Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3899/17.8T8GMR.G1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃOJSTJ000
Relator: MARIA OLINDA GARCIA
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
DIREITO À INDEMNIZAÇÃO
DANO BIOLÓGICO
EQUIDADE
INCAPACIDADE PERMANENTE PARCIAL
SEGURADORA
MORA
COMPENSAÇÃO
TAXA DE JURO
REQUISITOS
Data do Acordão: 01/31/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: REVISTA IMPROCEDENTE.
Sumário :

I- Não é inferior aos atuais parâmetros indemnizatórios (antes pelo contrário) o valor de 560.000 Euros atribuído a título de dano biológico ao lesado, que à data do acidente de viação tinha 32 anos, ficou paraplégico e com uma incapacidade parcial permanente de 84 pontos, mas que conseguiu continuou a desempenhar a profissão de Web designer, embora com esforços acrescidos.


II- O incumprimento dos deveres previstos no art.37º do DL n.291/2007 só levará à penalização do pagamento do dobro da taxa de juro, nos termos da remissão que o artigo 39º, n.2 faz para o artigo 38º, n.2, caso se encontrem demonstrados os requisitos de responsabilização previstos no artigo 37º, nomeadamente nas alíneas c) do n.1 e a) do n.2, não sendo suficiente afirmar que a seguradora não apresentou uma proposta de indemnização, dado não se tratar de uma hipótese de responsabilidade automática e objetiva.

Decisão Texto Integral:

Processo n.3899/17.8T8GMR.G1.S1


(revista excecional)


Recorrente: AA


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


I. RELATÓRIO


1. AA, BB e CC, (este representado pelos seus progenitores) propuseram ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra SEGURADORAS UNIDAS, S.A., com a designação atual de GENERALI SEGUROS.


Quanto ao primeiro autor – AA – (o único que releva para o presente recurso) foram formulados, em síntese, os seguintes pedidos:


«A. Deve ser a Ré “SEGURADORAS UNIDAS, S.A.”, condenada a pagar (…) uma indemnização correspondente a todos os danos patrimoniais e não patrimoniais pelo mesmo sofridos em virtude do acidente de viação melhor descrito nos autos (…) de montante nunca inferior a €2.009,268,41 (Dois Milhões Nove Mil Duzentos e Sessenta e Oito Euros e Quarenta e Um Cêntimos);


B. Deve ser a Ré “SEGURADORAS UNIDAS, S.A.”, condenada a pagar (…) uma indemnização a acrescer à primeira e referida em A), cuja total e integral quantificação se relega para posterior liquidação em sede de incidente de liquidação (artigo 358.º do C.P.Civil) ou execução de sentença, a titulo de indemnização pelos danos, patrimoniais e não patrimoniais futuros (…);


C. Deve ser a Ré “SEGURADORAS UNIDAS, S.A.”, condenada a pagar (…):


a) os juros vencidos e vincendos calculados no dobro da taxa prevista na lei aplicável ao caso, sobre os montantes que virem a ser fixados ao 1º Autor na decisão judicial a titulo de danos patrimoniais e não patrimoniais, contados a partir do dia seguinte ao final do prazo previsto no artigo 39º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 291/2007, ou seja, desde 25/11/2015 (15 dias após a alta clinica do Autor ocorrida em 09/11/2015), ou contados desde a data da citação da Ré e sempre até efectivo e integral pagamento;


b) ou caso V.Ex.ª assim o não entenda, os juros vincendos a incidir sobres as referidas indemnizações calculados à taxa legal anual, a contar da data da citação da Ré e até efectivo e integral pagamento;


D. Deve ser a Ré “SEGURADORAS UNIDAS, S.A.”, condenada a pagar (…) as custas legais e condigna procuradoria


2. A ré apresentou contestação, alegando, além do mais, que o primeiro autor nunca lhe tinha apresentado qualquer pedido de indemnização; reputou como exagerado o calculo dos danos não patrimoniais formulado por este autor.


3. A primeira instância veio a decidir (quanto ao primeiro autor) nos seguintes termos:


«(…) julga-se a presente acção parcialmente procedente, e, em consequência:


1.º - Condena-se a Ré a pagar ao 1.º Autor AA:


a. A quantia de € 495.000,00 (quatrocentos e novecentos e cinco mil euros) a título de compensação da perda de capacidade de ganho futuro e dano biológico, sobre a qual vencem juros, à taxa legal de juros de 4%, desde a presente sentença até integral pagamento;


b. A quantia de € 275.000,00 (duzentos e setenta e cinco mil euros) a título de compensação dos danos não patrimoniais, sobre a qual vencem juros, à taxa legal de juros de 4%, desde a presente sentença até integral pagamento;


c. A quantia de € 281.295,00 (duzentos e oitenta e um mil duzentos e noventa e cinco euros) a título de indemnização pela necessidade de auxílio de terceira pessoa, sobre a qual vencem juros, à taxa legal de 4%, desde a presente sentença até integral pagamento;


d. A quantia de € 7.440,64 (sete mil quatrocentos e quarenta euros e sessenta e quatro cêntimos) a título de indemnização pelas perdas salariais, sobre a qual vencem juros, à taxa legal de 4%, desde a citação até integral pagamento;


e. A quantia de € 1.429,80 (mil quatrocentos e vinte e nove euros e oitenta cêntimos) a título de indemnização pelos tratamentos de fisioterapia, pela perda de vestuário e aquisição de pinça de preensão e instrumentos de desporto, sobre a qual vencem juros, à taxa legal de 4%, desde a citação até integral pagamento;


f. A quantia de € 3.500,00 (três mil e quinhentos euros) a título de indemnização pela perda total do TI e pelas despesas de aparcamento, sobre a qual vencem juros, à taxa legal de 4%, desde a citação até integral pagamento;


g. A quantia de € 72.592,66 (setenta e dois mil quinhentos e noventa e dois euros e sessenta e seis cêntimos) a título de indemnização pelas ajudas técnicas, sobre a qual vencem juros, à taxa legal de 4%, desde a citação até integral pagamento;


h. A quantia indemnizatória, cuja liquidação se relega para ulterior incidente, que se venha apurar ser necessária para a adaptação da cozinha da casa de habitação do 1.º Autor;


i. A quantia indemnizatória, cuja liquidação se relega para ulterior incidente, que se venha apurar ser necessária para o pagamento de tratamentos médicos e medicamentosos, a que se alude em 145) dos factos provados;


j. A quantia indemnizatória, cuja liquidação se relega para ulterior incidente, que se venha apurar ser necessária para o pagamento da adaptação do veículo automóvel e do material para incontinência, a que se alude em 146) dos factos provados, e com os períodos de substituição ali definidos; (…)»


4. O primeiro autor interpôs recurso de apelação, no qual expressou o seu desacordo, além do mais, com os montantes indemnizatórios que lhe haviam sido conferidos pela primeira instância, bem com o facto tal aresto não haver condenado a ré a pagar-lhe os juros de mora calculados no dobro da taxa legal.


5. A ré também apelou, discordando, em síntese, dos montantes indemnizatórios bem como dos respetivos modos de cálculo, e defendendo a sua redução.


6. A segunda instância decidiu, no que respeita ao primeiro autor, nos seguintes termos:


«A. Julgar parcialmente procedente a apelação do Autor AA e, em conformidade, alterar o decidido no ponto 1º, al. a), da sentença, nos seguintes termos: 1.º - Condena-se a Ré a pagar ao 1.º Autor AA:


A. A quantia de 560.000,00€ (quinhentos e sessenta mil euros) a título de compensação do dano biológico (patrimonial e não patrimonial), sobre a qual vencem juros, à taxa legal de juros de 4%, desde a presente decisão até integral pagamento;


B. (…)


C. (…)


D. Manter a decisão no restante.


E. Julgar improcedente a apelação da Ré Generali;


F. Condenar Autores e Ré nas custas da apelação deduzida pelos primeiros, na proporção dos respectivos vencimentos (cf. art. 527º, do C.P.C.).


G. Condenar a Ré Generali nas custas da sua Apelação (cf. art. 527º, do C.P.C.);


H. Considerando, por um lado, a cordata conduta processual das partes e, por outro, a desproporção que adviria face à taxa justiça a pagar e bem assim o âmbito da complexidade da causa, decide-se, à luz do disposto no artº. 6º, nº. 7, do RCP – e na sequência da iniciativa da 1ª. instância a esse respeito, reduzir a 75% o pagamento do remanescente da taxa de justiça devida nesta instância


7. Ainda inconformado, o primeiro autor interpôs recurso de revista excecional, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:


«1) O Autor/Recorrente não concorda com o valor indemnizatório que lhe foi atribuído a título de “dano biológico” quer enquanto dano patrimonial (perda ou diminuição de capacidades funcionais decorrente do Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica 85 pontos que lhe foi fixado), quer enquanto dano moral (para sua vida em geral e a própria saúde).


2) O Autor/Recorrente, não concorda com a não condenação da Ré em pagar ao Autor os juros de mora calculados no dobro da taxa legal prevista na lei sobre as indemnizações que venham a ser a concedidas ao Autor a titulo de danos patrimoniais e não patrimoniais.


3) O Autor/Recorrente, não concorda com a não condenação da Ré em pagar ao Autor uma quantia diária de €100,00 (cem euros) por cada dia de atraso no cumprimento dos deveres fixados no n.º 2 do artigo 40.º do DL 291/2007.


4) O Autor/Recorrente, não concorda com o momento a partir do qual são devidos pela Ré ao Autor, os juros de mora calculados no dobro da taxa legal prevista na lei sobre as indemnizações que venham a ser a concedidas ao Autor a titulo de danos patrimoniais e não patrimoniais, bem como a quantia diária de €100,00 por cada dia de atraso no cumprimento dos deveres fixados no n.º 2 do artigo 40.º do DL 291/2007.


5) Tendo em linha de conta a matéria de facto constante dos itens n.ºs 32, 44, 45, 125, 126, 127, 128, 129, 136, 137, 156, 157, 164, 165, 166, 167, 168 e, 220 dos factos dados como provados na Douta Sentença e com recurso à equidade – artigo 566º, nº3, do Código Civil- deverá a Ré ser condenada a pagar ao Autor a titulo de indemnização pelo “dano biológico” decorrente da perda ou diminuição de capacidades funcionais em consequência do Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 85 pontos, uma quantia nunca inferior a €1.000,000,00 (Um Milhão de Euros), quantia essa cujo pagamento o 1º Autor desde já peticiona da Ré/Recorrida.


6) Tal montante indemnizatório, deverá ter em linha de conta, os seguintes fatores:


1. 32. O 1.º Autor nasceu a .../.../1981 (32 anos à data do acidente).


2. 44. À data do embate, o 1.º Autor exercia, também exercendo atualmente, por conta da sociedade F....... ........ . ........... ..., a categoria profissional de “web designer”.


3. 45. Na data referida em 1., no exercício da atividade identificada em 44., o Autor auferia uma retribuição anual ilíquida de €18.421,37 (€ 1.100x14+€133,10x11+€ 1.243,66x1+€ 313,61) a título de salário base e subsidio de transporte, subsidio de alimentação, gratificações e premio de produção.


4. 125. O 1.º Autor, hoje, apesar dos vários internamentos, tratamentos e intervenções aque se submeteu, ficou a padecer das seguintes sequelas: -Ráquis: paraplegia ASIA A com nível motor D10 / nível sensitivo D10 = nível neurológico único D10. Exame neurológico sumário: Força Muscular -Dta/Esq: C5- T1 5/5; L2-S1 0/0. Sensibilidade profunda (sentido posicional do hállux): ausente. Sensibilidade álgica: normal até ao território D10, hipostesia em território D11, anestesia a partir de território D12. Sensibilidade álgica anal: ausente; Tónus e reflexo anal: hipotonia anal com reflexo anal presente; Pressão anal profunda: ausente; contração anal: ausente. Reflexo bulbocavernoso: ausente. Cicatriz linear de tipo cirúrgico, não recente, com 19cm de comprimento, localizada ao longo da linha médiana região dorso-lombar.- Períneo: presença de fralda para incontinência urinária e penso oclusivo isquiáticonadegueiro relacionada com a última intervenção cirúrgica para tratamento de escaras, úlceras e fístulas de que frequentemente padece a nível desta região anatómica desde adata da ocorrência.- Membro superior direito: revestimento cutâneo íntegro. Mobilidades articulares globalmente preservadas, força muscular preservada e simétrica. Tónus muscular normal com reflexos osteo-tendinosos vivos. Sem atrofias musculares, dismorfias ououtras alterações macroscopicamente aparentes. - Membro superior esquerdo: revestimento cutâneo íntegro. Mobilidades articulares globalmente preservadas, força muscular preservada e simétrica. Tónus muscular normal com reflexos osteo-tendinosos vivos. Sem atrofias musculares, dismorfias ou outras alterações macroscopicamente aparentes. - Membro inferior direito: revestimento cutâneo íntegro. Mobilidades articulares globalmente preservadas, com ligeiro equino redutível. Flacidez muscular associada a atrofia muscular ligeira a moderada, reflexos osteo-tendinosos ausentes. Múltiplas cicatrizes que relacionada com retirada de enxertos cutâneos usados nas múltiplas plastias a que tem sido submetido na sequência de úlceras de pressão na região sacrococcígea e nadegueira esquerda. - Membro inferior esquerdo: revestimento cutâneo íntegro. Mobilidades articulares globalmente preservadas, com ligeiro equino redutível. Flacidez muscular associada a atrofia ligeira a moderada, reflexos osteo-tendinosos ausentes. Múltiplas cicatrizes que relacionada com retirada de enxertos cutâneos usados nas múltiplas plastias a que tem sido submetido na sequência de úlceras de pressão na região sacrococcígea e nadegueira esquerda.


