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, que absolveu o réu AA, fundamenta o recurso no artigo 674 nº. 1 al. a) do CPC, apresentando um entendimento contrário, àquele que o Tribunal a quo retirou da matéria de facto provada.

2. Pretende ainda a recorrente, que o STJ aprecie a questão do prazo prescricional que havia sido decidido e aplicado pela 1ª. Instância, para desse modo obter a condenação do recorrido a pagar-lhe a quantia monetária de €138.677,63 acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal de 4% contados, desde a citação até efetivo e integral pagamento, tudo como peticionou.

3. Os factos provados respeitantes aos acidentes, encontram-se elencados de A) a Q) e aqueles outros que resultaram aditados pelo TRL, conforme melhor resulta da sentença a quo e para os quais nos remetemos.

4. De toda essa factualidade, conclui a Recorrente que o Recorrido foi o único e exclusivo responsável pelo sinistro ocorrido naquela madrugada de ... de outubro de 2009, concluindo em síntese neste recurso: que a condutora do acidente anterior não viu o sinal, o segundo acidente deu-se porque o Réu ia com excesso de velocidade desatento à via e à sinalização, que a distância a que estava colocado o sinal ST5 não teve influência nos acidentes e que os peões estavam num local onde não era previsível circular veículos, não tendo relevância terem ou não coletes refletores.

5. Mais argumentou em Revista, que ocorreram outros sinistros naquele local e que, os demais condutores adequaram a velocidade às circunstâncias de tempo e local, contudo, nenhuma factualidade desta natureza foi apurada nestes autos que permita tais afirmações e interpretações.

6. Encontram-se suficientemente justificados todas os factos provados, sendo que, os respeitantes à sinalização e à iluminação existente daquele dia e hora na PVG, como o nevoeiro, o sinal ST5 colocado a 50 metros do basculamento que se percorre em segundos, a lanterna caída (cfr. k) do croqui) sem visibilidade dos perfis de contorno do basculamento, a existência de 5 pessoas na PGV a 3 metros dos perfis moveis de plástico, sem coletes refletores, foram, incontestavelmente, grandes problemas que se colocaram ao Réu.

7. Além de que, evidentemente, que se travava de uma curva breve e apertada, porque esta só podia ser “feita” no local da retirada das pequenas grades metálicas e não nos blocos de cimento que dividem os dois sentidos de transito.

8. Apreciar ainda a questão da visibilidade e previsibilidade, embora sem existência nos factos provados, constatamos que foram erradamente apreciados pelo Tribunal da 1ª. Instância.

9. Efectivamente, não temos provado que a sinalização de supressão de vias, bem como o acidente, era visível e percetível a qualquer condutor que circulasse na PGV, sentido Sul-Norte: mas temos provado que o sinal ST5 estava colocado a 50 metros do basculamento que se percorre em escassos segundos; a lanterna não se encontrava no local (assinalado em k) croqui); os carros oficiais não estavam à frente da faixa da esquerda por onde circulava o Réu e não foi contra estes que chocou; o Réu travou e parou a 19 metros; atropelou 5 pessoas que estavam na linha recta do seguimento da faixa da esquerda por onde seguia, a 3 metros dos perfis de plástico, estes sem coletes refletores.

10. Por tudo isto, o acidente ocorrido não pode ser imputado ao Réu a título de culpa, tendo este ilidido, absolutamente, a presunção de que o acidente seria imputável à influência da taxa de álcool com que conduzia.

11. O Réu não violou o artigo 24º do CE, não deu causa ao acidente e não foi culpado na produção do acidente.

12. Ademais, podemos constatar que a sinalização existente na PVG, naquela noite de ... de outubro de 2009, não estava correta, informava erradamente os condutores e não acautelava os perigos das alterações do transito efetuadas na PVG, em virtude da maratona que ocorreria no dia seguinte.

13. O Tribunal a quo, cotejou a sinalização temporária lá existente com o que ditam as regras legais e concluiu que a sinalização não estava correta.

14. O Douto acórdão a quo, tudo apreciou, analisou, esclareceu, estudou, inclusivamente, as regras legais que ditam a sinalização temporária que deveria ter sido colocadas na PVG, com base no Código da Estrada e no Decreto Regulamentar 22-A/98.

15. Tudo foi escrutinado pelo TRL em termos de factos e de Direito, que (modestamente) aderimos e damos por reproduzido nestas nossas contra-alegações, concluindo que, os argumentos utilizados pela Recorrente não beliscam o acórdão a quo, e não devem merecer a revogação da decisão proferida pelo TRL.

16. Em relação à prescrição: o sinistro que se julga nestes autos, ocorreu no dia ... de outubro de 2009 e a presente ação judicial deu entrada em Tribunal no dia ... de Julho de 2019, e o Réu foi citado (conforme AR junto aos autos) em ... de Março de 2020, volvidos mais de 10 anos do acidente de viação em apreço.

17. O Réu em contestação impugnou os factos e invocou a exceção da prescrição do direito da Autora.

18. Ficaram consignados na sentença da 1ª. Instância em R) os factos provados respeitantes aos montantes pagos aos lesados, como as datas em que lhes foram pagos, com exceção de duas rúbricas de €492,50 e €1.268,45 de 2009, que não ficou provado a quem foram pagas tais quantias, pelo que, temos núcleos indemnizatórios autónomos e de pessoas diferentes para analisarmos esta questão da prescrição.

