Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 6ª SECÇÃO | ||
Relator: | FERNANDES DO VALE | ||
Descritores: | CREDITO LABORAL PRIVILÉGIO CREDITÓRIO CONSTRUÇÃO CIVIL BEM IMÓVEL | ||
Data do Acordão: | 01/13/2015 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
Área Temática: | DIREITO CIVIL - LEIS, SUA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO. DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO / PRESTAÇÃO DO TRABALHO - INCUMPRIMENTO DO CONTRATO / GARANTIAS DE CRÉDITOS DO TRABALHADOR. | ||
Doutrina: | - Fernando Olavo, Direito Comercial, Vol. I, 2ª Ed. (1970), pp. 250, 268. - Gomes Canotilho e Vital Moreira, “Constituição da República Portuguesa”, Anotada, Vol. I, 4ª Ed., p. 777. - Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 12.ª Ed., p. 418. - Pedro Pais de Vasconcelos, Direito Comercial, Vol. I, p.75. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 9.º, N.º3. CÓDIGO DO TRABALHO (CT): - ARTIGOS 193.º, 333.º, N.º1, AL. B). CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 58.º, 59.º, Nº3. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES: -DE 30/05/2013, EM WWW.DGSI.PT . -*- ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO: -DE 22/10/2013, EM WWW.DGSI.PT . -*- ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 23/09/2010; -DE 13/11/2014, EM WWW.DGSI.PT . | ||
Sumário : | I - O que justifica a concessão do privilégio imobiliário especial aos créditos laborais é, sem dúvida, a especial ligação funcional – e não meramente naturalística – do trabalhador ao imóvel, através do exercício da sua actividade, a qual, tendo de ser circunscrita no espaço e no tempo, não pode ser reportada aos diversos prédios ou fracções autónomas em cuja construção tenha participado, o que, podendo até integrar já património alheio por via de subsequente comercialização, não pode constituir o imóvel em que o trabalhador presta a sua actividade, antes tendo de ser encarado como o resultado ou produto da respectiva actividade, como o seriam, v.g., os artigos de vestuário ou calçado produzidos pela respectiva entidade patronal que tais actividades tivesse por objecto. II - O entendimento contrário acarretará, designadamente nas empresas de construção civil, um tratamento discriminatório – completamente arbitrário e alheado do critério interpretativo dimanado do art. 9.º, n.º 3, do CC, e, pois, não prosseguido pelo legislador – entre trabalhadores da mesma empresa, conforme as funções por si exercidas o sejam no estabelecimento da respectiva sede – v.g. pessoal administrativo, da área financeira, de gestão, etc. – ou nos seus edifícios construídos ou em edificação – v.g. trolhas, serventes, carpinteiros, canalizadores, pintores, electricistas, etc. | ||
Decisão Texto Integral: | Proc. nº1145/12.0TBBCL-C.G1.S1[1] (Rel. 188)
Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça
1 – “AA, Lda” foi, por sentença de 04.05.12, já transitada em julgado, declarada insolvente. Aberto o concurso de credores, foram reclamados e reconhecidos pelo administrador da insolvência, os créditos que constam da lista junta de fls. 3 a 10 (com a rectificação introduzida a fls. 79 e segs). Tal lista foi objecto de impugnação, relativamente a alguns dos créditos. A lista definitiva, em conformidade com os acordos e decisões, entretanto, proferidas, foi apresentada pelo administrador da insolvência, constando a mesma de fls. 271 e segs. O tribunal procedeu à graduação dos créditos reconhecidos, a pagar pelo produto dos bens imóveis, pela seguinte forma: /
