Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1703/16.3T8PNF.P1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: TOMÉ GOMES
Descritores: RECURSO DE REVISTA
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PRESUNÇÕES JUDICIAIS
ERRO NA APRECIAÇÃO DAS PROVAS
Data do Acordão: 10/17/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DOS DIREITOS / PROVAS / PRESUNÇÕES.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / ELABORAÇÃO DA SENTENÇA / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA / JULGAMENTO DO RECURSO.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 349.º E 351.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 607.º, N.º 4, 674.º, N.º 3 E 382.º, N.º 2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 25-11-2014, PROCESSO N.º 6629/04.0TBBRG.G1.S1, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :   
I. Segundo a jurisprudência corrente, o STJ só pode sindicar o uso de presunções judiciais pela Relação, se este uso ofender qualquer norma legal, se padecer de evidente ilogicidade ou se partir de factos não provados.

II. Nessa conformidade, pode ser sindicável em sede de revista o uso de presunções judiciais quando a lei o não admita, por violação, por exemplo, do artigo 351.º do CC, ou, quando admitindo-o, tal uso ocorra fora do condicionalismo legal traçado no artigo 349.º do mesmo Código, que exige a prova de um facto de base ou instrumental e a ilação a partir dele de um facto essencial presumido.

III. Relativamente ao erro sobre a substância do juízo presuntivo formado com apelo às regras da experiência, o mesmo só será sindicável pelo tribunal de revista em casos de manifesta ilogicidade.

IV. Para tanto, importa que da decisão de facto ou, porventura, da respetiva motivação constem os factos instrumentais a partir dos quais o tribunal tenha extraído ilações em sede dos factos essenciais, nos termos dos artigos 349.º do CC e 607.º, n.º 4, do CPC, ou até algum argumento probatório decisivo, que permitam, nessa base objetiva, aferir a ocorrência de manifesta ilogicidade.

V. Face ao preceituado nos artigos 674.º, n.º 3, e 682.º, n.º 2, do CPC, está vedado ao tribunal de revista indagar, por via da livre reapreciação da prova produzida, erro intrínseco na formação da convicção do julgador. 

Decisão Texto Integral:
Acordam na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:



I – Relatório


1. AA (A.) intentou, em 16/ 06/2016, contra BB (R.) ação declarativa, sob a forma de processo comum, alegando, no essencial, que: 

. A A. é tia de CC, falecida em 22/01/2016, com 58 anos de idade, no estado de solteira, sem ascendentes, irmãos ou sobrinhos sobrevivos, tendo como únicos sucessores legítimos os irmãos do pai, de entre os quais a própria A.;

. CC sempre viveu com a mãe e sua irmã DD, esta, por sua vez, casada com o R., o qual, após o casamento, passou a residir também com aquelas;

. Depois do falecimento de DD em 25/06/2012, CC começou a revelar, progressivamente, a perda das faculdades básicas que lhe permitissem tomar conta de si própria e, pelo menos a partir de fins de abril e inícios de maio de 2015, deixou de conseguir confecionar as refeições, de tratar da limpeza da roupa ou da habitação e de cuidar da sua medicação e higiene pessoal;     

. Em 12/05/2015, CC apresentava défices ao nível do funcionamento cognitivo global, do funcionamento executivo, memória, capacidade atencional, linguagem, capacidade percetiva e visuo-construtiva, com um perfil neuropsicológico e comportamental a sugerir um declínio cognitivo multi-domínios congruente com sintomatologia de demência moderada (provavelmente Alzheimer);

. Em 10/08/2015, foi detetado que CC já não falava nem tinha controlo de esfíncteres e disfagia, apresentando um quadro demencial, progressivamente, de moderado a grave,    

. Foi nesse quadro demencial que CC outorgou, em 14/05/2015, o testamento reproduzido a fls. 55-56 e, em 18/08/2015, a escritura de doação reproduzida a fls. 57-60, num e noutra, dispondo dos seus bens a favor do R., tendo aquela agido sob a forte influência deste;    

. Em tais circunstâncias, ao praticar aqueles atos, CC não teve sequer consciência de fazer qualquer declaração negocial, pelo que os mesmos não produzem qualquer efeito nos termos do art.º 246.º do CC, sendo o testamento também nulo em face do preceituado no art.º 2180.º deste Código;

. Ainda que assim se não entenda, o sobredito testamento é anulável, com fundamento em incapacidade natural da testadora, ao abrigo dos artigos 257.º e 2199.º do CC.

Concluiu a A. a pedir que:

a) – Em primeira linha, fosse declarado nulo o testamento outorgado, em 14/05/2015, por CC a favor do R.;   

 b) – Ou, se assim se não entender, que o mesmo fosse anulado;

  c) – Fossem declaradas nulas as doações outorgadas pela escritura de 18/08/2015, a favor do R. por conta da quota disponível;

 d) – Fosse o R. condenado a restituir todos os bens indevidamente recebidos da herança de CC. 

2. O R. apresentou contestação a impugnar o alegado pela A. sobre a invocada incapacidade de CC, sustentando, em síntese, que esta estava perfeitamente lúcida quando outorgou o testamento e a doação em causa, não padecendo de qualquer demência, mas apenas de uma doença do foro neurológico degenerativo.

3. Realizada a audiência final, foi proferida a sentença de fls. 475-508, datada de 03/05/2018, a julgar a ação procedente, decidindo-se:

a) – Declarar anulados o testamento e a doação em causa;

b) – Condenar o R. a restituir todos os bens recebidos à herança.

  4. Inconformado com essa decisão, o R. interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto, em sede de impugnação de facto e de direito, tendo sido proferido o acórdão de fls. 606-672, de 15/11/2018, nos termos do qual foi alterada a decisão de facto e julgada procedente a apelação no sentido de revogar a sentença da 1.ª instância e, em sua substituição, foi julgada a ação improcedente com a consequente absolvição do R. dos pedidos.  

 5. Desta feita, vem a A. pedir revista para o que formulou 29 conclusões de pendor excessivamente argumentativo, mas que, não obstante isso, contêm a configuração das seguintes questões a resolver:  

1.ª – A invocada nulidade do acórdão recorrido com base em oposição entre os fundamentos e a decisão, bem como em ambiguidade e obscuridade;

2.ª – A pretensa violação das regras prescritas no artigo 607.º, n.º 4, do CPC, respeitantes à elaboração da fundamentação do mesmo acórdão;

3.ª – A alegada ilogicidade e incoerência no uso de presunções judiciais, relativamente às alterações da decisão de facto introduzidas pela Relação quanto aos pontos 17, 19, 22, 29, 30 e 45 dos factos dados por provados na 1.ª instância;

4.ª – Nessa base, a pretensão de se considerar provada a matéria assente pelo Tribunal da Relação com exceção dos seguintes factos e respetiva redação:

- Facto 17: CC, numa noite foi encher o depósito da água, colocado num compartimento atrás da casa e lá acabou por adormecer; o mesmo aconteceu quando ia à casa de banho durante a noite, ficando adormecida na sanita.

- Facto 19: Pelo menos desde abril de 2015, a CC, começou a negligenciar a sua higiene pessoal e o cumprimento de simples tarefas como tomar banho, vestir-se, pentear-se ou cortar as unhas, tudo dependendo do impulso e da vigilância dos familiares, caso contrário, nunca as cumpria.

- Facto 22: Fazia confusão com o dinheiro não o reconhecendo, sendo incapaz de fazer pagamentos corretamente sozinha.

- Facto 29: Já em outubro de 2014 as funcionárias do dito Centro queixavam-se que a CC devia padecer de alguma doença na medida em que nunca tinha a roupa da mãe preparada e, muitas vezes, quando chegavam, ainda estavam ambas na cama, tendo que voltar mais tarde.

