Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
868/08.2TBCBR.C1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: GRANJA DA FONSECA
Descritores: PERDA DE INTERESSE DO CREDOR
RESOLUÇÃO DO NEGÓCIO
MORA
CONTRATO-PROMESSA
INCUMPRIMENTO
ÓNUS REAL
ENCARGOS
ARRESTO
SINAL
INCUMPRIMENTO DEFINITIVO
Data do Acordão: 07/06/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática: DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES
Doutrina: - Almeida e Costa, RLJ, Ano 124º, 95 e 96.
- Baptista Machado, RLJ, Ano 118º, 55.
- Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Volume II, página 232.
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL: - ARTIGOS 406.º, 442.º, 1.ª PARTE, 762.º, N.º1 E Nº2, 801º, 802º, 808º, N.º 1.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 660º, N.º 2, 684º, N.º 3, 684º-B, N.º 2, 685º-A,
DL N.º 303/2007, DE 24-08: - ARTIGOS 11.º, N.º 1, 12.º.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 27/10/2009, PROCESSO N.º 449/09.3YFLSB.C1.S2;
-DE 12/01/2010, PROCESSO N.º 218/06.2TVPRT.S1;
-DE 19/05/2010 PROCESSO N.º 850/05.1TBLLE.E1.S1;
-DE 22/06/2010, PROCESSO N.º.6134/05.8TBSTS.P1.S1, IN WWW.DGSI.PT .
Sumário : I - Para ser decretada a resolubilidade do contrato, não basta a simples perda (subjectiva) do interesse do credor na prestação em mora. O n.º 2 do art. 808.º exige que a perda do interesse seja apreciado objectivamente, aferindo-se em função da utilidade que a prestação para ele teria, embora atendendo a elementos susceptíveis de valoração pela generalidade da comunidade, justificada por um critério de razoabilidade própria do comum das pessoas.
II - Se num contrato-promessa de compra e venda as partes acordam que a transmissão é livre de ónus ou encargos do imóvel, por € 200 000 e, posteriormente, sobre ele é registado um arresto no valor inicial de € 15 000 euros, em seguida reforçado para € 90 000, não tendo o promitente vendedor provado ter actuado com vista ao seu levantamento e não tendo marcado a escritura, como lhe competia, em três datas acordadas, antes se escapulindo a contactos com o promitente comprador, emerge, objectiva e razoavelmente, a verificação do requisito da perda do interesse na prestação
III - Aliás, não se vislumbra que um homem sensato e prudente, colocado na posição dos autores, continuasse dilatória e indefinidamente suspenso com a celebração do contrato, por dependência de uma exigível actuação dos réus no sentido do levantamento de um ónus gravemente afectante e prejudicial dos seus interesses, sem que os réus demonstrassem qualquer preocupação no levantamento do arresto, ainda que fosse possível aos réus proceder ao seu levantamento.
IV - O sinal só pode ser exigido em caso de incumprimento definitivo da obrigação pela outra parte, funcionando como pré-determinação das consequências desse incumprimento.
V - Demonstrado que os autores entregaram aos réus, como sinal, a importância de € 20 000 e verificado que houve incumprimento definitivo dos réus por perda de interesse dos autores na prestação, resulta que, declarada a resolução do contrato, não podiam os réus deixar de ser condenados, como foram, no pagamento do dobro do sinal, isto é, € 40 000.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1

AA e mulher BB propuseram esta acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra CC e mulher DD, pedindo que se declare resolvido o contrato-promessa celebrado com os réus, (i) condenando-os a restituir aos autores a quantia recebida a título de sinal, em dobro, no valor de 40.000 euros, acrescida de juros legais desde a citação dos réus até integral pagamento e (ii) condenando-os ainda no pagamento das quantias despendidas por estes quer com a pintura da casa quer com o empréstimo bancário, no montante de 1.695 euros e (iii) no pagamento de 10.000 euros, a título de indemnização por danos morais.

Alegaram, em síntese, que os autores e os réus celebraram entre si um contrato-promessa de compra e venda datado de 11 de Maio de 2007, entregaram um sinal e que o negócio não pode ser cumprido pelos réus.

