Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1829/21.1T8VIS.C1.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO GAMA
Descritores: CÚMULO JURÍDICO
IN DUBIO PRO REO
CONFISSÃO
PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DA DUPLA VALORAÇÃO
Data do Acordão: 10/07/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO.
Sumário :

I - Da fundamentação, na parte relativa à decisão da matéria de facto, deve constar a enumeração dos factos provados e não provados. Relativamente aos factos em relação aos quais, produzida a prova, persiste a dúvida final e razoável esta não pode desfavorecer a posição do arguido: um non liquet na questão da prova tem de ser sempre valorado a favor do arguido. Assim, não é correta a formulação «11. …terá conseguido concluir três cadeiras»; «14.º…. refere ter mantido situação ocupacional regular»; «18.º …residirá na região de»
II A falta de colaboração do arguido, não recaindo sobre ele qualquer dever de colaborar na descoberta da verdade, não pode ser ponderada contra o arguido atendendo ao seu direito ao silêncio (art. 61.º/1/d, 343.º/1, CPP). O que pode ser ponderado a favor do arguido é a sua conduta posterior aos factos delituosos, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime.
III. A mera confissão dos factos delituosos na audiência para conhecimento superveniente do concurso tem de ser vista como a confissão de algo que já está provado, de muito reduzido ou nulo valor.
IV - A consideração em conjunto dos factos e personalidade do agente, normativamente imposta, é uma consideração dos factos em relação que nada tem a ver com dupla valoração.

Decisão Texto Integral:



Processo n.º 1829/21.1T8VIS S1

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:

I

1. No Tribunal Judicial da Comarca .... foi proferida a seguinte decisão (transcrição):

a) Condenar o arguido AA [AA] na pena única de 7(sete) anos de prisão efetiva, que engloba as condenações no PCC n.º 433/16…, PCS n.º 52/16… e no PCC n.º 23/13….

2. Inconformado recorre o arguido apresentando as seguintes conclusões (transcrição):

I- O Recorrente foi condenado nos processos PCC n.º 433/16…, do J Central Criminal .... na na pena de 3(três) anos e 6(seis) meses de prisão efetiva, J…; no PCS n.º 52/16…, do J Local Criminal .... na pena de 2 anos e 6 meses de prisão efetiva; no PCC n.º 23/13…, do J Central Criminal  .... em cúmulo jurídico foi condenado na pena única de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.

II- Neste grupo de condenações o Tribunal considerou que a pena parcelar mais elevada foi de 5 anos e 4 meses, limite mínimo da moldura do cúmulo, somando todas elas o máximo de 12 anos e

2 meses.

III- E considerou equilibrada em cúmulo jurídico das referidas penas parcelares de prisão: a pena única de 7(sete) anos de prisão.

IV- 0 Tribunal a quo errou na medida da pena aplicada.

V- O somatório das penas dá o máximo de 11 anos e 6 meses.

VI- Desta forma, pena parcelar mais elevada foi de 5 anos e 4 meses, limite mínimo da moldura do cúmulo, somando todas elas o máximo de 11 anos e 6 meses.

VII- O Acórdão deveria ter fixado em 6 anos a pena única do cúmulo atendendo ao seguinte:

-O recorrente beneficia de apoio emocional incondicional por parte da sua mãe.

- Existe uma prognose positiva quanto à sua restituição à liberdade, visto que quando lhe foi proporcionado o período de liberdade condicional, o Recorrente deu preferência a rotinas e comportamentos ajustados à normalidade social.

- É trabalhador, em 2014, emigrou para Inglaterra e regressou a Portugal no final do mês de outubro de 2015, período em que esteve emigrado em Inglaterra, manteve uma ocupação regular, trabalhando essencialmente, em restaurantes, a maior parte do tempo num restaurante indiano, após uma passagem de quatro meses por restaurante ……  e também ajudava a mãe na venda de plantas em feiras locais.

VIII- O Acórdão recorrido não fez a correcta aplicação dos artigos 71.º e 77.º do Código Penal. Pelo que a pena única do cúmulo concretamente aplicada ao recorrente deveria ser de 6 anos.

IX- O Acórdão violou os artigos 71.º e 77.º do Código Penal.

Termos em que, recebido o presente recurso, devem V. Exas. alterar a medida da pena e fixá-la em 6 anos a pena única do cúmulo.

3. O Ministério Público respondeu ao recurso sustentando a sua improcedência.

4. Neste Supremo Tribunal de Justiça a Procuradora-Geral Adjunta foi de parecer que o recurso não merece provimento.

5. Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência para decisão.

II

A

Factos provados:

1. Do arguido AA

2. I - Dados relevantes do processo de socialização

3. O arguido AA cresceu integrado no agregado familiar de origem, constituído pelos pais, ele, guarda-florestal, falecido em julho de 2015 na sequência de doença oncológica, tinha então 62 anos e ela, professora, reformada há cerca de três anos, atualmente com 62 anos e mais dois irmãos, sendo ele o segundo da fratria.

4. O seu processo de aprendizagem social terá decorrido dentro dos parâmetros considerados normais, tendo-lhe os pais proporcionado adequadas condições de vida, quer ao nível da satisfação das suas necessidades materiais, quer afetivas e educativas.

