Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
00A3812
Nº Convencional: JSTJ00040936
Relator: RIBEIRO COELHO
Descritores: ARRESTO
PRESSUPOSTOS
LEGITIMIDADE PASSIVA
BENS DE TERCEIRO
RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL
Nº do Documento: SJ200102080038121
Data do Acordão: 02/08/2001
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 3440/99
Data: 01/27/2000
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO PARCIAL.
Área Temática: DIR PROC CIV - PROCED CAUT. DIR CIV - TEORIA GERAL.
Legislação Nacional: CPC95 ARTIGO 26 N3 ARTIGO 55 ARTIGO 56 ARTIGO 406 N2 ARTIGO 407 N1 N2.
CCIV66 ARTIGO 227 N1 ARTIGO 605 ARTIGO 611 ARTIGO 613 N1 N2 ARTIGO 619 N1 N2 ARTIGO 817.
Sumário : I- Ao cônjuge do credor, casado no regime de separação de bens, não se comunica o direito de crédito que sobre o devedor aquele tenha derivado de responsabilidade pré-contratual.
II- A norma que manda aplicar ao aresto as disposições relativas à penhora não implica que todas as regras relativas à execução sejam aplicáveis, designadamente as sobre a legitimidade processual.
III- A legitimidade passiva no aresto não coincide com a posição de devedor num título executivo nem com a titularidade de bens onerados com garantia real que beneficie uma dívida de outrem.
IV- O arresto pode ser requerido contra o adquirente de bens do devedor, se a respectiva transmissão tiver sido judicialmente impugnada, seja quando essa transmissão for objecto de impugnação pauliana seja quando for arguida de nulidade ao abrigo do artigo 605 CCIV.
V- A impugnação pauliana pode ser estendida a transmissões posteriores e à constituição de direitos a favor de terceiro e que tenham como objecto o bem transmitido.
VI- Quando o arresto visar acautelar efeitos da impugnação, designadamente a pauliana, a legitimidade passiva para o respectivo processo terá que coincidir com a legitimidade passiva para a acção de impugnação.
VII- Sendo o arresto requerido quando ainda não tiver sido impugnada a aquisição, o requerente deve alegar os factos que tornem provável a procedência da acção.
VIII- Mas, se já tiver sido intentada a acção, fica dispensado de alegar e provar os factos reveladores da sua viabilidade e não tem que provar a impossibilidade de satisfação do seu direito de crédito por parte do devedor nem de provar o risco de que o adquirente do bem transmitido o faça sair do seu património - o risco de perda de garantia patrimonial é de aferir face ao património do devedor transmitente e não face ao do adquirente.
IX- Um dos campos de aplicação da responsabilidade pré-contratual é o da ruptura de negociações entabuladas sem que se conclua o contrato tido em vista.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
Pelo 4º Juízo Cível do Tribunal Judicial da comarca de Lisboa A e B pediram contra C, D, E e sua mulher F, G e sua mulher H e ainda I e sua mulher J o arresto das fracções autónomas designadas pelas letras C e E do prédio urbano sito em Lisboa, para garantia de um crédito seu sobre o anterior proprietário do prédio, por terem impugnado judicialmente a transmissão feita por este a favor da primeira requerida através de contrato de compra e venda, sendo que esta, subsequentemente, prometeu vender, com eficácia real, a totalidade das fracções autónomas do prédio e o direito de uso do respectivo logradouro aos restantes requeridos.
Houve despacho de indeferimento liminar, do qual os requerentes agravaram, tendo a Relação de Lisboa proferido acórdão que julgou improcedente o recurso.
Daqui foi interposto recurso de agravo em 2ª instância no qual os agravantes formulam conclusões com o seguinte teor:
1- Os recorrentes analisaram cada um dos fundamentos da decisão da 1ª instância e alegaram, relativamente a cada um desses fundamentos, as razões da sua discordância, assim pondo em crise toda a decisão.
2- Os recorrentes formularam conclusões nas suas alegações de recurso, nas quais indicaram de forma sintética os fundamentos por que pediram a revogação da decisão e que antes desenvolveram.
3- A requerente é beneficiária de um arresto que incide sobre todo o prédio em que se integram as fracções autónomas a arrestar.
4- Os negócios jurídicos celebrados entre os requeridos visam afastar o ónus real que constitui aquele arresto, assim diminuindo a garantia patrimonial do crédito de ambos os requerentes da providência.