19. Com base naqueles factos provados, foi proferida sentença condenatória contra o Réu no pagamento à AGEAS da quantia de € 67.230.78, por considerar que esta quantia não se encontrava prescrita, acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos deste a citação e até efetivo e integral pagamento.

20. Nesta parte, a recorrente AGEAS apresentou as razões da discordância para com a interpretação efetuada pela MMª. Juiz da 1ª. instância, designadamente, contra a autonomização dos danos consoante os lesados, porque entende, que todos os danos correspondem grosso modo ao mesmo núcleo indemnizatório, por se tratarem de danos normativamente semelhantes, pugnando pela não prescrição e pela condenação do Réu a pagar-lhe todas as quantias peticionadas.

21. Explicou a MMª. Juiz da 1ª. Instância com base na jurisprudência, que o prazo prescricional tem que ser analisado em função de cada lesado indemnizado, correndo tantos prazos prescricionais, quantos lesados.

22. No caso em apreço, se temos uma pluralidade de lesados, (núcleos autónomos), significa que, para além dos montantes pagos a BB, todos os outros montantes se encontram extintos, por prescrição. Atendendo que, aqueles nada mais vieram a receber depois de Abril de 2012 e até essa data, foram ressarcidos a titulo de indemnização global e definitiva.

23. Se a situação em apreço é enquadrável no disposto no artigo 498º n.º 2 do Código Civil, segundo o qual a prescrição ocorre em três anos após o cumprimento, sendo autonomizáveis os núcleos indemnizatórios das várias pessoas, parece-nos, nesta parte, que foi correta a decisão da 1ª. Instância, ou seja, que o direito de regresso da Autora prescreveu em relação a todas as quantias pagas, com exceção das quantias pagas a BB, no valor de € 67.230,78.

24. Pelo que, também quanto a este segmento do recurso de revista, que a recorrente AGEAS opõe ao Réu AA, impõe-se a manutenção da decisão recorrida e a correspondente absolvição daquele.

Conclui pedindo que seja negado integral provimento ao Recurso de Revista apresentado pela AGEAS, SA, com a consequente manutenção do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa.

II – FUNDAMENTAÇÃO

Foram dados como provados os seguintes factos:

A - A Autora é uma pessoa colectiva, constituída sob o tipo de Sociedade Anónima, com o objecto social de exercício da actividade de seguro e de resseguro, em todos os ramos e operações não vida, com a amplitude consentida por lei; estabelecimento de convenções especiais com outras sociedades congéneres, assunção da sua representação e exercício da sua direcção.

B - Em 31 de Julho de 2008, no exercício da sua actividade, no âmbito do ramo automóvel, a Autora celebrou um contrato de seguro de responsabilidade civil obrigatório com AA, titulado pela apólice n.º ............09, tendo, por força desse contrato, sido transferida para a Autora a responsabilidade civil por danos emergentes de viação automóvel do veículo ..-..-QT.

C - No dia ... de outubro de 2009, pelas 03:35 horas, ocorreu um acidente de viação no IP1 – Ponte Vasco da Gama, ao km 9,8, sentido Sul/Norte, no Concelho de Alcochete, Distrito de Setúbal, e no qual foi interveniente o veículo seguro de matrícula ..-..-QT.

D - O local do acidente, a Ponte Vasco da Gama, configura uma recta, com 3 vias de circulação atento o sentido Sul/Norte.

E - As vias são separadas por traço longitudinal descontinuo.

F - A Ponte Vasco da Gama (PVG) é composta por dois sentidos de trânsito -Norte e Sul-, separados por blocos de betão e nalguns locais por pequenas guardas metálicas, sempre alinhados longitudinalmente e contínuos, que separam fisicamente os sentidos das faixas de rodagem, sendo que, em que cada sentido de trânsito (Norte e Sul), existem três hemi-faixas de rodagem (três vias de circulação), com traçados longitudinais descontínuos.

G - O pavimento estava em bom estado de conservação, uma vez que não apresentava lombas ou depressões, embora se encontrasse húmido devido ao nevoeiro que se fazia sentir.

H – No dia e hora em que ocorreu o acidente a que aludem os presentes autos a circulação na ponte Vasco da Gama, no sentido Sul/Norte estava condicionada, uma vez que, na manhã do dia ... de outubro, iria decorrer um evento desportivo na mesma.

I - Para o efeito, haviam sido encerradas as vias central e direita, no sentido Sul/Norte, por recurso a perfis moveis de plástico, estando tal facto devidamente assinalado, designadamente através de sinalização luminosa colocada em pórticos existente na Ponte Vasco da Gama, assim como sinalização vertical informativa de supressão de via.

J - A circulação do Réu, na Ponte Vasco da Gama, a determinado momento, ficou limitada, exclusivamente, à faixa de rodagem da esquerda, no sentido Sul/Norte.

L - Antes do sinistro a que aludem os presentes autos havia ocorrido outro sinistro, que já se encontrava em fase de resolução, estando no local dois militares da GNR do comando de ... – Divisão de Trânsito”.

