Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
99S217
Nº Convencional: JSTJ00040239
Relator: SOUSA LAMAS
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO
TRABALHO SUPLEMENTAR
CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS
FUNÇÃO PÚBLICA
UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ200005160002174
Data do Acordão: 05/16/2000
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: DR IS-A, Nº 146 DE 26-06-2000, P. 2722
Tribunal Recurso: T REL PORTO
Processo no Tribunal Recurso: 41/99
Data: 04/12/1999
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC FIXAÇÃO JURIS.
Decisão: UNIFORMIZADA JURISPRUDÊNCIA.
Área Temática: DIR TRAB - DIR PENAL LAB.
Legislação Nacional: DL 287/93 DE 1993/08/20 ARTIGO 1 ARTIGO 7 N2 ARTIGO 9 N1 A.
DL 48953 DE 1969/04/05 ARTIGO 2 ARTIGO 3 ARTIGO 31 ARTIGO 32 ARTIGO 33 ARTIGO 34.
DL 278/82 DE 1982/07/20 ARTIGO 1 N1 N2.
DL 407/71 DE 1971/11/17 ARTIGO 20 N1.
DL 491/85 DE 1985/11/26 ARTIGO 23.
DL 421/83 DE 1983/12/02 ARTIGO 1 ARTIGO 10.
DL 398/91 DE 1991/10/16 ARTIGO 2.
Jurisprudência Nacional: DR IS-A , Nº 146 DE 2000/01/12, P.2722
Sumário :
Os trabalhadores da Caixa Geral de Depósitos que não optaram pelo regime jurídico do contrato individual de trabalho, continuam sujeitos ao regime jurídico do funcionalismo público, não constituindo infracção a falta de anotação, no registo de trabalho suplementar, das horas de início do trabalho suplementar prestado por aqueles trabalhadores.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

O Instituto de Desenvolvimento e Inspecção das Condições de Trabalho, no processo de contra-ordenação laboral instaurado contra A., aplicou a esta A uma coima por infracção das disposições conjugadas do artigo 10, n. 1 do Decreto-Lei n. 421/83 de 2 de Dezembro, na redacção que lhe foi dada pelo artigo 2 do Decreto-Lei n. 398/91 de 16 de Outubro e do artigo 23, n. 1 do Decreto-Lei n. 491/85 de 26 de Novembro.
A A impugnou judicialmente essa decisão mas o Tribunal do Trabalho de Braga julgou o recurso improcedente e manteve o decidido.
Voltou a A a recorrer para a Relação do Porto mas este Tribunal negou provimento ao recurso e confirmou inteiramente a decisão recorrida, por acórdão de 12 de Abril de 1999.
Interpôs então a A, nesta Relação, recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, nos termos dos artigos 437 e seguintes do Código de Processo Penal, invocando oposição entre as soluções em que assentou a decisão proferida nesse acórdão e as soluções, em que assentou a decisão proferida, sobre a mesma matéria de direito, pelo acórdão da Relação de Coimbra de 25 de Junho de 1998.

Enviado o processo a este Supremo Tribunal, foi remetido à conferência que, em acórdão interlocutório, de 18 de Novembro de 1999, julgou verificada a oposição de julgados.

Prosseguindo o recurso, foram os sujeitos processuais notificados nos termos e para os efeitos do artigo 442 do Código de Processo Penal.
A recorrente não apresentou alegações.
O Excelentíssimo Magistrado do Ministério Público, nas alegações que apresentou, concluiu que há que seguir o entendimento perfilhado no Acórdão deste Supremo Tribunal, proferido, em plenário desta Secção, em 7 de Outubro de 1999, no processo n. 62/66, do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência sobre questão de direito idêntica à suscitada nos presentes autos.

A falta de alegações da recorrente não prejudica o prosseguimento do recurso, pois o que está em causa é a fixação de jurisprudência que interessa não só ao caso concreto submetido à apreciação do tribunal mas também e sobremodo a eventuais casos futuros em relação aos quais convém assegurar a desejável unidade da jurisprudência.
Este entendimento tem suficiente apoio no n. 3 do artigo 442 do Código de Processo Penal que ao prescrever que "juntas as alegações ou expirado o prazo para a sua apresentação, o processo é concluso ao relator, por trinta dias e, depois remetido, com projecto de acórdão, a visto simultâneo dos restantes juizes, por dez dias, "aponta, claramente, no sentido do prosseguimento do processo, não obstante a falta de alegações da recorrente.