5- Os negócios jurídicos celebrados pelos requeridos, se pontualmente cumpridos, visam não só diminuir mas sim excluir a garantia patrimonial do crédito dos requerentes.
6- A requerente mulher tem, por isso, manifesto e directo interesse na causa, sendo por isso parte legítima.
7- Ao decidirem como decidiram, as instâncias violaram o disposto no art. 26º do CPC.
8- Por outro lado, os direitos reais adquiridos pelos 2º, 3º, 4º e 5º requeridos oneram, necessariamente, o direito de propriedade do prédio e por isso, também necessariamente, diminuem a garantia patrimonial do crédito dos requerentes, que consiste nesse mesmo prédio.
9- Acresce que ressalta cristalinamente dos autos, nomeadamente das relações existentes entre os requeridos, a probabilidade séria, senão a certeza, de que os negócios jurídicos entre eles celebrados tendo por objecto o prédio de Lisboa, se destinam a afastar ou dificultar seriamente a satisfação do crédito dos requerentes.
10- Por isso mesmo, os requerentes chamaram à acção principal os 2º, 3º, 4º e 5º requeridos, assim impugnando as respectivas transmissões de direitos reais sobre o prédio que constitui a garantia patrimonial do seu crédito.
11- O nº 2 do art. 619º do CC não pode ser interpretado no sentido de aludir unicamente aos adquirentes da plena propriedade dos bens do devedor, devendo ao invés ser interpretado no sentido de permitir que o arresto seja requerido contra adquirentes de direitos reais sobre os bens do devedor.
12- Só assim se acautelam os direitos dos credores, assegurando-lhes um meio cautelar de conservação da garantia patrimonial dos respectivos créditos.
13- Ao considerarem que os 2º a 5º requeridos não eram partes legítimas, as instâncias violaram o disposto nos arts. 619º do CC e 26º do CPC.
14- De todo o modo, sempre a presente providência cautelar deveria prosseguir e proceder relativamente à 1ª requerida.
15- Acresce que está demonstrada nos autos a probabilidade séria de existência do crédito dos requerentes.
16- Aliás, o facto de existir uma decisão judicial que considera provável a existência de determinado crédito é, por si só, suficiente para demonstrar a probabilidade séria de existência desse mesmo crédito.
17- Por outro lado, o montante do crédito não releva para efeitos de fundamentar um arresto e o crédito dos requerentes é ainda ilíquido, dependendo o seu montante da avaliação judicial do prédio, a efectuar na respectiva acção de indemnização.
18- Finalmente, o prédio em que se integram as fracções a arrestar constitui, por decisão judicial, a garantia patrimonial do crédito dos requerentes e o receio que os mesmos têm de perder essa garantia patrimonial funda-se no facto de a 1ª requerida ter celebrado contratos-promessa de compra e venda, com eficácia real, relativamente a todas as fracções autónomas do prédio.
19- Estão reunidos todos os pressupostos de decretamento da providência cautelar requerida.
20- Quer a 1ª quer a 2ª instâncias negaram aos recorrentes o direito a acautelar a garantia patrimonial de um seu crédito, cuja probabilidade de existência já foi decidida a seu favor, assim violando o disposto no art. 406º e 408º, nº 1 do CPC.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Vejamos os fundamentos em que assentou o indeferimento da providência.
Como o acórdão recorrido foi proferido com o uso da faculdade concedida pelo art. 713º, nº 5 do CPC, nada acrescentando ao constante do despacho de indeferimento proferido pelo Senhor Juiz do 4º Juízo Cível, há que fazer aqui uma síntese dos fundamentos deste.
Como fundamentos de facto, compreensivelmente - dado que se trata de um despacho liminar, anterior a qualquer apreciação de prova - encontra-se apenas um resumo do que foi alegado no requerimento inicial, com o seguinte teor:
a) Em 10/2/98 o requerente marido e o procurador do proprietário do prédio onde estão integradas as fracções arrestandas fecharam verbalmente a compra e venda do mesmo pelo preço de 110000000 escudos, comprometendo-se ambos a celebrar até 13/2/98 o contrato-promessa;
b) Em 13/2/98 aquele procurador informou o requerente marido de que tinha instruções do proprietário para celebrar contrato com I;
c) Alegando ter sofrido danos por quebra injustificada das negociações, os requerentes pediram e viram deferido arresto contra L para garantia e pagamento da indemnização de 50000000 escudos;
d) Em 26/3/98 os requerentes informaram a 1ª requerida do decretamento do arresto e no dia imediato informaram o proprietário do imóvel;
e) Não obstante isso, aquela e este celebraram em 20/4/98 uma escritura de compra e venda do prédio em questão;
f) Aquela registou provisoriamente a aquisição do prédio em data anterior ao registo do arresto e deduziu embargos de terceiro ao arresto, pretendendo que lhe não é oponível;
g) A mesma celebrou com terceiros contratos-promessa de compra e venda com eficácia real tendo por objecto a totalidade do prédio e vendeu aos seus sócios o direito de uso do logradouro;
h) O prédio tem duas fracções devolutas que os requeridos tencionam ocupar, o que diminui ou afasta mesmo a garantia patrimonial do crédito dos requerentes.