5. Iniciou a escolaridade em idade própria frequentando o ensino regular em ..... Contudo, a precocidade com que se iniciou no consumo de substâncias estupefacientes e, nomeadamente, no consumo de drogas duras, haveria de desviá-lo de rotinas conducentes a uma adequada socialização e facilitar o seu envolvimento em comportamentos social e juridicamente reprováveis, que o conduziram a um primeiro processo de reclusão preventiva. Na altura com 20 anos, acabaria por ser depois condenado numa pena de prisão de 15 meses, suspensa na sua execução por um período de três anos, pela prática de crime de tráfico de estupefacientes.

6. Com 21 anos, foi viver para .... com a sua namorada, altura em que esta foi ali estudar, relação que terá mantido durante três anos e à qual se refere hoje com alguma saudade, dada a estabilidade emocional que a mesma lhe proporcionaria. Em ... trabalhava e estudava para concluir o secundário, voltando  .... aos fins-de-semana.

7. No entanto, persistiam os consumos aditivos, acabando por vir a sofrer nova reclusão preventiva, na sequência da prática, na forma tentada, de um crime de roubo, que haveria de culminar na sua condenação em pena de prisão efetiva, de três anos.

8. Durante este período de reclusão, estava então no EP ..., reinicia processo de escolarização através do programa Novas Oportunidades. Concluiu o ensino secundário e matricula-se na Escola Superior de Comunicação Social em ..., sendo posteriormente transferido para o EP de ..., a seu pedido, com o intuito de ali frequentar a referida formação superior.

9. Em 19 maio de 2010 é colocado em liberdade condicional sob condição de fixar residência em ...., manter boa conduta, frequentar o curso superior em que estava matriculado e de se manter abstinente relativamente ao consumo de substâncias estupefacientes, sujeitando-se ao acompanhamento do CRI relativamente a esta problemática aditiva.

10.Permanece em .... até novembro de 2010 altura em que, após competente requerimento ao TEP, lhe é autorizado fixar residência em ..., para frequência do curso superior em que estava matriculado. Permanece naquela cidade, sob o acompanhamento da equipa da DGRSP local, durante o restante período de liberdade condicional, em que adota preferencialmente rotinas e comportamentos ajustados à normalidade social, vindo aquela pena a ser declarada extinta.

11. Em termos formativos apenas terá conseguido concluir três cadeiras.

12.Por factos praticados em abril de 2009, altura em que se encontrava a aguardar julgamento em situação de obrigação de permanência na habitação, viria a ser condenado em junho de 2011, numa pena de prisão de 2 anos, substituída por 480 horas de trabalho a favor da comunidade.

13.Contudo, acabaria por não dar cumprimento à referida medida, quer seja porque num momento inicial foi submetido a intervenção cirúrgica e posterior tratamento para debelar problema……, quer seja porque depois, em 2014, emigrou para Inglaterra apenas regressando a Portugal no final do mês de outubro de 2015.

14.Durante o período em que esteve emigrado em Inglaterra, refere ter mantido situação ocupacional regular, trabalhando essencialmente, em restaurantes, a maior parte do tempo num……, após uma passagem de quatro meses por ……..

15. Em termos aditivos a sua história de vida revela-nos o envolvimento precoce em consumos de cannabis com passagem para consumos de cocaína por volta dos 23 anos e, posteriormente, para consumos de heroína.

16.II - Condições sociais e pessoais

17.À data dos factos o arguido AA integrava o agregado familiar de origem, numa moradia própria, constituído pela sua mãe e pelo irmão mais novo, BB, de 28 anos, que se encontra atualmente em situação de liberdade condicional e a trabalhar……, realidade familiar e habitacional que se mantém no presente.

18.O irmão mais velho, CC, de 38 anos, residirá na região .... (…), sem ter qualquer tipo de relacionamento com os outros elementos do núcleo familiar.

19.Não mantém, no momento atual, qualquer atividade profissional remunerada nem está inserido em qualquer processo formativo, vivendo na dependência financeira da mãe.

20. A mãe do arguido, reformada, vem-se dedicando ao cultivo……... O arguido tem por hábito ajudá-la nestas funções, nomeadamente, na………, repartindo o resto do seu tempo entre a permanência no espaço habitacional e idas ao CRI para toma de metadona. Não são conhecidos atualmente hábitos notívagos do arguido.

21. A problemática aditiva do arguido é seguida no CRI  .... onde tem registos de acompanhamento desde 2010, altura em que foi colocado em liberdade condicional com a obrigação de se submeter ao acompanhamento do referido organismo de saúde. Após cerca de cinco anos de ausência, retomou as consultas no CRI em abril de 2017. De momento, encontra-se inserido em programa de substituição opiácea com cloridrato de metadona para minimização dos sintomas de privação, ali comparecendo duas vezes por semana.

22. No CRI o arguido, no essencial, vem dando cumprimento às regras que ali lhe são impostas, embora, por vezes, com dificuldade em aceitá-las.

23. O arguido AA tem vindo a desenvolver a perspetiva de se recolher em comunidade terapêutica com o propósito de ali dar continuidade ao processo de tratamento, em regime de internato. Neste sentido no dia 19 de março de 2018 fez entrevista para ingresso na Comunidade Terapêutica “....”, em ..., aguardando vaga.