Os réus contestaram, pedindo a improcedência da acção, alegando que a data aposta no contrato promessa para a realização da escritura tinha natureza meramente indicativa e que os autores nunca manifestaram perda do interesse negocial.

Reconvindo, alegaram que houve incumprimento contratual definitivo por culpa exclusiva dos autores, pedindo que sejam condenados à perda do sinal prestado e a pagarem-lhes uma indemnização de 15.000 euros por danos não patrimoniais bem como a sua condenação como litigantes de má fé.

O processo prosseguiu os seus termos, tendo, a final, sido proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, por provada e, em consequência, declarou resolvido o contrato-promessa celebrado com os réus, condenando-os a restituir aos autores a quantia recebida a título de sinal, em dobro, no valor de 40.000 euros, acrescida de juros legais desde a citação dos réus até integral pagamento. No mais os réus foram absolvidos do pedido e os autores foram absolvidos dos pedidos reconvencionais.

Inconformados apelaram os réus para o Tribunal da Relação de Coimbra que, por acórdão de 21/09/2010, confirmou a sentença recorrida.

De novo inconformados, recorreram os réus para este Supremo Tribunal de Justiça e, alegando, formularam as seguintes conclusões:

1ª - O acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra confirmou a sentença pela qual os ora recorrentes foram condenados a restituir aos autores a quantia recebida a título de sinal, em dobro, no valor de 40.000 euros, acrescida de juros legais desde a citação até integral pagamento.

2ª - Nesse acórdão, o Tribunal da Relação de Coimbra considerou que existiu perda de interesse no negócio, nos termos do artigo 808°, n.os 1 e 2 do Código Civil.

3ª - Porém, aferiu essa perda de interesse segundo critérios subjectivos.

4ª - Atendendo à vontade dos autores.

5ª - E não ao interesse objectivo dos autores na concretização do negócio.

6ª - Assim, o acórdão recorrido está em contradição com o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 27-10-2009, junto em anexo.

7ª - O qual afirma que existe interesse na realização de uma prestação enquanto se mantiver a necessidade que a prestação visava satisfazer.

8ª - Ficou provado que os autores nunca deixaram de ter a necessidade de adquirir um imóvel, e, pelo contrário, mantinham interesse objectivo pela prestação dos recorrentes.

9ª - Assim, os ora recorrentes estão somente em mora.

10ª - Não podendo, portanto, ser declarado resolvido o contrato-promessa celebrado.

Não houve contra – alegações.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:

2.

A Relação considerou provados os seguintes factos:

1º - Por contrato escrito de promessa de compra e venda de 2007/05/11, os réus prometeram vender e os autores prometeram comprar o imóvel sito na Travessa …, nº …, em Fala, com a inscrição matricial urbana sob o art. …º (actual …º) da freguesia de S. Martinho do Bispo - Coimbra, com a descrição sob o nº … da C.R.P. de Coimbra, por 205.000 euros, tendo sido entregues, como sinal e princípio de pagamento, 20.000 euros, devendo o restante ser pago, com a outorga da escritura pública que os réus deviam marcar, até 2007/11/30, avisando os autores, com 15 dias de antecedência, devendo o imóvel ser vendido livre de hipotecas, ónus ou encargos e só devendo haver tradição ou ocupação do imóvel, pelos autores, após o pagamento do montante total e da outorga da escritura (alínea A).

2º - Pela Apresentação n.º 19 de 2007/07/26, foi registada, na C.R.P. a aquisição provisória do prédio referido, por compra, a favor dos autores (alínea B).

3º - Pela Apresentação n.º 3 de 2007/08/13, foi registado um arresto da EE, L.da”, de € 14.963,93, decretado no Processo nº 2275/07.05TJCBR, desta mesma 2ª Secção da Vara Mista de Coimbra (alínea C).

4º - Em 2007/12/11, foi celebrado um aditamento ao contrato aludido na alínea A), alterando o preço para 200.000 euros, estabelecendo-se o prazo limite para a celebração da escritura para 2008/01/03 (alínea D).