L. 1 – Tal primeiro sinistro ocorreu pelas 03 horas, na Ponte Vasco da Gama ao Km 9,8, no sentido Sul/Norte, sendo condutora do veículo automóvel de matricula ..-..-QI, BB, a qual, ao circular na faixa de rodagem da esquerda, em vez de curvar à esquerda, mudando para o sentido oposto ao qual circulava, seguiu em frente, por só ter visto a supressão da sua faixa e a mudança para o sentido oposto da Ponte Vasco da Gama em momento em que já não lhe foi possível, mesmo travando, evitar o embate, que ocorreu no separador central em betão e em três perfis de plástico.

L. 2 – No veículo conduzido por BB seguiam duas passageiras.

L. 3 – A condutora BB foi submetida ao teste de alcoolemia acusando uma TAS negativa de 0.00g/l”.

A alínea L foi alterada pela Relação e tinha anteriormente a seguinte redacção «L Momentos antes do sinistro a que alude os presentes autos ocorrer havia ocorrido um outro sinistro que já se encontrava em fase de resolução, estando no local militares da GNR, do comando territorial de ... – Divisão de Trânsito, e estavam ainda fora da faixa de rodagem, várias pessoas, todas elas relacionadas com os intervenientes do sinistro anterior».

M – O veículo segurado na Autora e conduzido pelo Réu pela Ponte Vasco da Gama, sentido Sul/Norte, quando ao aproximar-se do km 9,8 da mesma, não se apercebeu atempadamente da sinalização de supressão de via, e bem assim, da própria supressão de via, que obrigava a descrição de uma curva”.

Alterado pela relação sendo a anterior redacção «O veículo segurado na Autora e conduzido pelo Réu pela Ponte Vasco da Gama, sentido Sul/Norte, quando ao aproximar-se do km 9,8 da mesma, não se apercebeu atempadamente da sinalização de supressão de via, e bem assim, da própria supressão de via, que obrigava a descrição de uma breve curva».

N - Encontrando-se o Réu, a circular com o seu veículo automóvel na única faixa de rodagem possível - via da esquerda -, no sentido Sul/Norte, manteve a direcção do veículo inalterada, seguindo em frente e indo embater, frontalmente nos perfis móveis de plástico, que ali tinham sido recolocados para encerramento daquela faixa de rodagem (esquerda) e bascular o trânsito para a faixa de sentido contrário, Norte/Sul.

O – Após o veículo conduzido pelo Réu ter embatido nos perfis móveis em plástico que se apresentavam na faixa de rodagem da esquerda, e, em acto contínuo, atropelou cinco peões que se encontravam à frente dos referidos perfis móveis em plástico.

Alterada pela Relação sendo a anterior redacção «Após ter embatido nos perfis moveis de plástico e, em acto contínuo, atropelou cinco peões que se encontravam ali, já fora da faixa de rodagem da esquerda».

P – O Réu AA apresentou uma taxa de alcoolémia de 0,73 gramas por litro.

Q - As vítimas do embate pelo veículo conduzido pelo Réu sofreram vários danos corporais, tais como fracturas e luxações nos membros inferiores, hematomas em diversas partes do corpo e traumatismo craniano.

R - A Autora pagou aos lesados as seguintes quantias:

»» Pagou o valor total de €492,50 entre Outubro de 2009 a Novembro de 2009 pagou a título de despesas com transportes;

»» Da declaração datada de 21 de Agosto de 2018 a Autora pagou a quantia de €2.030,00 a título de serviços de transporte prestados aos sinistrados BB, CC, DD, EE e FF;

»» Pagou o montante total de €1.268,45 entre Outubro de 2009 a Março de 2009 a título de despesas de transporte, despesas de tratamento, roupa e equipamento telefónico;

»» Pagou o montante total de €1.437,00 entre Janeiro de 2010 a Março de 2010 a título de despesas hospitalares com o sinistrado EE;

»» Pagou o montante total de €843,60 entre 01 de Maio de 2010 a 31 de Maio de 2010 a título de adiantamento salarial e de subsídio de alimentação a EE em 2010;

»» Pagou a quantia de €452,16 referente ao período com inicio na data do acidente e até 08 de Abril de 2010 e 29 de Abril de 2010 a 30 de Abril de 2010 a título de acerto de vencimento (70%) a EE em 2010;

»» A quantia de €436,91 entre 01 de Dezembro de 2009 a 31 de Dezembro de 2009 a título de adiantamento salarial a EE em 2009;

»» A quantia de €104,80 em 2009 a título de subsídio de alimentação de Dezembro de 2009 a EE;

»» A quantia de €1.021,80 entre 04 de Outubro de 2009 a 30 de Novembro de 2009 a título de adiantamento salarial (70%) e de subsídio de alimentação a EE;

»» A quantia de €639,42 em 2010 a título de adiantamento salarial (ITA até 23 de Junho de ITP até 30 de Junho) e de subsídio de alimentação a EE;

»» A quantia de €557,43 em 2010 a título de adiantamento salarial de Março (70%) e de subsídio de alimentação a EE;

»» A quantia de €494,19 em 2010 a título de adiantamento salarial de Fevereiro (70%) e de subsídio de alimentação a EE;