No acórdão recorrido foram dados como provados os seguintes factos:
1. No dia 24 de Novembro de 1997, cerca das 17 horas, a A tinha a executar tarefas inerentes às respectivas funções e por sua ordem, direcção e fiscalização, no seu balcão sito na Rua Dr. Francisco Duarte, n. 341, em Braga, os seguintes funcionários:
- B, admitido em 27 de Abril de 1977,
- C, admitido em 11 de Fevereiro de 1980,
- D, admitido em 2 de Janeiro de 1975,
- E, admitido em 20 de Setembro de 1993,
- F, admitido em 11 de Fevereiro de 1980,
- G, admitido em 4 de Agosto de 1977,
- H, admitida em 15 de Setembro de 1997;
2. de acordo com o mapa de horário de trabalho afixado na referida Agência os seus funcionários deveriam ter terminado o serviço às 16 horas e 30 minutos;
3. nenhum dos funcionários referidos em 1 possuía isenção de horário de trabalho;
4. do trabalho que estava a ser prestado pelos referidos funcionários não havia qualquer registo;
5. nenhum dos funcionários B, C, D, F e G fez opção pelo regime do contrato individual de trabalho.

E no acórdão fundamento fixaram-se os seguintes factos:
1 - No dia 22 de Abril de 1997, pelas 17 horas e 30 minutos, a ora recorrente tinha ao seu serviço, na sua agência de Águeda, os empregados I, J, L, M e N;
2 - O horário normal de trabalho desses empregados era das 8 horas e 30 minutos às 16 horas e 30 minutos, com descanso ao sábado e domingo;
3 - Aquando da intervenção da entidade autuante, no dia e hora mencionados, a ora recorrente não tinha ainda feito qualquer anotação de trabalho suplementar desses empregados;
4 - Todos eles exerciam funções sob as ordens, direcção e fiscalização da recorrente, desde data anterior a 31 de Agosto de 1993;
5 - A administração da A fixou, por ordem de serviço, prazo para que os trabalhadores que o pretendessem optassem pelo regime jurídico do contrato individual de trabalho;
6 - Nenhum dos trabalhadores supra-referidos exerceu tal opção.

Nos dois acórdãos foram analisadas e revolvidas as seguintes duas questões:
- Competência da Inspecção do Trabalho (I.D.I.C.T.) para fiscalizar as condições de trabalho na A arguida;
- Verificação da infracção noticiada.

O acórdão do Tribunal da Relação do Porto - acórdão recorrido - decidiu que o Instituto de Desenvolvimento e Inspecção das Condições de Trabalho tem competência para fiscalizar e autuar as condições de trabalho a que respeitam os autos relativamente a todos os trabalhadores da A mesmo em relação àqueles que, não tendo feito a opção prevista no n. 2 do artigo 7 do Decreto-Lei n. 287/93, continuaram, em parte, abrangidos pelo regime jurídico do funcionalismo público.
O acórdão da Relação de Coimbra - acórdão fundamento - decidiu igualmente que, após a transformação da A em sociedade anónima, operada pelo Decreto-Lei n. 287/93, a A ficou sujeita às mesmas regras que regem as empresas privadas do sector e à actividade fiscalizadora do referido Instituto que é, assim, competente para a fiscalizar.
A solução dada à primeira questão foi, assim, a mesma nos dois acórdãos, não se verificando entre eles qualquer oposição quanto à competência, que reconheceram, ao Instituto de Desenvolvimento e Inspecção das Condições de Trabalho (I.D.I.C.T.) para fiscalizar o não cumprimento pela A. das normas de direito privado, que regulam e condicionam a prestação de trabalho suplementar pelos seus trabalhadores.

A oposição entre os dois acórdãos verifica-se, apenas, em relação à questão da verificação da infracção noticiada.