- Facto 30: Queixavam-se também que pediam, por exemplo, uma toalha à CC e ela, ou lhes dava um objeto trocado, ou ficava a olhar fixamente para elas, ou a rir-se, sem que nada o justificasse.

- Facto 45: CC não teve consciência dos atos que praticou ao fazer o testamento e doação referidos, porquanto, os mesmos foram celebrados quando esta já sofria de manifesto quadro demencial que a incapacitava totalmente de entender o que à volta dela acontecia, não sendo expressão da sua vontade.

5.ª - Tomando em conta os factos provados (com ou sem as alterações invocadas), a questão de saber se os mesmos permitem concluir pela incapacidade natural de CC aquando da outorga do testamento e da doação em causa e, consequentemente, pela anulação destes atos nos termos dos artigos 257.º e 2199.º do CC.

6. O Recorrido ofereceu contra-alegações, arguindo “a inadmissibilidade do objeto da revista” por extravasar o âmbito definido no artigo 674.º, n.º 3, do CPC, pugnando, no mais, pela confirmação do julgado.


  II – Delimitação do objeto da revista


    Conforme o já acima extratado das conclusões da Recorrente, as questões a resolver consistem nas seguintes: 

i) - A arguida nulidade do acórdão recorrido estribada em pretensa oposição entre os fundamentos e a decisão, bem como em ambiguidade e obscuridade;

ii) - A invocada violação das regras prescritas no artigo 607.º, n.º 4, do CPC, respeitantes à elaboração da fundamentação do acórdão;

iii) - A alegada ilogicidade e incoerência no uso de presunções judiciais, relativamente às alterações da decisão de facto introduzidas pela Relação quanto aos pontos 17, 19, 22, 29, 30 e 45 dos factos da-dos por provados na 1.ª instância.  

iv) – Em face da factualidade tida ou a ter como provada, a questão da verificação da incapacidade natural de CC, aquando da outorga do testamento de 14/05/2015 e da escritura de doação de 18/08/2015, ambos a favor do R., nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 257.º e 2.199.º do CC.   

        

      Cumpre apreciar e decidir.


III – Fundamentação


1. Factualidade dada por provada pelas instâncias


   A factualidade dada por provada na 1.ª instância, com as alterações introduzidas pela Relação, é a seguinte:

1.1. A A. intentou em 15 de fevereiro de 2016, providência cautelar especificada de arrolamento contra o Réu, a qual foi deferida.

1.2. A A. é tia de CC, falecida em 22 de Janeiro de 2016.

1.3. CC faleceu no estado de solteira, não tendo ascendentes, irmãos ou sobrinhos sobrevivos, deixando como herdeiros os seus tios, irmãos do seu pai EE

1.4. CC faleceu com 58 anos de idade, tendo sempre vivido com sua mãe e irmã – DD -, que, entretanto, casou com BB, ora R., que é, portanto, seu cunhado e que ali passou também a residir após o matrimónio; nunca tal casal tendo tido filhos.

1.5. Desde o falecimento de sua irmã, ocorrido em 25 de junho de 2012, e de sua mãe, em 7 de junho de 2015, que CC vivia na casa daquela, lá vivendo também o R., mesmo após o falecimento da sua esposa.

1.6. Após o falecimento da sua irmã, de quem era bastante próxima, começaram a verificar-se comportamentos “estranhos” de CC – enunciado eliminado pela Relação;

1.7. Tais comportamentos foram, inicialmente, associados ao luto, dada a forte ligação que existia entre as irmãs e, também, ao facto de, desde o falecimento da irmã, os cuidados da mãe da D. CC, doente de Alzheimer, estarem, numa fase inicial, a cargo da mesma – enunciado substituído pela Relação, passando a ter o seguinte teor:

Desde o falecimento da irmã, os cuidados da mãe de CC, doente de Alzheimer, estiveram a cargo da mesma.

1.8. Desde essa altura foi-se notando um descuido continuado à mãe por parte da D. CC – dado como não provado pela Relação;

1.9. Por volta do ano de 2013 os familiares foram notando que a CC ia perdendo as suas faculdades básicas, nomeadamente, as que lhe permitiam tomar conta de si própria – dado como não provado pela Relação;

1.10. Tal agravou-se devido ao facto de esta ter a seu cargo os cuidados da mãe, a exigir um grande esforço por parte de CC, o que acelerou o desenvolvimento do seu estado psíquico - enunciado substituído pela Relação, passando a ter o seguinte teor:

CC tinha a seu cargo os cuidados da mãe, a exigir um grande esforço da sua parte.

1.11. Em meados de 2014, a CC chegou a ausentar-se de casa deixando a sua mãe completamente só, sujeita aos perigos que a doença de que sofria acarretava, e quando saía de casa deixava a porta aberta – dado como não provado pela Relação;

1.12. A ela competia abrir a porta às prestadoras de cuidados encarregues da higiene pessoal da sua mãe, adormecendo e esquecendo-se de a abrir.

1.13. CC, até aí tida como uma pessoa calma e diligente, mostrou sinais de agressividade para com a mãe, tendo chegado a agredi-la física e verbalmente – dado como não provado pela Relação;

1.14. Em 08/08/2014, em consulta tida na especialidade de psiquiatria no Hospital …, em …, dadas as alterações cognitivas detectadas, foi sugerida pela Clínica que a observou, que a CC e sua mãe fossem integradas num Centro de Dia, por necessitarem de acompanhamento - enunciado substituído pela Relação, passando a ter o seguinte teor:

Em 08/08/2014, em consulta tida na especialidade de psiquiatria no Hospital …, em …, foi sugerido pela Clínica que a observou, que CC e sua mãe fossem integradas num centro de dia, por entender necessitarem de acompanhamento.

1.15. Em 15 de setembro de 2014 foi submetida à realização de uma TAC cerebral.

1.16. Com o decorrer do tempo, a D. CC deixou de conseguir confecionar as refeições, quer porque as deixava queimar, quer porque queria cozinhar coisas como arroz com flores - enunciado substituído pela Relação, passando a ter o seguinte teor:

Com o decorrer do tempo, CC deixou de conseguir confecionar as refeições.

1.17. A desorientação da falecida CC verificava-se, ainda noutras situações como por exemplo, numa noite foi encher o depósito da água, colocado atrás da casa e lá permaneceu imóvel durante horas, acabando por adormecer no local; o mesmo aconteceu quando ia à casa de banho durante a noite, ficando adormecida na sanita - enunciado substituído pela Relação, passando a ter o seguinte teor:

CC, numa noite, foi encher o depósito da água colocado atrás da casa e lá acabou por adormecer; o mesmo aconteceu quando foi à casa de banho durante a noite, ficando adormecida na sanita.

1.18. Face a esta factualidade, foi contratada, em novembro de 2014, uma empregada para a ajudar nos cuidados à mãe, a qual, por imposição do Réu, apenas ia lá a casa 2 horas por dia, tendo passado a tempo inteiro, durante o dia, em Agosto de 2015 face ao referido estado da CC e porque a partir de, pelo menos finais de Abril, inícios de Maio de 2015, a CC deixou de conseguir confeccionar qualquer refeição, fazer o tratamento da roupa, tomar a sua própria medicação e fazer a sua higiene pessoal e a limpeza da habitação - enunciado substituído pela Relação, passando a ter o seguinte teor:

Foi contratada, no final de 2014, uma empregada para a ajudar CC nos cuidados à mãe, a qual ia lá a casa 2 horas por dia, tendo passado a tempo inteiro, durante o dia, em agosto de 2015, face ao estado da CC, a qual, pelo menos a partir de finais de abril e inícios de maio de 2015, deixou de conseguir confecionar refeições, fazer o tratamento da roupa, tomar a medicação e fazer a higiene pessoal e a limpeza da habitação.