24. O arguido mostra incapacidade para admitir os seus erros, caraterizando-se o seu percurso de vida associado à história criminal da problemática aditiva.

25. O arguido conta com o apoio incondicional da mãe, que entende a necessidade do filho se regenerar como cidadão.

26.O arguido conta com o suporte familiar, que lhe é proporcionado pelos seus irmãos, pela sua mãe e pela sua tia, no sentido de o orientar e acolher.

27. O arguido AA cumpriu prisão preventiva à ordem do processo nº 2137/04…, … Jz Criminal …, no período de 23.07.2004 até 10.12.2004.

28. O arguido AA tem vários antecedentes criminais, a saber:

29. No processo nº 387/04…. por acórdão de 10.01.2005, transitado em julgado no dia 31.01.2005, foi condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. p. pelo art. 21º, do DL 15/93, de 22/01, na pena de 15 meses de prisão suspensa pelo período de três anos, entretanto declarada extinta;

30.No processo nº 82/08…, do Círculo Judicial ...., por acórdão de 14.07.2009, transitado em julgado no dia 3.08.2009, foi condenado pela prática em 15.10.2008 de um crime de roubo, na forma tentada, p. p. pelo art. 210º, nº 1, do C. Penal, na pena de três anos de prisão efetiva. O arguido esteve preso preventivamente à ordem desse processo desde 15.10.2008 até 14.01.2009 e desde então com OPHVE até 23.04.2009, data em que lhe foi novamente aplicada a medida de prisão preventiva, assim permanecendo preso preventivamente e depois em cumprimento de pena até 19.05.2010, data em que lhe foi concedida a liberdade condicional pelo período decorrente até à concessão da liberdade definitiva no dia 14.12.2011, conforme certidão de fls.88-106, que aqui se dão por inteiramente reproduzidas.

31.No processo 533/09… foi condenado por sentença de 7.06.2011, transitada em julgado no dia 13.07.2011, conforme certidão de fls.107ss que aqui se dá por inteiramente reproduzida, pela prática em 12.04.2009 de um crime de furto qualificado, p. p. pelo art. 204º, nº 2, al. e), do C. Penal, na pena de dois anos de prisão substituída por 480 horas de trabalho a favor da comunidade, que prescreveu.

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I- PCC n.º433/16…

1. No PCC n.º 433/16…, do J Central Criminal ...., J…, por acórdão de 15.05.2018, transitado em julgado em 7.11.2019, foi condenado condenar pela prática em coautoria material de um crime de roubo simples, na forma consumada, p. e p. pelo artigo 210.°, n.º 1, do C. Penal, na pena de 3(três) anos e 6(seis) meses de prisão efetiva, conforme certidões de fls.41-72, que aqui se dão por inteiramente reproduzidas, não tendo o arguido colaborado de forma relevante para a descoberta da verdade; tudo porquanto:

1. “No dia 5 de Abril de 2016, cerca das 21h, DD caminhava sozinho no sentido parque … - …, na Avenida …, cidade e comarca .....

2. Os arguidos, em conjugação de esforços e na execução de plano previamente gizado entre ambos, decidiram abordar DD e retirar-lhe os bens que trazia consigo.

3. Assim, o arguido AA abordou DD e disse-lhe “anda cá”, puxando-o pelo carapuço do casaco que trazia vestido. Nessa mesma ocasião, o arguido EE também puxou o ofendido pelo casaco.

4. Após, ambos os arguidos, que puxavam pelo casaco que o ofendido trazia vestido, conduziram-no contra a sua vontade para uma subida aí existente junto ao pavilhão desportivo.

5. DD ainda se tentou libertar dos arguidos, o que aqueles impediram, tendo o arguido AA dito: “Ainda não percebeste? Isto é um assalto!”.

6. Chegados ao cimo da subida, junto a um penedo ali existente, o arguido AA ordenou ao ofendido: “dá cá a carteira”, tendo DD respondido que não tinha nenhuma carteira.

7. Perante a resposta de DD, o arguido AA introduziu a mão nas calças daquele e retirou do interior de um dos bolsos um telemóvel, de marca ..., modelo …, de cor azul, de valor não concretamente apurado, mas não inferior a 69 euros.

8. De imediato, com medo dos arguidos, o ofendido entregou ao arguido AA a sua carteira/porta-chaves em napa de cor castanha, no valor de €1,00, com as chaves da habitação, 28 euros e alguns cêntimos em dinheiro, dos quais a PSP veio a recuperar 25,25 euros em dinheiro (quatro moedas de 1 euro, uma de 50 cêntimos, duas de 20 cêntimos, três de 10 cêntimos, e uma de 5 cêntimos, e uma nota de 20 euros), de tudo se tendo apossado.

9. Ao ver o conteúdo da carteira, verificando que a mesma apenas continha no seu interior aquela quantia e nenhum cartão multibanco/crédito, o arguido AA interpelou o ofendido dizendo: “não tens cartão de crédito? Este dinheiro não chega, eu quero mais!”.

10.O arguido EE manifestou, nesse momento, intenção de ir embora, sendo logo interpelado pelo arguido AA que lhe disse: “queres ir embora? Puxa pela navalha e pica-o”.