1º - O crédito reclamado pelos trabalhadores (id. na lista como proveniente de relações laborais, créditos nº/s 4, 6, 19, 27, 28, 30, 33, 34, 37 e 41); 2º - O crédito dos credores “BB” (nº 10), garantido por hipotecas sobre as verbas nº/s 7 a 14, e “CC” (nº/s 11 e 12), garantido por hipotecas sobre as verbas nº/s 1 a 6, 15 e 16); 3º - O crédito da Segurança Social (crédito nº/s 15 e 16); 4º - O crédito reclamado pela Fazenda Nacional (créditos nº/s 43 e 45 – parte – ou seja, IRS e IRC, nos termos acima delimitados); 5º - Os créditos comuns (e aqueles que não obtiveram pagamento com o funcionamento da respectiva garantia/privilégio); 6º - Por último, os créditos subordinados. Mais se decidiu, aí, que os pagamentos das dívidas da massa insolvente a que se refere o art. 51º do CIRE sairão precípuos do produto da venda. Inconformada com a sentença de verificação e graduação de créditos, na parte em que, pelo produto da liquidação de todos os bens imóveis apreendidos, graduou os créditos de natureza laboral com prevalência sobre os créditos hipotecários, apelou a credora “CC, S. A.”, tendo a Relação de Guimarães, por acórdão de 10.07.14 e na procedência da apelação, revogado a sentença recorrida, “no segmento em que reconheceu privilégio imobiliário especial aos créditos dos trabalhadores sobre os imóveis apreendidos para a massa, hipotecados para garantia dos créditos nos autos reconhecidos à apelante (verbas descritas no respectivo auto de apreensão sob os nº/s 1 a 6, 15 e 16)”, mais determinando que “os créditos da apelante (CCC), garantidos por hipoteca sobre esses imóveis, preferem e são graduados antes dos créditos dos trabalhadores”. Daí a presente revista interposta pelos trabalhadores da insolvente, DD, EE e FF, visando a revogação do acórdão recorrido, conforme alegações culminadas com a formulação das seguintes conclusões: /
1ª – O acórdão recorrido considerou assente a seguinte factualidade: 1 – A insolvente dedicava-se à construção civil; 2 – Nos presentes autos de insolvência, foram apreendidos dezasseis bens imóveis, oito deles…, hipotecados para garantia do crédito da “CC, S.A.”; 3 – Os imóveis apreendidos e hipotecados a favor da CC foram construídos pela insolvente no exercício da sua actividade; 4 – Os trabalhadores, ... , operários da construção civil, trabalharam nas obras da insolvente de construção desses imóveis (sublinhado nosso); 2ª – Dispõe o artigo 333º, nº1 alínea b), do Código do Trabalho – houve manifesto lapso na referência a Código “Civil” – que "os créditos emergentes de contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, pertencentes ao trabalhador, gozam de privilégio imobiliário especial sobre bem imóvel do empregador no qual o trabalhador presta a sua actividade "; 3ª – O privilégio imobiliário especial previsto no artigo 3330 do Código do Trabalho abrange todos os imóveis nos quais o trabalhador tenha prestado a sua actividade, não prevendo essa norma jurídica qualquer limitação ou exclusão ao âmbito de aplicação do referido privilégio; 4ª – Se o legislador quisesse ter restringido a atribuição do privilégio imobiliário especial aos imóveis onde o empregador tivesse a sua sede ou estabelecimento, certamente teria dado outra redacção a esse normativo legal, referindo claramente que aquele privilégio recairia apenas sobre o imóvel onde funcionasse a sede da empregadora; 5ª – A insolvente exercia a actividade industrial de construção civil, definindo-se esta como a actividade que engloba a execução de várias obras; 6ª – A construção civil é uma actividade que se exerce nas várias obras que as empresas têm em execução, e não apenas nas instalações onde funcionam as sedes das empresas; 7ª – Na construção civil, a parte principal da logística, da organização do trabalho, do parqueamento de equipamento ou dos próprios estaleiros das empresas encontram-se precisamente em locais que vêm a ser considerados como o produto da actividade ou da indústria dessas empresas, razão pela qual se justifica que o local de trabalho seja entendido em sentido amplo; 8ª – O acórdão recorrido refere que, no caso específico dos trabalhadores da construção civil, o respectivo local de trabalho é onde a empresa tem os seus