1.19. Pelo menos desde abril de 2015, CC, começou a negligenciar a sua higiene pessoal e o cumprimento de simples tarefas como tomar banho, vestir-se, pentear-se ou cortar as unhas, tudo dependendo do impulso e da vigilância dos familiares, caso contrário, nunca as cumpria – eliminado pela Relação;

1.20. CC chegou a ser encontrada, pelos seus familiares, vestida com a mesma roupa que usava há vários dias – dada por não provado pela Relação.

1.21. A empregada viu-se obrigada a guardar a medicação de CC, levando-lhe, diariamente, apenas os medicamentos necessários para o dia-a-dia, visto que, ela ou deitava medicação ao lixo, ou tomava comprimidos em excesso – dada por não provado pela Relação.

1.22. Fazia confusão com o dinheiro, não o reconhecendo, sendo incapaz de fazer pagamentos corretamente sozinha – dada por não provado pela Relação.

1.23. A sua saúde, física e mental, foi piorando, de modo galopante, dia após dia e, em Junho de 2015 já praticamente não falava, apenas emitia sons - enunciado substituído pela Relação, passando a ter o seguinte teor:

A sua saúde, física e mental, foi piorando e, em agosto de 2015, já praticamente não falava, apenas emitia sons.

1.24. Tinha já, em tal data, dificuldade em deglutir, nomeadamente, em ingerir líquidos - enunciado substituído pela Relação, passando a ter o seguinte teor:

Tinha, em agosto de 2015, dificuldade em deglutir, nomeadamente, em ingerir líquidos.

1.25. Estava permanentemente com a boca aberta, acabando por se babar - enunciado substituído pela Relação, passando a ter o seguinte teor:

Na data referida no facto anterior, CC babava-se.

1.26. Ria-se sozinha e sem motivo aparente e sentava-se e ficava imóvel com o olhar vago e demonstrando tiques – dado por não provado pela Relação.

1.27. Apresentava embaraço no âmbito da orientação quando circulava fora de casa, pelo que seus familiares já não permitiam que o fizesse sozinha – dado por não provado pela Relação;

1.28. Pela A. e seus irmãos foi contratado o serviço do Centro Social do …, em meados de 2014, que apoiava a CC, tratando da higiene diária de sua mãe.

1.29. Já em Outubro de 2014 as funcionárias do dito Centro queixavam-se que a CC devia padecer de alguma doença na medida em que nunca tinha a roupa da mãe preparada e, muitas vezes, quando chegavam, ainda estavam ambas na cama, tendo que voltar mais tarde – dado por não provado pela Relação;

1.30. Queixavam-se também que pediam, por exemplo, uma toalha à CC e ela, ou lhes dava um objeto trocado, ou ficava a olhar fixamente para elas, ou a rir-se, sem que nada o justificasse – dado por não provado pela Relação;

1.31. Dada a debilidade de CC e por aconselhamento de um senhor enfermeiro que ia a casa da mesma fazer tratamentos a sua mãe, em finais de fevereiro, inícios de março de 2015, a A. e outros familiares verificaram que a CC necessitava de acompanhamento médico especializado e, em virtude disso, levaram-na a uma consulta de neurocirurgia, em 14 de abril de 2015, à Clínica Médica de …, com a Dr.ª FF, a qual avaliou a CC e solicitou provas de avaliação neuropsicológicas e encaminhando a senhora para o serviço de neurologia do Centro Hospitalar do ..., … – substituído pela Relação, passando a ter o seguinte teor:

Familiares de CC, por entenderem que a mesma necessitava de acompanhamento médico especializado, levaram-na a uma consulta de neurocirurgia, em 14 de abril de 2015, à Clínica Médica de …, com a Dr.ª FF, que a reencaminhou para avaliação neuropsicológica.

1.32. Onde a CC foi vista, pela primeira vez, em 24 de Abril de 2015, pela Drª. GG que, no seu relatório concluiu, para além do mais, que a CC se encontrava medicada com os fármacos, que se se encontrava desorientada, conversava pouco, calma e sorridente – substituído pela Relação, passando a ter o seguinte teor:

No Centro Hospitalar do …, …, CC foi vista, em 24 de abril de 2015, pela Drª. GG que, no diário clínico da respetiva consulta externa, fez constar que aquela se encontrava medicada com Donepezilo 10mg/dia e Sertralina 50mg/dia, e na consulta estava desorientada, pouco conversadora, calma e sorridente.

1.33. A CC foi sujeita a provas de avaliação neuropsicológicas, durante três sessões em dias diferentes, de onde resulta, entre o mais, que a mesma apresentava em 12 de maio de 2015, défices ao nível do funcionamento cognitivo global, funcionamento executivo, memória, capacidade atencional, linguagem e capacidade percetiva e visuo-construtiva.

1.34. Tal relatório acrescenta que o perfil neuropsicológico e comportamental sugere um declínio cognitivo multi-domínios congruente com sintomatologia de demência moderada (provavelmente Alzheimer), referindo que os critérios para quadro demencial encontram-se preenchidos

1.35. Durante tais sessões, a CC apresentou défices em todas as áreas cognitivas realizadas e desfazia o lenço de papel que trazia nas mãos, mantinha uma posição inclinada em cima da mesa, não articulava palavras e estava sempre a rir-se.

Os pontos 34 e 35 foram substituídos pela Relação, conjuntamente, pelo seguinte:

O resultado das provas de avaliação neuropsicológica mencionadas no facto 33 consta do relatório de fls. 49 a 52, que aqui se dá por reproduzido.

1.36. Em 10 de agosto de 2015, CC teve nova consulta com a Dr.ª GG, onde foi detetado que a mesma já não falava, não tinha controlo de esfíncteres e disfagia, apresentando um quadro demencial moderado a grave, em progressão.

1.37. A situação foi-se agravando e CC chegou a acamar, sendo que, já não falando há muito, deixou até de comer, tendo sido necessário introduzir-lhe uma sonda.

1.38. Tendo sido levada algumas vezes ao hospital, esteve internada no Hospital CUF no …, vindo a falecer no dia 22 de janeiro de 2016.

1.39. Aquando da celebração do testamento e da doação, respectivamente, em 14/05/2015 e 18/08/2015, a CC já sofria de um manifesto quadro demencial que a incapacitava totalmente de entender o que à volta dela acontecia, bem como não conseguia exprimir a sua vontade, não falava, não conhecia o dinheiro, nem se concentrava em ouvir o que lhe diziam, em manifesta conduta alheada da realidade e não percebia o alcance do que lhe era transmitido, rindo-se sem razão em contextos sem qualquer razão para tal, mostrando-se incapaz de reger a sua pessoa e bens – dado por não provado pela Relação.

1.40. Quando celebrou o testamento, após a realização das provas de avaliação neuro-psicológicas, CC já mal falava, não cuidava de si, e praticava já desde 2014 as condutas supra descritas, reveladoras de quadro demencial o que ocorria também em agosto de 2015 – substituído pela Relação, passando a ter o seguinte teor:

Quando celebrou o testamento, CC já falava pouco e tinha dificuldade em cuidar de si, e em agosto de 2015, não conseguia falar.

1.41. Quer antes, quer depois do falecimento de sua irmã, esposa do aqui R., em 2012, era a aqui A. quem ia com a mãe da CC aos médicos, bancos e às compras – dado por não provado pela Relação;

1.42. A mãe da CC faleceu e foi o Réu quem procedeu ao levantamento de € 5.000,00 para alegadamente pagar o funeral da mesma e quando a esposa do Réu faleceu, a mãe da mesma tinha uma conta no banco com saldo que rondava os € 90.000,00 e, quando a própria mãe faleceu, já só existam cerca de € 70.000,00.