»» A quantia de €5.038,72 em 2010 a título de indemnização por todos os danos patrimoniais, não patrimoniais e/ou despesas resultantes do sinistro em referência a EE;

»» A quantia de €490,96 em 2010 a título de perdas salariais nos períodos de ITA (de 01 de Abril de 2010 a 08 de Abril de 2010 e de 29 de Abril de 2010 a 30 de Abril de 2010) na base de 70% e subsidio de alimentação desses períodos e referente também as despesas entregues (táxi dia 24 de Outubro de 2009, Centro Hospitalar ..., Taxa moderadora, farmácia e transportes para consultas e tratamentos) a EE;

»» A quantia total de €12.311,61 entre 2010 e Fevereiro de 2011 a título de despesas hospitalares com o sinistrado FF;

»» A quantia total de €28.943,32 entre Dezembro de 2009 a Abril de 2012 a título de adiantamentos salariais e subsídios de alimentação e a título de indemnização única e definitiva em consequência do acidente sofrido a FF;

»» A quantia total de €1.089,00 e de €8.142,27 entre Dezembro de 2009 a Setembro de 2010 a título de despesas hospitalares, adiantamentos salariais e subsídios de alimentação e a título de indemnização única e definitiva em consequência do acidente sofrido a DD;

»» A quantia total de €1.437,00, de €5.793,78 entre Dezembro de 2009 a Junho de 2009 a título de despesas hospitalares, adiantamentos salariais e subsídios de alimentação a BB;

»» A quantia de €60.000,00 a BB a título de indemnização global pelo acidente ocorrido paga a 17 de Novembro de 2016.

“O início do basculamento, do trânsito da faixa de rodagem esquerda do sentido Sul Norte, para a faixa contrária, apresentou-se ao Réu a 50 metros do seu respectivo sinal indicador (Sinal ST5)”. Facto aditado pela relação;

A sinalização que se apresentava em ... .10.2009 perto das 3h35m, para os condutores que circulassem pela Ponte Vasco da Gama no sentido Sul/Norte era a seguinte:

“Km 14,500, pórtico com sinal de mensagem variável com a indicação “Acidente. Circule com prudência”;

Km 13,800 Pórtico 7 com velocidade máxima permitida de 80 km/h nas três vias de trânsito existentes;

Km 11,800, Pórtico 6, com as duas vias de trânsito central e direita cortadas, assinaladas com um (X) com indicação de velocidade máxima permitida de 60km/h na via esquerda.

Km 10,900, sinal (A23) trabalhos na via.

Km 10,800 ET-6 cones;

Km 10.700 supressão de via de trânsito (sinal ST2);

Km 10,600 Proibição de ultrapassagem a pesados (sinal C 14B);

Km 10,500 corte efetivo da via direita;

Km 10,200 corte efetivo da via central;

Km 10,050 sinal proibição de exceder 60 km/hora (sinal C12);

Km 9,950 sinal de basculamento (ST5 - desvio de trânsito para a faixa contrária);

Km 9,900 início do basculamento com cones (ET-6). Sinal (D1B) sentido obrigatório. ET10- Perfil móvel de plástico. ET9 – conjunto de lanternas sequenciais com fios, sobre balizas de posição ET5”. Facto aditado pela Relação

“A sinalização luminosa de indicação da supressão da via da esquerda por onde o Réu circulava, por meio de lanternas ET9 com balizas de posição ET5, não se lhe apresentava a funcionar”. Facto aditado pela Relação

“A distância a que os peões se encontravam dos perfis de plástico, no seguimento da faixa de rodagem esquerda no sentido Sul Norte, conforme posicionamento descrito na alínea O) dos factos provados, era de 3 metros”. Facto aditado pela Relação

“Os peões atropelados não usavam coletes reflectores”. Facto aditado pela Relação

II.2 - Discutida a causa não resultaram provados os seguintes factos:

1 - O Réu conduzia com velocidade não superior a 60 km/h, devido à fraca visibilidade das vias de trânsito na Ponte Vasco da Gama.

2 - O Réu deparou-se com a supressão da faixa de rodagem da esquerda por onde circulava (Sul/Norte), a escassos metros do sinal. Eliminado pela Relação

3 - O Réu não contava com o imediato basculamento do trânsito para o sentido contrário, nem com a curva acentuada para a esquerda que fazia o desvio do trânsito para sentido contrário (Norte/Sul), ou seja, para o tabuleiro contrário da Ponte Vasco da Gama. Eliminado pela Relação.

4 – O embate do veículo conduzido pelo Réu deveu-se ao facto do sinal ST5 estar a 50 metros do início do basculamento, o que não permitiu ao Réu, imediatamente, contar com a supressão da via por onde circulava e com a curva acentuada para a esquerda, que desviava o transito para o tabuleiro contrário da Ponte Vasco da Gama. Eliminado pela Relação

5 - A sinalização luminosa que devia indicar a supressão da via da esquerda, por onde o Réu circulava, já não existia no local, porque tinha ficado danificada pelo acidente anterior e como tal as lanternas que a constituíam já não emanavam luminosidade. Eliminado pela Relação

III – DA SUBSUNÇÃO – APRECIAÇÃO

Verificados que estão os pressupostos de actuação deste tribunal, corridos os vistos, cumpre decidir.