estaleiros, armazéns e depósitos de materiais; 9ª – Ora, na construção civil, os estaleiros, armazéns e depósitos de materiais situam-se nas próprias obras que as empresas têm em curso, já que é nesse local que permanecem as gruas, as máquinas de movimentar terras, as máquinas de cortar e vergar ferro, todas as ferramentas utilizadas diariamente pelos trabalhadores; 10ª – Na construção civil é nas próprias obras que as empresas têm em curso que os trabalhadores se apresentam para desempenhar a sua actividade, é aí que recebem ordens dos superiores hierárquicos, bem como é aí que lhes é pago o salário; 11ª – Na construção civil é nas próprias obras que as empresas têm em curso que está instalado o refeitório, as casas de banho, o dormitório, o posto médico e o posto de vendas ao público; 12ª – No caso dos autos, e atendendo à actividade de construção civil a que a insolvente se dedicava, tem de se concluir que o local onde os recorrentes e demais credores laborais da insolvente prestavam a sua actividade não seria apenas no local da sede da empresa, mas, preferencialmente, nas obras que esta tinha em curso, 13ª – nas quais aqueles trabalharam, conforme foi considerado assente pelo acórdão em crise, 14ª – não havendo, assim, dúvidas de que os imóveis descritos no auto de apreensão como verbas nº/s 1 a 6, 15 e 16 haverão de estar sujeitos ao privilégio imobiliário especial que a lei confere aos trabalhadores; 15ª – Como bem decidiu já o Tribunal da Relação de Coimbra, no seu acórdão de 12.06.12 "do objecto do privilégio em presença apenas se exclui o património do empregador não afecto à organização empresarial, notadamente os imóveis destinados à fruição pessoal do empregador, tratando-se de pessoa singular, ou de qualquer outro modo integrados em estabelecimento diverso daquele em que o reclamante desempenhou o seu trabalho "; 16ª – Citando o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 31.01.13, com a expressa menção que passou a constar do anterior artigo 377º do Código do Trabalho e actual 333º, conferindo privilégio especial somente ao bem imóvel do empregador no qual o trabalhador preste a sua actividade, não se tem em vista uma ligação estritamente física e permanente entre o exercício de funções e aquele, mas apenas excluir desse privilégio todos aqueles imóveis que, no caso de insolventes singulares, estão exclusivamente destinados à fruição pessoal do empregador; 17ª – Decidiu também já o Supremo Tribunal de Justiça no sentido que o legislador pretendeu que os trabalhadores reclamantes gozam do privilégio relativamente a todos os bens imóveis integrantes do património dos insolventes afectos à sua actividade empresarial e não apenas sobre um específico prédio onde trabalham ou trabalhavam, e independentemente do seu particular posto e local de trabalho ser no interior ou exterior das instalações; 18ª – Face à factualidade dada como assente pelo acórdão recorrido, designadamente a constante do ponto 4, deveria aquele ter considerado como local de trabalho dos recorrentes e demais credores laborais da insolvente, todos os imóveis apreendidos para a massa insolvente, incluindo as verbas nº/s 1 a 6, 15 e 16 do auto de apreensão; 19ª – Em consequência, deveria o acórdão recorrido ter considerado que os créditos dos recorrentes e demais credores laborais da insolvente gozam do privilégio imobiliário especial previsto no artigo 333° do Código do Trabalho sobre todos os bens imóveis apreendidos nos presentes autos, incluindo os descritos no auto de apreensão como verbas nº/s 1 a 6, 15 e 16; 20ª – Da conjugação dos artigos 686° n° 1 e 751°, ambos do Código Civil, resulta que a garantia real e a preferência no pagamento do crédito conferidas pela hipoteca cedem perante privilégio especial, 21ª – pelo que deveriam os créditos dos recorrentes, detentores de privilégio imobiliário especial sobre