Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
074394
Nº Convencional: JSTJ00004310
Relator: JOSE DOMINGUES
Descritores: LOTEAMENTO URBANO
CONTRATO-PROMESSA
COMPRA E VENDA
UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ198910030743941
Data do Acordão: 10/03/1989
Votação: MAIORIA COM 3 VOT VENC
Referência de Publicação: DR 280 IS 1989/12/06, PÁG. 5316 A 5318 - BMJ Nº 390 PÁG. 89
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PARA O TRIBUNAL PLENO
Decisão: FUNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Indicações Eventuais: ASSENTO DO STJ.
Área Temática: DIR CIV - DIR CONTRAT.
Legislação Nacional: CCIV66 ARTIGO 2.
CPC67 ARTIGO 766 N3 ARTIGO 768 N3.
DL 46673 DE 1965/11/29 ARTIGO 10 N1.
Jurisprudência Nacional: ASSENTO STJ DE 1987/07/21 IN DR IS 1987/10/30.
ACÓRDÃO STJ DE 1987/10/22 IN BMJ N370 PAG536.
Sumário :
No dominio da vigencia do Decreto-Lei n. 46673, de 29 de Novembro de 1963, a falta de licença de loteamento não determina a nulidade dos contratos-promessa de compra e venda de terrenos, com ou sem construções, compreendidos no loteamento.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em plenario, no Supremo Tribunal de Justiça:

A e mulher, interpuseram recurso para o tribunal pleno, nos termos do artigo 763 do Codigo de Processo Civil, do Acordão deste Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Outubro de 1985, proferido no recurso de revista em que eram recorrentes e recorridos B, e mulher, C, D, E, e F e marido,, por ter decidido que e nulo o contrato-promessa de compra e venda de terrenos compreendidos em loteamento celebrado na vigencia do Decreto-Lei n. 46673, de 29 de Novembro de 1965, sem ter sido obtida a licença do loteamento exigida pelo artigo 10, n. 1, desse diploma, o que esta em manifesta oposição com o Acordão deste mesmo Supremo de 31 de Março de 1981, publicado no Boletim do Ministerio da Justiça, n. 305, a pagina 288, que julgou valido tal contrato.


A secção, consoante o acordão de folhas 25 a folhas 26, reconheceu a existencia da oposição e mandou prosseguir o recurso.


Os recorrentes encerraram a sua alegação com as seguintes conclusões:
1 - Os recorrentes celebraram um contrato-promessa por escritura particular a 23 de Abril de 1969 sobre dois lotes de terreno a destacar de uma propriedade sita na Lomba do Chão do Bispo, em Coimbra;
2 - Este contrato-promessa fora outorgado em plena vigencia do Decreto-Lei n. 46673, de 29 de Novembro de 1965, o qual foi revogado pelo Decreto-Lei n. 289/73, de 6 de Junho;

3 - Este ultimo decreto-lei veio consagrar a nulidade do contrato-promessa de compra e venda sobre quaisquer fraccionamentos relativos a terrenos compreendidos em loteamento, desde que não se indiquem o numero e a data do alvara que aprovar o loteamento;
4 - Logo, ate pelo que se afirma no exordio do mesmo decreto-lei, se conclui, de suma evidencia, que a lei, ate entrar em vigor não era tão severa, por, alem do mais, não ferir da nulidade os actos de fraccionamento a que faltarem aqueles pressupostos;
5 - Assim, a lei anterior aplicava uma multa, vindo a lei nova ferir de nulidade, sem se aplicar aos contratos anteriores;
6 - Portanto, ao ter-se considerado o referido contrato nulo e de nenhum efeito, violaram-se os comandos insitos naquele Decreto-Lei n. 46673, de 29 de Novembro de 1965.

Os recorridos contra-alegaram, sustentando, em sintese e conclusivamente: a) Não existir oposição entre os acordãos em apreço, devendo, por isso, considerar-se findo o recurso; b) Se assim não se entender, deve lavrar-se assento em que se decida que o contrato-promessa de compra e venda de terrenos compreendidos no processo de loteamento antes de obtida a respectiva licença ou alvara, celebrado na vigencia do artigo 10 do Decreto-Lei n. 46673, de 29 de Novembro de 1965, e nulo, independentemente da natureza do titulo que integra o respectivo negocio juridico.
O Excelentissimo Procurador-Geral-Adjunto deste Supremo emitiu douto parecer no sentido da revogação do acordão recorrido e da prolação de assento nos moldes seguintes:


Na vigencia do Decreto-Lei n. 46673, de 29 de Novembro de 1965, são validos os negocios juridicos de compra e venda, bem como a promessa de terrenos compreendidos em loteamento sem alvara, excepto quando no momento da celebração do contrato houvesse impossibilidade de obtenção de alvara, por haver lei, regulamento ou acto administrativo impeditivo da sua missão.

