Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
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| Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
| Relator: | JOÃO CAMILO | ||
| Descritores: | PRIVILÉGIO CREDITÓRIO HIPOTECA LEGAL | ||
| Nº do Documento: | SJ20070911018626 | ||
| Data do Acordão: | 09/11/2007 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA | ||
| Decisão: | NEGADA | ||
| Sumário : | As hipotecas legais de que beneficiam o Instituto de Segurança Social em garantia de créditos seus reclamados por apenso a processo de falência ou de insolvência, não estão englobados na extinção dos privilégios estipulada no art. 152º do CPEREF. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: Nos presentes autos de verificação e graduação de créditos, em que é insolvente “AA, Lda”, que corre termos no 2º Juízo Cível da Comarca de Santo Tirso, veio o Sr. Administrador da Insolvência apresentar a lista de todos os credores por si reconhecidos, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 129º, nºs 1 e 2, do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas (CIRE), aprovado pelo DL nº 53/2004, de 18/03. O credor BB, Lda. impugnou o crédito reclamado por CC, por entender que o mesmo não deve ser reconhecido como tal. O credor impugnado respondeu, realizando-se audiência de discussão e julgamento, finda a qual foi proferida sentença (artº 140º, do CIRE), na qual se decidiu (dispositivo): “- Julgar procedente a impugnação do crédito reclamado por CC e, nessa consonância, declarar o mesmo não reconhecido e verificado; - Julgar verificados os demais créditos constantes da relação apresentada pelo Sr. Administrador da Insolvência, com excepção da reclamação que não foi admitida e referente a Mazetêxtil – Equipamentos e Máquinas, Lda”; - Graduar os créditos reconhecidos da seguinte forma: A – Graduação especial quanto ao imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de Santo Tirso sob a ficha nº 724: 1) – Crédito reclamado pelo Instituto de Segurança Social, até ao montante de € 470.587,74; 2) – Créditos reclamados por AJ e MV; 3) – Crédito reclamado pelo Instituto de Segurança Social, no valor de € 5.564; 4) – Créditos comuns; 5) – Créditos subordinados. B – Graduação especial quanto aos imóveis descritos sob as fichas nº 757 e 56 da C. R. Predial de Santo Tirso: 1) - Crédito reclamado pelo Instituto de Segurança Social, até ao montante de € 470.587,74; 2) – Crédito reclamado pelo Instituto de Segurança Social, no valor de € 5.564; 3) – Créditos comuns; 4) – Créditos subordinados. C – Graduação geral quanto aos demais imóveis 1) – Crédito reclamado pelo Instituto de Segurança Social no valor de € 5.564; 2) – Créditos comuns; 3) – Créditos subordinados; D – Graduação geral quanto a eventuais móveis 1) – Créditos reclamados por AJ e MV; 2) – Crédito reclamado pelo Instituto de Segurança Social até ao montante de € 5.564; 3) – Crédito do requerente da insolvência até ao montante de €44.500; 4) – Créditos comuns; 5) – Créditos subordinados. Inconformadas, as credoras reclamantes AJ, MV, BB, Lda, e Baumann, Hinde & Cª Limited, apelaram da referida decisão, tendo a Relação do Porto julgado improcedente a apelação das credoras BB, Lda. e Baumann Hinde & Cª Limited, e procedente a apelação das restantes apelantes, tendo, em conformidade, graduado o crédito destas em primeiro lugar na graduação A – referente ao imóvel da ficha nº 174 - e passando para segundo lugar o crédito do Instituto de Segurança Social que havia sido graduado em primeiro lugar. Ainda inconformadas, vieram as credoras BB, Lda. e Baumann Hinde interpor a presente revista, tendo nas suas alegações formulado conclusões que por falta de concisão não serão aqui transcritas. Não houve contra-alegações. Corridos os vistos legais, urge apreciar de decidir. Como é sabido – arts. 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do Cód. de Proc. Civil, a que pertencerão todas as disposições a citar sem indicação de origem - , o âmbito dos recursos é delimitado pelo teor das conclusões dos recorrentes. Das conclusões das aqui recorrentes se vê que aquelas para conhecer neste recurso levantam a seguinte questão: A referência feita a privilégios creditórios das instituições de segurança social no art. 152º do Cód. de Processo de Recuperação de Empresas e de Falência ( CPEREF) abrange também a hipoteca legal ? Os factos a considerar provados são os que as instâncias deram como provados e, por isso, e nos termos do art. 713º, nº 6 , se dão os mesmos por reproduzidos. Vejamos agora a questão acima levantada como objecto desta revista. Podemos desde já dizer que a argumentação das recorrentes não procede, tal como já decidimos no acórdão de 21-02-2006, em que foi o relator o aqui também relator, proferido na revista nº 3740/05 – 6º secção, onde se colocava a mesma questão jurídica. Com efeito, transcrevendo aquele acórdão, por brevidade, diremos: “A interpretação do art. 152º do CPEREF tem dado origem a controvérsia e a jurisprudência não tem sido unânime na solução a dar a esta questão. Mesmo este Supremo Tribunal tem produzido acórdãos de sentidos contraditórios. Porém, parece-nos que após uma inicial hesitação, quando o acórdão proferido em 27-05-2003, na revista nº 1177/02 decidiu que a hipoteca