1.43. Atento o grau de dependência de CC, e o seu estado de demência conhecido do R., este levou a que esta fizesse o testamento em 14 de maio de 2015, no Cartório Notarial de …, no âmbito do qual o instituiu herdeiro da quota disponível da sua herança, bem como a doação, a qual foi levada a efeito em 18 de agosto de 2015, no mesmo Cartório Notarial, no âmbito do qual consta a doação dos seguintes imóveis sitos no Lugar de …, freguesia de …, concelho de …:

- um prédio urbano, composto por casa térrea, casa parte térrea e parte sobradada, quinteiro com ramada e quintal, Campo do …, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º 1419, …, inscrito na matriz respectiva sob o artigo 155 com o valor patrimonial e atribuído de € 13.270,00 e, artigo 234 com o valor patrimonial atribuído de € 14.020,00;

- um prédio rústico denominado “Campo do …”, composto de campo de cultivo e, ainda uma horta com eira e alpendre, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º 1413, …, inscrito na matriz respectiva sob o artigo 221 com o valor patrimonial e atribuído de € 118,50;

- um prédio rústico denominado “Campo da …”, composto de cultura, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º 1416, …, inscrito na matriz respectiva sob o artigo 224 com o valor patrimonial e atribuído de € 3,76;

- um prédio rústico composto de cultura com videiras em bardo, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º 11756, …, inscrito na matriz respectiva sob o artigo 222 com o valor patrimonial e atribuído de € 47,20

O enunciado do ponto 43 foi substituído pela Relação pela expressão:

   Provado apenas o que consta das respetivas escrituras públicas.

1.44. Apoderou-se ainda o R. dos montantes que CC possuía, em contas bancárias, designadamente do montante de cerca de € 70.000,00 que se encontrava nas contas bancárias n.º 03…200, n.º 20…930 e n.º 03…700 da Caixa … – substituído pela Relação, passando a ter o seguinte teor:

Provado apenas que em 20/01/2016, o R. creditou numa conta de CC, com o n.º PT 003…61 a quantia de € 54.425,00; em 26/01/2016, levantou dessa mesma conta, creditando uma sua, a quantia de € 54.000,00.

1.45. CC não teve consciência dos actos que praticou ao fazer o testamento e doação referidos, porquanto, os mesmos foram celebrados quando esta já sofria de manifesto quadro demencial que a incapacitava totalmente de entender o que à volta dela acontecia, não sendo expressão da sua vontade - dado por não provado pela Relação.

1.46. Ainda em vida da CC e como forma de proteger todo o seu património mobiliário e imobiliário, os familiares desta dirigiram-se aos serviços do Ministério Público de … e, apresentaram a situação quanto à incapacidade, o que deu lugar à abertura do processo administrativo que com o n.º 468/15.0 T9FLG, onde foram ouvidos a A. e o R., não tendo o mesmo seguido os ulteriores termos processuais por força do passamento de CC – suprimida pela Relação a expressão em itálico.


2. Do mérito da revista


2.1. Quanto à invocada nulidade do acórdão recorrido


A Recorrente refere, genericamente, sob art.º 5.º das suas alegações, que a presente revista tem por fundamento a nulidade prevista no art.º 615.º, n.º 1, alínea c), do CPC, porquanto os fundamentos do acórdão recorrido estão em oposição com a decisão e ainda por ocorrer ambiguidade e obscuridade a tornar esta decisão ininteligível.

Mas só a partir dos artigos 74.º e seguintes do mesmo corpo de alegações é que se percebe que o referido vício vem estribado no entendimento de que, ao se ter concluído, no acórdão recorrido, pela não verificação da alegada incapacidade natural de CC, aquando da outorga do testamento e doação em causa, se decidiu em oposição aos factos ali dados como provados nos pontos 17, 18, 23, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 40, 42, 43, 44 e 46.


Ora o artigo 615.º, n.º 1, alínea c), aplicável aos acórdãos da Relação por força do art.º 666.º, n.º 1, ambos do CPC estatui a nulidade da sentença quando:

Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.

    Como é sabido, trata-se de vícios formais erigidos em fundamento de invalidade da sentença cível na sua dimensão de ato processual. Significa isto que tais vícios só ocorrem quando sejam obstativos de qualquer pronunciamento de mérito ou demérito sobre o objeto do julgado.

    No respeitante em especial ao vício de oposição entre os fundamentos e a decisão, tem vindo a entender-se, de forma pacífica, que tal vício só se verifica quando se evidencie uma recíproca exclusão lógica entre essas duas componentes do ato decisório, o que, em tais circunstâncias, inviabilizaria qualquer pronunciamento sobre o mérito da causa.

         Não é, pois, manifestamente o caso em apreço.

     Com efeito, apesar dos factos dados por provados indicados pela Recorrente, o tribunal a quo, tendo ainda em conta os demais factos dados como não provados, considerou que aqueles não eram suficientes para se concluir que CC estivesse incapacitada para compreender o sentido e alcance do testamento e da escritura de doação, por ela outorgados a favor do R., respetivamente, em 14/05/2015 e 18/08/2015.  

     Nessa perspetiva, a questão controvertida sobre a concludência ou não desses factos no sentido pretendido pela Recorrente não encerra, minimamente, quaisquer traços de contradição formal, ambiguidade ou obscuridade que tornem ininteligível a decisão recorrida.

  Termos em que, sem necessidade de mais considerações, improcede a arguida nulidade do acórdão recorrido.


2.2. Quanto à alegada violação dos parâmetros estabelecidos no art.º 607.º, n.º 4, do CPC


Suscita também a Recorrente a violação, por parte da Relação, do disposto no artigo 607.º, n.º 4, do CPC, o que aparece depois disseminado com as questões sobre o alegado uso indevido das presunções judiciais.

Ora o citado normativo disciplina o método de elaboração da fundamentação da sentença, aplicável, como as devidas adaptações, aos acórdãos da Relação por via do artigo 663.º, n.º 2, do CPC.

Sucede que, no caso presente, o acórdão recorrido apreciou a impugnação do R./apelante sobre cada um dos pontos de facto visados, dados por provado na 1.ª instância, fazendo a apreciação crítica dos meios de prova que teve por relevantes e concluindo, especificamente, em relação a cada um desses pontos de facto, em função dessa análise, pela sua manutenção, alteração ou supressão.

Vem, no entanto, a A./Recorrente insurgir-se agora contra a alteração dos pontos de facto 17, 19, 22, 29, 30 e 45, pugnando para que sejam dados como provados com o teor que propõe.

Para tanto, a Recorrente rebate as considerações probatórias feitas pelo tribunal a quo para justificar as alterações introduzidas, discordando da valoração dos concretos meios de prova ali reapreciados.  

Significa isto que a motivação dada por aquele tribunal se mostra adequada à compreensão dos fundamentos da alteração da decisão de facto, proporcionando, nessa medida, à A. o exercício esclarecido do seu direito de impugnação.

No mais, não se divisa nem a Recorrente demonstra que o método de fundamentação seguido no acórdão recorrido revele violação dos parâmetros formais estabelecidos no artigo 607.º, n.º 4, do CPC, evidenciando-se sim que o Tribunal da Relação procurou, como lhe competia, formar convição própria sobre os factos objeto de impugnação por parte do apelante, fê-lo mediante análise crítica dos concretos meios de prova e com a especificação dos fatores tidos por decisivos nessa apreciação.