11.Em ato contínuo, o arguido EE empunhou a navalha de que previamente se munira, com lâmina de 6,7 cms, perfazendo no seu total, aberta, 16 cms, e apontou a lâmina à barriga do ofendido, a cerca de 15 cms desta.

12. Com a navalha assim empunhada junto da barriga do ofendido, o arguido AA disse para o ofendido que iam a casa deste buscar o dinheiro que lá tivesse, chegando a afirmar para o ofendido que ia dizer à sua mulher que andava no parque “à procura de homens”.

13.Em ato contínuo, os arguidos, agarraram a roupa que o ofendido trazia vestida e puxaram-no até à porta do parque  ... que dá acesso à EN ….

14.Quando chegaram junto à referida estrada, por forma a não ser detetada a sua conduta por quem ali transitava, os arguidos largaram o ofendido, o qual passou a caminhar à frente deles na direção da sua residência, sita no Bairro …., desta cidade.

15. Enquanto isso os arguidos seguiram no seu encalço em direção à residência do ofendido, dizendo-lhe que iam atrás dele para assaltarem a casa.

16. A dada altura, como o ofendido dissesse aos arguidos que precisava da chave da sua casa para entrar, o arguido AA entregou-lhe a dita chave que se encontrava no porta-chaves acoplado à carteira.

17. Assim, o ofendido continuou a caminhar à frente dos arguidos a uma distância de cerca de 10 metros.

18.Todavia, já no Bairro ..., o ofendido correu para o interior do Restaurante “…” e solicitou ajuda, sendo solicitada a presença da PSP.

19.Ao verem o ofendido no interior do restaurante, os arguidos colocaram-se em fuga para o interior da mata  ..., levando consigo os bens supra descritos, propriedade do ofendido e que lhe retiraram contra vontade daquele, apropriando-se dos mesmos.

20. Chamados ao local, os agentes da PSP vieram a perseguir os arguidos no interior daquela mata, onde foram localizados, vindo a ser intercetado o arguido EE na posse da navalha, carteira com dinheiro e telemóvel apreendidos no auto de fls.3 que aqui se dá por inteiramente reproduzido.

21. Com a conduta acima descrita, em momento não concretamente apurado, os arguidos provocaram um rasgão num dos bolsos do casaco que o ofendido trazia vestido.

22. Os arguidos sabiam que o telemóvel, carteira e quantia monetária que retiraram ao ofendido no modo sobredito e levaram consigo, não lhes pertenciam e que ao apoderarem-se deles, nas circunstâncias atrás descritas, com o propósito de os fazerem seus, agiam contra a vontade do seu legítimo dono, DD, bem sabendo que não tinham qualquer direito sobre os mesmos.

23.Os arguidos bem sabiam e queriam intimidar o ofendido ao aproximarem a lâmina da navalha empunhada na direção deste, constrangendo qualquer reação deste e assim conseguindo desde logo manter consigo os objetos já subtraídos.

24. Os arguidos, ao puxarem o ofendido, enquanto lhe dirigiam tais expressões no decorrer do assalto, bem sabiam e queriam conseguir dele, por esse meio, tais objetos, provocando-lhe intimidação e medo.

25.Os arguidos agiram em comunhão de esforços, na elaboração e concretização de plano previamente gizado entre eles, fazendo-o de modo livre, voluntário e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal”.

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II- Processo n.º 52/16….

1. No PCS n.º 5216/..., do J Local Criminal  ...., por sentença proferida nestes autos em 17-12-2020, que transitou em julgado em 14-04-2021, foi condenado pela prática, em autoria material, sob a forma tentada, de um crime de roubo, previsto e punido pelos artigos 210.º, n.º 1 e 22.º, n.º 1 e 2, alínea b) e 23.º, n.º 1, todos do Código Penal, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão efetiva, conforme certidões de fls.5-13, que aqui se dão por inteiramente reproduzida, não tendo o arguido colaborado de forma relevante para a descoberta da verdade; tudo porquanto:

“1. O arguido AA é consumidor de produtos estupefacientes, designadamente cocaína e heroína e por não ter fonte de rendimento que lhe permita satisfazer o seu vício de consumo, começou a recorrer a encontros de cariz sexual a troco da entrega de determinada quantia em dinheiro.

2. No dia 15 de janeiro de 2016, em hora não concretamente apurada, mas pelo menos antes das 02h00, FF deslocou-se, no veículo automóvel de marca ...., de matrícula ...-...-AX ao parque do ..., sito em ...., com o propósito de estabelecer relacionamento de natureza homossexual.

3. Com o referido propósito, naquele dia e em hora, o arguido AA encontrava-se no parque do ..., sito em .....

4. Este, quando avistou o veículo automóvel de FF, que se encontrava estacionado no interior do referido parque, aproximou-se do mesmo, abeirou-se da janela da porta do condutor e trocou breves palavras com aquele com o propósito de formular proposta de teor sexual a troco de uma determinada quantia em dinheiro.

5. Assim, o arguido AA entrou no veículo automóvel de FF, ocupando o lugar do pendura, e a sugestão do arguido AA abandonaram o parque e seguiram marcha no interior daquele veículo automóvel em direção à ..., sita em ...., local indicado e conhecido pelo arguido AA.