A) O objecto do recurso é definido pelas conclusões da alegação do Recorrente, artigo 635 do Código de Processo Civil.

As questões concretas a apreciar e decidir são:

1- O acidente pode ser imputado ao Réu, a título de culpa, como pretende a Autora e decidiu a primeira instância ou pelo contrário o Réu não teve qualquer culpa – no sentido de que não deu causa (ao acidente) – no desenrolar do acidente como decidiu a Relação?

2- Ocorreu ou não a prescrição do direito da Autora em peticionar ao Réu as quantias que pagou aos lesados?

B) Analisemos a primeira questão: O acidente pode ser imputado ao Réu a título de culpa, como pretende a Autora e decidiu a primeira instância ou pelo contrário o Réu não teve qualquer culpa no desenrolar do acidente como decidiu a Relação?

Vejamos

1- Na presente acção a Autora peticiona ao Réu as quantias que pagou a terceiros (lesados) em virtude de acidente de viação no qual o Réu, segurado da Autora, foi interveniente, sendo certo que o Réu conduzia com uma taxa de álcool no sangue superior á legal.

Por isso vem a Autora exercer o seu direito de regresso.

A presente acção tem, assim, por objecto a responsabilidade civil por danos decorrentes de acidente de viação e o exercício do direito de regresso por parte da Autora.

Em matéria de acidente de viação a obrigação de indemnização tem por fonte a responsabilidade civil emergente de facto ilícito ou do risco.

a. As normas legais aplicáveis

Nos termos do artigo 483º, nº 1 do Código Civil (de cujo diploma passarão a ser os demais normativos que se vierem a citar sem referência à origem), «aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação».

Dispõe o art. 487º, nº 1 do C.C. que “é ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão, salvo havendo presunção legal de culpa”.

Estatui também o artigo 24º, nº 1 do Código de Estrada que “O condutor deve regular a velocidade modo a que, atendendo à presença de outros utilizadores, em particular os vulneráveis, às características e estado da via e do veículo, à carga transportada, às condições meteorológicas ou ambientais, à intensidade do trânsito e a quaisquer outras circunstâncias relevantes, possa, em condições de segurança, executar as manobras cuja necessidade seja de prever e, especialmente, fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente.”

O artigo 27.º, n.º 1, do Decreto-Lei 291/2007, de 21 de Agosto (Regime do Sistema de Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel) rege quanto ao direito de regresso da seguradora que satisfaça indemnização por danos causados no exercício da condução de veículos automóveis. Dispõe:

1 - Satisfeita a indemnização, a empresa de seguros apenas tem direito de regresso:

(…)

c) Contra o condutor, quando este tenha dado causa ao acidente e conduzir com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida, ou acusar consumo de estupefacientes ou outras drogas ou produtos tóxicos.

Estatui o artigo 81.º, n.º 1 e 2, do Código da Estrada actualmente em vigor na redacção em vigor à data do acidente:

1 - É proibido conduzir sob influência de álcool ou de substâncias psicotrópicas.

2 - Considera-se sob influência de álcool o condutor que apresente uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 0,5 g/l ou que, após exame realizado nos termos previstos no presente Código e legislação complementar, seja como tal considerado em relatório médico.

Por último devemos ter em consideração o Decreto Regulamentar nº 22-A/98 aplicável ao caso dos autos, designadamente aos seus artigos 84º nº 1, 85º e 90.

Dispunha o artigo 84º:

“1 - Deve utilizar-se a pré-sinalização sempre que haja necessidade de fazer desvio de circulação ou mudança de via de trânsito ou sempre que a natureza e a importância de um obstáculo ocasional ou a zona de trabalhos o exijam.

2 - A materialização desta sinalização deve fazer-se com recurso aos sinais de indicação previstos no n.º 3 do artigo 90.º do presente Regulamento.

3 - De noite é obrigatória a colocação, nos vértices superiores do primeiro sinal, de um dispositivo luminoso com as características definidas no n.º 3 do artigo 93.º do presente Regulamento”.

E o artigo 85º dispunha:

“1 - Após a pré-sinalização deve ser colocada a sinalização avançada, que é dispensada apenas nos casos em que as obras e obstáculos ocasionais, pela sua natureza e extensão, não impliquem condicionamento de trânsito e possam ser identificados com segurança através da sinalização de posição.

2 - A materialização desta sinalização deve ser feita com recurso aos sinais de perigo a que se referem os n.ºs 1 e 2 do artigo 90.º do presente Regulamento, sendo sempre obrigatória a colocação do sinal A23.

3 - De noite, e sempre que a visibilidade seja insuficiente, é obrigatória a colocação, nos vértices do primeiro sinal, de um dispositivo luminoso com as características definidas no n.º 3 do artigo 93.º do presente Regulamento”.

O artigo 90º dispunha:

“1 - Na sinalização vertical podem ser usados os sinais de perigo, de regulamentação, de indicação, os painéis adicionais e a sinalização de mensagem variável previstos no capítulo II deste Regulamento, bem como os previstos no n.º 3 deste artigo que se revelem necessários.

2 - Os sinais verticais a utilizar devem ter as características constantes dos quadros I a XVIII, inclusive, com as seguintes especificidades:

a) Os sinais de perigo, de prescrição específica, de pré-sinalização e de direcção devem ter cor de fundo amarela;

b) As baias e balizas têm listas alternadas vermelhas e brancas.