E os fundamentos jurídicos foram os seguintes:
A) A requerente é parte ilegítima porque, sendo casada com o requerente em regime de separação de bens, não se invocaram factos de onde se possa inferir ser ela contitular do direito a acautelar, emergente de negociações que só a ele diziam respeito;
B) O nº 2 do art. 619º do CC não pode valer, nem por interpretação extensiva nem por aplicação analógica, de forma a abranger, além do adquirente do prédio, os promitentes compradores do mesmo, o que exclui a possibilidade de o arresto ser pedido contra os 2º, 3º, 4º e 5º requeridos;
C) A simples circunstância de, após ter sido ajustada - o que é duvidoso ter sucedido efectivamente - a compra do prédio entre o requerente e o procurador do proprietário, o negócio ter sido celebrado com a 1ª requerida não basta para configurar a existência de um abuso de direito, sem o qual se não verifica a responsabilidade pré-contratual;
D) O requerente não alega um único facto que justifique o por si alegado receio de insatisfação do seu alegado crédito.

Ao primeiro destes fundamentos respeitam as conclusões 3ª a 7ª acima transcritas.
Ao segundo respeitam as conclusões 8ª a 13ª.
Ao terceiro respeitam as conclusões 15ª a 17ª.
Ao quarto respeita a conclusão 18ª.

I - Os requerentes, segundo alegam, são casados em regime de separação de bens.
Neste regime não há bens comuns; cada um conserva o domínio e fruição de todos os seus bens presentes e futuros - art. 1735º do CC -, sem prejuízo de haver situações de compropriedade sobre coisas ou de contitularidade de outros direitos, designadamente direitos de crédito, se o respectivo facto aquisitivo a ambos respeitar.
O crédito invocado resulta, de acordo com o alegado nos arts. 4º, 5º, 7º e 10º a 20º do requerimento inicial, do seguinte conjunto de factos:
- ter havido um compromisso para venda do prédio, na sequência de contactos entre o procurador do proprietário e o requerente marido, a concretizar num contrato-promessa de compra e venda, não sendo alegado quem neles figuraria, respectivamente, como comprador e promitente comprador;
- terem os requerentes feito despesas por confiarem na celebração do contrato verbalmente fechado;
- terem resultado para ambos danos não patrimoniais por não poderem ter passado a residir no 1º andar do prédio em causa e por terem perdido tempo com a obtenção de crédito bancário e com a colocação no mercado da sua actual casa;
- terem perdido a mais valia de 21000000 escudos, pelo menos, que para eles representaria a compra frustrada.

Embora só a respeito desta terceira e última componente do seu crédito os requerentes invoquem a responsabilidade pré-contratual, decorrente da ruptura das negociações aludidas, não se encontra no requerimento inicial, a respeito das duas primeiras, menção de outro facto ilícito que pudesse responsabilizar por elas o então proprietário do prédio, sendo, por isso, de as reconduzir também, naturalmente àquela ruptura e àquele instituto.
De acordo com Vaz Serra, Rev. Leg. Jur., ano 110º, pgs. 277-278, e Mota Pinto, Cessão de Posição Contratual, pgs. 350-353, a esta responsabilidade é de atribuir natureza obrigacional, pela sua origem na violação de deveres de boa fé e de consideração pela confiança da outra parte, resultantes, para quem nelas tenha intervindo, da entrada em negociações contratuais.
Os seus sujeitos activo e passivo serão, pois, aqueles entre quem as negociações foram estabelecidas em nome próprio ou com invocação de vínculo representativo.