legal da segurança social está abrangida nas garantias consideradas extintas pelo art. 152º mencionado, a jurisprudência deste tribunal passou a adoptar, pelo menos de forma fortemente maioritária, a solução contrária à que o acórdão em apreço seguiu” – solução essa seguida no acórdão aqui em apreço. “Assim apontamos os acórdãos deste Tribunal de 8-2-01, na revista nº 3968/99 – 2ª sec.; de 18-6-02 na revista nº 1141/02 – 1ª sec.; de 29-01-04, na revista nº 2779/03 -7ª sec.; de 13-07-04 na revista nº 4804/03 – 2ª sec.; de 23-09-04, na revista nº 1449/04 – 2ª sec.; de 19-10-04, na revista nº 3324/04 – 7ª sec. e de 15-03-05 na revista nº 2674/03 – 1ª sec., como exemplos de decisões daquela questão no sentido seguido pela 1ª instância, ou seja, considerando que a hipoteca legal que garante os créditos da segurança social não se extingue com a falência do devedor de acordo com o disposto no art. 152º referido. É também esta a nossa opinião e vejamos porquê. O art. 152º em causa – na redacção dada pelo Dec.-lei nº 315/98 de 15 de Outubro - prescreve que com a declaração da falência se extinguem imediatamente os privilégios creditórios do Estado, das autarquias locais e das instituições de segurança social, passando os respectivos créditos a ser exigidos apenas como créditos comuns, salvo os que se constituírem no decurso do processo de recuperação de empresa ou de falência. Ora por um lado, privilégios creditórios e hipoteca são institutos jurídicos que têm natureza e conteúdo diversos, pelo que a letra da lei apenas abrange os privilégios creditórios e não as hipotecas. Desde logo, os privilégios são tratados, em geral, no Cód. Civil, nos arts. 733º e segs., enquanto as hipotecas são reguladas nos arts. 686º e segs. Se o legislador queria abranger também na extinção do art. 152º as hipotecas teria dito tal expressamente, segundo se presume de acordo com a parte final do nº 3 do art. 9º do Cód. Civil, pois não podia ignorar a existência eventual e frequente destas a garantir os créditos daquelas entidades públicas. Além disso, a norma do art. 152º teve em vista fazer extinguir os privilégios creditórios do Estados, das autarquias locais e da segurança social, mas deixando intocável as demais garantias dos créditos reclamados, pelo que tem natureza excepcional, o que não permite a sua aplicação analógica, por força do art. 11º do C. Civil. Por outro lado, o argumento de que o Estado com a redacção do art. 152º quis dar o exemplo ao prescindir, através da lei, dos privilégios creditórios, tinha que se entender abranger essa renúncia a hipotecas que são privilégios menores em face daqueles, também não colhe. Com efeito, o facto de o Estado ter querido prescindir dos privilégios de que gozava ou gozavam os demais entes públicos previstos expressamente no art. 152º, não leva a que o grau de renúncia se tenha de estender a outras garantias com natureza e conteúdos diversos como a hipoteca, até porque esta, ao contrário dos privilégios creditórios, carecendo de registo para a sua validade – art. 687º do Cód. Civil -, é uma forma de garantia com a qual os demais credores têm já de contar, o que não acontece com aqueles privilégios. Assim, o Estado estava a prescindir de uma garantia que é vista com desconfiança por afectar a segurança jurídica. E ainda diremos que o legislador com a redacção do art. 152º não pretendeu deixar totalmente desprotegidos os créditos públicos. Finalmente, referimos que se fosse intenção do legislador abranger na extinção decretada no art. 152º, além dos privilégios creditórios, ainda as hipotecas de que gozam os citados entes públicos, teria aproveitado a ocasião da publicação do Dec.-Lei nº 315/98 de 20 de Outubro que mexeu na redacção do citado art. 152º, para introduzir na letra da lei o que estaria no seu espírito, na opinião seguida pelo acórdão em apreço, o que não fez. É que a controvérsia de que estamos a tratar já se havia iniciado antes da publicação do citado decreto-lei nº 315/98, o que o legislador não podia ignorar.” Insurgem-se, ainda, as aqui recorrentes contra a opinião exarada no douto acórdão recorrido no sentido de que o disposto no art. 12º, nº 3 do Dec._Lei nº 53/2004 de 18/03 tem natureza interpretativa do disposto no art. 152º referido. Porém, mesmo sem o contributo desse argumento, nós já entendíamos que o art. 152º, mencionado não abrangia, na extinção ali decretada, as hipotecas legais, como já acima expusemos, Desta forma, inútil é rebater o argumento das recorrentes da natureza não interpretativa do citado art. 12º, nº 3. Por isso, bem andou o douto acórdão recorrido em ter decidido que a hipoteca legal de que goza o credor Instituto de Segurança Social – quanto a um dos créditos que reclama - não foi extinta por força do disposto no art. 152º do CPEREF, com a declaração da insolvência. Assim, aplicando-se ao caso o regime do CPEREF, o crédito do Instituto de Segurança Social - que goza da hipoteca legal - foi bem graduado, por gozar de hipoteca legal, hipoteca esta não abrangida na extinção dos privilégios operada por força do disposto no art. 152º referido. Soçobra, pois, o fundamento do recurso. Pelo exposto, nega-se a revista pedida. Custas pelas recorrentes. Lisboa, 11- 09 - 2007 João Camilo (relator) Fonseca Ramos Azevedo Ramos. |