3 - Em função da natureza da obra ou do obstáculo e dos condicionamentos de trânsito deles decorrentes, podem ainda ser utilizados os seguintes sinais de indicação, representados no quadro XXXIX, em anexo:

(…) ST5 - desvio para a faixa de rodagem contrária;

(…)

ST13 - acidente;

4 - Os sinais a que se refere o número anterior devem ter cor de fundo amarela, salvo o sinal ST13, que deve ter cor de fundo vermelha, e as dimensões previstas nos quadros V a XVI, inclusive, podendo ter dimensões inferiores quando as condições de localização não permitam o emprego dos sinais com as dimensões normais”.

Finalmente, o artigo 93º do mesmo Regulamento estabelecia:

1 - A sinalização temporária deve ser completada com os seguintes dispositivos complementares, representados no quadro XI, em anexo:

ET5 - balizas de posição;

ET6 - cones;

(…)

ET8 e ET9 - conjuntos de lanternas sequenciais, sem e com fios, respectivamente;

ET10 - perfil móvel, de plástico ou de betão, a utilizar na sinalização de posição dos limites dos trabalhos;

(…)

ET12 - atrelado de balizamento, a utilizar na sinalização de posição, indicando mudança brusca de direcção;

ET13 - seta luminosa, a utilizar na sinalização de posição, indicando mudança brusca de direcção.

2 - Os dispositivos ET1 a ET7 devem ser de material retrorreflector.

3 - Os sinais verticais e as marcas rodoviárias devem ser completados com dispositivos luminosos de cor amarela, de luz intermitente; estes dispositivos destinam-se a balizar eficazmente as partes frontais da zona de trabalhos ou de obstáculos ocasionais ou a demarcar a linha contínua exterior de um estreitamento da faixa de rodagem ou de desvio de circulação, devendo, neste caso, utilizar-se dispositivos ET8 ou ET9, devendo o seu funcionamento estar sincronizado.

4 - Independentemente da existência de iluminação pública, a instalação dos dispositivos referidos no número anterior é obrigatória durante a noite e de dia, sempre que a visibilidade for insuficiente, devendo a sua fonte de energia ser autónoma da rede de iluminação pública.

(…)”.

b) O primeiro dispositivo atrás citado onde se consagra a teoria tradicional fixa, como pressupostos da obrigação de indemnizar, o facto, a ilicitude, o nexo de imputação do facto ao agente, o dano e o nexo de causalidade entre este e o facto, cfr. A. Varela «Das Obrigações em Geral», Vol. I, pág. 404.

E a lei geral, consagrada no art. 483º, nº 1 do Cód. Civil, estabelece como pressuposto fundamental da responsabilidade civil por factos ilícitos a existência de culpa, seja na modalidade de dolo ou de mera culpa.

A culpa na definição dada pelo Prof. Galvão Telles, in «Manual de Direito das Obrigações», pág. 196, é a imputação psicológica de um resultado ilícito a uma pessoa. Se se produz um evento contrário à lei e esse evento é psíquico ou moralmente imputável a certo indivíduo diz-se que este agiu com culpa.

No Código Civil a culpa é apreciada em abstracto (artigo 487º, n.º 2 e 799, n.º 2).

2- Impõe-se apreciar agora, face aos supra enunciados princípios legais, o caso concreto.

Relembremos a matéria de facto com interesse para a decisão

No dia ... de outubro de 2009, pelas 03:35 horas, ocorreu um acidente de viação no IP1 – Ponte Vasco da Gama, ao km 9,8, sentido Sul/Norte, e no qual foi interveniente o veículo seguro de matrícula ..-..-QT.

O local do acidente, a Ponte Vasco da Gama, configura uma recta, com 3 vias de circulação atento o sentido Sul/Norte.

O pavimento estava em bom estado de conservação, uma vez que não apresentava lombas ou depressões, embora se encontrasse húmido devido ao nevoeiro que se fazia sentir.

No dia e hora em que ocorreu o acidente a circulação na ponte Vasco da Gama, no sentido Sul/Norte estava condicionada tendo sido encerradas as vias central e direita, no sentido Sul/Norte, por recurso a perfis moveis de plástico, estando tal facto devidamente assinalado, designadamente através de sinalização luminosa colocada em pórticos existente na Ponte Vasco da Gama, assim como sinalização vertical informativa de supressão de via.

A circulação do Réu, na Ponte Vasco da Gama, a determinado momento, ficou limitada, exclusivamente, à faixa de rodagem da esquerda, no sentido Sul/Norte.

Antes do sinistro a que aludem os presentes autos havia ocorrido outro sinistro, que já se encontrava em fase de resolução, estando no local dois militares da GNR do comando de ... – Divisão de Trânsito”.

Tal primeiro sinistro ocorreu pelas 03 horas, na Ponte Vasco da Gama ao Km 9,8, no sentido Sul/Norte, sendo condutora do veículo automóvel de matricula ..-..-QI, BB, a qual, ao circular na faixa de rodagem da esquerda, em vez de curvar à esquerda, mudando para o sentido oposto ao qual circulava, seguiu em frente, por só ter visto a supressão da sua faixa e a mudança para o sentido oposto da Ponte Vasco da Gama em momento em que já não lhe foi possível, mesmo travando, evitar o embate, que ocorreu no separador central em betão e em três perfis de plástico.