Não se tendo invocado que o requerente marido nelas tivesse intervindo também em representação de sua mulher, e não podendo relevar aqui o facto de em anterior arresto requerido contra o então proprietário ter sido dado como provada - provavelmente na sequência do que nesse processo terá sido alegado para além do que consta do requerimento inicial que deu origem ao presente - a intervenção da requerente mulher nas negociações havidas, só aquele foi, com o então proprietário, sujeito da relação jurídica assim nascida.
O direito eventualmente emergente da ruptura imputada ao então proprietário não pode, pois, ter por credora a requerente mulher, quer porque não participou nos factos que o originaram, quer porque o mesmo não pode, dado o regime de bens do casamento, ter-se-lhe comunicado.
E sempre poderá dizer-se que, a reconhecer-se natureza extra-contratual à responsabilidade pré-contratual - o que é defendido entre nós por Almeida Costa, Responsabilidade Civil pela Ruptura das Negociações Preparatórias de um Contrato, pg. 93-95 -, sempre escasseariam decisivamente, no presente caso, factos integradores de um adequado nexo causal conducente à produção de danos em que fosse lesada a requerente mulher.
Com o que, concluindo-se ser-lhe alheia a relação jurídica em causa, não é de lhe reconhecer legitimidade activa, à luz do critério legal - cfr. art. 26º, nº 3 do CPC.
Invocam os agravantes ser ela já beneficiária de um arresto para garantia de um crédito de que é titular e que parece evidente que ao fechar o negócio o requerente marido agiu em seu próprio nome e também em nome de sua mulher.
Esta última consideração não colhe; se tal se passou dessa forma, trata-se de facto que não foi oportunamente alegado e que, por isso, não podemos considerar.
Por outro lado, não se discute nestes autos a subsistência desse arresto; pretende-se neles que se decrete um outro, que só poderá ter como sujeito activo quem for credor na relação creditícia que lhe servirá de fundamento; e nela, como se viu, não participa a requerente mulher.

II - Interessa saber, no âmbito da segunda questão a tratar, se os requeridos mencionados nos 2º a 5º lugares têm legitimidade passiva.
Como se disse, eles são promitentes compradores, com eficácia real, do prédio - caso dos referidos nos 2º e 5º lugares - e adquirentes de um direito de uso sobre o logradouro do mesmo - caso dos referidos nos 3º e 4º lugares.
Os seus direitos emergem de negócios jurídicos em que foi sujeito passivo a 1ª requerida, adquirente do prédio por compra e venda outorgada com L - o proprietário que, através de procurador, teve negociações com o primeiro requerente.
Embora o arresto apenas seja possível, em princípio, sobre bens do devedor por força do nº 1 do art. 619º do CC, permite o nº 2 deste preceito que a mesma medida seja requerida contra o adquirente dos bens do devedor caso a transmissão tenha sido judicialmente impugnada.
Suscita-se, pois, a questão da legitimidade passiva neste procedimento cautelar.
Uma primeira observação se impõe.
Quando o art. 406º, nº 2 do CPC diz que valem para o arresto, em princípio, as disposições relativas à penhora não faz uma remissão para todas as regras relativas à execução, designadamente as constantes dos arts. 55º e 56º do mesmo diploma.
Assim, a legitimidade passiva no arresto não coincide com a posição de devedor num título executivo - o qual até nem existirá na maior parte dos casos - nem com a titularidade de bens onerados com garantia real que beneficie uma dívida de outrem.
Sem necessidade de recorrer à regra geral contida no já citado art. 26º, nº 3 do CPC e ao critério do encabeçamento da relação jurídica de que é conteúdo o direito a acautelar, devemos atentar nas indicações que a própria lei civil dá a este respeito.
Por um lado, o art. 619º, nº 1, em linear coerência com o art. 817º do CC, diz que o arresto pode ser requerido sobre bens do devedor, no que é secundado pelo nº 1 do citado art. 406º; assim sucedeu no arresto decretado já sobre o prédio, na medida em que pertenceria ao aludido L.
Por outro lado, o nº 2 do mesmo art. 619º prevê ainda o arresto requerido contra o adquirente de bens do devedor, se a respectiva transmissão tiver sido judicialmente impugnada. Esta hipótese pode verificar-se, não só quando essa transmissão for objecto de impugnação pauliana - que, como se lê em Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 4ª edição, pg. 637, é o caso directamente previsto -, mas também quando for arguida de nula ao abrigo do art. 605º do mesmo Código.
Quem é, neste caso, o adquirente contra quem pode ser requerido o arresto?
Por comodidade referir-nos-emos apenas, doravante, ao caso directamente previsto e em causa nestes autos, que é, como se disse, o da impugnação pauliana.