5. 126. O 1.º Autor, hoje, apesar dos vários internamentos, tratamentos e intervenções a que se submeteu, apresenta as seguintes queixas, a nível funcional: - Postura, deslocamentos e transferências: a deslocação apenas é possível em cadeirade rodas manualmente ativada pelo próprio; tem necessidade de levantes frequentes ("push-ups") quando permanece sentado durante períodos de tempo superiores a 15 - 20 minutos, recorrendo ao uso dos braços para o fazer, devido ao desconforto que lhe causam as múltiplas cicatrizes e feridas crónicas nas regiões perineal e nadegueiras - Cognição e afetividade: tem amnésia para o acidente, suas circunstâncias e período inicial de internamento hospitalar; desde que recuperou a consciência após a data da ocorrência, o seu comportamento e personalidade tornaram-se tristes, chora com facilidade e sente-se ainda revoltado com o que lhe aconteceu e tudo o que isso implica futuramente tanto para o próprio como para a sua família; está impaciente com mais rapidez e facilidade, e explode facilmente assim que fica irritado, reagindo de forma mais abrupta às pessoas e aos contratempos, por ter ficado com menor nível de tolerância à frustração; tem perdas de memória e dificuldades para manter a atenção, a concentração e na memória de retenção; - Controlo de esfíncteres: incontinência de esfíncteres, tendo realizado treino vesical e intestinal, encontrando-se atualmente a realizar auto-algaliações intermitentes de 4/4 horas durante o dia, necessitando de ajustar os intervalos de tempo consoante a ingestão de líquidos e o tipo de alimentos consumidos; mantém o treino intestinal em dias alternados com suplementos alimentares e supositórios; utiliza permanentemente fralda para incontinência, para poder ter a certeza de que não perde urina nem fezes, sobretudo em locais públicos, por não conseguir sentir quando isto acontece, apercebendo-se apenas do sucedido pelo cheiro que começa a sentir; - Fenómenos dolorosos: lombalgias frequentes, que se acentuam quando permanece sentado durante períodos de tempo prolongados, ou quando se sente mais cansado; toma a medicação gabapentina em SOS; esta dor impede-o de se focar nas coisas que realmente pretende ver realizadas.


6. 127. Nos atos da vida diária, o 1.º Autor apresenta as seguintes queixas: independente na alimentação e na maioria das transferências, na propulsão na cadeira de rodas no interior e exterior nivelado, assim como na realização da higiene em contextos acessíveis; para a realização das transferências, tem necessidade de tábua de transferências, desde que sejam ao mesmo nível, necessitando sempre de ajuda de 3.ª pessoa nas transferências desniveladas, nomeadamente para passar da cadeira de rodas para a sua cama (no domicílio); na ida para a garagem e na transferência da cadeira de rodas para o carro, entre outras; necessita de ajuda de 3.ª pessoa na propulsão da cadeira de rodas no exterior desnivelado/irregular, assim como para subir e descer escadas, descer e subir rampas íngremes.


7. 128. O 1.º Autor estava coletado como fotógrafo, realizando, com caráter irregular, a cobertura fotográfica de eventos para privados e empresas, também se dedicando, por conta própria, a fazer trabalhos multimedia.


8. 129. Esses trabalhos representavam área de realização pessoal e fonte de autoestima.


9. 136. As sequelas com que o 1.º Autor restou determinam-lhe um défice funcional permanente na integridade físico-psíquica de 84 (oitenta e quatro) pontos.


10.137. As sequelas são compatíveis com o exercício da atividade profissional habitual ou outras da sua área de preparação, desde que haja adaptação do seu local e condições de trabalho, mas implicando esforços suplementares por parte do 1.º Autor.


11.156. Na vida laboral, o 1.º Autor sente-se “parado no tempo” e sente o contacto diminuído com os colegas de trabalho.


12.157. O 1.º Autor, quando sai fora de casa, enfrenta a preocupação de saber se o local para onde irá terá condições para a auto-algaliação, e, nessas situações, sente medo e fica angustiado.


13.164. O 1.º Autor, antes do embate, era saudável e uma pessoa alegre, de fácil contacto, comunicativa, divertida, dinâmica, confiante, com projetos para o futuro, afável, com força de vontade e uma pessoa lutador.


14.165. O 1.º Autor, após o embate, é uma pessoa introvertida, fechada, está constantemente a pensar nos seus problemas e limitações, receosa que o seu estado de saúde piore e com medo de se aleijar.


15.166. O 1.º Autor está muitas vezes deprimido, com pouca força de vontade e, quando assim é, deixa de falar ou responder às pessoas, fica calado e, ocasionalmente, chora.


16. 167. O 1.º Autor não tem força de vontade para ultrapassar os obstáculos que surgem no dia-a-dia.


17. 168. O 1.º Autor sente-se constrangido e inibido para pedir ajuda, seja a familiares seja a colegas de trabalho, porque não quer estar sempre a incomodar as pessoas, sentindo-se um peso para os outros e principalmente para a sua família.


18. 220. Tendo em conta as conversas que tem com o marido, a 2.ª Autora considera que aquele está mais lento no raciocínio e que demonstra perdas de memória, sendo às vezes difícil manter uma conversa com o mesmo, o que a entristece, que sente necessidade de conversar com o seu parceiro como faziam antes do embate.


7) Não fossem as sequelas com que ficou afetado, era expectável que o 1º Autor tivesse progredido na sua carreira profissional, ascendendo a remuneração e postos de chefia de que se viu afastado por força da sua atual condição física.


8) A capacidade de ganho do 1.º Autor ficou afetada, quer por causa do acréscimo de esforço que terá de desenvolver para realizar o trabalho que já executava ou outro dentro da sua área de preparação, quer porque as lesões irreversíveis de que aquele é portador podem comprometer a manutenção da sua empregabilidade.


9) Num mercado muito competitivo, como é o atual, as entidades empregadoras procuram ganhos de eficiência e poupança de custos, pelo que a contratação de recursos humanos que obriguem a investimento em soluções de integração e de diferenciação, quanto às condições de prestação de trabalho, não é uma situação corrente.


10) Quanto ao rendimento anual do 1º Autor, deve considerar-se o subsídio de alimentação, bem como as gratificações e prémio de produção, as quais não se confundem com ajudas de custo.


11) A indemnização devida ao lesado/sinistrado a título de perda da sua capacidade de ganho, mesmo no caso do autor ter optado pela indemnização arbitrada em sede de acidente de trabalho, não contempla a compensação do dano biológico, consubstanciado na diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com substancial e notória repercussão na sua vida pessoal e profissional, porquanto estamos perante dois danos de natureza diferente.


12) Deve ter-se em conta, não exatamente a esperança média de vida ativa da vítima, mas sim a esperança média de vida, uma vez que, como é óbvio, as necessidades básicas do lesado não cessam no dia em que deixa de trabalhar por virtude da reforma (em Portugal, no momento presente, a esperança média de vida dos homens já é de sensivelmente 80 anos, e tem tendência para aumentar),


13) O 1º Autor está assim substancialmente prejudicado e limitado nas suas oportunidades de escolha de outras profissões e de obtenção de novo emprego, motivo pelo qual se justifica a elevação do resultado obtido através das tabelas financeiras em cerca de 10%,


14) A taxa de desemprego do cidadão deficiente ser especialmente elevada (pelo menos o dobro da restante população), porquanto os empregadores partem do pressuposto da sua inadaptação ao desempenho profissional,


15) Os empregadores partem, com frequência, do princípio de que as pessoas com deficiência não são capazes de trabalhar,


16) Os elementos estatísticos demonstram que a taxa de pobreza das pessoas com deficiência é 70% superior à média, em parte devido a limitações no acesso ao emprego,


17) Em Portugal noticia-se que a taxa de desemprego entre os portadores de deficiência é cerca de duas a três vezes superior à dos restantes cidadãos.


18) O facto de o Autor não ter formulado extrajudicialmente qualquer pedido de indemnização à Ré, não é condição de dispensa do dever da Ré de formular a proposta razoável de indemnização ao Autor e por consequência deve a Ré ser condenada no pagamento de juros de mora em dobro da taxa legal prevista em virtude de a Ré, apesar de ter assumido a responsabilidade – reconhecendo a culpa exclusiva do seu segurado na produção do acidente-, não ter apresentado ao Autor qualquer proposta razoável de indemnização nos termos previstos nºs 1 e 2 d o artigo 38° do Decreto-Lei nº 291/2007.


19) Tendo em linha de conta a matéria de facto constante dos itens n.ºs 50, 51, 52 e 53 dos factos dados como provados na Douta Sentença, a Ré deverá ser condenada a pagar ao 1º Autor juros de mora calculados no dobro da taxa legal prevista na lei sobre as indemnizações que lhe venham a ser a concedidas a titulo de danos patrimoniais e danos não patrimoniais.


20) Com efeito,


1. 50. No prazo de 60 (sessenta) dias subsequentes à comunicação do sinistro pelo 1.º Autor, a Ré, através da gestora de processo DD, assumiu, perante aquele, por escrito, a responsabilidade decorrente do acidente.


2. 51. Através da congénere Companhia de Seguros Tranquilidade, SA, a Ré tomou conhecimento da consolidação das lesões em 09/11/2015.


3. 52. A Ré não convocou nem submeteu o 1.º Autor a “avaliação do dano corporal em direito civil”.


4. A Ré não apresentou ao 1.º Autor proposta de indemnização


21) A Ré no prazo de 60 dias subsequentes à comunicação do sinistro, através do seu gestor de processo de nome DD, expressamente assumiu e reconheceu por escrito perante o Autor, a culpa exclusiva do condutor do veículo nela segurado na Ré na produção do acidente de viação descrito nos presentes autos e que vitimou o Autor.


22) A Ré assumiu perante o Autor a responsabilidade na proporção de 100% pelo pagamento de todos os prejuízos (danos patrimoniais e não patrimoniais) que o mesmo sofreu em consequência do acidente de viação descrito nos autos.


23) A Ré sempre reconheceu de uma forma clara, inequívoca e concludente o direito à indemnização por parte do Autor, de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo mesmo e que tiveram como causas mediatas e imediatas o aqui descrito acidente de viação.


24) As lesões sofridas pelo Autor AA em consequência do acidente de viação descrito nos presentes autos, estabilizaram apenas em 09/11/2015.


25) A Ré no âmbito do acidente de trabalho teve conhecimento da data da consolidação médico-legal das lesões sofridas pelo Autor AA ocorrida em 09/11/2015, data a partir da qual os danos sofridos pelo Autor passaram assim a considerar-se quantificáveis pela Ré.


26) A Ré em consequência das lesões sofridas com o acidente de viação descrito nos presentes autos, não convocou nem submeteu o 1º Autor AA a qualquer Avaliação do Dano Corporal em Direito Civil.


27) A Ré, até à presente data, decorridos que foram os 15 dias após a data da alta clinica do Autor AA fixada em 09/11/2015, ainda não apresentou ao Autor, por escrito, qualquer proposta razoável/consolidada de indemnização devidamente fundamentada por conta dos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo Autor em consequência do acidente de viação descrito nos presentes autos e de acordo com os critérios e valores orientadores constantes da Portaria 679/2009 de 25 de Junho.


28) A Ré não cumpriu assim a sua obrigação legal de apresentar por escrito, devidamente fundamentada e de acordo com os critérios e valores orientadores constantes da Portaria 679/2009 de 25 de Junho, uma proposta razoável/consolidada de indemnização ao Autor por conta dos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo mesmo em consequência do acidente de viação descrito nos presentes autos, nos prazos e sob a formas legais, ou seja, no prazo de 15 dias, contados após a data da alta clínica do Autora fixada pela Ré em 09/11/2015, prazo esse que terminou assim em 24/11/2015, nos termos do artigo 39º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 291/2007.