A primeira questão, de resto, já foi decidida pelo acórdão de 12 de Janeiro de 2000, proferido por este Supremo Tribunal no recurso extraordinário para fixação de jurisprudência n. 110/99, acórdão que foi publicado no Diário da República, I série-A de 13 de Novembro de 1999 e que fixou a seguinte jurisprudência:
"O Instituto de Desenvolvimento e Inspecção das Condições de Trabalho (I.D.I.C.T.) não tem competência para fiscalizar o cumprimento pela A. das normas que disciplinam a prestação de trabalho suplementar relativamente aos seus trabalhadores que, após a entrada em vigor do Decreto-Lei n. 287/93 de 20 de Agosto, continuam sujeitos ao regime jurídico do funcionalismo público, por não terem optado pelo Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, conforme lhes era facultado pelo artigo 7, n. 2 do citado diploma legal".
Constituindo esta decisão jurisprudência obrigatória para os tribunais judiciais, conforme dispõe o n. 1 do artigo 445 do Código de Processo Penal, mesmo que houvesse oposição dos acórdãos relativamente à primeira questão, só haveria lugar ao reenvio do processo ao Tribunal da Relação do Porto, nos termos do n. 2 do mesmo artigo, para ser aplicada por este tribunal essa jurisprudência, como se tivesse sido anteriormente estabelecida, como se entendeu e decidiu no Acórdão deste Supremo Tribunal de 12 de Janeiro de 2000, proferido no recurso extraordinário para fixação de jurisprudência n. 110/89.

O objecto do presente recurso reconduz-se, assim à oposição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento relativamente apenas à questão da verificação da infracção imputada à recorrente, integrada pela falta de anotação das horas do início do trabalho suplementar prestado por cinco funcionários da A, admitidos ao serviço antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n. 287/93 de 20 de Agosto ou seja 1 de Setembro de 1993 e que não optaram pelo Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho.
Entendeu-se no acórdão recorrido que, tendo a A perdido a sua natureza de ente público após a sua transformação em sociedade anónima pelo Decreto-Lei n. 287/93, as relações de trabalho subordinado, mesmo daqueles que continuam, em parte abrangidos pelo regime jurídico do funcionalismo público por terem feito a opção prevista no n. 2 do artigo 7 daquele diploma legal, não podem assumir natureza administrativa, desenvolvendo-se antes no âmbito do direito privado e estando, por isso, submetidas às regras que regem as empresas privadas do sector, independentemente do concreto estatuto laboral de cada um dos seus trabalhadores.
E, por isso, concluiu o douto Acórdão recorrido pela obrigatoriedade do registo prévio do trabalho suplementar que estava a ser prestado e pela existência da correspondente contra-ordenação laboral, confirmando inteiramente a sentença recorrida que manteve a aplicação da coima de 70000 escudos, prevista no n. 4 do artigo 23 do Decreto-Lei n. 491/85 de 26 de Novembro, por violação do disposto no artigo 10 do Decreto-Lei n. 421/83 de 2 de Dezembro, na redacção que lhe foi dada pelo artigo 2 do Decreto-Lei n. 398/91 de 16 de Outubro, conjugado com o n. 1 do citado artigo 23.

Insurge-se a A recorrente contra esse entendimento e impugna a decisão com base nele proferida, opondo que uma vez que todos os trabalhadores que exerciam funções sob as suas ordens, direcção e fiscalização desde data anterior a 31 de Agosto de 1993 e que não optaram oportunamente pelo R.J.C.I.T. estavam sujeitos ao regime jurídico do funcionalismo público, não existindo, pois, uma relação de trabalho subordinado de direito privado e estavam, por isso, excluídos do âmbito do diploma que disciplina o trabalho suplementar, que tipifica a infracção e prevê a respectiva sanção.
No entender da recorrente não foi considerado pelo douto acórdão recorrido o preceituado pelo artigo 1 do Decreto-Lei n. 421/83 de 2 de Dezembro que se aplica apenas às relações de trabalho prestado por efeito do contrato de trabalho, não abrangendo os trabalhadores sujeitos ao regime jurídico do funcionalismo público.