Termos em que improcedem também, neste particular, as ra-zões da Recorrente.        


2.3. Quanto ao invocado erro no uso de presunções judiciais


Desde já, convém reter que o que está em causa na presente ação é saber se CC, sobrinha da aqui A., padecia de incapacidade natural quando outorgou, em 14/05/2015, o testamento reproduzido a fls. 55-56 e, em 18/08/2015, a escritura de doação reproduzida a fls. 57/60, num e noutra, dispondo dos seus bens a favor do R., em termos de não entender nem querer a realização desses atos.


Na 1.ª instância, considerou-se, em síntese, que dos relatórios médicos juntos e explicados em audiência pelos médicos que observaram CC resulta “um diagnóstico claro e certo de demência na vertente de doença de Alzheimer (mas pelo menos demência sempre certa) já à data da celebração quer do testamento quer da doação” aqui em causa, prova essa não seria abalada pela contraprova do R..    

Por outro lado, foram desvalorizados os depoimentos das testemunhas apresentadas pelo R. e, em especial, o depoimento de HH, notária que exarou os referidos instrumentos notariais.

Dos factos ali dados por provados destacam-se como de maior relevo os seguintes:

17. A desorientação da falecida CC verificava-se, ainda noutras situações como por exemplo, numa noite foi encher o depósito da água, colocado atrás da casa e lá permaneceu imóvel durante horas, acabando por adormecer no local; o mesmo aconteceu quando ia à casa de banho durante a noite, ficando adormecida na sanita.

19. Pelo menos desde abril de 2015, CC, começou a negligenciar a sua higiene pessoal e o cumprimento de simples tarefas como tomar banho, vestir-se, pentear-se ou cortar as unhas, tudo dependendo do impulso e da vigilância dos familiares, caso contrário, nunca as cumpria.

22. Fazia confusão com o dinheiro, não o reconhecendo, sendo incapaz de fazer pagamentos corretamente sozinha.

23. A sua saúde, física e mental, foi piorando, de modo galopante, dia após dia e, em junho de 2015 já praticamente não falava, apenas emitia sons;

29. Já em outubro de 2014 as funcionárias do dito Centro queixaram-se que a CC devia padecer de alguma doença na medida em que nunca tinha a roupa da mãe preparada e, muitas vezes, quando chegavam, ainda estavam ambas na cama, tendo que voltar mais tarde

30. Queixavam-se também que pediam, por exemplo, uma toalha à CC e ela, ou lhes dava um objeto trocado, ou ficava a olhar fixamente para elas, ou a rir-se, sem que nada o justificasse

31. Dada a debilidade de CC e por aconselhamento de um senhor enfermeiro que ia a casa da mesma fazer tratamentos a sua mãe, em finais de fevereiro, inícios de março de 2015, a A. e outros familiares verificaram que a CC necessitava de acompanhamento médico especializado e, em virtude disso, levaram-na a uma consulta de neurocirurgia, em 14 de abril de 2015, à Clínica Médica de …, com a Dr.ª FF, a qual avaliou a CC e solicitou provas de avaliação neuropsicológicas e encaminhando a senhora para o serviço de neurologia do Centro Hospitalar do …, … .

32. Onde a CC foi vista, pela primeira vez, em 24 de Abril de 2015, pela Drª. GG que, no seu relatório concluiu, para além do mais, que a CC se encontrava medicada com os fármacos, que se se encontrava desorientada, conversava pouco, calma e sorridente.

33. A CC foi sujeita a provas de avaliação neuropsicológicas, durante três sessões em dias diferentes, de onde resulta, entre o mais, que a mesma apresentava em 12 de maio de 2015, défices ao nível do funcionamento cognitivo global, funcionamento executivo, memória, capacidade atencional, linguagem e capacidade perceptiva e visuo-construtiva.

34. Tal relatório acrescenta que o perfil neuropsicológico e comportamental sugere um declínio cognitivo multi-domínios congruente com sintomatologia de demência moderada (provavelmente Alzheimer), referindo que os critérios para quadro demencial encontram-se preenchidos

35. Durante tais sessões, a CC apresentou défices em todas as áreas cognitivas realizadas e desfazia o lenço de papel que trazia nas mãos, mantinha uma posição inclinada em cima da mesa, não articulava palavras e estava sempre a rir-se.

36. Em 10 de agosto de 2015, CC teve nova consulta com a Dr.ª GG, onde foi detetado que a mesma já não falava, não tinha controlo de esfíncteres e disfagia, apresentando um quadro demencial moderado a grave, em progressão.

37. A situação foi-se agravando e CC chegou a acamar, sendo que, já não falando há muito, deixou até de comer, tendo sido necessário introduzir-lhe uma sonda.

39. Aquando da celebração do testamento e da doação, respectivamente, em 14/05/2015 e 18/08/2015, a CC já sofria de um manifesto quadro demencial que a incapacitava totalmente de entender o que à volta dela acontecia, bem como não conseguia exprimir a sua vontade, não falava, não conhecia o dinheiro, nem se concentrava em ouvir o que lhe diziam, em manifesta conduta alheada da realidade e não percebia o alcance do que lhe era transmitido, rindo-se sem razão em contextos sem qualquer razão para tal, mostrando-se incapaz de reger a sua pessoa e bens

40. Quando celebrou o testamento, após a realização das provas de avaliação neuro-psicológicas, CC já mal falava, não cuidava de si, e praticava já desde 2014 as condutas supra descritas, reveladoras de quadro demencial o que ocorria também em agosto de 2015

45. CC não teve consciência dos actos que praticou ao fazer o testamento e doação referidos, porquanto, os mesmos foram celebrados quando esta já sofria de manifesto quadro demencial que a incapacitava totalmente de entender o que à volta dela acontecia, não sendo expressão da sua vontade

De entre eles, os que melhor tendem a configurar o diagnóstico e a evolução da situação de incapacidade de CC dada como provada são os constantes dos pontos 33 a 40 e 45.


Porém, a Relação, reapreciando a decisão de facto na parte impugnada pelo R., eliminou os pontos 19 e deu como não provados, entre outros, os factos constantes dos pontos 22, 29, 30, 39 e 45.

A par disso, alterou a redação dos seguintes pontos na forma que segue:

17. CC, numa noite, foi encher o depósito da água colocado atrás da casa e lá acabou por adormecer; o mesmo aconteceu quando ia à casa de banho durante a noite, ficando adormecida na sanita.

23. A sua saúde, física e mental, foi piorando e, em agosto de 2015, já praticamente não falava, apenas emitia sons.

31. Familiares de CC, por entenderem que a mesma necessitava de acompanhamento médico especializado, levaram-na a uma consulta de neurocirurgia, em 14 de abril de 2015, à Clínica Médica de …, com a Dr.ª FF, que a reencaminhou para avaliação neuropsicológica.

32. No Centro Hospitalar do …, …, CC foi vista, em 24 de abril de 2015, pela Drª. GG que, no diário clínico da respetiva consulta externa, fez constar que aquela se encontrava medicada com Donepezilo 10mg/dia e Sertralina 50mg/dia, e na consulta estava desorientada, pouco conversadora, calma e sorridente.

34. e 35. O resultado das provas de avaliação neuropsicológica mencionadas no facto 33 consta do relatório de fls. 49 a 52, que aqui se dá por reproduzido.

40. Quando celebrou o testamento, CC já falava pouco e tinha dificuldade em cuidar de si, e em agosto de 2015, não conseguia falar.