todos os bens imóveis apreendidos para a massa, ser graduados em primeiro lugar relativamente ao produto da venda desses imóveis, incluindo dos garantidos por hipoteca a favor da “CC, S. A.”; 22ª – O acórdão recorrido, ao interpretar de forma restritiva o artigo 333° do Código do Trabalho, considerando que o mesmo confere privilégio imobiliário especial apenas sobre os imóveis que integram a sede ou o estabelecimento da insolvente, está a violar o disposto no n° 3 do artigo 59° da Constituição da República Portuguesa, 23ª – violando os direitos dos trabalhadores constitucionalmente consagrados nos artigos 58° e 59° da Constituição da República Portuguesa, nomeadamente o direito do salário gozar de garantias especiais; 24ª – O acórdão recorrido fez incorrecta interpretação e aplicação da lei, nomeadamente do disposto no artigo 3330 do Código do Trabalho, e nos artigos 6860 e 7510 do Código Civil, pelo que deve ser revogado e substituído por outro que confira privilégio imobiliário especial aos créditos dos recorrentes e demais credores laborais da insolvente, sobre todos os bens imóveis apreendidos para a massa insolvente. Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado procedente, com as consequências legais, assim se fazendo a COSTUMADA JUSTIÇA. Contra-alegando, defende a recorrida “CC, S. A.” a manutenção do julgado. Corridos os vistos e nada obstando ao conhecimento do recurso, cumpre decidir.
* 2 – A Relação teve por provados os factos numerados de 1 a 4 e constantes da conclusão 1ª supra, os quais, aqui, se têm por reproduzidos, para os legais efeitos.
* 3 – Perante o teor das conclusões formuladas pelos recorrentes e não havendo lugar a qualquer conhecimento oficioso, são as seguintes as questões que, no âmbito da revista, demandam apreciação e decisão por parte deste Tribunal de recurso: / I – Se, relativamente aos imóveis identificados no auto de apreensão como verbas nº/s 1 a 6, 15 e 16, os créditos dos recorrentes gozam, ou não, do privilégio imobiliário especial previsto na al. b) do nº1 do art.333º do Cod. do Trabalho, na redacção introduzida pela Lei nº 7/2009, de 12.02; II – Na negativa, se tal implica violação do preceituado nos arts. 58º e 59º, nº3 da CRP (Constituição da República Portuguesa). Apreciando:
* 4 – I – Como consta do antecedente relatório, “AA, Lda” foi declarada insolvente por sentença de 04.05.12, transitada em julgado, sendo, pois, aplicável à apreciação e decisão da 1ª questão enunciada o preceituado no art. 333º, nº1, al. b), do Cod. do Trabalho na sobredita redacção, a qual sucedeu ao preceituado na al. b) do nº1 do art. 377º do anterior Cod. do Trabalho, antecedido, por seu turno, do estatuído nos arts. 25º da LCT e 4º da Lei nº 96/2001, de 20.08. Nos termos do citado art. 333º, nº1, al. b), “Os créditos do trabalhador emergentes de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação gozam dos seguintes privilégios creditórios:…
(…) Privilégio imobiliário especial sobre o bem imóvel do empregador no qual o trabalhador presta a sua actividade”. Estando provado que: --- A insolvente dedicava-se à actividade da construção civil; --- Nos presentes autos de insolvência, foram apreendidos dezasseis bens imóveis, oito deles descritos no respectivo auto de apreensão como verbas nº/s 1 a 6, 15 e 16, hipotecados para garantia de créditos da “CC, S. A.”; --- Tais imóveis foram construídos pela insolvente, no exercício da sua actividade; --- Os recorrentes, operários da construção civil, trabalharam nas obras da insolvente de construção desses imóveis, pretendem os recorrentes que o mencionado privilégio imobiliário especial, legalmente estatuído a seu favor, incida sobre todos e cada um desses imóveis. Porém, muito embora a 1ª instância assim o tivesse entendido, falece razão aos recorrentes quando tal pretendem, como – bem – decidiu a Relação e sustenta a