O veículo segurado na Autora e conduzido pelo Réu pela Ponte Vasco da Gama, sentido Sul/Norte, quando ao aproximar-se do km 9,8 da mesma, não se apercebeu atempadamente da sinalização de supressão de via, e bem assim, da própria supressão de via, que obrigava a descrição de uma curva”.

Encontrando-se o Réu, a circular com o seu veículo automóvel na única faixa de rodagem possível - via da esquerda -, no sentido Sul/Norte, manteve a direcção do veículo inalterada, seguindo em frente e indo embater, frontalmente nos perfis móveis de plástico, que ali tinham sido recolocados para encerramento daquela faixa de rodagem (esquerda) e bascular o trânsito para a faixa de sentido contrário, Norte/Sul.

Após o veículo conduzido pelo Réu ter embatido nos perfis móveis em plástico que se apresentavam na faixa de rodagem da esquerda, e, em acto contínuo, atropelou cinco peões que se encontravam à frente dos referidos perfis móveis em plástico.

O Réu AA apresentou uma taxa de alcoolémia de 0,73 gramas por litro.

O início do basculamento, do trânsito da faixa de rodagem esquerda do sentido Sul Norte, para a faixa contrária, apresentou-se ao Réu a 50 metros do seu respectivo sinal indicador (Sinal ST5).

A sinalização que se apresentava em ... .10.2009 perto das 3h35m, para os condutores que circulassem pela Ponte Vasco da Gama no sentido Sul/Norte era a seguinte:

“Km 14,500, pórtico com sinal de mensagem variável com a indicação “Acidente. Circule com prudência”;

Km 13,800 Pórtico 7 com velocidade máxima permitida de 80 km/h nas três vias de trânsito existentes;

Km 11,800, Pórtico 6, com as duas vias de trânsito central e direita cortadas, assinaladas com um (X) com indicação de velocidade máxima permitida de 60km/h na via esquerda.

Km 10,900, sinal (A23) trabalhos na via.

Km 10,800 ET-6 cones;

Km 10.700 supressão de via de trânsito (sinal ST2);

Km 10,600 Proibição de ultrapassagem a pesados (sinal C 14B);

Km 10,500 corte efetivo da via direita;

Km 10,200 corte efetivo da via central;

Km 10,050 sinal proibição de exceder 60 km/hora (sinal C12);

Km 9,950 sinal de basculamento (ST5 - desvio de trânsito para a faixa contrária);

Km 9,900 início do basculamento com cones (ET-6). Sinal (D1B) sentido obrigatório. ET10- Perfil móvel de plástico. ET9 – conjunto de lanternas sequenciais com fios, sobre balizas de posição ET5.

A sinalização luminosa de indicação da supressão da via da esquerda por onde o Réu circulava, por meio de lanternas ET9 com balizas de posição ET5, não se lhe apresentava a funcionar”.

A distância a que os peões se encontravam dos perfis de plástico, no seguimento da faixa de rodagem esquerda no sentido Sul Norte, conforme posicionamento descrito na alínea O) dos factos provados, era de 3 metros.

Os peões atropelados não usavam coletes reflectores.

Tendo presentes aqueles princípios legais e face á factualidade provada será que podemos afirmar que o desenrolar do acidente se ficou a dever á conduta do Réu, tal como ficou decidido em primeira instância ou pelo contrário o mesmo ocorreu por razões estranhas ao comportamento do Réu, como decidiu o Acórdão recorrido?

Afigura-se-nos que a razão se encontra do lado do Acórdão recorrido.

Analisemos a dinâmica do acidente e vejamos se o mesmo é imputável ao Réu.

No dia e hora em que ocorreu o acidente de viação era de noite e fazia-se sentir nevoeiro.

Antes do local em que ocorreu o acidente havia uma sinalização colocada nos pórticos existentes na Ponte Vasco da Gama a avisar que a circulação na ponte Vasco da Gama, no sentido Sul/Norte estava condicionada e que haviam sido encerradas as vias central e direita, no sentido Sul/Norte, por recurso a perfis móveis de plástico.

A circulação no sentido em que seguia o Réu ficou, a determinado momento, limitada, exclusivamente, à faixa de rodagem da esquerda.

Antes do acidente em que interveio o Réu, no mesmo local havia ocorrido outro sinistro, que já se encontrava em fase de resolução, estando no local dois militares da GNR do comando de ... – Divisão de Trânsito.

O Réu, que circulava na única faixa de rodagem possível, ao aproximar-se do local do acidente não se apercebeu atempadamente da sinalização de supressão de via, e bem assim, da própria supressão de via, que obrigava á descrição de uma curva e manteve a direcção do veículo inalterada, seguindo em frente e indo embater, frontalmente nos perfis móveis de plástico, que ali tinham sido recolocados para encerramento daquela faixa de rodagem (esquerda) e bascular o trânsito para a faixa de sentido contrário, Norte/Sul, tendo ido atropelar os cinco peões, que se encontravam a 3 metros de distância dos perfis de plástico, no seguimento da faixa de rodagem esquerda no sentido Sul/Norte e não usavam coletes reflectores.