6. Chegados ao referido local, o arguido AA exigiu a FF o pagamento de vinte euros como contrapartida pelo ato sexual, ao que este último lhe disse “Aqui não há dinheiro” e negou o pagamento de qualquer quantia monetária.

7. Perante tal recusa, o arguido AA logo formulou o propósito de se apropriar indevidamente de quantias em dinheiro e outros objetos de valor pertencentes a FF, para proveito próprio.

8. O arguido AA, com a mão esquerda, retirou as chaves da ignição do veículo automóvel e com a mão direita muniu-se e empunhou na direção do corpo de FF um objeto corto-contudente, semelhante a uma navalha, de dimensões e características não concretamente apuradas e disse-lhe “Isto é um assalto”.

9. FF de imediato colocou a sua mão esquerda sobre o referido objeto, conseguindo afastá-lo de si, o que lhe provocou um corte entre os dedos polegar e indicador que de imediato começou a sangrar.

10. Estando ambos já no exterior, FF com o objetivo de recuperar as chaves do veículo, retirou o cinto que se encontrava preso às suas calças e com ele desferiu uma pancada na cabeça do arguido AA que mantinha empunhado o objeto corto-contundente na direção do corpo de FF.

11. No decorrer do confronto físico, FF logrou envolver o cinto à volta do pescoço do arguido AA e apertou-o de forma cruzada com o objetivo de constranger aquele arguido a devolver-lhe as chaves do veículo automóvel.

12. Naquele momento, o arguido AA munido do objeto corto-contudente cortou o cinto e reduziu o tamanho do mesmo.

13. Porém, mesmo com o corte, FF continuou a apertar o pescoço do arguido AA, até este cair ao chão.

14. Já no chão e posicionando-se sobre o arguido AA, FF logrou retirar-lhe das mãos o objeto corto-contudente e as chaves do seu veículo automóvel.

15. O arguido AA ficou imóvel no chão.

16. FF abandonou o local no seu veículo automóvel. Como consequência direta, necessária e adequada da conduta levada a cabo

17. Como consequência da conduta de FF, sofreu o arguido AA, dores e as lesões melhor descritas no relatório de Perícia de avaliação do Dano Corporal em Direito Penal de fls. 64-65 e 110-111, que aqui se dão por integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais, designadamente “ Membro superior direito: cicatriz de ferida incisa da região interdigital entre o 1.º e o 2.º dedo da mão com 2 centímetros de comprimento.” – as quais determinaram 7 dias para cura, sem afetação da capacidade de trabalho geral e com afetação da capacidade de trabalho profissional.

18. O arguido AA, ao praticar os factos descritos, agiu com o propósito de se apoderar de dinheiro ou valores pertença de FF, bem sabendo que os mesmos não lhe pertenciam, eram de outrem e que atuava sem o consentimento e contra a vontade do seu legítimo proprietário.

19. O arguido AA ao munir-se de um objeto de agressão, nomeadamente um objeto corto-contudente, agiu com o propósito, concretizado, de intimidar FF, fazendo-o recear pela sua integridade física e até vida, contrangendo-o à entrega da referida quantia monetária que só por razões alheias à sua vontade, nomeadamente pelo facto de FF ter reagido, não se concretizou.

20. O arguido agiu de forma livre, consciente e voluntariamente bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal”.

III. Processo nº º 23/13...

No PCC n.º 23/13..., do J Central Criminal  ...., por acórdão de 11-04-2019, que transitou em julgado em 12-12-2019, foi condenado como:

a) co-autor material e na forma consumada, como reincidente, de um crime de roubo agravado, previsto e punido pelos artigos 210º n.º 1 e n.º 2 b) do Código Penal, na pena de 5 (cinco) anos e 4 (dez) meses de prisão;

b) como autor material e na forma consumada, como reincidente, de um crime de detenção de arma proibida previsto e punido pelo artigo 86º n.º 1 alínea d) da Lei n.º 5/2006, de 23/02, na pena de 10 (dez) meses de prisão;

c) Em cúmulo jurídico foi condenado na pena única de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão, conforme certidão de fls.14ss que aqui se dá por inteiramente reproduzida, não tendo o arguido colaborado de forma relevante para a descoberta da verdade;

tudo porquanto:

“1. No dia 29 de Março de 2013, pelas 00:30 horas, GG parou a viatura que conduzia, na Rua …, junto ao Instituto da Juventude, Portal  ..., em ...., a fim de se dirigir ao Restaurante “…”;

2. A dada altura surgiu o arguido AA junto à porta do veículo tripulado por GG, ao lado deste, que o cumprimentou como se o conhecesse;

3. De seguida, o arguido AA, continuando a falar, contornou a viatura ...-...-QD e abriu a porta do lado do passageiro da parte da frente, sem qualquer autorização, a sentou-se nesse lugar;

4. Já no interior, após o GG solicitar que saísse do seu carro, o arguido AA puxou de uma navalha “tipo borboleta” que consigo trazia e apontou-a a GG ao mesmo tempo que lhe tirou a chave da viatura;

5. Depois, o arguido AA tentou passar para o lugar do condutor mas foi impedido por GG;

6. Perante a atitude de GG, o arguido AA enfureceu-se e ordenou a estes que arrancasse com a viatura, senão furava-o com a faca que empunhava;