           

Na reapreciação dos meios prova convocados em sede de impugnação da decisão de facto, a Relação desenvolveu uma análise pormenorizada e bastante crítica dos resultados dos relatórios médicos apresentados e das explicações dadas como se colhe das seguintes considerações:  

«Em 08.08.2014, CC foi a uma consulta de psiquiatria no Hospital … em …, com a Dr.ª II, acompanhada da testemunha JJ (fls. 35). Aí se refere que foi o 1.º contacto da examinada com a psiquiatria. E, apesar das informações prestadas pela prima, que referiu que a examinada apresentava alterações cognitivas com evolução mais marcada nos últimos 2 anos, se esquecia de tudo, trocava as coisas, adormeceu quando foi ligar o motor da água, tinha dificuldade em fazer as refeições, estava desleixada, incapaz de gerir o dinheiro, a médica anotou «Discurso coerente; orientada T/E/P…3 palavras-repetição=bem---evocação= com alterações (mas na repetição das palavras); cálculo com alterações (acertou 2 com ajuda). Humor eutímico. Não detecto heteróloga. Sem ideação auto ou heterodestrutiva.» E acrescentou: «Impressão: Alterações cognitivas – etiologia a esclarecer».

Por conseguinte, a examinada apresentava um discurso coerente, estava orientada e tinha um humor tranquilo (eutímico), sem efabulação quanto à existência de pessoa imaginária. A médica ficou com a impressão de que a mesma era portadora de alterações cognitivas, cuja etiologia havia que esclarecer, pedindo determinados exames.

Na consulta de 24.04.2015, com a Dr.ª GG (fls. 44), a examinada, que também foi acompanhada de uma prima, que referiu que ela sofria de alterações de memória há cerca de 1 ano (no ano anterior haviam sido referidas alterações cognitivas desde há cerca de 2 anos), dizia muitas vezes a mesma coisa, esquecia-se das coisas, não se lembrava do que comeu no dia anterior. E na continuação desse relato mencionou que notaram dificuldades de nomeação e falhas mnésicas, que deixava o fogão ligado e queimava a comida, esquecendo-se das horas de cozinhar (o que revela que ainda cozinhava), que ia às compras sem noção do valor das coisas, mas que nunca se perdeu na rua (o que revela que a desorientação não era constante). A médica referiu que na consulta estava desorientada, conversava pouco, calma e sorridente, e que ia nesse dia completar uma avaliação neuropsicológica na privada, optando por aguardar. E escreveu o seguinte: “DA mais provável em estádio moderado”, sendo DA doença de Alzheimer.

A mesma médica voltou a ver a paciente em 10.08.2015 (fls. 53), escrevendo no diária da consulta que o exame feito na … e constante de fls. 49 a 52 ia no sentido de défice cognitivo compatível com DA em estádio moderado, tendo constatado que já não falava praticamente nada. Concluiu por um quadro demencial moderado a grave, em progressão.

Esta médica neurologista foi ouvida como testemunha e referiu que CC não colaborava porque não podia, sendo a acompanhante que a levou à consulta que explicava. Referiu que praticamente ela não falava, quando no diário da consulta escreveu que conversava pouco e na consulta de 10.08 é que referiu no respectivo diário que praticamente já não falava. Referiu no depoimento que neurologicamente já não tinha capacidade para falar e tinha disfagia (dificuldade em engolir) reveladora de falha de controlo central e que estava muito limitada em termos de compreensão, embora sem conseguir dizer qual o grau de entendimento. Todavia, se CC conhecia o dinheiro e os preços perguntou à acompanhante e não à doente. Acrescentou que os doentes deste tipo podem escrever o nome e não perceber as coisas.

Na avaliação neuropsicológica feita na Clínica … pela Dr.ª KK, cujo relatório data de 12.05.2015, e ao qual fez referência a Dr.ª GG na consulta de 10.08, refere-se no início que CC cozinhava arroz com flores, tendo tal sido dito pela familiar que a acompanhou (o que mais uma vez revela que nessa data ainda aquela cozinhava).

E nas conclusões a psicóloga refere que «A paciente apresentou-se à consulta com boa aparência, postura corporal, higiene pessoal adequada e vestuário apropriado para a época. Apresentou humor adequado e um discurso por vezes incoerente. Durante a avaliação apresentava alguns comportamentos estranhos como baloiçar o corpo na cadeira apertando a carteira e desfazer o lenço de papel.

Os resultados das provas neuropsicológicas administradas sugerem défices ao nível do funcionamento cognitivo global, funcionamento executivo, memória, capacidade atencional, linguagem e capacidade perceptiva e visuo-construtiva.

(…) O perfil neuropsicológico e comportamental sugere um declínio cognitivo multi-domínios congruente com sintomatologia de demência moderada (provavelmente Alzheimer). Especificamente existe uma disfunção marcada ao nível da memória e funcionamento executivo e memória, com comprometimento das actividades instrumentais de vida diária. Assim, os critérios para quadro demencial encontram-se preenchidos. Nomeadamente os sintomas cognitivos apresentados: a) Interferem com as actividades do dia-a-dia (por exemplo não consegue realizar as suas próprias refeições); b) Existe um declínio relativamen-te a níveis prévios de funcionamento; c) As dificuldades não são aparentemente explicadas por delirium ou outra perturbação psiquiátrica; e) Existem evidências de défices cognitivos através entrevista clínica, relato de informador (familiar) e avaliação cognitiva objectiva; f) Existem défices em mais de dois domínios. O perfil neuropsicológico é compatível com disfunção cerebral frontotemporoparietal/global (com disfunção marcada ao nível temporal medial e frontal).

Para esclarecimento deste diagnóstico sugerimos nova reavaliação neuro-psicológica dentro de um ano.»

Para além do hermetismo de algumas conclusões, verifica-se que as mesmas não eram definitivas, tendo a psicóloga dito que o perfil neuropsicológico e comportamental de CC sugeria um declínio cognitivo multi-domínios compatível com sintomatologia de demência moderada (provavelmente Alzheimer) - sublinhado nosso.

No seu depoimento, a Dr.ª KK, referiu que CC praticamente não falava e que estava com um lenço na mão e estava a desfazer o lenço e embrulhar a carteira (não especificou se isto sucedeu ao longo de todas as três sessões de análise ou apenas de alguma delas). Respondeu ao nome, mas tinha muita dificuldade em compreender. Défice ao nível da linguagem compreensiva. Quase todos os domínios avaliados abaixo do normal. Declínio cognitivo. Disfunção cerebral. Não podia compreender o testamento. Não compreendia as provas que lhe foram feitas. Não pode ter compreendido o teor do testamento. Não a pôs a assinar. Não lhe parece que tivesse compreendido o testamento. Não avaliou se conhecia o dinheiro. Mas fazer contas, provavelmente não conseguiu fazer a conta que lhe pediu que fizesse. Nas provas gerais apresentou um resultado abaixo, não entrou em provas mais específicas, porque previsivelmente não conseguiria fazê-lo. A prova de avaliação neuropsicológica é um dos meios para comprovar Alzheimer. Comprova-se post mortem. Nos mais jovens progride mais rapidamente. Ela fazia tudo o que lhe pedia, mas não conseguia fazer tudo. Novo exame é para saber se está a estabilizar ou a agravar-se. Ela é capaz de repetir a frase se a notária lha disser, mas pode não perceber o que está a dizer. Não sabe se ela era capaz de escrever o nome sem lho ditarem, porque não avaliou. Ela falava muito pouco na altura.

Como se vê, houve um importante espectro de avaliação que não foi utilizado, tendo-se partido do princípio de que se não fez bem alguns dos testes também não faria bem outros. Ora, sabemos que CC assinou não só o testamento, como a habilitação de herdeiros e a doação, aquele em Maio, a outra em Junho, e esta em Agosto de 2015. A psicóloga referiu, uma vez, que CC não podia compreender o teor do testamento, para depois dizer que não lhe parecia que o tivesse compreendido.