29) O facto de o Autor não ter formulado extrajudicialmente qualquer pedido de indemnização à Ré, não é condição de dispensa do dever da Ré de formular a proposta razoável de indemnização ao Autor, e por consequência deve a Ré ser condenada no pagamento ao 1º Autor:


a) de juros de mora em dobro da taxa legal prevista em virtude de a Ré, apesar de ter assumido a responsabilidade – reconhecendo a culpa exclusiva do seu segurado na produção do acidente-, não ter apresentado ao Autor qualquer proposta razoável de indemnização nos termos previstos nºs 1 e 2 do artigo 38° do Decreto-Lei nº 291/2007,


b) de uma quantia diária de €100,00 (cem euros) por cada dia de atraso no cumprimento dos deveres fixados no n.º 2 do artigo 40.º do DL 291/2007


30) Ré não cumpriu assim a sua obrigação legal de apresentar por escrito, devidamente fundamentada e de acordo com os critérios e valores orientadores constantes da Portaria 679/2009 de 25 de Junho, uma proposta razoável/consolidada de indemnização ao Autor por conta dos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo mesmo em consequência do acidente de viação descrito nos presentes autos, nos prazos e sob a formas legais, ou seja, no prazo de 15 dias, contados após a data da alta clínica do Autora fixada pela Ré em 09/11/2015, prazo esse que terminou assim em 24/11/2015, nos termos do artigo 39º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 291/2007.


31) A Ré não cumpriu assim os deveres fixados no n.º 2 do artigo 40.º do DL 291/2007.


32) O regime especial dos arts. 38/2 e 39/2 do DL n.º 291/2007, posterior ao Código Civil, constitui uma norma especial, não só quanto ao montante (em dobro) dos referidos juros de mora, mas também em relação à contagem desses juros de mora e da quantia diária de €100,00 por cada dia de atraso no cumprimento dos deveres fixados no n.º 2 do artigo 40.º do DL 291/2007, pois estabelece que quando ocorrerem os pressupostos da sua aplicação esses juros, em dobro e da quantia diária de 100,00€, serão aplicados desde o fim do prazo (cf. citado art. 38º, nº 2) estabelecido para apresentação da proposta em falta.


33) O regime especial previsto nos arts. 38/2 e 39/2 do DL n.º 291/2007 derroga, assim, verificados os pressupostos da sua aplicação (como é o caso), a regra geral prevista nos artigos 566/2 e 805/3 do Código Civil, no que concerne ao inicio da contagem desses juros de mora devidos em dobro da taxa legal prevista, bem como da quantia diária de 100,00€, os quais serão aplicados desde o fim do prazo (cf. citado art. 38º, nº 2) estabelecido para apresentação da proposta em falta.


34) A Ré, até à presente data, decorridos que foram os 15 dias após a data da alta clinica do Autor AA fixada em 09/11/2015, ainda não apresentou ao Autor, por escrito, qualquer proposta razoável/consolidada de indemnização devidamente fundamentada por conta dos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo Autor em consequência do acidente de viação descrito nos presentes autos e de acordo com os critérios e valores orientadores constantes da Portaria 679/2009 de 25 de Junho.


35) Ré não cumpriu assim a sua obrigação legal de apresentar por escrito, devidamente fundamentada e de acordo com os critérios e valores orientadores constantes da Portaria 679/2009 de 25 de Junho, uma proposta razoável/consolidada de indemnização ao Autor por conta dos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo mesmo em consequência do acidente de viação descrito nos presentes autos, nos prazos e sob a formas legais, ou seja, no prazo de 15 dias, contados após a data da alta clínica do Autora fixada pela Ré em 09/11/2015, prazo esse que terminou assim em 24/11/2015, nos termos do artigo 39º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 291/2007.


36) Pelo exposto, quer os juros de mora devidos em dobro da taxa legal prevista, bem como a quantia diária de 100,00€, são devidos pela Ré ao 1º Autor desde o dia seguinte ao final dos prazos previstos no artigos 37.º, n.º 1 alínea c), 38º n.º 3, e 39º, n.º 2 e 40.º, n.º 2, todos do Decreto-lei 291/2007 de 21 de Agosto, ou seja, desde 24/11/2015 (términus do prazo de 15 dias após a alta clinica do Autor fixada pela Ré em 09/11/2015) e até efetivo e integral pagamento.


37) O Douto Acórdão, violou, entre outros que V. Exas mui doutamente suprirão, as seguintes disposições legais: os artigos 483º, 496º, 562º, 563º, 564º, nº1 n.º 2, 566.º, n.ºs 1, 2, 3 todos Código Civil e os artigos 36.°, n.°s 1 e) e 5, 37, n.º 1 alínea c), n.º 2, alínea a), 38º, n.º 1 e 2 e 39º, n.ºs 1 e 2 e 40.º, n.º 2) todos do Decreto-lei 291/2007 de 21 de Agosto (Lei do Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel.)


Termos em que deverá o presente recurso de revista excecional ou normal, ser julgado totalmente procedente por provado, devendo o douto acórdão recorrido proferido pelo tribunal da relação de Guimarães, ser revogado e substituído por douto acórdão que condene a ré/recorrida na medida do acima assinalado, com as demais consequências legais.


E assim como sempre, V.Ex.as farão a devida e habitual justiça.»


8. A ré apresentou resposta, defendendo a inadmissibilidade do recurso, por não se encontrarem reunidos os pressupostos da revista excecional, bem como a sua improcedência.


9. Remetidos os autos à Formação a que alude o artigo 672º, n.3 do CPC, o recurso veio a ser admitido como revista excecional, com o âmbito que infra se indica.


Cabe apreciar.


*


II. FUNDAMENTOS


1. Admissibilidade e objeto do recurso


O presente recurso foi admitido como revista excecional, pela Formação a que alude o art.672º, n.3 do CPC, para que se conhecessem as seguintes questões:


«- fixação do quantum indemnizatório a atribuir ao recorrente a título de reparação por dano biológico, na sua dupla vertente;


- saber se a existência de pedido extrajudicial pelo terceiro lesado constitui pressuposto da formulação da proposta razoável de indemnização pela seguradora, cujo incumprimento redunda na obrigação do pagamento dos juros no dobro da taxa legal prevista na lei aplicável ao caso sobre o montante da indemnização fixado pelo tribunal, nos termos do disposto no artigo 38.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto.»


São, assim, estas as questões que constituem o objeto da presente revista.


2. Factos provados.


As instâncias deram como provados os seguintes factos (dos quais aqui se não transcrevem os que não respeitam especificamente ao 1º autor, agora recorrente):


«1. No dia 14/07/2014, cerca das 8h55m, o 1.º Autor tripulava o motociclo matrícula ..-..-TI (TI), na rua ..., freguesia de ..., concelho de ..., no sentido ....


2. O 1.º Autor circulava a velocidade entre os 40/50 km/h.


3. O TI seguia com as luzes de cruzamento e de nevoeiro de frente e traseira ligadas


4. O 1.º Autor tinha capacete de protecção colocado na sua cabeça.


5. O 1.º Autor circulava na hemifaixa da direita, considerando o sentido referido em 1., junto à berma direita.


6. No sentido referido em 1. não circulava qualquer outro veículo nem à frente, nem atrás do TI.


7. No momento referido em 1., EE conduzia o veículo ligeiro de passageiros matrícula ..-..-QE (TE) no sentido ....


8. O QE pertencia a EE, pai do condutor identificado em 7., que lho cedera para tratar de assuntos de família.


9. O QE circulava a velocidade superior a 50/60 km/h.


10. Ao chegar a um entroncamento existente à sua esquerda, o condutor do QE pretendia virar à esquerda com destino à rua ....


11. O condutor do QE não verificou que na hemifaixa contrária já circulava o TI.


12. O QE seguia com as luzes de cruzamento desligadas.


13. O condutor do QE não accionou o pisca do lado esquerdo, não diminuiu a velocidade nem se aproximou do eixo da via.


14. O condutor do QE não susteve a marcha para se imobilizar na hemifaixa destinada ao sentido referido em 7.


15. O condutor do QE repentinamente, flectiu à esquerda atravessadamente e na perpendicular, saindo da hemifaixa referida em 7.


16. O condutor do QE passou a circular com toda a sua parte frontal e lateral direita na hemifaixa identificada em 1..


17. Cortou e obstruiu por completo a passagem do TI impedindo-o de continuar.


18. O 1.º Autor não teve tempo nem espaço para diminuir a velocidade, travar ou para se desviar o mais possível para a sua direita.


19. O TI embateu com a sua parte frontal na parte lateral direita, sensivelmente a meio, do QE.


20. O embate referido em 19. ocorreu na hemifaixa do sentido ..., ficando nela peças, plásticos, vidros partidos de ambos os veículos, a cerca de 80 cm da berma direita, a cerca de 2,20 metros do eixo da via e a cerca de 5,20 metros da berma esquerda.


21. Após o embate, o TI ficou imobilizado na hemifaixa do sentido ..., com a roda traseira a cerca de 40 cm do eixo da via e a roda dianteira a cerca 2,45 metros da berma direita, a uma distância de cerca de 1,50 m do local do embate.


22. O condutor do QE imobilizou a sua marcha na rua ....


23. Na berma direita da rua ..., no sentido identificado em 1., existia um sinal vertical B9, cerca de 50/100 metros de distância antes do local referido em 20..


24. No momento e local referido em 20., a rua ... constituía um entroncamento em curva plana, com extensão superior a 50 metros, boa visibilidade, sinalizada e nivelada.


25. O TI era visível e avistável no campo visual do condutor do QE a distância não inferior a 50 metros.


26. No local referido em 20., a rua ... tinha uma faixa de rodagem com a largura total de cerca 6 metros, repartida em cerca de 3 metros para cada hemifaixa.


27. A rua ... dispunha de uma faixa de rodagem única, com dois sentidos de trânsito, delimitados entre si por uma linha longitudinal descontínua de cor branca marcada no pavimento, com iluminação pública de carácter permanente.


28. No local, a rua ... constituía uma localidade povoada, com grande tráfego de animais, veículos automóveis e ladeada/marginada de ambos os lados por edificações com saídas directas para a mesma, possuindo uma placa indicativa que se trata de uma localidade.


29. No local referido em 20., o pavimento em betuminoso/alcatroado encontrava-se regular e em bom estado de conservação.


30. No momento referido em 1., o pavimento encontrava-se seco.


31. Por acordo de seguro titulado pela apólice nº .........96, EE transferiu para a Ré, anteriormente Açoreana Seguros, S.A., a responsabilidade pela circulação rodoviária do veículo Volkswagen Passat matrícula QE até ao montante de € 6.000.000.


32. O 1.º Autor nasceu a .../.../1981.


33. A 2.ª Autora nasceu a .../.../1983.


34. Os 1.º e 2.ª Autores casaram entre si a .../.../2011.


35. O 3.º Autor nasceu a .../.../2014, sendo filho dos 1.º e 2.ª Autores.


36. No âmbito do processo de acidente de trabalho nº 4670/15.7..., que correu termos na Instância Central do Trabalho de ... da Comarca de Braga, em 15/06/2016 foi realizada tentativa de conciliação entre o 1.º Autor e a Ré (à época Companhia de Seguros Tranquilidade, S.A.), tendo esta aceite pagar por via do acidente ocorrido a 14/07/2014:


- Pensão vitalícia no montante de € 10.831,77 devida desde o dia 10/11/2015, dia seguinte ao da alta, actualizável para € 10.875,10 a partir de 01/01/2016;


- A quantia de € 2.161,71 a título de diferenças na indemnização por ITs;


- Subsídio de situação de elevada incapacidade permanente, no valor de €5.267,98;


- Subsídio de readaptação de habitação até ao limite máximo de € 5.533,68;


- Prestação suplementar para assistência de terceira pessoa, no valor anual e actualizável de € 5.533,68, a ser paga mensalmente e 14 vezes por ano;


- Acompanhamento multidisciplinar, nomeadamente, da especialidade de fisiatria e necessários tratamentos de fisioterapia, no mínimo de três vezes por semana e, ainda, da especialidade de urologia;


- Fornecimento de cadeira de rodas adaptada às limitações do sinistrado e sua substituição;


- Fornecimento de dispositivo técnico de compensação das limitações funcionais do sinistrado, traduzido na adaptação do seu veículo automóvel;


- A quantia de € 30,00 despendida pelo sinistrado para se deslocar ao GML e ao Tribunal.