Até à entrada em vigor do Decreto-Lei n. 287/93 de 20 de Agosto, a A, de harmonia com a definição prevista nos artigos 2 e 3 da sua Lei Orgânica, aprovada pelo Decreto-Lei n. 48953 de 5 de Abril de 1969, era um instituto de crédito do Estado, uma pessoa colectiva de direito público, dotado de autonomia administrativa e financeira, com património próprio.
O artigo 1 do Decreto-Lei n. 287/93 transformou-a em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos.
Nos termos do artigo 31, n. 2 do Decreto-Lei 48953, o pessoal da A estava sujeito ao regime jurídico do funcionalismo público, apenas com as modificações exigidas pela natureza específica da actividade da A como instituição de crédito.
No que respeita ao pessoal, o novo regime, introduzido pelo Decreto-Lei n. 287/93, que, na alínea a) do n. 1 do artigo 9 revogou o Decreto-Lei n. 48953, consagrou a aplicação à A do regime jurídico do contrato individual de trabalho, sem prejuízo, porém, à semelhança de solução adoptada em casos idênticos, da possibilidade concedida aos trabalhadores ao serviço, naquela data do início do novo regime, da instituição de optarem pela manutenção do regime a que estavam sujeitos.
Nesse sentido passou a dispor o artigo 7 do citado Decreto-Lei n. 287/93:
"1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, os trabalhadores da A ficam sujeitos ao Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho.
2 - Os trabalhadores que se encontrem ao serviço da A na data da entrada em vigor do presente diploma continuam sujeitos ao regime que lhes era até aí aplicável, podendo, contudo, optar pelo regime previsto no número anterior, mediante declaração escrita feita nos termos e no prazo a fixar pela administração da A."
Para os trabalhadores da A que não exerceram a faculdade de optar pelo regime jurídico do contrato individual de trabalho e unicamente para esses trabalhadores o n. 3 do artigo 9 do Decreto-Lei n. 287/93 manteve em vigor os artigos 31, n. 2, 32 e 34, n. 2 do Decreto-Lei n. 48953 para lhes serem aplicados com as necessárias adaptações.
Continuaram, assim, aqueles trabalhadores sujeitos ao regime jurídico do funcionalismo público, com as modificações exigidas pela natureza específica da actividade da A como instituição de crédito, de harmonia com o disposto no diploma e nos demais preceitos especialmente aplicáveis ao estabelecimento, como se disse no citado Acórdão deste Supremo Tribunal, publicado no D.R. I Série-A de 13 de Novembro de 1999.
Neste mesmo Acórdão, escreveu-se:
"Nesta conformidade, dúvidas não subsistem de que esses trabalhadores permanecem sujeitos ao regime que lhes era aplicável antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n. 287/93 e esse regime é o do funcionalismo público, não se descortinando qualquer modificação exigida pela natureza específica da actividade da A como instituição de crédito que possa afastar esse regime, afigurando-se-nos que, face à precisão da própria lei, os ditos trabalhadores não podem estar sujeitos a um regime híbrido".
Decorre, inequivocamente, da própria lei que os trabalhadores da A, após a entrada em vigor do Decreto-Lei n. 287/93 - no dia 1 de Setembro de 1993, nos termos do artigo 10 - passaram a ter estatutos diferenciados: o estatuto dos funcionários e agentes da Administração Pública, previsto no Decreto-Lei n. 48953 a que continuaram sujeitos os trabalhadores que se encontravam ao serviço antes da entrada em vigor do novo regime e que não optaram por este mesmo regime do contrato individual de trabalho e o estatuto de direito privado estabelecido por este regime aplicável tão somente aos trabalhadores admitidos ao serviço já na vigência do Decreto-Lei n. 287/93 e os que foram admitidos anteriormente mas optaram pelo regime jurídico do contrato individual de trabalho.
A coexistência dos dois regimes de trabalho diferentes - o do sector público e o do sector privado - já existia nas instituições de previdência após a publicação do Decreto-Lei n. 278/82 de 20 de Julho que mandou aplicar ao pessoal dessas instituições o regime jurídico dos funcionários e agentes da Administração, ficando, no entanto abrangidos pela regulamentação aplicável no sector privado os trabalhadores que declarassem querer manter o seu regime de trabalho anterior (o regime do contrato individual de trabalho), consoante resulta dos ns. 1 e 2 do artigo 1 desse diploma legal.
A esses casos idênticos se refere o legislador no relatório do Decreto-Lei n. 287/93 para justificar a possibilidade concedida aos trabalhadores da A de optarem pela manutenção do regime a que estavam sujeitos.
Como também se lê no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, publicado no DR I-A, de 13 de Novembro de 1999, o facto de o regime do funcionalismo público no caso dos autos poder estar sujeito a algumas especialidades, em função da natureza específica da actividade da A, designadamente a possibilidade de definir condições de trabalho por regulamento interno, a sua intervenção em processos de contratação colectiva do sector bancário, não retira aos trabalhadores que estavam ao serviço da A em 1 de Setembro de 1993, e que não optaram pelo regime de direito privado, o regime do funcionalismo público a que estavam adstritos.
O que se pretendeu com o regime consagrado pelo n. 2 do artigo 7 e pelo n. 3 do artigo 9 do Decreto-Lei n. 287/93 foi precisamente assegurar aos trabalhadores que se encontravam ao serviço da A a manutenção do regime jurídico do funcionalismo público que até aí lhes era aplicável, embora com as adaptações que já provinham do direito então vigente.