5º - Nesta data de 2008/01/03, foi celebrado novo aditamento ao contrato aludido na alínea A), fixando o prazo limite, antes referido, para 2008/02/03 (alínea E).

6º - Pela Apresentação n.º 12 de 2008/02/04, da C.R.P., foi rectificado o valor do arresto da Apresentação 3 aludida na alínea C), para 90.000 euros (alínea F).

7º - Os autores enviaram aos réus cartas registadas, em 2008/03/17 e 2008/03/28, para “FF, L.da”, na Avenida …, nº …, em Coimbra e para a Loja nº …, do “CENTRO COMERCIAL ...”, na Alameda …, em Coimbra, cartas essas que não foram recebidas pelos réus pelos motivos de “não atendeu” e “encerrado”, respectivamente (alínea G).

8º - Desde sempre que os autores manifestaram grande interesse na aquisição da moradia aludida na alínea A) (alínea F).

9º - Ao tratarem da documentação para o empréstimo bancário para a aquisição da moradia, foram os autores surpreendidos com o teor da Apresentação n.º 19, aludida supra na alínea B) (resposta ao quesito 1º).

10º - Feita pelos réus, sem nunca terem dado conhecimento aos autores (resposta ao quesito 2º).

11º - Ainda e também tendo os autores sido surpreendidos pela Apresentação n.º 3 aludida supra na alínea C) (resposta ao quesito 3º).

12º - Sendo a alteração do preço uma compensação pelo imprevisto da demora (resposta ao quesito 6º).

13º - As cartas aludidas na alínea G) têm o teor do documento junto aos autos a fls. 28 (resposta ao quesito 10º).

14º - A “FF, L.da”, aludida na alínea G), é um mero armazém de mercadorias, usado na actividade de fotografia, desenvolvida pelos réus (resposta ao quesito 12º).

15º - Ocupam os réus a loja 6 desde há cerca de um ano, ocuparam antes a loja 3, onde permaneceram um ou dois anos e ocuparam antes disso a loja 23 do dito CENTRO COMERCIAL ... (resposta ao quesito 14º).

16º - Procederam os autores, com o consentimento dos réus, a obras de melhoramento do imóvel, designadamente a sua pintura (resposta ao quesito 15).

17º - Obras de que estava a carecer (resposta ao quesito 16º).

18º - No que despenderam os autores 1.500 euros (resposta ao quesito 17º).

19º - Os autores entabularam negociações tendo em vista a concessão de empréstimo junto da CGD (resposta ao quesito 19º).

20º - Tiveram despesas (resposta ao quesito 20º).

21º - Na expectativa de concretização do negócio, tiveram os autores que pôr o seu apartamento à venda (resposta ao quesito 21º).

22º - Tendo eles que dispor do seu tempo para mostrar esse apartamento a potenciais compradores (resposta ao quesito 22º).

23º - Ao aproximar-se a data de 2007/11/30 tiveram os autores que empacotar e encaixotar parte dos seus haveres (resposta ao quesito 23º).

24º - Passaram a viver com parte dos seus haveres empacotados e encaixotados durante período de tempo não concretamente apurado (resposta ao quesito 24º).

25º - E eles e os filhos passaram a viver com grande ansiedade, nervosismo e angústia (resposta ao quesito 25º).

26º - Os réus deixaram de habitar o imóvel aludido na alínea A) em data anterior ao Natal de 2007 (resposta ao quesito 26º).

27º - Indo viver para casa de familiares (resposta ao quesito 27º).

28º - Não tendo informado os autores de qualquer outra morada diferente da do imóvel aludido na alínea A) (resposta ao quesito 28º).

29º - Os endereços aludidos na alínea G) foram apurados, a custo, pelos autores (resposta ao quesito 29º).

30º - E também os telemóveis informados e indicados nunca atendiam, quando os autores ligavam (resposta ao quesito 30º).

31º - A ré mulher passou a padecer de doença persistente dos nervos (resposta ao quesito 35º).

32º - Foi acompanhada por médico (resposta ao quesito 36º).

33º - Ela que sempre gozou de excelente saúde (resposta ao quesito 37º).