37. O 1.º Autor declarou aceitar o acordo proposto.


38. O acordo referido em 36. foi homologado por sentença proferida a 15/06/2016, transitada em julgado.


39. No âmbito do processo identificado em 36. foi realizada perícia no Instituto Nacional de Medicina Legal e Clínica Forense, Gabinete Médico-Legal e Forense do ..., constando do relatório o seguinte:


- A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 09/11/2015;


- Incapacidade temporária absoluta fixável num período total de 483 dias;


- Incapacidade permanente parcial fixável em 84%;


- Necessidade futura de acompanhamento multidisciplinar a ser assegurado pela Seguradora nomeadamente das especialidades de Fisiatria e necessários tratamentos de Fisioterapia no mínimo três vezes/semana e ainda da especialidade de Urologia, tendo em conta as frequentes infecções urinarias que se avizinham;


- Deverá ainda a Seguradora assegurar cadeira de rodas adaptada às limitações do sinistrado e sua substituição;


- A seguradora deverá assegurar o estudo e minimização das barreiras arquitectónicas da residência e local de trabalho da vitima;


- Deverá ainda a Seguradora proceder a adaptação do veiculo automóvel do sinistrado de modo a este se tornar capaz de manter o trabalho habitual de web designer, que tinha antes do acidente em apreço o qual na actualidade não tem, tendo em conta a necessidade das referidas adaptações;


- Necessidade de terceira pessoa, superior a seis horas/dia.


40. Na data referida em 1., o Autor foi transportado pela VMER para o Hospital de ..., SA.


41. O 1.º Autor foi observado pelas especialidades de traumatologia, fisiatria, psiquiatria, urologia, clínica geral, cirurgia plástica, neurologia dos serviços clínicos da Companhia de Seguros Tranquilidade, SA.


42. Após a alta do Hospital da ..., em 29.05.2015, o 1.º Autor continuou em regime ambulatório no Hospital da ... pela Companhia de Seguros Tranquilidade, SA.


43. Foi prescrita continuação da recuperação funcional no Hospital de..., onde passou a fazer os tratamentos de fisioterapia, inicialmente com periodicidade em dias alternados.


44. À data do embate, o 1.º Autor exercia, também exercendo actualmente, por conta da sociedade F....... Portugal – Unipessoal, Ld.a, a categoria profissional de “web designer”.


45. Na data referida em 1., no exercício da actividade identificada em 44., o Autor auferia uma retribuição anual ilíquida de €18.421,37 (€1.100x14+€133,10x11+€ 1.243,66x1+€ 313,61) a título de salário base e subsídio de transporte, subsidio de alimentação, gratificações e premio de produção.


45.1. O Autor auferia em 28.4.2022, na mesma empresa, um salário líquido no valor de 1.500 euros.


46. Durante o período decorrido entre 14/07/2014 e 09/11/2015, o Autor deixou de auferir a quantia total de € 24.802,15 a título de salários mensais ilíquidos, proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal.


47. Durante o referido período, o Autor recebeu da Companhia de Seguros Tranquilidade, SA, no âmbito do processo identificado em 36., € 17.361,51 a título de perdas salariais mensais ilíquidas, proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal.


[…]


50. No prazo de 60 (sessenta) dias subsequentes à comunicação do sinistro pelo 1.º Autor, a Ré, através da gestora de processo DD, assumiu, perante aquele, por escrito, a responsabilidade decorrente do acidente.


51. Através da congénere Companhia de Seguros Tranquilidade, SA, a Ré tomou conhecimento da consolidação das lesões em 09/11/2015.


52. A Ré não convocou nem submeteu o 1.º Autor a “avaliação do dano corporal em direito civil”.


53. A Ré não apresentou ao 1.º Autor proposta de indemnização.


54. O 1.º Autor está inscrito no Centro Distrital de ... do Instituto da Segurança Social como beneficiário n.º .........29.


55. O 1.º Autor foi encontrado no local em decúbito ventral, com capacete, com Glasgow 6 (O1V1M4) no local, com tendência a desvio conjugado do olhar para a direita.


56. O 1.º Autor foi sedado no local com midadolam 15mg+propofol 50mg durante o transporte.


57. À chegada dos serviços de urgência, o 1.º Autor foi entubado e sedado, pode retirar o colar cervical e ficou em repouso no leito.


58. O 1.º Autor, no mesmo dia 14/07/2014, foi admitido na Unidade de Cuidados Intensivos Polivalente (UCIP) do Hospital de ..., apresentando diagnóstico de politraumatizado com múltiplas lesões e contusões traumáticas, designadamente: politrauma em Glasgow 6, com traumatismo crânio-encefálico (TCE CE), a revelar hemorragia intraventricular com sangue no ventrículo lateral esquerdo e residualmente no corno occipital ventricular direito e no IV ventrículo.


59. O 1.º Autor apresentava também hematoma subdural agudo frontal direito, tendo-lhe sido colocado sensor de PIC.


60. O 1.º Autor apresentava ainda trauma vertebro-medular com fractura compressiva do corpo vertebral de D12 com recuo da vertente superior do muro posterior de predomínio à esquerda com compressão do cone medular; concomitante fractura do arco posterior (lamina direita e pedículo esquerdo); associa-se hematoma pré-vertebral; fractura múltipla envolvendo a plataforma vertebral superior de L1 com muro posterior alinhado.


61. O 1.º Autor, relativamente ao trauma torácico, apresentava fractura do 7.º ao 10.º arco costal posterior esquerdo, com hemopneumotórax à esquerda tendo sido colocado dreno torácico.


62. O 1.º Autor, durante o internamento na Unidade de Cuidados Intensivos Polivalente, no dia 18/07/2014, foi submetido a laminectomia descompressiva de D12 e artrodese PL com instrumentação transpedicular D10-D11-L1-L2.


63. Nesse período, o 1.º Autor, sob o ponto de vista neurológico, foi evoluindo de modo favorável, tendo suspenso a sedação a 21/07/2014, com melhoria lenta do estado de consciência.


64. No dia 21/07/2014, procedeu-se, ainda, à retirada do dreno torácico, permanecendo ventilado até 28/07/2014, data em que foi extubado.


65. O 1.º Autor foi sujeito a antibioterapia de largo espectro – fez 7 dias de ceftriaxone – por infecção traqueobronquite nosocomial precoce por MSSA.


66. O 1.º Autor desenvolveu, ainda, úlcera sagrada com tecido necrótico.


67. O 1.º Autor, no dia 29/07/2014 foi transferido para a Unidade de Cuidados Intermédios.


68. O 1.º Autor, no dia 31/07/2014 foi transferido para o Serviço de Neurocirurgia.


69. O 1.º Autor, no dia 13/08/2014, foi sujeito a limpeza cirúrgica da úlcera sagrada – desbridamento cirúrgico e encerramento do defeito com retalhos de avanço em V-Y.


70. Por deiscência total da plastia, foi realizado desbridamento excisional e plastia com retalho de transposição (Doufurmentel) bilateralmente, com dreno aspirativo com saída pela nádega D.


71. O dreno foi retirado em 17/09/201.


72. O 1.º Autor foi avaliado por psiquiatria por agitação psicomotora que ajustou medicação.


73. O 1.º Autor, no dia 05/08/2014, foi avaliado por Medicina Física e de Reabilitação (MFR), tendo sido, no dia 11/08/2014, sujeito a RM CE que revelou sinais de lesão axonal difusa, bem como focos de hematomas sub-durais crónicos, com efeito de massa sobre o parênquima adjacente.


74. A RM do ráquis revelou sequelas de abordagem cirúrgica posterior, do segmento D11-L13, com parafusos transpediculares bilaterais e barras de fixação posterior, em D11, D12, L2 e L3; recuo do muro posterior de L1 provocando redução do espaço útil intracanalar, com aparente desvio posterior do cone medular.


75. Verificou-se ainda ao nível da coluna cervical hérnia discal posterior C5- C6, paramediana direita a provocar desvio e moldagem da medula.


76. Além disso, apresentava un cartrose bilateral, a estreitar os buracos de conjugação, mantendo estes dimensões suficientes para a inexistência de compromisso radicular.


77. A RM revelou, ainda, que, em D6-D7, existe protusão discal posterior, paramediana esquerda, a provocar leve desvio e moldagem da medula; e que coexiste acentuado hipersinal medular, mais acentuado no plano do disco D6-D7, mas com extensão caudal.


78. O 1.º Autor, em 21/08/2014, apresentava hipotonia anal e anestesia, com reflexos sagrados ausentes, mas apresentava fecalomas na ampola rectal.


79. O 1.º Autor, no dia 23/09/2014, foi transferido para o Serviço de MFR, apresentando-se à entrada hemodinamicamente estável, embora com tendência para taquicardia.


80. Nessa data:


- Apresentava-se acordado, mas lentificado, com voz arrastada;


- Estava desorientado no tempo e para as circunstâncias do acidente, aparentando uma discreta paresia facial esquerda;


- Apresentava protusão da língua na linha média, lateralidade preservada, elevação simétrica do palato mole na fonação;


- Apresentava membros superiores sem alterações de mobilidades e membros inferiores mobilidade zero - L2-S1 grau 0;


- O teste sensitivo revelou a partir de D8 inclusive, anestesia a partir de L1 inclusive;


- Apresentava hipotonia e arreflexia osteotendinosa nos MI;


- Apresentava-se algaliado em drenagem contínua, com urina clara e uso de fralda.


81. O 1.º Autor, à data da alta, estava a cumprir plano de tratamento fisiátrico nas áreas de fisioterapia, terapia ocupacional, terapia da fala e enfermagem de reabilitação.


82. O 1.º Autor, no dia 23/10/2014, teve alta do Hospital de ..., apresentando o seguinte estado:


- Deitado no leito; eupneico, sem SDR; hemodinâmicamente estável e apirético; discurso organizado e fluente; sem assimetria facial, protrui a língua com lateralidade mantida;


- A nível motor, apresentava paraplegia flácida e arrifléxica, sem motricidade activa;


- Mantinha dispositivo urinário, com drenagem contínua, urina clara e límpida;


- No teste sensitivo, apresentava hipostesia a partir de D9 inclusive, anestesia a partir de L1 inclusive;


- Encontrava-se independente na alimentação, higiene pessoal e a vestir a metade superior, necessitando de ajuda para vestir a metade inferior;


- Apresentava deambulação independente em cadeira de rodas, mas, para realizar transferências, necessitava de tábua de transferência e de ajuda;


- Quanto ao trânsito intestinal, mantido e regular em dias alternados com recurso a treino intestinal;


- Encontrava-se polimedicado, tendo sido recomendado terapêutica (medicamentosa) para manter após alta e reabilitação funcional.


83. O 1.º Autor após alta do Hospital de ..., foi transferido para o Centro de Reabilitação do ... (CN...), sendo admitido em 23/10/2014, para reabilitação neuromotora e funcional de sequelas de politraumatismo major com lesão medular (paraplegia AIS A nível neurológico único D10) e traumatismo crânio-encefálico.


84. À entrada no CN..., o 1.º Autor apresentava:


- Protusão da língua na linha média, lateralidade preservada;


- Paraplegia flácida e arrefléxica; nível sensitivo T10 (Teste motor: MS sem alterações da FM (grau 5); MI L2-S1 grau 0; nível sensitivo: D10;


- Hipotonia e arreflexia osteotendinosa nos MI; classificado como AIS A NN T10.


- Tónus anal diminuído, sem contracção voluntária, sem sensibilidade anal;


- Reflexo anal e bulbo-cavernoso ausentes.


85. Nessa data, funcionalmente, o 1.º Autor lavava os dentes sozinho, alimentava-se sozinho, e conseguia lavar a metade superior e anterior do corpo, e ajudava nas transferências.


86. Durante o internamento, no CN..., observou-se uma evolução favorável (na autonomia e deambulação na cadeira de rodas), mas não conseguia calçar as meias elásticas e aplicar supositório para treino intestinal.


87. O 1.º Autor, durante o internamento no CN..., teve treino vesical instituído com auto-algaliações intermitentes de 4-4h durante o dia e sem algaliação das 0h às 6H, com volumes adequados, e treino intestinal em dias alternados com sene comprimidos e bisacodilo supositório.


88. Quando foi avaliado no CN..., o 1.º Autor apresentava disfunção eréctil.


89. À data da alta do CN..., o 1.º Autor apresentava o seguinte diagnóstico:


- Encontrava-se hemodinamicamente estável. Sem SDR; revestimento cutâneo íntegro;


- Amplitudes articulares globalmente preservadas, ligeiro equino bilateral redutível;


- Tónus: flacidez dos membros inferiores;


- ROT´s: ausentes nos membros inferiores;


- Sensibilidade profunda (sentido posicional do hálux): ausente;


- Sensibilidade álgica: normal até D10, hipostesia em D11, anestesia a partir de D12;


- Sensibilidade álgica anal: ausente;


- Tónus e reflexo anal: hipotonia anal, reflexo anal presente;


- Pressão anal profunda: ausente;


- Contracção anal: ausente;


- Reflexo bulbocavernoso: ausente;


- Paraplegia AIS A nível motor D10 / nível sensitivo D10 / neurológico único D10.