7. De imediato, o GG arrancou com o veículo e deslocou-se em direcção ao parque de estacionamento sito na Avenida …, em ...., onde o arguido AA ordenou que parasse a viatura, ao que GG obedeceu;

8. Já naquele parque, o arguido AA gritou pelo nome do arguido HH que estava no interior de uma viatura de marca …., modelo …., com a matrícula ...-...-GQ, a cerca de 20 metros do local onde se encontravam, sendo que, de imediato, o arguido HH se dirigiu à viatura ...-...-QD onde estavam o GG e o arguido AA;

9. Brandindo a faca que segurava na mão na direcção de GG o arguido AA exigiu-lhe a entrega de todo o dinheiro que tivesse enquanto o arguido HH, no banco de trás, vasculhava a sua carteira à procura de quantias monetárias, acabando por lançar mão de uma nota de € 10,00, outra de € 5,00 e €4,00 em moedas, tudo numerário do Banco Central Europeu;

10. De seguida, o arguido AA abriu o porta-luvas da viatura …-…-QD e de lá retirou uma máquina de filmar de marca ….. Como o GG lhe pediu para não levar a máquina o arguido AA disse-lhe “não me dás a máquina vais ao multibanco e levantas € 400,00”;

11. Com medo do que lhe pudesse acontecer, já que o arguido AA lhe disse que lhe espetaria a faca, o GG acedeu ir ao Multibanco e dirigiu a viatura pelo trajecto indicado pelo arguido AA, acabando por parar cerca de 30 metros depois junto ao Banco BPI, sito no Bairro …, ...., onde lhe retirou as chaves da viatura, ordenando-lhe que fosse levantar dinheiro, “vai lá, vai lá, não demores e levanta € 200,00”;

12. O GG saiu da viatura e dirigiu-se junto à Caixa Multibanco de onde levantou a quantia de € 100,00, enquanto o arguido AA ficou junto de si, intimidando-o, e o arguido HH o aguardava dentro do carro vigiando e avisando, se necessário, caso alguém aí aparecesse;

13. O GG entregou ao arguido AA os € 100,00 e dirigiram-se ambos para o interior da viatura;

14. No regresso ao parque de estacionamento, enquanto o GG tripulava a viatura, o arguido AA, na posse do telemóvel daquele, anotou o contacto de telemóvel aí existente dos seus pais e disse para o GG que, caso o mesmo não lhe entregasse mais € 100,00, no dia seguinte ou caso contasse às autoridades policiais o que havia sucedido, faria mal aos seus familiares;

15. Já no parque de estacionamento o arguido AA entregou a máquina de filmar ao GG e perguntou-lhe se não tinha mais artigos valiosos, ao mesmo tempo que procurava no interior do carro outros objectos, acabando por encontrar uma aliança no cinzeiro, em que pegou, mas de imediato atirou para o chão uma vez que se aproximaram do local agentes da P.S.P. que os detiveram e algemaram;

16. Na altura da detenção o arguido AA jogou para o solo 4 notas de €20,00 e duas notas de €10,00, perfazendo o total de €100,00 em numerário, que momentos antes os arguidos haviam retirado a GG;

17. O AA tinha ainda consigo uma navalha “tipo borboleta”;

18. Por seu turno o arguido HH tinha na sua posse uma nota de € 10,00, uma nota de € 5,00 e quatro moedas de € 1,00, perfazendo a quantia global de € 19,00, dinheiro que os arguidos retiraram da mão de GG nos termos supra descritos, bem como de uma navalha;

19. Os arguidos actuaram com o intuito de fazer seu o numerário no valor global de €119,00, bem como a aliança, fazendo uso de navalhas que empunhavam e profetizando que atingiriam a integridade física de GG caso este não obedecesse;

20. A navalha referida em 4. é uma arma branca composta por cabo e lâmina em metal, sendo o cabo dividido em duas partes que se articulam independentes sobre um eixo que fixa cada parte à lâmina, permitindo guardar a lâmina girando num sentido, girando no sentido oposto forma o cabo ou empunhadura e encontra-se em mau estado de conservação, com um dos lados da empunhadura partido;

21. Os arguidos ficaram com o numerário em cima descrito e só não lhe deram o destino que lhes aprouve, em seu próprio proveito, porque no local compareceram as autoridades policiais;

22. Os arguidos agiram da forma descrita, mancomunados um com o outro, dando curso conjunto a um plano que previamente engendraram e depois concretizaram em comunhão de esforços;

23. O arguido AA sabia e conhecia ainda as características da arma que empunhava e que, face às mesmas, não podia tê-la em seu poder, mesmo assim, não se coibiu de a usar do modo descrito;

24. O arguido AA sabia ainda que, ao anunciar que atingiria a integridade física dos pais de GG nos termos que descreveu, criaria em GG inquietação e receio que aquele viesse a concretizar algum acto que colocasse em perigo a vida ou integridade física dos seus pais;

25. Agiram ambos sempre de forma livre, voluntária e consciente e sabiam, além disso, que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal;