recorrida CCC, navegando, aliás, na corrente maioritária – senão unânime – em que conflui a generalidade dos correspondentes arestos dos Tribunais Superiores, para os quais, desde já, no omitido e com a devida vénia, se remete[2]. É que, desde logo, não deixa de ferir a sensibilidade jurídica do intérprete a circunstância de, na mais recente e, aqui, aplicável formulação legal, ter passado a constar a expressão “bem imóvel do empregador no qual o trabalhador presta a sua actividade”, aí onde, antes, se dizia “bens imóveis nos quais o trabalhador preste a sua actividade”. Com efeito, ali, contempla-se apenas um bem imóvel a isolar dos demais pelo facto de o trabalhador em causa lá prestar – no presente – a sua actividade, enquanto na paralela formulação se apontava para os imóveis – no plural – nos quais o trabalhador preste – admitindo a possibilidade de abrangência daqueles em que tenha prestado – a sua actividade. E, se é certo que esta última formulação ainda poderia despoletar dúvidas – quais os imóveis contemplados, os que (no caso de construção civil) estão a ser construídos, ou também os já construídos, há algum tempo e, eventualmente e entretanto, comercializados? E, se apenas aqueles, qual o fundamento legal da discriminação, uma vez que, num caso e noutro, o trabalhador teve idêntica intervenção e ligação laboral?!... –, a redacção vigente e a ter em conta não deixa, a tal propósito, lugar a dúvidas: apenas é contemplado o imóvel em que o trabalhador-credor presta a sua actividade. Para a determinação deste imóvel e atenta a natureza jurídica da insolvente, terá de convocar-se a noção de estabelecimento, definido pelo Prof. Fernando Olavo[3] como o “conjunto de elementos afectados pelo comerciante” (aqui, também industrial) “ao exercício da sua empresa”, consistindo esta, por seu turno e na definição do mesmo insigne Mestre, na “actividade profissionalmente exercida e dispondo de organização em ordem à realização de fins de produção ou troca de bens e de serviços”.[4] Para Monteiro Fernandes[5], “…o local de trabalho é, em geral, o centro estável (ou permanente) de actividade de certo trabalhador e a sua determinação obedece essencialmente ao intuito de se dimensionarem no espaço as obrigações e os direitos e garantias que a lei lhe reconhece”. Como consta do citado acórdão deste Supremo, sendo a sede “elemento obrigatório em termos de contrato de sociedade, como decorre do art. 9º, nº1, al. e) do CSCom”, aí é, decerto, o local de trabalho contratualmente definido para os respectivos servidores, de harmonia com o disposto no art. 193º do CTrabalho. Aliás, o que justifica a concessão do privilégio imobiliário especial aos créditos laborais é, sem dúvida, a especial ligação funcional – e não meramente naturalística – do trabalhador ao imóvel através do exercício da sua actividade, a qual, tendo de ser circunscrita no espaço e no tempo, não pode ser reportada aos diversos prédios ou fracções autónomas em cuja construção tenha participado, o que, podendo até integrar já património alheio por via de subsequente comercialização, não pode constituir o “imóvel em que o trabalhador presta a sua actividade”, antes tendo de ser encarado como o resultado ou produto da respectiva actividade, como o seriam, v. g., os artigos de vestuário ou calçado produzidos pela respectiva entidade patronal que tais actividades tivesse por objecto. Em suma, para o efeito que vem sendo considerado, não releva uma ligação ou conexão com um qualquer imóvel onde os trabalhadores tenham exercido funções, exigindo-se, antes, que esse imóvel faça parte integrante, de forma estável, da empresa encarada como unidade produtiva e emanação do complexo organizacional do empregador. Diga-se, finalmente, que só o entendimento perfilhado permite evitar, nas empresas de construção civil como a insolvente, discriminações de tratamento entre