Com os vistos cumpre decidir.

Nos termos do n. 3 do artigo 766 do Codigo de Processo Civil, o tribunal pleno não esta impedido de decidir em sentido contrario ao acordão da secção que reconheceu a existencia da oposição que serve de fundamento ao recurso.


Assim, ha que reexaminar a questão preliminar, tanto mais que os recorridos, na sua contra-alegação, defendem não existir oposição entre os julgados em confronto, dado que no acordão recorrido se esta perante um contrato-promessa de compra e venda de terrenos em loteamento clandestino, ao passo que no acordão-fundamento se tratava de identico contrato relativo, porem, a uma moradia num conjunto turistico legalmente aprovado.
Não assiste razão aos recorridos.

Efectivamente, preceituando o n. 1 do artigo 10 do Decreto-Lei n. 46673, de 29 de Novembro de 1965, que "qualquer forma de anuncio de venda e a venda ou promessa de venda de terrenos, com ou sem construção, compreendidos em loteamento so poderão efectuar-se depois de obtida a licença a que se referem os artigos antecedentes e de terem sido observados os condicionamentos nela estabelecidos", a questão fundamental de direito que se debate nestes autos e a de saber se são validos os contratos-promessa de compra e venda de terrenos que, no dominio do citado decreto-lei, hajam sido celebrados antes de obtida a respectiva licença de loteamento.
Ora, quer no caso do acordão recorrido, quer no Acordão de 31 de Março de 1981, ambos proferidos sob a egide do mencionado Decreto-Lei n. 46673, não existia em qualquer das situações concretas neles tratadas licença de loteamento. A unica diferença que se verifica entre os dois acordãos e que, no caso do acordão-fundamento, estava aprovado pela camara municipal respectiva e pela Direcção-Geral dos Serviços de Urbanização o conjunto turistico onde se situava a moradia em causa e que, alem disso, fora requerida a licença de loteamento. Estas circunstancias não descaracterizam, porem, a oposição que, na verdade, existe entre esses acordãos e que e bem patente.
Com efeito, faltando a licença de loteamento nos contratos-promessa de compra e venda, que nesses acordãos estavam em apreciação, o acordão recorrido entendeu que essa falta determinava a nulidade do contrato e assim julgou, enquanto o acordão-fundamento entendeu que a referida falta não afectava o contrato-promessa, julgando-o, por isso, valido.
Nesta conformidade, existe a invocada oposição dos acordãos em analise, proferidos no dominio da mesma legislação, no tocante a questão fundamental de direito atras enunciada, motivo por que se passa a conhecer do objecto do recurso.

E, assim:
Na pendencia dos presentes autos este Supremo Tribunal proferiu o assento de 21 de Julho de 1987, que esta publicado no Diario da Republica, 1 serie, de 30 de Outubro de 1987, e que e do seguinte teor:

No dominio da vigencia do Decreto-Lei n. 46673, de 29 de Novembro de 1965, a falta de licença de loteamento não determina a nulidade dos contratos de compra e venda de terrenos, com ou sem construção, compreendida em loteamento.


Com a força obrigatoria geral que lhe advem do artigo 2 do Codigo Civil, reporta-se esse assento, na sua letra, apenas aos contratos de compra e venda nele referidos, mas, apesar disso, podera pensar-se que o mesmo abrange tambem os respectivos contratos-promessa e que,

consequentemente, o caso sub judice devera subsumir-se, pura e simplesmente, a doutrina do dito assento, como alias ja se decidiu, em caso igual, no Acordão deste Supremo de 22 de Outubro de 1987, proferido nos autos de revista n. 74994 da 2 Secção (v. Boletim do Ministerio da Justiça, n. 370, pagina 536), ficando, desta sorte, prejudicada a prolação do assento a que visa o presente recurso para o tribunal pleno.
So que esta solução, perfeitamente aceitavel em sede de revista, não e, so por si, de subscrever no especifico contexto deste processo, cujo fim ultimo - reconhecida a oposição dos acordãos em confronto - e, como impõe o n. 3 do artigo 768 do Codigo de Processo Civil, a formulação de assento que resolva o conflito jurisprudencial existente.