90. Após alta do CN... (20/01/2015), o 1.º Autor foi transferido para o Serviço de MFR do Hospital da ..., no qual deu entrada no dia 20/01/2015, com vista a continuação de reabilitação neuromotora e funcional por sequelas de politraumatismo major com lesão medular (paraplegia AIS A a nível neurológico único D10) e traumatismo crânio-encefálico;


91. À data de admissão no Hospital da ..., o 1.º Autor:


- Apresentava-se consciente, orientado e colaborante, sem disfagia; sem sinais de dificuldade respiratória; sem alterações dos membros superiores, apresentava bom equilíbrio do tronco na posição de sentado;


- Relativamente à sensibilidade, era normal até D10, hipostesia em D11, anestesia a partir de D12. sensibilidade profunda ausente nos membros inferiores;


- ROTS: ausentes nos membros inferiores;


- CP indiferente bilateralmente;


- Tónus flácido nos membros inferiores, sem reflexos, sem contracção anal, sem sensação anal;


- Auto-algaliação de 4/4 horas durante o dia, com protocolo de restrição hídrica a partir das 16h;


- Quanto ao regime intestinal: sene em dias alternados com bisacodilo supositório.


92. No Hospital da ..., foram realizados vários exames auxiliares de diagnóstico, entre os quais, o EUD (estudo urodinâmico), em 26/01/2015, em que se verificou na fase de enchimento sensibilidade vesical proprioceptiva durante todo o enchimento; compliance do detrusor alta; não se verificou incontinência urinária durante toda a infusão; não se verificaram sinais de hieperactividade do detrusor espontânea ou provocada, na fase do esvaziamento, o doente não conseguiu desencadear micção; e apresentou perda com credé, mas não suficiente.


93. Tendo-se concluído, nesse exame, por acontraclidade/arreflexia do detrusor, compliance alta, sensação vesical ausente e retenção urinária.


94. Quanto a intercorrências durante o internamento, verificaram-se infecções urinárias, bem como aparecimento e reactivação de úlceras de pressão sagradas de grau II e, ainda, lesão cutânea no dorso do pé esquerdo.


95. Durante o internamento no Hospital da ..., verificou-se uma melhoria a nível funcional, verificando-se independência em grande parte das actividades da vida diária.


96. A nível de exame físico, o 1.º Autor manteve o estado verificado à entrada, com as seguintes alterações:


- Em relação ao estado cognitivo, apresentou melhoria em relação ao descrito no CN..., sendo um doente calmo e colaborante não se tendo verificado episódios de agitação psico-motora;


- Verificou-se também uma melhoria a nível de memória e da capacidade de execução de tarefas e uma aceitação progressiva em relação ao défice, tendo mantido seguimento por psicologia.


97. Nessa data, encontrava-se independente na alimentação, higiene na metade superior do corpo e na maioria das transferências e na deambulação de cadeira de rodas, embora precisasse de ajuda na deslocação no exterior e transposição de desníveis; necessitava de ajuda no banho na metade inferior do corpo, mudança de fralda e higiene após ida ao WC; quanto às transferências, apresentava necessidade de tábua para transferências no mesmo nível, de ajuda de terceira pessoa para transferências desniveladas, nomeadamente cama (do domicílio) e da cadeira para o carro; necessitava de ajuda na propulsão da cadeira de rodas no exterior, subir e descer rampas.


98. Nessa data, ao nível da psicologia, sugeria-se ser importante o 1.º Autor continuar em acompanhamento, por ser uma mais valia em ajuda nas vivências diárias que teria que enfrentar (actividades de vida diárias, adaptações familiares e no trabalho), assim como na gestão de expectativas, motivação, emoções, resistência/defesas que poderia apresentar derivado à sua actual condição física.


99. Na avaliação de dermatologia, efectuada em 26/05/2015, apresentava:


- Lesão eritemo-descamativa com microvesiculas no dorso do pé esquerdo; bordo da lesão bem definido e já submetido a tratamento prévio com fluconazol 100 mg durante 3 semanas.


100. Relativamente ao tratamento efectuado em MFR, a nível fisiátrico, o 1.º Autor realizou treino de equilíbrio e marcha; técnicas de cinesiterapia; treino funcional de cadeira de rodas; fortalecimento muscular.


101. A nível farmacológico, realizou o seguinte tratamento: suplemento dietético hiperproteico; Paracetamol SOS3; Donepezilo 10 mg 1id; lidocaína 2%gel SOS1; Lorazepam 1mg SOS1; Senosido A+B alternado com Dulcolax 10mg; Lactulose SOS1; Gabapentina 300mg 1id; Clotrimazol 10 mg/g 2id (pé esq), fluconazol 100 mg.


102. À época, tinham sido atribuídos os seguintes produtos de apoio: cadeira de rodas ultra-leve; almofada de alvéolos anti-escara, tábua de transferências, cadeira de banho modelo de paraplégico, com dispositivo sanitário e almofada antiácida.


103. O destino do 1.º Autor após alta hospitalar seria o domicílio, tendo sido proposto o seguinte tratamento farmacológico: Donepezilo 10mg 1id; Lorazepam 1mg SOS à noite; Senosido A+B alternado com Dulcolax 10mg; Lactulose SOS; Gabapentina 300mg 1id; Aplicação de betametasona misturada em partes iguais com clotrimazol tópico à noite na lesão durante 8 dias, devendo depois continuar com aplicação de clotrimazol tópico bidiario durante 8 semanas.


104. Neste seguimento, à data da alta hospitalar, 29/05/2015, estabeleceram-se as seguintes recomendações: continuar programa de reabilitação com orientação por médico fisiatra na área de residência para manutenção dos ganhos obtidos neste internamento; manter a medicação referida acima; vigilância bidiária do revestimento cutâneo; quando deitado, alternância de posição de 3/3 horas; quando sentado fazer push-ups 20 em 20 min; manter treino intestinal instituído; se tiver perdas abundantes ou diarreia em dia que não seja dia de treino intestinal, não faz treino no dia de treino; se o treino intestinal não for eficaz duas vezes consecutivas, repetir o treino no dia seguinte ao dia do segundo treino não eficaz; manter regime vesical instituído (auto-algaliações de intermitentes de 4-4h durante o dia, última algaliação às 0h e primeira às 7h, mantendo volumes de cerca de 350-400 cc) e controlo da ingestão hídrica (cerca de 1700ml/dia, segundo protocolo); fazer urocultura sempre que se observem alterações das características da urina (cheiro mais intenso, urina turva, hematúria), perdas urinárias (entre esvaziamentos), desconforto abdominal ou aumento de espasticidade; não deve fazer antibioterapia para bacteriúria assintomática; necessidade de apoio de 3.ª pessoa; necessidade de efectuar adaptações no carro, especificas para doente paraplégico, para ganho de autonomia; vai beneficiar de continuar a ser seguido em consulta de fisiatria periodicamente, nomeadamente para manter avaliação da bexiga neurógena (EUD bienal, ecografia renovesical e função renal anualmente).


105. O 1.º Autor contratou os serviços de uma fisioterapeuta que se deslocava à casa do mesmo para a realização de sessões de fisioterapia, o que fez nos meses de Abril e de Maio de 2016, no que gastou € 440,00.


106. No dia 30/07/2016 (data em que se encontrava de férias), o 1.º Autor começou a sentir-se mal, pensando que se tratava de alguma indisposição.


107. No dia seguinte – 31/07/2016 –, o seu estado de saúde não tinha melhorado, pois continuava a vomitar e sentir-se fisicamente mal, pelo que se dirigiu à Unidade Local de Saúde do ..., EPE - Hospital de ...


108. Tendo, assim, entrado pelo SU desse hospital pelas 14h20, tendo permanecido internado nesta instituição desde o dia 01/08/2016 até ao dia 13/10/2016 (74 dias de internamento).


109. O 1.º Autor foi admitido na urgência desse hospital por sepsis por Gangrena de Fournier.


110. Nesse internamento, foi efectuado desbridamento extenso períneo-inguinal à esquerda (triângulos posterior e anterior do períneo e por medial da região inguinal) e foi colocado penso de pressão negativa com evolução favorável.


111. Na data da alta, o 1.º Autor apresentava loca com cerca de 4cm na transição do triangulo anterior e posterior do períneo, limpa, com exsudado seroso.


112. Nessa data, estabeleceu-se a seguinte proposta de monitorização e tratamento: “penso com aquacelAg – em dias alternados ou 3/3dias se tiver pouco exsudado (se repassar terá de ser diário)”; “analgesia em SOS”; “vigilância de sinais de alarme (sinais inflamatórios, exsudado purulento, febre)” e consulta externa de cirurgia geral.


113. No dia 21/10/2016, o 1.º Autor dirigiu-se à Unidade Local de Saúde do ... EPE (ULS..., EPE – Hospital de ..., para consulta externa, na especialidade de cirurgia geral – pequena cirurgia.


114. Nessa consulta, o 1.º Autor, devido às intervenções e à lesão remanescente, o apresentava restrições posturais (devia evitar pressão no local da ferida), que condicionavam as transferências e o seu quotidiano habitual.


115. Devido às limitações supra referidas, o 1.º Autor teve que permanecer em casa a descansar.


116. Durante o tempo que esteve em casa, eram as enfermeiras do Hospital de ... que se deslocavam ao seu domicílio para fazer o penso.


117. Porém, o seu estado de saúde voltou a piorar por dificuldade de cicatrização da lesão remanescente, pelo que o 1.º Autor teve de ser novamente internado, no dia 23/01/2017, na Casa de Saúde da ....


118. O 1.º Autor esteve internado na Casa de Saúde da ..., em cirurgia plástica, até à alta em 23/03/2017.


119. Durante esse internamento:


- O 1.º Autor foi submetido a desbridamento cirúrgico e reconstrução com retalho miocutâneo glúteo de úlcera de pressão extensa na região isquiática esquerda; No pós-operatório, ocorreu infecção do local operado tendo sido realizada limpeza aos 7 dias pós-operatório com introdução de dreno adicional;


- Foi realizada antibioterapia dirigida aos agentes infecciosos, pensos adequados e posicionamentos;


- Em 16/03/2017, estava cicatrizado e bem, tendo iniciado levante.


120. No dia 23/03/2017, teve alta com recomendação de manutenção de posicionamentos e cuidados locais e foi orientado para consulta externa de cirurgia plástica em 06/04/2017.


121. Foi recomendado pelo médico que o 1.º Autor ficasse após a alta em repouso durante o período de 2 (dois) meses.


122. O 1.º Autor, após dois meses em casa em repouso, regressou ao trabalho.


123. O 1.º Autor, no entanto, poucos dias depois de regressar ao trabalho, voltou a apresentar úlceras de pressão, apesar dos os cuidados que teve.


124. O que levou o mesmo à Casa de Saúde da ..., tendo-lhe sido recomendado repouso durante 15 dias, com agendamento de consulta com a médica para o dia 22/06/2017.


125. O 1.º Autor, hoje, apesar dos vários internamentos, tratamentos e intervenções a que se submeteu, ficou a padecer das seguintes sequelas:


- Ráquis: paraplegia ASIA A com nível motor D10 / nível sensitivo D10 = nível neurológico único D10. Exame neurológico sumário: Força Muscular -Dta/Esq: C5-T1 5/5; L2-S1 0/0. Sensibilidade profunda (sentido posicional do hállux): ausente. Sensibilidade álgica: normal até ao território D10, hipostesia em território D11, anestesia a partir de território D12. Sensibilidade álgica anal: ausente; Tónus e reflexo anal: hipotonia anal com reflexo anal presente; Pressão anal profunda: ausente; contracção anal: ausente. Reflexo bulbocavernoso: ausente. Cicatriz linear de tipo cirúrgico, não recente, com 19cm de comprimento, localizada ao longo da linha média na região dorso-lombar.


- Períneo: presença de fralda para incontinência urinária e penso oclusivo isquiático-nadegueiro relacionada com a última intervenção cirúrgica para tratamento de escaras, úlceras e fístulas de que frequentemente padece a nível desta região anatómica desde a data da ocorrência.


- Membro superior direito: revestimento cutâneo íntegro. Mobilidades articulares globalmente preservadas, força muscular preservada e simétrica. Tónus muscular normal com reflexos osteo-tendinosos vivos. Sem atrofias musculares, dismorfias ou outras alterações macroscopicamente aparentes.


