Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
438/08.5YXLSB.L1.S1
Nº Convencional: REVISTA EXCEPCIONAL
Relator: SILVA SALAZAR
Descritores: REVISTA EXCEPCIONAL
REQUISITOS
DECISÃO QUE NÃO PÕE TERMO AO PROCESSO
DUPLA CONFORME
OPOSIÇÃO DE JULGADOS
CONTRATO DE ARRENDAMENTO
RENDA
FALTA DE PAGAMENTO
MORA
NOTIFICAÇÃO
ARRENDATÁRIO
ACÇÃO DE DESPEJO
EXECUÇÃO PARA ENTREGA DE COISA CERTA
INTERESSE EM AGIR
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 03/02/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: ADMITIDA A REVISTA EXCEPCIONAL
Sumário :
I - O art. 721.º, n.º 3, do CPC consagra o sistema da dupla conforme absoluta: havendo conformidade entre o decidido na 1.ª instância e o decidido na Relação, por unanimidade, é, em princípio, inadmissível a revista, com as excepções consagradas no art. 721.º-A do CPC e entre as quais se conta a oposição de julgados.
II - Tendo o concreto acórdão recorrido confirmado por unanimidade a sentença da 1.ª instância e decidido que, no caso de mora superior a três meses no pagamento da renda pelo locatário de arrendamento urbano, o senhorio pode optar entre, por um lado, a acção executiva para entrega de coisa certa após comunicação extrajudicial da resolução do contrato de arrendamento com invocação da obrigação incumprida ao inquilino, servindo de título executivo essa comunicação, acompanhada pelo contrato de arrendamento (arts. 15.º, n.º 1, al. e), e 9.º da Lei n.º 6/2006, de 27-02, e 1084.º, n.º 1, do CC), e por outro lado, a acção declarativa destinada à declaração judicial da resolução do contrato e à condenação no despejo e no pagamento de rendas em dívida, e tendo o acórdão fundamento, para a mesma hipótese de mora superior a três meses no pagamento da renda, no domínio da mesma legislação (Lei n.º 6/2006), decidido precisamente o contrário, ou seja, que o senhorio não pode recorrer à acção declarativa para obter a declaração de resolução do contrato de arrendamento, só se podendo servir, por falta de interesse em agir, da resolução extrajudicial do contrato de arrendamento e daquela acção executiva para entrega de coisa certa, deve concluir-se que ocorre in casu o fundamento de admissibilidade da revista excepcional transcrito na al. c) do n.º 1 do art. 721.º-A do CPC
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça os Juízes que compõem a formação de apreciação preliminar:

Em 23/01/08, “AA - Sociedade de Empreendimentos Urbanos e Rústicos, SA.” (cujo nome foi depois rectificado para “BB - SOCIEDADE de EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS, S.A.”), instaurou acção, sob a forma de processo sumário, contra CC - Rent-a-car, Lda., pedindo que a Ré seja condenada a ver declarado resolvido o contrato de arrendamento celebrado entre A. e Ré; a desocupar o local arrendado, entregando-o livre de pessoas e bens; a pagar à A. a totalidade das rendas vencidas e não pagas no valor de € 1.452,76 à data da propositura da acção; a pagar as rendas vencidas após a propositura da presente acção e vincendas até efectiva entrega do local arrendado; e a pagar à A. os juros vencidos e vincendos, à taxa legal, contados desde as datas de vencimento de cada uma das rendas até integral pagamento, sendo os juros vencidos até 2/1/08 no valor de 29,08 euros.

Alegou, em síntese, que é proprietária do prédio urbano sito na Praça do Município, nºs. 20 a 24, em Lisboa, e que, por escritura de 27 de Julho de 1990, deu de arrendamento à Ré o R/C do n.° 22 desse mesmo prédio, pela renda anual, pagável no primeiro dia útil do mês anterior àquele a que dissesse respeito, que ascende actualmente a 4.358,28 euros, sendo devida em duodécimos de € 363,19.

A Ré deixou de pagar à A. as rendas que se venceram nos dias 1 de Outubro, 1 de Novembro e 1 de Dezembro de 2007 e 1 de Janeiro de 2008, bem como as seguintes.

A Ré deduziu oposição, contestando e reconvindo:

- Contestando referiu, em síntese, que não pagou as rendas respeitantes aos meses de Novembro de 2007 a Fevereiro de 2008, porquanto no mês de Outubro reparou que os recibos de renda estavam a ser emitidos por uma sociedade chamada BB - Sociedade de Empreendimentos Imobiliários, S.A., entidade que desconhece, pois não é a senhoria primitiva, uma vez que o contrato de arrendamento fora celebrado com a AA - Sociedade de Empreendimentos Urbanos e Rústicos, S.A.