A procedência desta envolve, desde logo, em relação ao credor impugnante a ineficácia do acto impugnado e a possibilidade de execução do bem transmitido para o terceiro - se transmissão tiver havido, o que não é indispensável, já que se não exige a venda, mas tão somente um acto que envolva diminuição de garantia patrimonial, como será a constituição de qualquer direito real menor - como se tivesse retornado ao património do devedor transmitente.
Daí que o arresto pudesse ter sido requerido contra a C, compradora do prédio - e cuja legitimidade passiva se não pôs em dúvida.
Porém, o art. 613º, nº 1 do CC permite que a impugnação pauliana seja estendida a transmissões posteriores, possibilidade esta que é alargada, no seu nº 2, à constituição de direitos a favor de terceiro e que tenham como objecto o bem transmitido.
Esta hipótese valerá, pois, no tocante a direitos reais que não sejam o direito de propriedade; alude-se a este propósito, exemplificativamente, a hipotecas, usufrutos e servidões - cfr. autores e obra citados, pg. 631 -, mas a mesma razão de ser leva a que a este regime fiquem também sujeitos o direito de uso e habitação e os próprios direitos reais de aquisição; trata-se de direitos que, por força dos efeitos da procedência da impugnação pauliana, verão a sua existência ou alcance postos em crise.
Uma vez que, no caso do citado nº 2 do art. 619º, o arresto visa acautelar os efeitos da impugnação, designadamente a pauliana, a legitimidade passiva para o respectivo processo terá que coincidir com a legitimidade passiva para a acção de impugnação. É o que decorre da instrumentalidade substantiva da providência face ao direito subjectivo a proteger e da dependência do procedimento cautelar face à acção onde ele é discutido.
Logo, os adquirentes aí referidos serão todos os primeiro e subsequentes compradores, mas também todos os primeiros e subsequentes adquirentes de outros direitos reais menores; ao dizê-lo não se está a fazer, contra o que as instâncias supuseram, quanto ao preceito aqui em vista uma interpretação extensiva nem, muito menos, uma aplicação analógica, mas antes a reconstituir o pensamento legislativo nele directamente expresso.

Assim se conclui pela legitimidade passiva dos 2º, 3º, 4º e 5º requeridos.
As decisões das instâncias, aliás, não atentaram em que a afirmação, que fizeram, de que os promitentes compradores não eram, para este efeito, adquirentes as não habilitava a também excluir do campo da legitimidade passiva os subsequentes adquirentes de um direito de uso, assim resultando infundamentadas as suas decisões quanto a estes.

III e IV - Com os terceiro e quarto argumentos as instâncias afirmaram não estarem configurados, ao nível do alegado no requerimento inicial, os requisitos necessários para o decretamento do arresto.
São eles habitualmente designados como o "fumus boni juris" - requisito substantivo da procedência dos procedimentos cautelares em geral e que consiste na probabilidade séria da existência do direito ameaçado, sem o que, de acordo com o art. 387º, nº 1 do CPC, a providência não será decretada - e o "periculum in mora" - ou seja, como diz o art. 381º, nº 1 do mesmo diploma, o risco de ser causada ao direito uma lesão grave e dificilmente reparável, a evitar mediante uma providência conservatória ou antecipatória que assegure a efectividade desse direito.
Por força da regra geral segundo a qual cabe a quem invoca um direito alegar e provar os respectivos elementos constitutivos - art. 342º, nº 1 do CC -, recai sobre o requerente do arresto o ónus da demonstração da verificação destes requisitos.
Há, porém, razões para entender que nesta modalidade específica de providência a lei é menos exigente do que na generalidade dos restantes casos.
O nº 1 do art. 619º do CC condiciona o arresto comum à existência do justo receio de perda da garantia patrimonial do crédito, o que faz recair sobre o credor o ónus de alegar e provar, com suficiente grau de probabilidade, que o crédito existe e que a sua efectivação prática, ou cobrança, corre risco se não for decretado o arresto. O art. 407º, nº 1 do CPC é espelho fiel deste encargo.
Mas o nº 2 daquele art. 619º estatui, de modo mais sumário, que o arresto pode ser requerido pelo credor contra o adquirente de bens do devedor, caso tenha sido judicialmente impugnada a transmissão.
Não se afirma aqui, designadamente, que esta segunda modalidade de arresto está condicionada à verificação da viabilidade da impugnação nem da necessidade da apreensão do bem transmitido para acautelamento da eficácia prática do direito de crédito invocado.