- Membro superior esquerdo: revestimento cutâneo íntegro. Mobilidades articulares globalmente preservadas, força muscular preservada e simétrica. Tónus muscular normal com reflexos osteo-tendinosos vivos. Sem atrofias musculares, dismorfias ou outras alterações macroscopicamente aparentes.


- Membro inferior direito: revestimento cutâneo íntegro. Mobilidades articulares globalmente preservadas, com ligeiro equino redutível. Flacidez muscular associada a atrofia muscular ligeira a moderada, reflexos osteo-tendinosos ausentes. Múltiplas cicatrizes que relacionada com retirada de enxertos cutâneos usados nas múltiplas plastias a que tem sido submetido na sequência de úlceras de pressão na região sacrococcígea e nadegueira esquerda.


- Membro inferior esquerdo: revestimento cutâneo íntegro. Mobilidades articulares globalmente preservadas, com ligeiro equino redutível. Flacidez muscular associada a atrofia ligeira a moderada, reflexos osteo-tendinosos ausentes. Múltiplas cicatrizes que relacionada com retirada de enxertos cutâneos usados nas múltiplas plastias a que tem sido submetido na sequência de úlceras de pressão na região sacrococcígea e nadegueira esquerda.


126. O 1.º Autor, hoje, apesar dos vários internamentos, tratamentos e intervenções a que se submeteu, apresenta as seguintes queixas, a nível funcional:


- Postura, deslocamentos e transferências: a deslocação apenas é possível em cadeira de rodas manualmente activada pelo próprio; tem necessidade de levantes frequentes ("push-ups") quando permanece sentado durante períodos de tempo superiores a 15 - 20 minutos, recorrendo ao uso dos braços para o fazer, devido ao desconforto que lhe causam as múltiplas cicatrizes e feridas crónicas nas regiões perineal e nadegueiras;


- Cognição e afectividade: tem amnésia para o acidente, suas circunstâncias e período inicial de internamento hospitalar; desde que recuperou a consciência após a data da ocorrência, o seu comportamento e personalidade tornaram-se tristes, chora com facilidade e sente-se ainda revoltado com o que lhe aconteceu e tudo o que isso implica futuramente tanto para o próprio como para a sua família; está impaciente com mais rapidez e facilidade, e explode facilmente assim que fica irritado, reagindo de forma mais abrupta às pessoas e aos contratempos, por ter ficado com menor nível de tolerância à frustração; tem perdas de memória e dificuldades para manter a atenção, a concentração e na memória de retenção;


- Controlo de esfíncteres: incontinência de esfíncteres, tendo realizado treino vesical e intestinal, encontrando-se actualmente a realizar auto-algaliações intermitentes de 4/4 horas durante o dia, necessitando de ajustar os intervalos de tempo consoante a ingestão de líquidos e o tipo de alimentos consumidos; mantém o treino intestinal em dias alternados com suplementos alimentares e supositórios; utiliza permanentemente fralda para incontinência, para poder ter a certeza de que não perde urina nem fezes, sobretudo em locais públicos, por não conseguir sentir quando isto acontece, apercebendo-se apenas do sucedido pelo cheiro que começa a sentir;


- Fenómenos dolorosos: lombalgias frequentes, que se acentuam quando permanece sentado durante períodos de tempo prolongados, ou quando se sente mais cansado; toma a medicação gabapentina em SOS; esta dor impede-o de se focar nas coisas que realmente pretende ver realizadas.


127. Nos actos da vida diária, o 1.º Autor apresenta as seguintes queixas: independente na alimentação e na maioria das transferências, na propulsão na cadeira de rodas no interior e exterior nivelado, assim como na realização da higiene em contextos acessíveis; para a realização das transferências, tem necessidade de tábua de transferências, desde que sejam ao mesmo nível, necessitando sempre de ajuda de 3.ª pessoa nas transferências desniveladas, nomeadamente para passar da cadeira de rodas para a sua cama (no domicílio); na ida para a garagem e na transferência da cadeira de rodas para o carro, entre outras; necessita de ajuda de 3.ª pessoa na propulsão da cadeira de rodas no exterior desnivelado/irregular, assim como para subir e descer escadas, descer e subir rampas íngremes.


128. O 1.º Autor estava colectado como fotógrafo, realizando, com carácter irregular, a cobertura fotográfica de eventos para privados e empresas, também se dedicando, por conta própria, a fazer trabalhos multimédia.


129. Esses trabalhos representavam área de realização pessoal e fonte de auto-estima.


130. Antes do embate, o 1.º Autor praticava futebol, ciclismo e natação, sonhando vir a partilhá-las com o seu filho, introduzindo o mesmo na sua prática.


131. O 1.º Autor praticava ping-pong no trabalho.


132. O 1.º Autor pertencia ao “Club Motard ...” em ..., ..., o qual frequentava e participava nas concentrações, o que não consegue mais fazer.


133. O 1.º Autor deixou de conviver com os amigos que lá fez, visitando-os ou sendo visitado às vezes, não podendo mais participar da forma que o fazia nesse grupo, estando a ajudar na criação do site online.


134. As lesões atingiram a consolidação médico-legal em 09/11/2015.


135. O 1.º Autor esteve em situação de incapacidade temporária absoluta desde 14/07/2014 a 09/11/2015, num total de 484 dias.


136. As sequelas com que o 1.º Autor restou determinam-lhe um défice funcional permanente na integridade físico-psíquica de 84 (oitenta e quatro) pontos.


137. As sequelas são compatíveis com o exercício da actividade professional habitual ou outras da sua área de preparação, desde que haja adaptação do seu local e condições de trabalho, mas implicando esforços suplementares por parte do 1.º Autor.


138. Por força das sequelas, o 1.º Autor ficou a padecer de um dano estético fixável no grau 5 (cinco), numa escala de sete graus de gravidade crescente tendo em conta a utilização de ajudas técnicas permanentes (cadeira de rodas) e as cicatrizes (as quais causam tristeza e complexo).


139. Por força das sequelas, o 1.º Autor perdeu massa muscular nas pernas, que ficaram magras, o que inibe aquele de usar calções.


140. Por força das sequelas, o 1.º Autor a padecer de um prejuízo nas actividades de lazer fixável no grau 5 (cinco), numa escala de sete graus de gravidade crescente.


141. O 1.º Autor não consegue obter erecção e manter relações sexuais, o que lhe causa desgosto, sofrimento e revolta.


142. O 1.º Autor, antes do embate, tinha uma vida sexual normal com a sua esposa, o que contribuía para a estabilidade emocional do casal.


143. O 1.º Autor não poderá ter mais filhos, por esta via, com a sua esposa, o que o entristece.


144. Por força das sequelas, o 1.º Autor ficou a padecer de una repercussão permanente na actividade sexual fixável no grau 7 (sete), com base na diminuição/perda permanente da libido, disfunção sexual permanente e incontinência de esfíncteres consecutiva a lesão neurológica medular.


145. O 1.º Autor necessitará, no futuro de ajudas medicamentosas e tratamentos médicos regulares (designadamente, de fisioterapia) regulares, a definir pelo seu médico assistente.


146. O 1.º Autor necessitará, no futuro, das seguintes ajudas técnicas:


- Adaptações no automóvel, com periodicidade de substituição de 5 em 5 anos, de custo não apurado;


- Alcançador com periodicidade de substituição de 10 em 10 anos, com o custo unitário estimado de € 20,00;


- Almofada para prevenção de escaras com periodicidade de substituição de 2 em 2 anos, com o custo unitário estimado de € 500,00;


- Cadeira de duche, com periodicidade de substituição de 5 em 5 anos, com custo estimado de € 250,00;


- Cadeira de rodas manual activa, com periodicidade de substituição de 3 em 3 anos, com custo estimado de € 4.000,00;


- Material de incontinência, com periodicidade de substituição mensal, de custo não apurado;


- Tábua de transferência, com periodicidade de substituição de 10 em 10 anos, com custo estimado de € 150,00;


- Luvas, com periodicidade de substituição de 6 em 6 meses, com custo estimado de € 20,00;


- Estrado articulado, com periodicidade de substituição de 10 em 10 anos, com custo estimado de € 1.200,00;


- Colchão de prevenção de escaras, com periodicidade de substituição de 5 em 5 anos, com custo estimado de € 500,00.


147. O 1.º Autor necessita do apoio, auxilio e ajuda permanente de uma terceira pessoa, por um período de cerca 5 (cinco) horas por dia até ao fim da sua vida, prevendo-se o gasto a esse título, desde a presente data e até ao final da sua vida, de € 281.295,00.


148. Na data do embate, o 1.º Autor teve angústia de poder vir a falecer.


149. O 1.º Autor perdeu a vontade de viver.


150. O 1.º Autor não consegue alcançar determinados lugares, como a despensa de sua casa (porque estreita), nem aceder às janelas para abrir as persianas.


151. O 1.º Autor não pode ir a determinados cafés e restaurantes que não estejam adaptadas a pessoas de mobilidade reduzida, nem ir de férias se não existirem essas condições de adaptação à sua mobilidade.


152. O 1.º Autor sente-se desgostoso, frustrado e com raiva, porque, antes do embate conseguia fazer tudo ir onde quisesse, sem necessidade de ninguém, com toda a autonomia e liberdade, e agora já não consegue.


153. O 1.º Autor, não consegue pegar em alguns objectos, por estar sentado, nem pode esticar-se muito, porque senão perde o equilíbrio.


154. A necessidade de ajuda de uma terceira pessoa deixa o 1.º Autor triste, humilhado, constrangido e diminuído, sentindo-se inválido.


155. Nas situações em que teve de mudar de roupa, relacionado com a perda de controlo dos esfíncteres, sentiu-se diminuído e humilhado, afectando a sua auto-estima.


156. Na vida laboral, o 1.º Autor sente-se “parado no tempo” e sente o contacto diminuído com os colegas de trabalho.


157. O 1.º Autor, quando sai fora de casa, enfrenta a preocupação de saber se o local para onde irá terá condições para a auto-algaliação, e, nessas situações, sente medo e fica angustiado.


158. Durante o período de internamento, o 1.º Autor ficou impedido de acompanhar o crescimento do seu filho.


159. Durante o internamento, o 1.º Autor sentiu-se sozinho e triste, bem como sentia falta do seu filho e da sua esposa e ficou com receio de que a falta de contacto entre ele e o filho levasse ao esquecimento da sua figura.


160. A primeira visita do filho do 1.º Autor ao hospital ocorreu na data de aniversário deste, contando o 3.º Autor com apenas 7 meses de idade.


161. Nesse dia, o 1.º Autor sentiu sofrimento e tristeza, por ainda não se conseguir fazer entender (pelas dificuldades da fala).


162. Devido às limitações físicas decorrentes do acidente de viação, o 1.º Autor não consegue acompanhar determinadas brincadeiras do filho, não pôde ensinar o filho a caminhar, a jogar à bola, nem a andar de bicicleta.


163. O 1.º Autor sente angústia, dor, frustração e tristeza por não poder acompanhar o filho como gostaria e por ver outras pessoas a fazer actividades com o seu filho que ele não pode, tais como, jogar à bola e correr.


164. O 1.º Autor, antes do embate, era saudável e uma pessoa alegre, de fácil contacto, comunicativa, divertida, dinâmica, confiante, com projectos para o futuro, afável, com força de vontade e uma pessoa lutador.


165. O 1.º Autor, após o embate, é uma pessoa introvertida, fechada, está constantemente a pensar nos seus problemas e limitações, receosa que o seu estado de saúde piore e com medo de se aleijar.


166. O 1.º Autor está muitas vezes deprimido, com pouca força de vontade, e, quando assim é, deixa de falar ou responder às pessoas, fica calado e, ocasionalmente, chora.


167. O 1.º Autor não tem força de vontade para ultrapassar os obstáculos que surgem no dia-a-dia.


168. O 1.º Autor sente-se constrangido e inibido para pedir ajuda, seja a familiares seja a colegas de trabalho, porque não quer estar sempre a incomodar as pessoas, sentindo-se um peso para os outros e principalmente para a sua família.


169. O 1.º Autor sente-se triste, revoltado, não conseguindo aceitar o facto de se encontrar paraplégico e numa cadeira de rodas.


170. O 1.º Autor sente-se incomodado com o olhar das pessoas.


171. O 1.º Autor, antes do sinistro, ajudava a sua esposa com as tarefas domésticas, o que agora já não pode.


172. Quando foi internado no Hospital de..., o 1.º Autor teve medo de morrer e não pôde gozar das férias.


173. Durante os internamentos, o 1.º Autor vivenciou dores físicas, tendo sido valorizado o quantum doloris no grau 6 (seis) numa escala de 1/7.