Assim, não se encontra em mora, pois está impedida de liquidar a renda à verdadeira senhoria, que não é obviamente a A.

- Reconvindo alega que, caso venha a ser resolvido o contrato de arrendamento, deve a A. ser condenada a pagar-lhe as obras que fez no local arrendado e que consistiram, nomeadamente, na colocação de uma porta de entrada em vidro temperado, em ter forrado todo o piso da loja com placas de pedra mármore e as paredes da loja a madeira, numa área total de 150 m2., e substituído toda a instalação eléctrica, obras nas quais despendeu a quantia de 60.000,00 euros.

A A. replicou defendendo o infundado dos argumentos aduzidos pela Ré e pedindo que a reconvenção seja julgada improcedente.

Sustenta, para o efeito, que a sociedade Autora inicialmente se designou por AA - Sociedade de Empreendimentos Urbanos e Rústicos, S.A., mas, em 15/4/91, alterou a designação social para “BB - Sociedade de Empreendimentos Imobiliários, S.A., alteração essa de que a Ré desde há muitos anos tem conhecimento, como se pode confirmar pelo facto de a própria Ré, também ao longo de vários anos, ter elaborado e entregue à A. as declarações de retenção na fonte com a identificação da A., não pela anterior denominação, mas sim pela actual.

Quanto às obras efectuadas pela Ré, as mesmas não foram consentidas ou autorizadas pela A., nada tendo a Ré alegado que permita concluir de forma diferente, pelo que deve ser julgada improcedente a reconvenção.

No despacho saneador proferido o Tribunal “a quo” determinou que se corrigisse a denominação da A. constante dos articulados, de modo que passasse a constar BB - Sociedade de Empreendimentos Imobiliários, Lda., e não AA - Sociedade de Empreendimentos Urbanos e Rústicos, Lda., pois resulta da certidão da Conservatória do Registo Comercial, junta aos autos a fls. 72 a 79, que pela Ap. O8/90415 se encontra inscrita a alteração da denominação da A., a qual passou a ser “BB - Sociedade de Empreendimentos Imobiliários, S.A.;“.

Fixou à causa o valor de € 65.840,12, atendendo ao valor da acção e da reconvenção deduzida;

e, quanto a alegada (i)legitimidade da A., decidiu que não se verificava a excepção invocada, sendo a A. parte legítima, porquanto se trata da mesma pessoa colectiva, tendo actualmente a denominação de BB - Sociedade de Empreendimentos Imobiliários, S.A., e, por conseguinte, enquanto senhoria do imóvel arrendado tem todo o interesse directo em demandar de acordo com o disposto no art.º 26º, n.° 1, do CPC.

Seguidamente, foi proferida sentença que julgou a acção procedente e, em consequência, declarou resolvido o contrato de arrendamento referente ao rés-do-chão do n.° 22 do prédio sito na Praça do Município, nºs. 20 a 24, em Lisboa, celebrado entre a A. e Ré, e condenou a Ré a despejá-lo imediatamente, entregando-o à A. completamente livre e desocupado, condenando-a ainda a pagar à A. a quantia respeitante às rendas vencidas nos dias 1 de Outubro, 1 de Novembro, 1 de Dezembro de 2007 e 1 de Janeiro de 2008, no montante de € 1.452,76, e as que se venceram entretanto até à data, à razão de € 363,19 por mês, e ainda as quantias equivalentes ao montante das rendas que se vencerem até à efectiva entrega do locado à Autora, à mesma razão mensal, bem como a pagar à A. os respectivos juros de mora vencidos até 21 de Janeiro de 2008, no montante de 29,08 euros, e os vencidos desde essa data e vincendos, até integral pagamento, à taxa de 4% ao ano; e julgou a reconvenção improcedente, absolvendo a A. do pedido reconvencional. Apelou a ré, sustentando além do mais que a Recorrida não poderia lançar mão da acção de despejo judicial para resolver o contrato de arrendamento, já que tal modalidade judicial de resolução deixou de ter aplicação, no actual ordenamento da locação, optando claramente o legislador só pela resolução extrajudicial após mais de três meses de mora no pagamento da renda; a Recorrida, ao enveredar por este tipo de acção, incorreu em manifesta falta de interesse processual em agir dado que o seu direito não se encontrava carecido de tutela jurídica.

A Relação negou provimento à apelação e confirmou integralmente, por unanimidade, a sentença ali recorrida.