34º - Desenvolvendo uma vida normal, activa, sem qualquer limitação de carácter físico ou psicológico (resposta ao quesito 38º).

3.

Ao presente recurso é já aplicável o regime processual estabelecido pelo DL 303/2007, de 24/08, por respeitar a acção instaurada depois de Janeiro de 2008 (vide artigos 11º, n.º 1 e 12º do citado DL).

Como é sabido, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente (artigos 684º, n.º 3, 684º-B, n.º 2 e 685º-A, todos do CPC), salvo as questões que sejam de conhecimento oficioso (artigo 660º, n.º 2 CPC).

E porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida.

Donde, visto o teor das alegações dos recorrentes, está apenas em causa o segmento da decisão que, declarando resolvido o contrato-promessa que os autores celebraram com os réus, os condenou a restituírem àqueles a quantia recebida a título de sinal, no valor de 40.000 euros, acrescida de juros legais desde a citação até integral pagamento, pelo que quanto aos demais pedidos formulados pelos autores, de que os réus foram absolvidos e quanto aos pedidos deduzidos na reconvenção, de que os autores foram absolvidos, a sentença transitou.

Assim sendo, a questão essencial a decidir consiste em saber se acaso se verifica, ou não, a perda de interesse contratual por parte dos autores, requisito essencial para a resolução do contrato.

4.

Na 1ª Instância havia sido declarada a resolução do contrato – promessa, por desrespeito de termo essencial fixado e perda do interesse contratual por parte dos autores.

A Relação confirmou a sentença, declarando, consequentemente, a resolução do contrato e a condenação dos réus a pagarem o sinal em dobro, mas apenas com fundamento na perda do interesse contratual por parte dos autores. Defendendo, porém, os réus que os autores continuam a ter interesse na aquisição do imóvel, concluem que o acórdão deve ser revogado.

Cingindo-se a questão do recurso ao aludido tema, vejamos a quem assistirá a razão.

Conforme refere o artigo 762º, n.º 1 do Código Civil, o devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado, ocorrendo, consequentemente, o não cumprimento quando a prestação devida não se realiza por causa imputável ao devedor, sem que se verifique qualquer causa de extinção da obrigação.

De acordo com a sistematização da nossa lei, esta definição de não cumprimento abrange não apenas as situações em que o devedor culposamente falta ao cumprimento da obrigação (artigos 798º e seguintes), mas também as situações em que ele impossibilita culposamente a prestação (artigos 801º e seguintes).

“Em ambas as situações se verifica a não realização da prestação devida por causa imputável ao devedor, sendo que no incumprimento a realização da prestação ainda é possível no momento do cumprimento, mas esta não vem a ocorrer por culpa do devedor, enquanto na impossibilidade culposa já não é possível realizar a prestação no momento do cumprimento, sendo que tal se deve a culpa do devedor[1]”.

“O não cumprimento pode ainda ocorrer em termos definitivos ou temporários. No primeiro caso, já não é concebível a realização da prestação, ou porque ela se impossibilitou (impossibilidade de cumprimento) ou porque o credor perdeu o interesse nela (incumprimento definitivo). No segundo caso, a prestação não foi realizada no momento devido, mas ainda é possível a sua realização, através de um cumprimento retardado. Nesse caso, sendo o atraso na realização da prestação imputável ao devedor (mora do devedor) o credor pode exigir a indemnização, mas apenas pelo atraso da prestação, já que mantém o seu direito à prestação em falta[2]”.

A mora do devedor não permite, por via de regra, com ressalva de convenção em contrário, a imediata resolução do contrato, a menos que se transforme em incumprimento definitivo, que tem lugar nas situações tipificadas nos artigos 801º, 802º e 808º, n.º 1, todos do Código Civil, o que pode acontecer se lhe sobrevier a impossibilidade da prestação, se o credor perder o interesse na mesma ou, em consequência da inobservância do prazo suplementar e peremptório que o credor fixe, razoavelmente, ao credor relapso.