Com efeito, a adopção da referida solução, sem que se tirasse assento, levaria a revogação do acordão recorrido, mas tal decisão, por carecida da força obrigatoria geral dos assentos e vinculativa apenas entre as partes, não evitaria que, no futuro, pudessem surgir novos recursos para o tribunal pleno com o mesmo objecto do presente, pois nada impediria que, a proposito dos contratos-promessa como o dos autos, continuem a ser proferidas decisões contraditorias: umas, considerando validos esses contratos, como a do supracitado acordão e a que viesse aqui a ser proferida no mesmo sentido, mas sem assento; outras, decretando a nulidade de tais contratos, como a do acordão recorrido.
Seria, em suma, o renascer da mesmissima questão fundamental de direito que agora e posta a consideração do tribunal pleno, e dai que, não contemplando o assento de 21 de Julho de 1987, directa e frontalmente, o caso do contrato-promessa e existindo, como ficou dito, a oposição entre o acordão recorrido e o acordão-fundamento, seja necessario proferir assento para resolver o conflito em causa. Vejamos pois:
O artigo 10, n. 1, do Decreto-Lei n. 46673, de 29 de Novembro de 1965, prescreve, em pe de igualdade, as exigencias nele expressas, quer para a venda, quer para a promessa de venda de terrenos compreendidos em loteamento.
Por seu turno, as razões justificativas do assento de 21 de Julho de 1987, em cuja formulação se alude somente aos contratos de compra e venda dos terrenos nele mencionados

- razões essas que são, em sintese, a de a nulidade se mostrar pouco adequada e ate repelida por aquele decreto-lei -, colhem inteiramente para o simples contrato-promessa e, portanto, injusto seria que o caso dos autos, em que se discute um contrato-promessa, não tivesse o mesmo tratamento que o dito assento preconiza para o contrato prometido.

Reforça este entendimento, de resto, esse proprio assento, que, no seu discorrer e fundamentação, trata, para o efeito sem preocupações de distinção e antes da mesma forma, o contrato de compra e venda e o contrato-promessa, ao aludir indiferentemente a um e a outro, sendo curiosamente de notar que os acordãos em oposição que levaram a prolação do referido assento versavam justamente casos de contratos de compra e venda (acordão recorrido) e de simples promessa de venda (acordão-fundamento), o que mais acentua o espirito do mesmo assento no sentido de abranger as suas modalidades contratuais.

Assim, dado relevarem no caso vertente as mesmas razões justificativas do assento de 21 de Julho de 1987, na medida em que se ajustam perfeitamente aos contratos-promessa de compra e venda dos terrenos a que se refere o artigo 10, n. 1, do Decreto-Lei n. 46673, conclui-se não ser nulo o contrato-promessa de compra e venda em causa, celebrado entre recorrentes e recorridos no dia 23 de Abril de 1969.
Nestes termos, concede-se provimento ao recurso e, em consequencia, revoga-se o acordão recorrido, bem como as decisões das instancias, na parte em que julgaram nulo o referido contrato-promessa, determinando-se que a 1 instancia conheça e decida as restantes questões que estão suscitadas pelas partes no respectivo processo.
E, em conformidade com o disposto no n. 3 do artigo 768 do Codigo de Processo Civil, formula-se o seguinte assento:
No dominio da vigencia do Decreto-Lei n. 46673, de 29 de Novembro de 1965, a falta de licença de loteamento não determina a nulidade dos contratos-promessa de compra e venda de terrenos, com ou sem construção, compreendidos no loteamento.
Custas pelo recorridos.

Lisboa, 3 de Outubro de 1989

Jose Domingues - Manso Preto - Gama Prazeres - Gama Vieira
- Alcides de Almeida - Salviano de Sousa - Rodrigues Gonçalves - Cesario Dias Alves - Jose Saraiva - Jose Calejo - Eliseu Figueira - Barbosa de Almeida - Mendes Pinto - Mario Afonso - Vasco Tinoco - Villa Nova - Almeida Ribeiro - Licinio Caseiro - Pinto Ferreira - Barros de Sequeiros - Jorge Vasconcelos - Lopes de Melo - Ferreira da Silva - Baltazar Coelho - Sousa Macedo - Ferreira Vidigal - Brochado Brandão - Maia Gonçalves - Ferreira Dias - Castro Mendes - Meneres Pimentel (vencido, porque o assento de 21 de Julho de 1987 retirou a possibilidade legal de nova interpretação; com efeito, aquele assento ja resolvia a presente situação juridica) - Soares Tome (votei nos termos do voto do Excelentissimo Senhor Conselheiro Doutor Meneres Pimentel) - Cura Mariano (vencido, nos termos do voto do Excelentissimo Conselheiro Meneres Pimentel) - Fernandes Fugas (vencido, pelas mesmas razões por que votei vencido no Acordão deste Supremo Tribunal de 21 de Julho de 1987, publicado no Boletim do Ministerio da Justiça, n. 369, a paginas 199 e seguintes, de que emergiu o assento da referida data, razões essas para que aqui se remete) - Solano Viana (vencido, por identicas razões as aduzidas no voto dado no assento de 21 de Julho de 1987, publicado no Boletim do Ministerio da Justiça, n. 369, a paginas 199).