As condições de prestação do trabalho extraordinário eram reguladas pelo artigo 20 do Decreto-Lei n. 409/71 de 27 de Setembro o qual, no seu n. 1, impunha às entidades patronais a obrigação de possuir em registo de horas de trabalho extraordinário onde, antes do início da prestação do trabalho e imediatamente após o seu termo, tinham de ser feitas as respectivas anotações.
Tais condições eram aplicáveis apenas ao trabalho prestado por efeito do contrato de trabalho, conforme dispunha o n. 1 do artigo 1 desse Decreto-Lei.
O Decreto-Lei n. 421/83 de 2 de Dezembro revogou o capítulo IV do Decreto-Lei n. 409/71, referente a trabalho extraordinário, no qual se incluía o citado artigo 20 e, tendo em vista a absorção da mão-de-obra disponível, estabeleceu um novo regime para a prestação do trabalho suplementar, menos liberal, mais restritivo e com mecanismos desincentivadores destinados a pôr termo ao recurso abusivo a esse tipo de trabalho.
O artigo 10 do Decreto-Lei n. 421/83 manteve a obrigação de anotar o início da prestação do trabalho suplementar no registo desse trabalho, que as entidades empregadoras têm de possuir, e agravou substancialmente a sanção cominada para o não cumprimento daquela obrigação.
Este Decreto-Lei n. 421/83, como expressamente prescreve o seu artigo 1 que definiu o âmbito de aplicação desse diploma, "aplica-se às relações de trabalho prestado por efeito do contrato de trabalho, com excepção das relações de trabalho rural, a bordo e de serviço doméstico."
Não se aplica, portanto, tal diploma aos trabalhadores sujeitos ao regime jurídico do funcionalismo público em que o trabalho não é prestado por efeito do contrato de trabalho.
Os cinco trabalhadores referidos no acórdão recorrido que foram admitidos ao serviço da A antes de 1 de Setembro de 1993 e não optaram pelo regime jurídico do contrato de trabalho, como lhes era facultado pelo n. 2 do artigo 7 do Decreto-Lei n. 287/93, continuaram sujeitos ao anterior regime jurídico do funcionalismo público, não lhes sendo, por isso, aplicável aquele novo regime jurídico e não lhes sendo aplicável, por conseguinte, também a disciplina do trabalho suplementar estabelecida pelo Decreto-Lei n. 421/83 e designadamente o seu artigo 10 que obriga ao registo do trabalho suplementar.
Impõe-se, assim, concluir, como concluímos que a recorrente, porque não estava obrigada a cumprir a obrigação, prevista no artigo 10 do Decreto-Lei n. 421/83, de registar o início do trabalho prestado pelos cinco trabalhadores, admitidos aos seu serviço antes de 1 de Setembro de 1993, para além do horário de trabalho afixado, não praticou a infracção correspondente e que passou a constituir contra-ordenação laboral, prevista e punida pelos ns. 1 e 4 do artigo 23 do Decreto-Lei n. 491/85 de 26 de Novembro que não se pode, por conseguinte, considerar verificada.
Nestes termos e nos do artigo 445 do Código de Processo Penal, decide-se conceder provimento ao recurso interposto e alterar o douto acórdão recorrido, condenando a A recorrente na coima de 20000 escudos (10000 escudos por cada um dos trabalhadores abrangidos pelo Decreto-Lei n. 421/83, os únicos em relação aos quais se verificou a infracção).

E acorda-se em fixar a seguinte jurisprudência:
A falta de anotação, no registo do trabalho suplementar, das horas do início do trabalho suplementar prestado pelos trabalhadores da A., admitidos ao seu serviço antes de 1 de Setembro de 1993 e que, por não terem optado pelo regime jurídico do contrato individual de trabalho, continuaram sujeitos ao regime jurídico do funcionalismo público, não integra a infracção prevista pelo n. 1 do artigo 10 do Decreto-Lei n. 421/83 de 2 de Dezembro e pelo n. 1 do artigo 23 do Decreto-Lei n. 491/85 de 26 de Novembro e punida pelo n. 4 deste último preceito legal.
Sem custas.

Lisboa, 16 de Maio de 2000.

Sousa Lamas,
Manuel Pereira,
José Mesquita,
Almeida Deveza,
Azambuja Fonseca,
Dinis Nunes.