Afastada a impossibilidade culposa, porquanto a celebração da escritura de compra e venda do imóvel traduz-se numa prestação material e, objectivamente, possível, resta o incumprimento definitivo da obrigação quando o devedor não a realiza no tempo devido por facto que lhe é imputável, mas já não lhe é permitida a sua realização posterior, em virtude do credor ter perdido o interesse na prestação ou ter fixado, após a mora, um prazo suplementar de cumprimento que o devedor desrespeitou (artigo 808).

Como se referiu, atendendo à delimitação do recurso, analisaremos apenas se, in casu, os autores perderam o interesse na prestação.

Efectuando uma síntese do essencial da factualidade que ficou demonstrada, importa reter que, com data de 11 de Maio de 2007, os autores prometeram comprar ao réu e estes prometeram vender-lhe o imóvel identificado nos autos, pelo preço global de 205.000 euros, posteriormente alterado para 200.000 euros e, em virtude do qual estes receberam dos autores, a título de sinal e princípio de pagamento, a quantia de 20.000 euros.

A parte restante do preço devia ser paga, com a outorga da escritura pública que os réus deviam marcar, até 30/11/2007, avisando os autores, com 15 dias de antecedência.

Acordaram, ainda, os autores e réus que o imóvel devia ser vendido livre de hipotecas, ónus ou encargos, só devendo haver tradição ou ocupação do imóvel pelos autores, após o pagamento do montante total e da outorga da escritura.

Porém, ao tratarem da documentação para o empréstimo bancário para a aquisição da moradia, foram os autores surpreendidos com o registo da aquisição do prédio referido, por compra, a favor dos autores, feito em 26/07/2007, sem nunca lhes terem dado conhecimento, ainda e também com o registo do arresto, feito em 26/07/2007, no valor de € 14.963,93.

Por isso, em 11/12/2007, foi celebrado um aditamento ao contrato, alterando o preço para 200.000 euros, estabelecendo-se o prazo limite para a celebração da escritura para 3/01/2008.

Nesta data de 3/01/2008, foi celebrado novo aditamento ao aludido contrato, fixando o prazo limite, antes referido, para 3/02/2008, sendo a alteração do preço uma compensação pelo imprevisto da demora.

Não obstante, no dia 4/02/2008, foi rectificado o valor do arresto, atrás referido, para 90.000 euros, agravando-se a situação.

Deste modo, considerando que o contrato – promessa não havia sido cumprido pelos réus, pois já foi ultrapassada em muito a data limite para a realização da respectiva escritura, bem como o prazo que, para além daquele, os autores resolveram conceder aos réus para regularização da situação, os autores enviaram aos réus cartas registadas, em 2008/03/17 e 2008/03/28, para “FF, L.da”, na Avenida …, nº …, em Coimbra e para a Loja nº …, do “CENTRO COMERCIAL ...”, na …, em Coimbra, cujos endereços foram apurados, a custo, pelos autores, exigindo que lhes fosse devolvido, no prazo máximo de 15 dias, o valor do sinal que tinham entregue, acrescido de igual quantia, o que perfazia um total de 40.000 euros.

Pretendiam, portanto, a resolução do contrato.

Essas cartas não foram recebidas pelos réus pelos motivos de “não atendeu” e “encerrado”, respectivamente, sendo certo que a “FF, L.da” é um mero armazém de mercadorias, usado na actividade de fotografia, desenvolvida pelos réus e no CENTRO COMERCIAL ..., ocupam os réus a loja 6 desde há cerca de um ano, ocuparam antes a loja 3, onde permaneceram um ou dois anos e ocuparam antes disso a loja 23 do dito.

E também os telemóveis informados e indicados nunca atendiam, quando os autores ligavam.

Aqui chegados, importará referir que a lei não se contenta com a simples perda (subjectiva) do interesse do credor na prestação em mora para decretar a resolubilidade do contrato. O n.º 2 do artigo 808º exige que a perda do interesse seja apreciada objectivamente, aferindo-se “em função da utilidade que a prestação para ele teria, embora atendendo a elementos susceptíveis de valoração pela generalidade da comunidade, justificada por um critério de razoabilidade própria comum das pessoas[3]”, ou seja, a perda do interesse há-de ser justificada segundo o critério de razoabilidade próprio do comum das pessoas.