E o nº 2 do citado art. 407º confirma esta diferença, na medida em que, alargando a possibilidade de ser requerido o arresto aos casos em que ainda não tiver sido impugnada a aquisição - com o que excede aquela previsão do CC -, manda que nestes casos - e, naturalmente, só neles, ao contrário do que se passa na primeira hipótese visada - sejam deduzidos os factos que tornem provável a procedência da impugnação.
Nada disto tem lugar quando já tiver sido intentada a acção de impugnação, ficando o requerente dispensado de alegar e provar os factos reveladores da viabilidade desta, o que bem se compreende se atentarmos no regime especial que quanto ao ónus da prova consta do art. 611º do CC.
Nem tem que provar a impossibilidade de satisfação do seu direito de crédito por parte do devedor, nem tem que provar o risco de que o adquirente do bem transmitido o faça sair do seu património; o risco de perda da garantia patrimonial é de aferir face ao património do devedor transmitente - e não face ao do adquirente - e é evidenciado pela procedência da impugnação.
Caberá apenas ao requerente o encargo de demonstrar, sempre com atenção à menor exigência de certeza própria dos procedimentos cautelares, que é credor.

É altura de apreciar os fundamentos substanciais determinantes da solução adoptada pelas instâncias, os quais são os que no resumo do despacho de indeferimento liminar constam de C) e D).
O que acabámos de dizer sobre o que se exige, nestes casos, do requerente do arresto basta para mostrar a nossa discordância quanto ao que consta de D).
E quanto à invocada falta de requisitos indispensáveis para a configuração da responsabilidade pré-contratual?
Prevê expressamente o art. 227º, nº 1 do CC que a inobservância, por um dos contraentes, das regras da boa fé, tanto nos preliminares de um contrato como na formação deste, pode fazer incorrer na obrigação de reparar os danos causados à outra parte.
Trata-se de uma boa fé em sentido ético, que se não limita a uma atitude psicológica, antes tem como critério o que de justo ou injusto se faz recair sobre a outra parte.
Um dos campos de aplicação deste princípio é o da ruptura de negociações entabuladas, sem que se conclua o contrato tido em vista
Atende-se, aqui, a que "... o interesse do contratante em face do qual a ruptura se produza consiste em que seja poupado ao máximo a actividades e a dispêndios inúteis" - cfr. Almeida Costa, estudo citado, pg. 52.
E, versando especialmente a hipótese de essa ruptura ocorrer, não durante o processo negocial, mas já com o negócio fechado e faltando apenas a sua formalização, aí se lê, a pgs. 65-66: "A forma é apenas exigida para a celebração do contrato, envolvendo o encontro definitivo da proposta e da aceitação. Nada impede que decorra um anterior processo negociatório, em função do qual surjam, nos termos gerais, os problemas da confiança e da ruptura ilegítima. ............ Pode mesmo verificar-se a hipótese de o negócio se haver realizado «de facto», quer dizer, não revestido da forma jurídica exigida. Pense-se que A e B ajustaram verbalmente um contrato para ser reduzido a escrito, como a lei impõe; se A depois desiste desse contrato, antes de subscrevê-lo, responde, em princípio, pelos danos causados a B, tais como os derivados de despesas feitas com a preparação do documento, o pagamento do imposto de transmissão, a obtenção da sua contrapartida a entregar no acto da assinatura."
Estas considerações retratam, de modo muito próximo, o quadro descrito no requerimento inicial e concorrem no sentido da viabilidade da pretensão formulada, pelo que o despacho de indeferimento liminar não é de manter nos precisos termos em que foi proferido; dele apenas é de manter, como resulta do que se disse acima, a exclusão da requerente mulher, por ilegitimidade activa.
Em face do exposto concede-se provimento parcial ao agravo, mantendo-se o indeferimento liminar no tocante à requerente mulher e, no mais, deixando-se afirmada a legitimidade passiva dos requeridos indicados em 2º, 3º, 4º e 5º lugares e determinando-se o prosseguimento dos autos na 1ª instância com vista ao apuramento dos factos pertinentes e prolação de decisão que, conforme for devido, conceda ou negue o arresto pedido.
Custas a suportar definitivamente pelos requerentes na proporção de 1/5; o restante, a atender na acção, será por eles adiantado.
Lisboa, 8 de Fevereiro de 2001.
Ribeiro Coelho,
Garcia Marques,
Ferreira Ramos.