174. Quando realiza passeios em caminhos não planos, o 1.º Autor sente dores, tendo de fazer paragem.


175. O facto de se encontrar imobilizado nos membros inferiores pode ocasionar úlceras de pressão.


176. O 1.º Autor sente dificuldade para ir para a areia.


177. O 1.º Autor tem dificuldade em pegar no filho ao colo, como fazia antes do embate, o que, para si, é doloroso.


178. Se quiser passear, o 1.º Autor precisa sempre de uma terceira pessoa para o ajudar a ultrapassar zonas com desnível.


179. O 1.º Autor adquiriu uma pinça de preensão 80 cm, no valor de € 19,91, de modo a conseguir alcançar determinados objectos.


180. Para a realização da fisioterapia, por recomendação da fisioterapeuta, o 1.º Autor teve de comprar uma bicicleta própria para a sua condição e halteres, sendo que a bicicleta custou a quantia de € 129,90, e os halteres o valor de € 34,99, o que perfaz o montante global de € 164,89.


181. Devido ao facto de o 1.º Autor ter ficado internado, e atendendo à necessidade de usar roupas confortáveis, adequadas à realização de fisioterapia, despendeu, na compra de t-shirts e calções, o valor global de € 25,94.


182. O 1.º Autor requereu junto do Centro de Saúde a emissão de atestado médico de incapacidade multiuso, com o que gastou € 50,00 (cinquenta euros).


183. O 1.º Autor fazia trabalhos enquanto web designer e fotógrafo por conta própria e de modo irregular.


[…]


192. O 1.º Autor foi sujeito a vários testes, tendo os médicos concluído que este tinha perdido a sensibilidade dos membros inferiores, com hipostesia a partir da D8, encontrando-se, assim, paraplégico.


[…]


199. O 1.º Autor passou o seu aniversário – dia 19/09/2014 – no hospital, tendo a Autora levado pela primeira vez o filho ao hospital.


[…]


203. Após algum tempo no CN..., o 1.º Autor começou a ir aos fins de semana a casa.


204. No primeiro fim de semana que o 1.º Autor passou em sua casa, após o embate, os Autores choraram, porque se sentiam desorientados.


[…]


213. O 1.º Autor não consegue ajudar o filho a ir à casa de banho.


214. O 1.º Autor não consegue acompanhar o filho nas brincadeiras que impliquem mobilidade dos membros inferiores.


215. Os Autores pais têm dificuldades nas saídas a três, a não ser que tenham a ajuda de familiares ou de terceiros.


[…]


221. O 1.º Autor não se comporta, nem reage da mesma maneira que se comportava e reagia antes do embate.


[…]


248. O 1.º Autor passou a receber uma prestação suplementar para assistência de terceira pessoa, a qual foi fixada no dia 15/06/2016, no valor anual e actualizável de € 5.533,68 (cinco mil, quinhentos e trinta e três euros e sessenta e oito cêntimos), a ser paga com efeitos a partir do dia 10/11/2015.


[…]


253. Quando o 1.º Autor regressou a casa, após alta do Hospital da ... não conseguia brincar com o filho em actividades que implicassem a mobilidade dos membros inferiores, nem ajudá-lo a ultrapassar obstáculos.


254. Não pôde, nem pode ensinar-lhe a caminhar, a jogar à bola, a andar de bicicleta, a ensinar-lhe a ir à casa de banho.


[…]


258. Por força de se encontrar internado, o 1.º Autor faltou a festas do filho. (…)»


*


3. O direito aplicável


3.1. A questão do montante indemnizatório do dano biológico.


3.1.1. O recurso foi admitido, como revista excecional, para que fossem conhecidas duas questões, sendo a primeira a de saber se o acórdão recorrido, ao julgar parcialmente procedente a apelação apresentada pelo autor, condenando a ré a pagar-lhe € 560.000,00, a título de compensação do dano biológico, fez a correta aplicação do direito quanto à:


«fixação do quantum indemnizatório a atribuir ao recorrente a título de reparação por dano biológico, na sua dupla vertente.»


A indemnização do denominado dano biológico é matéria sobre a qual o STJ se tem pronunciado frequentemente.


Como é sabido, o denominado dano biológico não corresponde a uma rigorosa categoria legal de dano. Trata-se, antes, de uma catalogação essencialmente doutrinal, de alcance nem sempre coincidente (referindo-se, por vezes, ao dano corporal em si mesmo e outras às suas repercussões temporárias ou definitivas na vida do lesado), que passou a ser adotada pela jurisprudência para abarcar certas consequências da incapacidade funcional permanente do lesado, que se entendia não caberem, em rigor, na dicotomia entre danos patrimoniais e danos morais (procedendo-se, em alguns casos, a uma distinção entre vertente patrimonial e vertente moral do dano biológico).


Veja-se neste sentido o que se sumariou no acórdão do STJ, de 28.01.2016 (relatora Graça Trigo)1, no processo n. 7793/09.8T2SNT.L1.S1


«A expressão “dano biológico” tem sido utilizada na lei, na doutrina e na jurisprudência nacionais com sentidos nem sempre coincidentes.»


Não cabe neste acórdão proceder a um ensaio dogmático sobre o rigor do conceito de dano biológico2, mas sim apreciar a quantificação do montante indemnizatório atribuído pela decisão recorrida, no quadro dos parâmetros decisórios que têm sido seguidos em casos relativamente equiparáveis, considerando a amplitude do conceito de dano biológico concretamente usado e que foi compreendido pelas partes.


Nesta apreciação, independentemente do rigor com que o conceito de dano biológico é aplicado em cada caso concreto (o que sempre será teoricamente discutível), importa que tal não conduza à duplicação da indemnização dos mesmos danos ou que não fiquem danos por indemnizar a pretexto de não caberem em determinada qualificação.


3.1.2. Tratando-se de avaliar danos que o lesado não teria sofrido se não fosse a lesão (art.563º do CC), cujo valor exato não é possível averiguar no momento em que se julga, o art.566º, n.3 do CC determina que se aplique o critério da equidade. Este critério não se encontra limitado pela aplicação de quaisquer tabelas ou formulas matemáticas, como a jurisprudência tem reiteradamente afirmado. Pode tomá-las em conta, mas não se esgota nelas.


Assim, quando o STJ é chamado a apreciar a aplicação de tal critério, tem-se entendido que lhe cabe, essencialmente, proceder a um juízo de supervisão da conformidade da decisão com os padrões normalmente seguidos, devendo corrigir decisões que, manifestamente, se afastam de casos com caraterísticas relativamente equiparáveis.


Veja-se, a este propósito, o que se afirmou em recentes decisões do STJ:


- Acórdão do STJ, de 07.03.2023 (relator Manuel Capelo), no processo n. 766/19.4T8PVZ.P1.S1:


«A compensação do dano biológico tem como base e fundamento, quer a relevante e substancial restrição às possibilidades de exercício de uma profissão pelo lesado traduzida em perda de oportunidades, geradoras de possíveis e futuros acréscimos patrimoniais, frustrados irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o afete mas, inclui também a acrescida penosidade e esforço no exercício da sua atividade diária e corrente, de modo a compensar e ultrapassar as deficiências funcionais de maior ou menor gravidade que constituem sequela irreversível das lesões sofridas.»


Sobre o modo de calcular esta categoria de danos, afirma-se no acórdão do STJ, de 07.12.2023 (relator Cura Mariano), no processo n. 1393/21.1T8PNF.P1.S1:


«O cálculo de uma indemnização ressarcitória de uma incapacidade permanente parcial de um jovem de 14 anos exige um difícil prognóstico sobre o resto da sua vida, face à sua situação atual, constituindo um juízo probabilístico no qual, se a aplicação de fórmulas matemáticas ou tabelas estáticas nos podem ajudar a encontrar um valor de referência, será a atenção aos padrões de indemnização adotados, nos tempos mais próximos, pela jurisprudência, em casos análogos, sobretudo os arestos do Supremo Tribunal de Justiça, que nos deve orientar no sentido de obter, pelo menos, uma justiça relativa.»


Extrata-se, ainda, com relevo, do sumariado no Acórdão do STJ, de 07.09.2021 (relator Pedro Lima Gonçalves)3, no processo n.1436/15.8T8PVZ.P1.S1 o seguinte:


«[…] - São reparáveis como danos patrimoniais as consequências danosas resultantes da incapacidade geral permanente (ou dano biológico).


- Na medida em que a afetação em causa se traduza em danos patrimoniais futuros previsíveis, a indemnização deve ser fixada segundo juízos de equidade, dentro dos limites que o tribunal tiver como provados, conforme previsto no n. 3 do artigo 566.º do Código Civil. […]


- Não sendo a decisão recorrida um caso que se afaste dos padrões gerais da jurisprudência na fixação deste tipo de danos, impõe-se apenas dizer que a função do STJ consiste em apurar se tal decisão se encontra devidamente justificada, face às circunstâncias do caso, e aos critérios gerais usados em casos similares, tudo ponderado à luz do princípio da igualdade


3.1.3. O que se discute no presente recurso é o montante indemnizatório que o acórdão recorrido atribuiu ao autor a título de dano biológico com base nos parâmetros legais estabelecidos, essencialmente, nos artigos 563, 566º, n.3 do CC.


Esse aresto, dando parcial provimento à apelação do autor, alterando a alínea a) do dispositivo da sentença, condenou a ré a pagar-lhe 560.000,00€ (quinhentos e sessenta mil euros) a título de compensação do dano biológico (patrimonial e não patrimonial). No mais manteve a decisão da primeira instância.


A decisão da primeira instância, para além de outras condenações que não importam para o objeto da presente revista, havia condenado a ré a pagar:


« a. A quantia de € 495.000,00 (quatrocentos e novecentos e cinco mil euros) a título de compensação da perda de capacidade de ganho futuro e dano biológico, sobre a qual vencem juros, à taxa legal de juros de 4%, desde a presente sentença até integral pagamento;


b. A quantia de € 275.000,00 (duzentos e setenta e cinco mil euros) a título de compensação dos danos não patrimoniais, sobre a qual vencem juros, à taxa legal de juros de 4%, desde a presente sentença até integral pagamento;(…)»


Assim, ao alterar apenas o decidido na alínea a) do dispositivo da sentença, o que o acórdão recorrido fez foi passar de 495.000 Euros para 560.000 essa parcela. Embora aí se faça referência à vertente patrimonial e não patrimonial do dano biológico, tal não se confunde com o disposto na alínea b) do dispositivo da sentença (sobre danos não patrimoniais), a qual não foi alterada.


Uma eventual sobreposição de valores correspondente à compensação de danos não patrimoniais que pudesse resultar do critério usado nunca poderia ser objeto de análise no presente recurso por não caber no seu âmbito de delimitação.


Relevante, para efeitos da presente revista, é saber se os conceitos usados foram compreendidos pelas partes.


Efetivamente, o autor recorrente demonstra ter compreendido perfeitamente o conceito de dano biológico constante do acórdão recorrido, ao afirmar (no ponto n.1 das suas conclusões):


«O Autor/Recorrente não concorda com o valor indemnizatório que lhe foi atribuído a título de “dano biológico” quer enquanto dano patrimonial (perda ou diminuição de capacidades funcionais decorrente do Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica 85 pontos que lhe foi fixado), quer enquanto dano moral (para sua vida em geral e a própria saúde)


O que o autor não concorda é com o montante indemnizatório de 560.000 Euros, que considera ser insuficiente para indemnizar os danos considerados nessa parcela, pois entende (ponto 5 das suas conclusões) que a ré deve “ser condenada a pagar ao Autor a titulo de indemnização pelo “dano biológico” decorrente da perda ou diminuição de capacidades funcionais em consequência do Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 85 pontos, uma quantia nunca inferior a €1.000,000,00 (Um Milhão de Euros)”.


O acórdão recorrido sumariou o seu entendimento quanto ao denominado dano biológico, (o único que releva no âmbito do objeto do presente recurso) nos seguintes termos:


«Com a compensação do dano biológico pretende-se indemnizar não o sofrimento ou a deformação corporal em si, mas antes a impossibilidade de que o(a) demandante ficou a padecer de utilizar o seu corpo de forma absoluta, enquanto força de trabalho mas também da actividade quotidiana que desenvolve qualquer ser humano.


Os danos futuros decorrentes de uma lesão física/psíquica não se reconduzem apenas à redução da sua capacidade de trabalho, já que, antes do mais, se traduzem numa lesão do direito fundamental do lesado à saúde e à integridade física; por isso mesmo, não deve ser arbitrada uma indemnização que apenas tenha em conta aquela distinta redução.