O início do basculamento, do trânsito da faixa de rodagem esquerda do sentido Sul Norte, para a faixa contrária, apresentou-se ao Réu a 50 metros do seu respectivo sinal indicador (Sinal ST5).

A sinalização luminosa de indicação da supressão da via da esquerda por onde o Réu circulava, por meio de lanternas ET9 com balizas de posição ET5, não se lhe apresentava a funcionar.

Significa isto que o Réu que circulava na única faixa de rodagem existente não conseguiu fazer a curva que se lhe apresentava para a sua esquerda e seguiu em frente embatendo nos peões que se encontravam para lá dos perfis de plástico.

E porque razão não conseguiu o Ré fazer a curva?

A autora, tal como a decisão da primeira instância, defende que o Réu violou o artigo 24º n º 1 do Código da Estrada, pois seguia com velocidade excessiva, e por isso, não conseguiu parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente.

Ora, não sabemos a velocidade a que o Réu seguia. Mas o que sabemos é que apenas a 50 metros do início do basculamento e do acidente anterior é que existia um sinal a avisar que o trânsito vai ser obrigado a ir para o tabuleiro Norte/sul.

Ou dito de outro modo, apenas a 50 metros da curva que obrigava a mudar de direcção é que existia um sinal a avisar desse facto.

E isto é efectivamente um espaço curto e um tempo muito curto para poder exigir-se ao Réu uma reacção de forma expedita e célere de modo a evitar o acidente.

E nem se diga que o Réu já devia estar prevenido pela sinalização existente nos pórticos, a avisar do acidente anterior, pois como bem se salienta no acórdão recorrido «Com esta sinalização não era exigível a qualquer condutor relacionar o acidente na via com a faixa esquerda, esse acidente podia estar em qualquer lado e não voltou a ser assinalado especificamente como tal e como o perigo que efectivamente constituía (e a redução deste perigo, em termos práticos, é feita pela sinalização do basculamento e com a colocação de três perfis em plástico, sendo certo que a sinalização tinha de estar iluminada, porque era de noite, e até já não o estava), ou dito de outro modo, não é pelo facto do acidente estar para lá do basculamento, que passa a não constituir perigo. É que não houve um aviso específico da localização, não se indicou ao km 14.500 a que distância o acidente estava».

E lembre-se que sendo ao Réu permitido circular a 60Km/h, presumindo-se que ele seguia efectivamente a essa velocidade, se a sinalização de mudança de faixa só se apresenta a 50 m do local da mudança de faixa de rodagem, isso é muito curto para que o Réu pudesse reagir com segurança de forma a evitar o acidente.

Aliás, concordamos com a análise feita pelo Acórdão recorrido quanto à deficiência na sinalização existente pois, tal como aí se afirma, resulta das norma legais relativas à sinalização «o sinal ST5, previsto no nº 3 do artigo 90º e colocado ao km 9,950, 50 metros antes do início do basculamento, colocável ao abrigo do artigo 84º nº 2, como pré-sinalização, haveria de ser seguido por sinalização avançada, nos termos do artigo 85º nº 2, com referência à sinalização prevista nos nº 1 e 2 do artigo 90º, em que se devia incluir obrigatoriamente o sinal A23, que não foi colocado».

E este sinal A23, como sinal de perigo não deveria estar colocado a menos de 150 m nem a mais de 300 m do ponto da via a que se referem».

Acresce que também a sinalização/iluminação obrigatória (artigo 93 do Regulamento supra citado) não estava a funcionar o que certamente prejudicava a condução do Réu e a possibilidade que este tinha de se aperceber em tempo dos obstáculos que pudessem surgir.

Podemos, assim, concluir que o acidente não se ficou a dever ao facto de o Réu circular em velocidade excessiva e, por isso, não poder parar o veículo no espaço livre e visível á sua frente, mas sim foi a deficiente sinalização que o impediu de executar em tempo oportuno a manobra de mudança de circulação para a faixa contrária e desse modo evitar o embate nos perfis de plástico (que repete-se não estavam iluminados) e subsequentemente nos peões (que também não tinham coletes refletores).

O acidente não pode ser imputado ao Réu a título de culpa, como pretende a Autora, ou seja, o Réu, face aos factos provados não deu causa ao acidente.

Sabendo-se que a Autora, que satisfez a indemnização aos lesados, apenas tem direito de regresso contra o condutor, no caso contra o Réu, quando este tenha dado causa ao acidente e conduzir com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida, afigura-se evidente que não tendo o Réu dado causa ao acidente deve a acção improceder tal como decidiu o Acórdão recorrido.

Em suma e em conclusão, dúvidas não nos restam em como se impõe a improcedência da primeira questão colocada, ficando desse modo prejudicado o conhecimento da segunda questão, impondo-se, consequentemente, a improcedência da presente revista.

III - Decisão

Nos termos expostos acordam os juízes que compõem este Tribunal em julgar improcedente a presente revista e, em consequência, confirmam o Acórdão recorrido.

Custas pela Autora recorrente.

Lisboa, 30 de Novembro de 2023

José Sousa Lameira (relator)

Conselheiro Lino Ribeiro

Conselheiro Nuno Ataíde das Neves