Estamos, assim, em consonância com o Acórdão deste Supremo Tribunal de 27/10/2009, Processo 449/09.3YFLSB.C1.S2, 1ª Secção, citado pelos recorrentes.

Porém, para além dos requisitos específicos necessários à concessão do direito à resolução do contrato, “há que não olvidar o primordial princípio ínsito na ordem jurídica atinente ao dever de as partes actuarem com diligência, lealdade, colaboração e boa fé e cumprindo pontualmente, isto é, ponto por ponto, no tempo e lugar anuídos” (artigos 406º e 762º nº2 do CC), “tudo com vista à tutela do valor confiança que os contraentes depositam no cumprimento das prestações recíprocas, a qual é fulcral para o liminar estabelecimento e no ulterior normal fluir de negócios jurídicos necessários ao profícuo desenvolvimento do tráfego jurídico-económico”, como considera o acórdão recorrido, escudando-se nos acórdãos do STJ, que cita.

“Destarte”, acrescenta, “a violação dos aludidos deveres acessórios de conduta, a apreciar em função dos deveres co-envolvidos e do grau e intensidade dos actos perpetrados e que objectivamente revelem censura, que sejam conducentes à inexecução do contrato no prazo acordado, pode clamar, de per se, a conclusão sobre a vontade de não cumprir em tempo razoável e oportuno, com a consequente atribuição do direito à resolução”.

Pois que não é «justo que o credor – por mais tolerante que tenha sido na expectativa do cumprimento – esteja atido à vontade lassa do devedor»[4].

Se atentarmos ao que ficou provado, as partes anuíram na transmissão do bem livre de ónus ou encargos.

Porém, objectivamente, isto é, independentemente da actuação culposa dos réus nesse sentido, o imóvel veio a ser onerado por um arresto de quase 15.000 euros em 13/08/2007.

Tendo eles declarado que a venda se faria sem ónus ou encargos, competia aos réus provar que diligenciaram pela demonstração da sem razão de tal ónus e/ou que o mesmo seria oportunamente levantado. E ao que parece foram, com tal fito, acordados dois protelamentos na celebração da escritura.

Não obstante, o arresto não foi levantado. Pelo contrário, foi reforçado e, por sinal, exactamente no dia seguinte à data do termo do último prazo de marcação da escritura, ou seja em 4/02/2008. E reforçado significativamente para 90.000 euros, valor que se apresenta como considerável e relevante, não apenas em termos absolutos, como por comparação com os montantes envolvidos no negócio, valor que, obviamente, afectava ou poderia afectar, gravemente, a posição negocial dos autores.

Acresce que, no espaço temporal que mediou entre as datas dos adiamentos, ou seja entre 11/12/2007 e 3/02/2008, os réus não demonstraram que algo tivessem feito para o levantamento do arresto, antes se tendo provado que alteraram a sua residência sem darem conhecimento aos autores e nem sequer atendiam as chamadas destes para os telemóveis que lhes tinham indicado. Ou seja, “demonstra-se cabalmente uma actuação fugidia e omissiva dos demandados que não se compadece nem com os termos do contrato, nem com uma exigível actuação colaborante, leal e de boa fé”.

Poder-se-á, assim, concluir, objectiva e razoavelmente, que os autores deixaram de ter interesse no negócio, o qual, aliás, e em função dos indícios que os factos apurados permitem perspectivar, muito dificilmente seria celebrado nos termos inicialmente anuídos ou, no mínimo, em lapso de tempo sensatamente aceitável para os demandantes, como o acórdão recorrido considerou.

Não se vislumbra que um homem sensato e prudente, colocado na posição dos autores, continuasse dilatória e indefinidamente suspenso com a celebração do contrato, por dependência de uma exigível actuação dos réus no sentido do levantamento de um ónus gravemente afectante e prejudicial dos seus interesses, sem que os réus demonstrassem qualquer preocupação no levantamento do arresto, ainda que fosse possível aos réus proceder ao levantamento do arresto.