É do acórdão que assim decidiu que vem interposta a presente revista excepcional, pela ré, que logo no seu requerimento de interposição invocou o disposto no art.º 721º-A, n.º 1, al. c), esclarecendo nas suas alegações que acompanharam o mesmo requerimento fundar-se em contradição de julgados entre o acórdão recorrido e o acórdão da Relação de Coimbra de 15/04/08, de que juntou cópia emitida pelo Tribunal Judicial da Guarda, com nota do respectivo trânsito em julgado.

A presente acção foi instaurada em 23/01/08, pelo que à mesma se aplica o novo regime dos recursos em processo civil, introduzido pelo Decreto-Lei n.° 303/2007, de 24 de Agosto.

Segundo o n.° 3 do artigo 721º do citado diploma, “Não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e ainda que por diferente fundamento, a decisão proferida na 1ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte”. Estabelece, assim, este dispositivo, o sistema da dupla conforme absoluta: havendo conformidade entre o decidido na 1ª instância e o decidido na Relação, por unanimidade, é, em princípio, inadmissível a revista, com as excepções consagradas no artigo seguinte.

E estabelece esse artigo seguinte, o art.º 721°-A, que:

“1. Excepcionalmente, cabe recurso de revista do acórdão da Relação referido no n.° 3 do artigo anterior quando:

a) Esteja em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito;

b) Estejam em causa interesses de particular relevância social;

c) O acórdão da Relação esteja em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido por qualquer Relação ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme.

2. O requerente deve indicar, na sua alegação, sob pena de rejeição:

a) As razões pelas quais a apreciação da questão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito;

b) As razões pelas quais os interesses são de particular relevância social;

c) Os aspectos de identidade que determinam a contradição alegada, juntando cópia do acórdão-fundamento com o qual o acórdão recorrido se encontra em oposição.

3. A decisão quanto à verificação dos pressupostos referidos no n° 1 compete ao Supremo Tribunal de Justiça, devendo ser objecto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes escolhidos anualmente pelo presidente de entre os mais antigos das secções cíveis.

4. A decisão referida no número anterior é definitiva”.

Na hipótese dos autos, como se referiu, ocorre a mencionada dupla conforme, visto a Relação ter confirmado por unanimidade a decisão da 1ª instância.

Há, assim, que verificar se existe a apontada oposição de julgados, uma vez que apenas esse fundamento de admissibilidade da presente revista vem invocado pela recorrente.

Ora, dizendo a questão respeito a saber se, após a entrada em vigor do NRAU, aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27/02, o meio processual aqui utilizado pela autora (acção declarativa em vez de resolução extrajudicial) é idóneo para o fim por ela pretendido, podendo ser utilizado em alternativa com a acção executiva subsequente a resolução extrajudicial, ou se pelo contrário se encontra excluído quando a causa da resolução consista, como é o caso, em mora superior a três meses no pagamento de renda (art.º 1083º, n.º 3, do Cód. Civil, na redacção actual), tendo sido nessa hipótese substituído por tal forma de resolução, decidiu-se no acórdão recorrido que, em tal situação de mora superior a três meses no pagamento de renda pelo locatário de arrendamento urbano, o senhorio podia optar entre, por um lado, a acção executiva para entrega de coisa certa após comunicação extrajudicial da resolução do contrato de arrendamento com invocação da obrigação incumprida ao inquilino, servindo de título executivo essa comunicação, acompanhada pelo contrato de arrendamento, face ao disposto nos art.ºs 15º, n.º 1, al. e), e 9º, da Lei n.º 6/2006, e 1084º, n.º 1, do Cód. Civil, e, por outro lado, a acção declarativa destinada à declaração judicial da resolução do contrato e à condenação no despejo e no pagamento de rendas em dívida.

Já no acórdão fundamento, para a mesma hipótese de mora superior a três meses no pagamento de renda, no domínio da mesma legislação (NRAU), se decidiu precisamente o contrário, ou seja, que o senhorio não podia recorrer à acção declarativa para obter a declaração de resolução do contrato de arrendamento, só se podendo servir, por falta de interesse em agir, da resolução extrajudicial do contrato de arrendamento e daquela acção executiva para entrega de coisa certa.

Ocorre, assim, o fundamento de admissibilidade da revista excepcional previsto na transcrita al. c), o que determina a admissão da presente revista.

Pelo exposto, acordam os Juízes que compõem esta formação em admitir a presente revista excepcional, determinando a remessa dos autos à distribuição.

Lisboa, 2 de Março de 2010

Silva Salazar (Relator)

Sebastião Póvoas

Santos Bernardino