26. Conforme decorre do certificado de registo criminal do arguido AA, junto aos autos, o arguido já sofreu anteriormente várias outras condenações, uma delas em pena de prisão efectiva que cumpriu, pela prática do mesmo tipo de crime que ora lhe vem imputado;

27. Assim é que, no âmbito do Processo Comum Singular nº. 82/08… foi o arguido condenado por decisão transitada em julgado em 03/08/2009 pela prática de um crime de roubo na forma tentada, previsto e punido pelo artigo 210º nº- 2, alínea d), por referência ao artigo 204º, n.1, alínea e) e nº 2, alínea f), artigo 22º e artigo 23º n.º 2, todos do Código Penal e artigo 4º do Decreto-Lei n.º 48/95 de 20/3, consumado em 15/10/2008, na pena de 3 anos de prisão;

28. Entre a prática do crime pelo qual foi condenado e do que agora vai acusado, decorreram menos de cinco anos, não tendo tal condenação constituído obstáculo bastante ao cometimento de novo crime;

29. Apesar de o arguido AA ter sido condenado em pena de prisão efectiva que cumpriu, o arguido não conseguiu adequar o seu comportamento às regras sociais vigentes, pelo que se conclui que tal pena não foi suficiente para o afastar da prática de novos crimes”.

*

B

O Direito

1. Uma nota preliminar para deixar claro que da fundamentação, na parte relativa à decisão da matéria de facto, consta a enumeração dos factos provados e não provados (art. 374.º/2, CPP). Relativamente aos factos em que, produzida a prova, persiste a dúvida final e razoável esta não pode desfavorecer a posição do arguido: um non liquet na questão da prova tem de ser sempre valorado a favor do arguido (Jorge de Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 1974, p. 213). Assim, não é correta a formulação «11. …terá conseguido concluir três cadeiras»; «14.º…. refere ter mantido situação ocupacional regular»; «18.º …residirá na região de»

2. O essencial da alegação do recorrente é que o Acórdão recorrido não fez a correta aplicação dos artigos 71.º e 77.º do Código Penal, mas quando procuramos a razão dessa crítica nada adianta o recorrente limitando-se a contrapor a pena única de 6 anos. O alegado apoio emocional incondicional por parte da sua mãe, sempre existiu e não foi óbice a que o arguido repetisse os comportamentos violentos contra outros cidadãos, de quem pretendia recorrendo á força e ameaça, quantias monetárias e/ou bens facilmente transacionáveis para alimentar a sua dependência de drogas. A alegada prognose positiva quanto à sua restituição à liberdade, sem respaldo na matéria de facto provada, é questão prematura pois contende com a liberdade condicional e não com a medida da pena. E a liberdade condicional, apesar de constar sistematicamente no Código Penal, antes da determinação da pena é questão de execução da pena de prisão da competência do TEP. Por fim, não tem apoio factual, a pretendida imagem do arguido como «trabalhador», no seu sentido corrente.

3. A medida da pena única, a moldura penal abstrata da punição do concurso de crimes tem como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas (art. 77.º/2, CP), como limite mínimo 5 anos e 4 meses de prisão – a pena mais elevada das concretamente aplicadas aos vários crimes em concurso – e como limite máximo a pena de 12 anos e 2 meses de prisão. A mais elevada das penas singulares é de 5 (cinco) anos e 4 (dez) meses de prisão, como resulta inequivocamente de fls. 32 do acórdão proferido no processo 23/.... O lapso começou na parte final do acórdão proferido nesse processo onde consta «a) Condenar o arguido AA como co-autor material e na forma consumada, como reincidente, de um crime de roubo agravado, previsto e punido pelos artigos 210º n.º 1 e n.º 2 b) do Código Penal, na pena de 5 (cinco) anos e 4 (dez) meses de prisão». Acresce, ao contrário do que alega o recorrente, não errou a decisão recorrida ao determinar o limite máximo da moldura penal do concurso de crimes, pois a soma de todas as penas parcelares perfaz 12 anos e 2 meses. Como realça o M:º P.º neste STJ, o recorrente não fundamenta a sua afirmação e não esclarece de que modo obteve a pena de 11 anos e 6 meses de prisão.

4. É dentro desta moldura – limite mínimo 5 anos e 4 meses de prisão e limite máximo 12 anos e 2 meses de prisão –, a moldura do concurso, que deve ser encontrada a pena única a aplicar, atendendo aos critérios gerais da culpa e prevenção (art. 71.º e 40.º, CP), e à regra específica da punição do concurso que manda atender, em conjunto, aos factos e à personalidade do arguido art. 77.º/1, CP). É ao conjunto dos factos que nos devemos ater para aquilatar da gravidade do comportamento ilícito do arguido. Na avaliação da pessoa e da personalidade do arguido importa saber se os factos delituosos espelham uma tendência criminosa ou uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade do arguido (JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, 1993, p. 291).