os trabalhadores das mesmas empresas, conforme as funções por si exercidas o fossem no estabelecimento da respectiva sede – v. g. pessoal administrativo, da área financeira e contabilística, de gestão, etc – ou nos seus edifícios construídos ou em edificação – v. g. trolhas, serventes, carpinteiros, canalizadores, pintores, electricistas, etc –, o que, sem qualquer dúvida, tornaria tais discriminações completamente arbitrárias e destituídas de fundamento legal e, mesmo, ético, e sem qualquer possibilidade de harmonização com o critério interpretativo dimanado do art. 9º, nº3, do CC. Concorda-se, pois, com a posição perfilhada no Ac. deste Supremo, de 23.09.10, onde, à semelhança do sustentado nos sobreditos arestos, se entendeu que ”…numa empresa de construção civil, os imóveis que lhe advêm como resultado da actividade que lhe é própria são o produto da organização empresarial, mas não são um elemento que a integra. Por outras palavras, resultam do estabelecimento do empregador, mas dele não fazem parte. Apesar de, após a sua conclusão, pertencerem ao património do empregador, não significa isto que, só por tal, passem a englobar o seu estabelecimento. O destino dos imóveis é, até, normalmente, outro, como seja a sua comercialização. E de acordo com a letra e o espírito do art. 377º” – hoje, 333º - “do C. Trabalho, o que o legislador pretendeu foi que o privilégio em causa versasse imóveis «nos quais» - hoje, imóvel no qual – “o trabalhador presta a sua actividade”. / II – Como evidenciam os autos, as fracções apreendidas e em relação às quais os trabalhadores recorrentes invocam a titularidade de correspondente privilégio creditório imobiliário (especial) não podem ser consideradas como o “imóvel em que os mesmos presta(ra)m a sua actividade”: embora possam ter constituído, temporariamente, o seu local de trabalho, mais não representam as mesmas que o resultado da actividade da empresa insolvente, integrando o respectivo património, mas não a unidade ou organização produtiva da empresa, que, aí, não está (nem, jamais, esteve) centrada. Assim, não integrando tais fracções, de forma estável, a organização empresarial da insolvente, nem estando as mesmas afectas à actividade por si prosseguida, não pode ser reconhecido aos recorrentes o invocado privilégio creditório imobiliário especial, conforme – bem – se decidiu na Relação. / III – Os recorrentes sustentam que a posição que se deixa propugnada viola o preceituado nos arts. 58º e 59º, nº3, ambos da CRP. Assim o não entendemos, todavia. Com efeito, aquele primeiro art. proclama que todos têm direito ao trabalho, enunciando, a propósito, o que, para assegurar tal direito, incumbe ao Estado: nada, pois, com interferência na temática que nos ocupa. Por seu turno, o invocado art. 59º, nº3 estatui que “Os salários gozam de garantias especiais, nos termos da lei”, assinalando, a propósito, os Profs. Gomes Canotilho e Vital Moreira[6] que “As garantias especiais incluirão, nomeadamente, privilégios creditórios…” Ora, estes não deixaram de ser criados pelo legislador ordinário, o qual, para o efeito, dispunha de total liberdade de conformação, nos termos proclamados pelo próprio preceito constitucional em análise. E o facto de os recorrentes não coincidirem na definição e determinação do exacto conteúdo do questionado privilégio creditório não torna inconstitucional o entendimento contrário, o qual, como se viu, até evita o tratamento discriminatório de trabalhadores que devem ser tratados de igual forma. Improcedendo, pois, as conclusões formuladas pelos recorrentes.
* 5 – Na decorrência do exposto, acorda-se em negar a revista, confirmando-se, assim, o acórdão recorrido. Custas pelos recorrentes, sem prejuízo do apoio judiciário com que litigam. / Lx 13 / 01 / 15 /
Fernandes do Vale (Relator) Ana Paula Boularot Pinto de Almeida ______________________ |