A própria A., declarou perante o MP em 03.12.2015, que CC tinha momentos em que a reconhecia, mas que já não falava, e reportando-se a Agosto de 2015, afirmou que nessa altura a mesma já não conseguia ler nem escrever (fls. 61), o que, pelo menos quanto à escrita, é contrariado pela assinatura da doação.

A Dr.ª FF, médica neurologista do hospital de … e da clínica …, mencionada no relatório de fls. 49 a 52, apesar de só ter visto CC uma vez e tê-la encaminhado, referiu que CC sofria de ataxia (como mencionou falta de memória de trabalho, cremos que se estaria a referir ao significado do termo que consiste em desordem nos fenómenos psicológicos, podendo a palavra igualmente ter o sentido de descoordenação patológica dos movimentos do corpo). Segundo disse, o que observou era compatível com doença de Alzheimer, tratando-se indiscutivelmente de demência, a apontar para doença de Alzheimer. Reportando-se aos exames que lhe foram exibidos, afirmou que em Agosto de 2015 já não falava praticamente nada. Nesta data bastante demente, muito mais grave, mas em Abril já estava. A linguagem do testamento é complexa. Não tinha entendimento para o fazer nessa fase. Com as provas que foram feitas não teria competência para o fazer. Às vezes pessoas assim são declaradas aptas na junta médica, se vão sozinhas. Porque lhes perguntam se cozinham, etc., e respondem que sim. Pior com a doação, onde identifica os imóveis. Nesta altura praticamente não fala, está disfágica e não compreende. Os médicos podem aperceber-se de coisas que a notária não percebe. Pode ter memória visual que permitisse assinar o nome. Pode haver uma fase em que o doente fala com familiar, mas isso não lhe retira a doença. Surpreende-a que tenha assinado três vezes, mas é possível.

Este depoimento é de reduzido valor, na medida em que a médica se limitou a reencaminhar a doente, pelo que a consulta, não registada, terá tido lugar antes da avaliação que redundou no relatório de fls. 49 a 52, de 12.05.2015 (Um dos testes de avaliação foi o Strooptest). Não deixa de ser relevante a afirmação de que por vezes as pessoas na situação de CC são declaradas aptas pela junta médica. E equiparou a avaliação da junta médica à da notária.

O depoimento da Dr.ª LL, médica de medicina geral e familiar, Centro de Saúde da …, não é da área do cérebro e pouco contacto teve com CC, tendo falado do que lhe foi dito pelos colegas, por ter estado afastada do hospital por um período. Mas referiu que a terá depois visto em meados de 2015, ou inícios. Ela já não falava muito. Depois estava um bocadinho mais apática. Era preciso perguntar-lhe para ela dizer alguma coisa, mas ela ia dizendo.

Posto isto, os depoimentos médicos deixam lacunas na sua avaliação, não podendo convencer-nos inteiramente de que CC não compreendesse o sentido das declarações que fez. Assim, em 08.08.2014, a impressão recolhida na consulta de psiquiatria foi de alterações cognitivas, cujas causas seriam a esclarecer, apesar do discurso coerente; na consulta de 24.04.2015 apontou-se para “DA mais provável em estádio moderado”; na avaliação que redundou no relatório de 12.05.2015 para “demência moderada”, e na consulta de 10.08.2015 para “quadro demencial moderado a grave”»


     Em síntese, diversamente do considerado pela 1.ª instância, a Relação detetou lacunas na avaliação dos relatórios médicos e nas explicações complementares dadas que, no seu entendimento, não lhe permitiram concluir que CC, mesmo num quadro de doença de Alzheimer progressivo de moderado a grave, se encontrasse incapaz de entender e querer o testamento e a doação outorgados a favor do R., respetivamente, em 14/ 05/2015 e em 18/08/2015.

     E esta convicção saiu ainda robustecida pela credibilidade dada ao depoimento da testemunha HH, notária que exarou aqueles instrumentos notariais, a qual, como ali se afirma, “não teve dúvidas quanto à compreensão denotada pela disponente sobre o conteúdo dos atos.”

     É incontroverso que a valoração probatória dos factos em presença se inscreve claramente no domínio da apreciação livre das provas, cuja sindicância está vedada a este tribunal de revista, conforme o preceituado no artigo 674.º, n.º 3, a contrario sensu, do CPC.

    No entanto, a Recorrente pretende ainda assim impugnar aquela decisão da Relação por via da estreita janela do controlo do uso das presunções judiciais, pugnando para que sejam dados como provados os seguintes factos:

- Facto 17: CC, numa noite foi encher o depósito da água, colocado num compartimento atrás da casa e lá acabou por adormecer; o mesmo aconteceu quando ia à casa de banho durante a noite, ficando adormecida na sanita – em parte diferente da redação dada pela Relação; .

- Facto 19: Pelo menos desde abril de 2015, a CC, começou a negligenciar a sua higiene pessoal e o cumprimento de simples tarefas como tomar banho, vestir-se, pentear-se ou cortar as unhas, tudo dependendo do impulso e da vigilância dos familiares, caso contrário, nunca as cumpria – eliminado pela Relação;  

- Facto 22: Fazia confusão com o dinheiro não o reconhecendo, sendo incapaz de fazer pagamentos corretamente sozinha – dado por não provado pela Relação;  

- Facto 29: Já em outubro de 2014 as funcionárias do dito Centro queixavam-se que a CC devia padecer de alguma doença na medida em que nunca tinha a roupa da mãe preparada e, muitas vezes, quando chegavam, ainda estavam ambas na cama, tendo que voltar mais tarde – dado por não provado pela Relação;  

- Facto 30: Queixavam-se também que pediam, por exemplo, uma toalha à CC e ela, ou lhes dava um objeto trocado, ou ficava a olhar fixamente para elas, ou a rir-se, sem que nada o justificasse – dado por não provado pela Relação;  

- Facto 45: CC não teve consciência dos atos que praticou ao fazer o testamento e doação referidos, porquanto, os mesmos foram celebrados quando esta já sofria de manifesto quadro demencial que a incapacitava totalmente de entender o que à volta dela acontecia, não sendo expressão da sua vontade – dado por não provado pela Relação.  


Como é sabido, no domínio das presunções judiciais, tem vindo a admitir-se, após alguma controvérsia, que o STJ “só pode sindicar o uso de tais presunções pela Relação se este uso ofende qualquer norma legal, se padece de evidente ilogicidade ou se parte de factos não provados”[1].  

Nessa medida, pode ser sindicável em sede de revista o uso de presunções judiciais quando a lei o não admita, por violação, por exemplo, do artigo 351.º do CC, ou, quando admitindo-o, tal uso ocorra fora do condicionalismo legal traçado no artigo 349.º do mesmo Código, que exige a prova de um facto de base ou instrumental e a ilação a partir dele de um facto essencial presumido.

E relativamente ao erro sobre a substância do juízo presuntivo formado com apelo às regras da experiência, o mesmo só será sindicável pelo tribunal de revista em casos de manifesta ilogicidade.

Para tanto, importa que da decisão de facto ou porventura da respetiva motivação constem os factos instrumentais a partir dos quais o tribunal tenha extraído ilações em sede dos factos essenciais, nos termos dos artigos 349.º do CC e 607.º, n.º 4, do CPC, ou até algum argumento probatório decisivo, que permitam, nessa base objetiva, aferir a ocorrência da sobredita ilogicidade. Mas, face ao preceituado nos artigos 674.º, n.º 3, e 682.º, n.º 2, do CPC, está vedado ao tribunal de revista indagar, por via da livre reapreciação da prova produzida, o erro intrínseco na formação da convição do julgador. 