5. A decisão recorrida enfatizou:

«Assim, ponderar-se-á que:

- o grau de ilicitude dos factos e a culpa do arguido foram globalmente elevados;

- as condenações do arguido em cúmulo revelam a prática de crimes de diferente natureza, embora com propensão contra o património sob a forma violenta;

-além destas, tem outras condenações pela prática de crimes;

- o empreendimento criminoso do arguido apresenta acentuada dispersão temporal, sendo os factos antigos;

- não colaborou de forma relevante para a descoberta da verdade, nem mostra consciência critica em relação à ilicitude dos factos que cometeu;

- não beneficia de integração social e profissional;

- o seu percurso criminoso encontra-se associado à sua dependência aditiva de estupefacientes;

- o dolo do arguido foi sempre direto e intenso;

- no contexto e motivação dos factos, a conduta do arguido mostra-se bastante censurável;

- avultando as exigências de prevenção geral, no plano da prevenção especial mostra-se ajustada uma importante resposta punitiva que previna a prática de comportamentos da mesma natureza. Neste quadro afigura-se equilibrada em cúmulo jurídico das referidas penas parcelares de prisão: a pena única de 7(sete) anos de prisão».


6. Importa liminarmente desfazer o que parece um equívoco da decisão recorrida «não colaborou de forma relevante para a descoberta da verdade». A falta de colaboração do arguido, não recaindo sobre ele qualquer dever de colaborar na descoberta da verdade (art. 61.º/3, 342.º e 343.º/1, CPP), não pode ser ponderada contra o arguido atendendo ao seu direito ao silêncio (art. 61.º/1/d, 343.º/1, CPP). É certo que fazendo o arguido prevalecer em audiência o seu direito ao silêncio, essa escolha tem consequências: se com essa escolha não pode ver juridicamente desfavorecida a sua posição, pois o silêncio não pode ser valorado como indício ou presunção de culpa, deixa de poder ser beneficiado em virtude de uma eventual confissão, e pode ser mesmo prejudicado de um mero ponto de vista fáctico, quando do silêncio derive o definitivo desconhecimento ou desconsideração de circunstâncias que serviriam para justificar ou desculpar, total ou parcialmente, a infração (Jorge de Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 1974, p. 448 e 449).

7. Pode ser ponderada a favor do arguido, se apurada, a sua conduta posterior aos factos delituosos, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime» (art. 71.º/2/c, CP). Mas atenção, a mera confissão dos factos delituosos numa audiência para conhecimento superveniente do concurso (art. 471.º, CPP) tem de ser vista como a confissão de algo que já está provado, de muito reduzido ou nulo valor.

8. Impõe o art. 77.º/1, CP, que na medida da pena única «são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente». De entre os factos a considerar, relevam os que consubstanciam os comportamentos ilícitos típicos em concurso, essa a razão de a decisão que realiza o cúmulo jurídico dos crimes em concurso fazer referência aos factos. A consideração em conjunto dos factos e personalidade do agente, normativamente imposta, é uma consideração dos factos em relação que nada tem a ver com dupla valoração. O princípio da proibição da dupla valoração tem assento legal no art. 71.º/2, CP, ao dispor que «na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele (…)». No caso, não se verifica desconsideração do princípio, na sua aceção mais corrente e que se prende com a divisão de tarefas entre o legislador e o juiz no procedimento de determinação da pena concreta da pena (Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, 1993, p. 234, § 314). Não foi violado o disposto no art. 71.º, CP.

9. A narrativa do trabalhador não tem, como se disse, adesão e respaldo nos factos provados. Contrariamente a essa alegação, os factos mostram alguém que vem num crescendo delituoso e não arrepia caminho, reiterando condutas contra o direito para satisfazer o seu problema aditivo.

10. Os factos provados, diversamente do que pretende o arguido, dão a imagem de alguém, a quem a reclusão não teve o efeito de o fazer retornar ao caminho do respeito pelas normas mínimas da vida em sociedade. O arguido não pertence ao tipo de toxicodependentes que furtam e/ou roubam com um envolvimento pessoal mínimo, o suficiente para se apossar dos bens alheios. Na atuação do arguido há um padrão de uso de violência, um persistir no desígnio criminoso mesmo quando as vítimas oferecem resistência apreciável. O «excesso de pena» que o recorrente vislumbra, o ano de prisão aplicado acima dos «seis anos», pena que o recorrente entende como a adequada, a ele é imputável, ao seu reiterado comportamento contra o direito, por um período de tempo que se prolonga. Pelo desprezo pelas sucessivas condenações, pela sua clara inclinação criminosa para a prática de crimes violentos contra a propriedade dos seus concidadãos de forma a obter, à custa do património alheio, proveitos económicos para alimentar a sua dependência. Esse complemento de pena não é um «excesso», mas a resposta do direito a acrescidas necessidades de prevenção geral e especial.

11. A pena única aplicada situa-se ligeiramente acima do meio da moldura penal abstrata, num patamar que, no caso, já satisfaz as exigências de reafirmação da validade dos bens jurídicos postos em crise pela conduta global do arguido. A pena única aplicada de sete anos de prisão é, em consequência do exposto, proporcionada, satisfaz as exigências de prevenção, nomeadamente as elevadas necessidades de prevenção geral e especial, e deixa intocado o desígnio da reintegração do arguido na comunidade, pelo que não foram violados os arts 71.º e 77.º do Código Penal.

III

Decisão:

Acordam em negar provimento ao recurso do arguido AA.

Custas pelo arguido, fixando-se a taxa de justiça em 5 (cinco) unidades de conta.

Supremo tribunal de Justiça, 07.10.2021

António Gama (Relator)

Helena Moniz

Sumário