Nada, pois, a censurar ao acórdão recorrido. A pretensão dos autores tem de proceder, não apenas porque se encontra presente o requisito específico da perda do interesse do credor, como, outrossim, se alcança a verificação do fulcral e magno requisito genérico por virtude da actuação dos réus com violação ou postergação dos deveres de diligencia, lealdade, colaboração e boa fé.

O regime do contrato – promessa deve ser articulado com o regime do sinal.

O sinal funciona como fixação das consequências do incumprimento, uma vez que, se a parte que constituiu sinal deixou de cumprir a sua obrigação, a outra parte tem o direito de fazer sua a coisa entregue. Se o não cumprimento partir de quem recebeu sinal, tem este que o devolver em dobro (artigo 442º, n.º 2, 1ª parte).

Temos, assim, que o sinal só pode ser exigido em caso de incumprimento definitivo da obrigação pela outra parte, funcionando como pré – determinação das consequências desse incumprimento.

Demonstrado que os autores entregaram aos réus, como sinal, a importância de 20.000 euros e verificado que houve incumprimento definitivo dos réus por perda de interesse dos autores na prestação, resulta que, declarada a resolução do contrato, não podiam os réus deixar de ser condenados, como foram, no pagamento do dobro do sinal, isto é, 40.000 euros.

Concluindo:

1ª – Para ser decretada a resolubilidade do contrato, não basta a simples perda (subjectiva) do interesse do credor na prestação em mora. O n.º 2 do artigo 808º exige que a perda do interesse seja apreciado objectivamente, aferindo-se em função da utilidade que a prestação para ele teria, embora atendendo a elementos susceptíveis de valoração pela generalidade da comunidade, justificada por um critério de razoabilidade própria do comum das pessoas.

2ª – Se num contrato – promessa de compra e venda as partes acordam que a transmissão é livre de ónus ou encargos do imóvel, por 200.000 euros e, posteriormente, sobre ele é registado um arresto no valor inicial de 15.000 euros, em seguida reforçado para 90.000 euros, não tendo o promitente vendedor provado ter actuado com vista ao seu levantamento e não tendo marcado a escritura, como lhe competia, em três datas acordadas, antes se escapulindo a contactos com o promitente comprador, emerge, objectiva e razoavelmente, a verificação do requisito da perda do interesse na prestação

3ª – Aliás, não se vislumbra que um homem sensato e prudente, colocado na posição dos autores, continuasse dilatória e indefinidamente suspenso com a celebração do contrato, por dependência de uma exigível actuação dos réus no sentido do levantamento de um ónus gravemente afectante e prejudicial dos seus interesses, sem que os réus demonstrassem qualquer preocupação no levantamento do arresto, ainda que fosse possível aos réus proceder ao seu levantamento.

4ª – O sinal só pode ser exigido em caso de incumprimento definitivo da obrigação pela outra parte, funcionando como pré – determinação das consequências desse incumprimento.

5ª - Demonstrado que os autores entregaram aos réus, como sinal, a importância de 20.000 euros e verificado que houve incumprimento definitivo dos réus por perda de interesse dos autores na prestação, resulta que, declarada a resolução do contrato, não podiam os réus deixar de ser condenados, como foram, no pagamento do dobro do sinal, isto é, 40.000 euros.

5.

Nestes termos, nega-se a revista, confirmando-se o acórdão recorrido que, declarando resolvido o contrato – promessa celebrado com os réus, condenou estes a restituir aos autores a quantia recebida a título de sinal, em dobro, no valor de 40.000 euros, acrescida de juros legais desde a citação dos réus até integral pagamento.

Custas pelos recorrentes.

Lisboa, 6 de Julho de 2011

Granja da Fonseca (Relator)

Silva Gonçalves

Pires da Rosa

____________________
[1] Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Volume II, página 232.
[2] Autor e obra citada, página 232.
[3] Baptista Machado, RLJ, Ano 118º, 55; Almeida e Costa, RLJ, Ano 124º, 95 e 96.

[4] Acs. STJ de 12/01/2010; de 19/05/2010 e de 22/06/2010, respectivamente, in P. 218/06.2TVPRT.S1; P. 850/05.1TBLLE.E1.S1, e P.6134/05.8TBSTS.P1.S1, in www.dgsi.pt.