No caso dos autos, a matéria de maior relevo que a Recorrente pretende que seja dada como provada é a constante do ponto 45 com o seguinte teor:

CC não teve consciência dos atos que praticou ao fazer o testamento e doação referidos, porquanto, os mesmos foram celebrados quando esta já sofria de manifesto quadro demencial que a incapacitava totalmente de entender o que à volta dela acontecia, não sendo expressão da sua vontade.

    Ora, como decorre do acima exposto, esse facto foi dado como não provado pela Relação por se considerar não resultar dos elementos de prova auditados, mormente dos relatórios médicos juntos e das explicações complementares, dados suficientes que comprovassem que CC, apesar dos défices cognitivos que revelava padecer, tivesse incapacitada para compreender o sentido e alcance do testamento e da escritura de doação por ela outorgados a favor do R., respetivamente, em 14/05/2015 e em 18/08/2015.

     Acresce que, pelas mesmas razões, a Relação julgou também não provada a matéria constante do ponto 39 da factualidade tida por provada na sentença da 1.ª instância, com o seguinte teor:

39. Aquando da celebração do testamento e da doação, respectivamente, em 14/05/2015 e 18/08/2015, a CC já sofria de um manifesto quadro demencial que a incapacitava totalmente de entender o que à volta dela acontecia, bem como não conseguia exprimir a sua vontade, não falava, não conhecia o dinheiro, nem se concentrava em ouvir o que lhe diziam, em manifesta conduta alheada da realidade e não percebia o alcance do que lhe era transmitido, rindo-se sem razão em contextos sem qualquer razão para tal, mostrando-se incapaz de reger a sua pessoa e bens.

       Estranhamente a Recorrente, nas alegações de revista, não faz qualquer referência a esta matéria do ponto 39, nem pede que a mesma seja dada como provada, o que parece não se coadunar com a posição assumida em sede do ponto 45.  

      Seja como for, os juízos probatórios negativos formulados pela Relação à matéria constante dos indicados pontos 39 e 45 fundam-se na apreciação livre dos meios de prova produzidos nesse âmbito como são os relatórios médicos juntos aos autos, as explicações dadas pelos médicos que observaram CC e os demais depoimentos testemunhais, em especial o da notária que exarou os instrumentos notariais em foco.

     Esforça-se a Recorrente por encontrar ilogicidades nessa análise, pondo, nomeadamente, em confronto o tipo de conhecimento técnico veiculado pelos médicos inquiridos e o valor da perceção da notária sobre a capacidade de entender e querer então revelada pela outorgante.       

     Porém, não se divisa qualquer ilogicidade relevante naquela apreciação da Relação, seja ao identificar as lacunas de avaliação dos depoimentos médicos (vide fls. 661), seja ao considerar que, não obstante o diagnóstico feito a CC de provável doença de Alzheimer primeiro em estádio de demência moderada (relatório de 12/05/2015), passando depois para um “quadro demencial de moderado a grave” (na consulta de 10/08/ 2015), tal não era suficiente para considerar que aquela estivesse incapacitada de compreender o sentido e alcance dos atos outorgados.   

     Desse raciocínio transparece a ideia de que, sendo a doença de Alzheimer de natureza progressiva, os referidos estádios evolutivos prováveis de “demência moderada” ou de “demência moderada a grave” não implicariam necessariamente que, no caso concreto, CC estivesse incapacitada de entender o sentido dos atos que outorgou, o que, de resto, se conjuga com a perceção que a notária declarou ter feito de tal entendimento no momento da outorga desses instrumentos notariais.

    Isso mesmo se encontra bem espelhado a dado passo do acórdão recorrido, ao considerar o seguinte: 

«Como se extrai do sítio da Associação Portuguesa dos Familiares e Amigos dos Doentes de Alzheimer, Consoante as pessoas e as áreas cerebrais afectadas, os sintomas variam e a doença progride a um ritmo diferente. As capacidades da pessoa podem variar de dia para dia ou mesmo dentro do próprio dia, podendo piorar em períodos de stress, fadiga e problemas de saúde.

Ora, se os factos apontam para limitações cognitivas da parte de CC, já não garantem que no momento em que celebrou os actos impugnados ela estivesse incapacitada para a compreensão dos mesmos. Nem vemos que haja fundamento para pôr em causa o depoimento da notária, que garantiu ao Tribunal que a interveniente nos actos notariais compreendeu perfeitamente o seu significado, tendo manifestado claramente a sua vontade.»

    Trata-se, pois, de uma linha de raciocínio probatório plausível que não pode ser tido, sem mais, afetado de ilogicidade presuntiva.

Quando muito, poderia discutir-se o acerto dessa apreciação em função da análise dos elementos probatórios convocados, mas constitui já matéria vedada ao conhecimento deste tribunal de revista, nos termos decorrentes do preceituado no artigo 674.º, n.º 3, do CPC.

Assim sendo, é de acatar aqui como não provada a matéria de facto constante do ponto 45, tal como foi determinado pela Relação, a qual conjugada com a matéria constante do ponto 39 também ali dada como não provada e nem sequer questionada pela Recorrente, tornam irrelevante a discussão sobre os factos instrumentais, de natureza puramente secundária, que a mesma Recorrente pretende que sejam provados sob os pontos 17, 19, 22, 29 e 30.

Termos em que improcedem as razões da Recorrente nesta parte.



2.4. Quanto à solução de direito

  

Sustenta a A. que, tomando em conta os factos provados com ou sem as alterações invocadas, se deverá concluir pela incapacidade natural de CC aquando da outorga do testamento e da doação em causa e, consequentemente, pela anulação destes atos nos termos dos artigos 257.º e 2199.º do CC.

Incumbia, assim, à A. o ónus de provar os factos integradores da alegada incapacidade de CC, como factos constitutivos que são, nos termos do artigo 342.º, n.º 1, do CC, das pretensões deduzidas com vista à anulação do testamento e doação ajuizados.

Porém, dos factos dados como não provados pela Relação consta, entre outros, que:

39. Aquando da celebração do testamento e da doação, respectivamente, em 14/05/2015 e 18/08/2015, a CC já sofria de um manifesto quadro demencial que a incapacitava totalmente de entender o que à volta dela acontecia, bem como não conseguia exprimir a sua vontade, não falava, não conhecia o dinheiro, nem se concentrava em ouvir o que lhe diziam, em manifesta conduta alheada da realidade e não percebia o alcance do que lhe era transmitido, rindo-se sem razão em contextos sem qualquer razão para tal, mostrando-se incapaz de reger a sua pessoa e bens

45. CC não teve consciência dos actos que praticou ao fazer o testamento e doação referidos, porquanto, os mesmos foram celebrados quando esta já sofria de manifesto quadro demencial que a incapacitava totalmente de entender o que à volta dela acontecia, não sendo expressão da sua vontade

    É quanto basta para se concluir, como se concluiu no acórdão recorrido, que a A. não provou, como lhe competia, a invocada incapacidade acidental da testadora e doadora CC e, consequentemente, pela improcedência da ação.

         Termos em que é de negar a revista.


IV – Decisão


Pelo exposto, acorda-se em negar a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.

As custas do recurso são a cargo da A./Recorrente.     


Lisboa, 17 de outubro de 2019

                                     

Manuel Tomé Soares Gomes (Relator)

Maria da Graça Trigo

Maria Rosa Tching

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[1] Neste sentido, vide, entre outros, o acórdão do STJ, de 25/11/2014, proferido no processo n.º 6629/04.0TBBRG.G1.S1, relatado por Pinto de Almeida, acessível na Internet – http://www.dgsi. pt/stj.