Julgando-se provável a potencial afectação da progressão na actividade profissional a que o lesado aspiraria, bem como a sua empregabilidade futura e a perda de rendimentos na actividade irregular que desenvolvia, tudo resultante do elevadíssimo grau de défice funcional (84%) apurado e das limitações físicas, psíquicas e logísticas que prejudicam a futura actividade laboral, está assente um dano biológico futuro com reflexo patrimonial para qual consideramos equitativo o montante de 480.000 euros.


Ponderando os factores previstos no citado art. 496º, nº 2, do C.C., julgamos ser equitativo o montante de 80.000 euros para ressarcir a vertente não patrimonial desse dano biológico, considerando, em particular, a idade do autor, a esperança média de vida acima considerada e o grau de deficiência apurada.»


E distinguiu a indemnização pelo dano biológico da compensação pelos danos morais nos seguintes termos:


« Da factualidade apontada resulta que o lesado sofreu lesões graves que foram causa de internamentos que se prolongaram por mais de um ano, padeceu e padecerá de sofrimento físico e psíquico para o resto da sua vida (tenha-se em atenção que tinha cerca de 33 anos à data do evento e é provável que sobrevida pelo menos até aos 81 anos), ficou paraplégico, com tudo o que isso importa para limitação fundamental na sua autonomia de modo permanente, pelo que, tudo ponderado, julga-se equitativo o montante de 275.000 euros para compensar esse dano moral


3.1.4. Como resulta da factualidade provada, em consequência do acidente, o autor ficou paraplégico, tinha 32 anos à data do acidente (que foi simultaneamente um acidente de trabalho, e pelo qual foi indemnizado em processo autónomo, como consta dos factos provados), ficou com uma incapacidade permanente parcial fixável em 84 pontos, embora tivesse podido continuar a desempenhar, na mesma empresa onde antes trabalhava, com esforços acrescidos, a sua profissão de “Web designer”, na qual auferia, em 2022, um salário líquido de 1.500 Euros.


Além de muitas outras limitações na sua vida pessoal e familiar, o autor ficou a padecer de impotência sexual, bem como de um prejuízo nas atividades de lazer fixável no grau 5, numa escala de 7 graus de gravidade crescente.


Sem negar a extrema gravidade das lesões sofridas pelo autor, percorrendo a jurisprudência mais recente do STJ em matéria de indemnização por dano biológico em casos de elevados défices parciais permanentes, constata-se que o montante de 560.000 Euros será um dos mais elevados (sendo até, provavelmente, o mais elevado) concedido em casos nos quais se identificam caraterísticas relativamente equiparáveis às do caso concreto.


O caso que mais se aproxima do caso a que respeitam os presentes autos é aquele a que respeita o supra referido Acórdão do STJ, de 07.09.2021 (relator Pedro Lima Gonçalves), no processo n.1436/15.8T8PVZ.P1.S1, no qual estava em causa a reparação dos danos sofridos por um lesado de 25 anos de idade, que ficou com uma incapacidade parcial permanente de 82 pontos, no qual foi confirmada a indemnização de 400.000 Euros pelo dano biológico e de 300.000 Euros pelos danos morais. Este lesado ficou incapacitado de exercer a sua profissão habitual de técnico de instalação e manutenção de sistemas de climatização.


No acórdão do STJ de 23.10.2018 (relator Henrique Araújo)4, processo n. 902/14.7TBVCT.G1.S1, respeitante a um lesado que ficou com uma incapacidade de 72 pontos, sumariou-se o seguinte:


«O valor de € 350.000 mostra-se adequado a indemnizar o lesado pelos danos patrimoniais futuros, na consideração do seguinte quadro: à data do acidente, o lesado tinha 54 anos; exercia a actividade de serralheiro naval, mecânico e civil; por força do acidente, ficou a padecer de um défice funcional permanente de 72 pontos incompatíveis com a actividade profissional habitual; o grau de incapacidade e as graves limitações funcionais associadas dificultarão ou impossibilitarão o exercício de outra actividade profissional na respectiva área, traduzindo, na prática, uma situação de incapacidade total permanente.»


- No acórdão do STJ, de 17.11.2021 (relator Ferreira Lopes)5, processo n. 3496/16.5T8FAR.E1.S1, respeitante a um lesado que ficou com uma incapacidade parcial permanente de 63 pontos, entendeu-se ser adequado para indemnizar o dano biológico de um lesado de 41 anos, trabalhador num empreendimento turístico, o montante de “240.000,00, a título de perda de capacidade de trabalho/dano biológico”.


Os referidos acórdãos, que se encontram entre os que apreciaram casos respeitantes a danos de maior gravidade sofridos por lesados em acidentes de viação, embora nem sempre utilizando terminologia rigorosamente coincidente na catalogação dos danos, pronunciaram-se, porém, sobre o mesmo tipo de consequências que foram tidas em conta pelo acórdão recorrido quando utiliza o conceito de “dano biológico”, e permitem concluir que o acórdão em apreço não conferiu ao autor recorrente indemnização inferior aos demais casos


Como supra referido, na apreciação de decisões tomadas segundo critérios de equidade, cabe ao STJ, essencialmente, aferir da correta consideração dos parâmetros decisórios, no quadro de decisões equiparáveis, tendo em vista evitar disparidades valorativas que possam lesar a prossecução do princípio da igualdade.


Assim, à luz dos critérios jurisprudenciais referidos, considera-se que o montante indemnizatório de 560.000 Euros pelo dano biológico concedido pelo acórdão recorrido não é inferior (antes pelo contrário) a casos equiparáveis, pelo que se tem de concluir que a decisão em análise não se desviou dos corretos critérios decisórios, pelo que deverá ser mantida, improcedendo a pretensão do autor recorrente.


*


3.2. A questão do dobro dos juros


3.2.1. Alega o autor recorrente, nos pontos 18 a 35 das conclusões das suas alegações, que a ré deve ser condenada no pagamento do dobro da taxa de juro (nos termos do art.38º, n.2 do DL n.291/2007) porque, apesar de ter assumido a responsabilidade pelo acidente de viação, não lhe apresentou uma proposta de indemnização do dano avaliável na perspetiva do direito civil.


As instâncias coincidiram no entendimento de que não se verificavam os pressupostos legais para a aplicação dessa penalização à ré, nomeadamente pelo facto de o autor nunca ter apresentado à ré qualquer pedido de indemnização dos danos corporais e de o art. 37º do citado diploma se referir expressamente ao pedido de indemnização.


3.2.2. Da matéria de facto provada sobre esta problemática consta o seguinte:


«50. No prazo de 60 (sessenta) dias subsequentes à comunicação do sinistro pelo 1.º Autor, a Ré, através da gestora de processo DD, assumiu, perante aquele, por escrito, a responsabilidade decorrente do acidente.


51. Através da congénere Companhia de Seguros Tranquilidade, SA, a Ré tomou conhecimento da consolidação das lesões em 09/11/2015.


52. A Ré não convocou nem submeteu o 1.º Autor a “avaliação do dano corporal em direito civil”.


53. A Ré não apresentou ao 1.º Autor proposta de indemnização


O quadro legal especificamente relevante para a apreciação da questão encontra-se previsto nos artigos 36º a 39º do DL n.291/2007, sendo os artigos 26º e 38º dirigidos à reparação dos danos patrimoniais e os artigos 37º e 39º à reparação dos danos corporais.


Artigo 36.º


(Diligência e prontidão da empresa de seguros)


1 - Sempre que lhe seja comunicada pelo tomador do seguro, pelo segurado ou pelo terceiro lesado a ocorrência de um sinistro automóvel coberto por um contrato de seguro, a empresa de seguros deve:


a) Proceder ao primeiro contacto com o tomador do seguro, com o segurado ou com o terceiro lesado no prazo de dois dias úteis, marcando as peritagens que devam ter lugar; b) Concluir as peritagens no prazo dos oito dias úteis seguintes ao fim do prazo mencionado na alínea anterior;


c) Em caso de necessidade de desmontagem, o tomador do seguro e o segurado ou o terceiro lesado devem ser notificados da data da conclusão das peritagens, as quais devem ser concluídas no prazo máximo dos 12 dias úteis seguintes ao fim do prazo mencionado na alínea a);


d) Disponibilizar os relatórios das peritagens no prazo dos quatro dias úteis após a conclusão destas, bem como dos relatórios de averiguação indispensáveis à sua compreensão;


e) Comunicar a assunção, ou a não assunção, da responsabilidade no prazo de 30 dias úteis, a contar do termo do prazo fixado na alínea a), informando desse facto o tomador do seguro ou o segurado e o terceiro lesado, por escrito ou por documento electrónico;


f) Na comunicação referida na alínea anterior, a empresa de seguros deve mencionar, ainda, que o proprietário do veículo tem a possibilidade de dar ordem de reparação, caso esta deva ter lugar, assumindo este o custo da reparação até ao apuramento das responsabilidades pela empresa de seguros e na medida desse apuramento.


2 - Se a empresa de seguros não detiver a direcção efectiva da reparação, os prazos previstos nas alíneas b) e c) do número anterior contam-se a partir do dia em que existe disponibilidade da oficina e autorização do proprietário do veículo.


3 - Existe direcção efectiva da reparação por parte da empresa de seguros quando a oficina onde é realizada a peritagem é indicada pela empresa de seguros e é aceite pelo lesado.


4 - Nos casos em que a empresa de seguros entenda dever assumir a responsabilidade, contrariando a declaração da participação de sinistro na qual o tomador do seguro ou o segurado não se considera responsável pelo mesmo, estes podem apresentar, no prazo de cinco dias úteis a contar a partir da comunicação a que se refere a alínea e) do n.º 1, as informações que entenderem convenientes para uma melhor apreciação do sinistro.


5 - A decisão final da empresa de seguros relativa à situação descrita no número anterior deve ser comunicada, por escrito ou por documento electrónico, ao tomador do seguro ou ao segurado, no prazo de dois dias úteis após a apresentação por estes das informações aí mencionadas. […]


Artigo 37.º


(Diligência e prontidão da empresa de seguros na regularização dos sinistros que envolvam danos corporais)


1 - Sempre que lhe seja comunicada pelo tomador do seguro, pelo segurado ou pelo terceiro lesado a ocorrência de um sinistro automóvel coberto por um contrato de seguro e que envolva danos corporais, a empresa de seguros deve, relativamente à regularização dos danos corporais:


a) Informar o lesado se entende necessário proceder a exame de avaliação do dano corporal por perito médico designado pela empresa de seguros, num prazo não superior a 20 dias a contar do pedido de indemnização por ele efectuado, ou no prazo de 60 dias a contar da data da comunicação do sinistro, caso o pedido indemnizatório não tenha ainda sido efectuado;


b) Disponibilizar ao lesado o exame de avaliação do dano corporal previsto na alínea anterior no prazo máximo de 10 dias a contar da data da sua recepção, bem como dos relatórios de averiguação indispensáveis à sua compreensão;


c) Comunicar a assunção, ou a não assunção, da responsabilidade no prazo de 45 dias, a contar da data do pedido de indemnização, caso tenha entretanto sido emitido o relatório de alta clínica e o dano seja totalmente quantificável, informando daquele facto o tomador do seguro ou o segurado e o terceiro lesado, por escrito ou por documento electrónico.


2 - Sempre que, no prazo previsto na alínea c) do número anterior, não seja emitido o relatório de alta clínica ou o dano não seja totalmente quantificável:


a) A assunção da responsabilidade aí prevista assume a forma de «proposta provisória», em que nomeia especificamente os montantes relativos a despesas já havidas e ao prejuízo resultante de períodos de incapacidade temporária já decorridos;


b) se a proposta prevista na alínea anterior tiver sido aceite, a empresa de seguros deve efectuar a assunção da responsabilidade consolidada no prazo de 15 dias a contar da data do conhecimento pela empresa de seguros do relatório de alta clínica, ou da data a partir da qual o dano deva considerar-se como totalmente quantificável, se posterior.


3 - À regularização dos danos corporais é aplicável o previsto no artigo anterior no que não se encontre fixado no presente artigo, contando-se os prazos aí previstos a partir da data da apresentação do pedido de indemnização pelo terceiro lesado, sem prejuízo da aplicação da alínea b) do n.º 6 desse artigo ter como limite máximo 90 dias. […]


Artigo 38.º


(Proposta razoável)


1 - A posição prevista na alínea e) do n.º 1 ou no n.º 5 do artigo 36.º consubstancia-se numa proposta razoável de indemnização, no caso de a responsabilidade não ser contestada e de o dano sofrido ser quantificável, no todo ou em parte.


2 - Em caso de incumprimento dos deveres fixados nas disposições identificadas no número anterior, quando revistam a forma dele constante, são devidos juros no dobro da taxa legal prevista na lei aplicável ao caso sobre o montante da indemnização fixado pelo tribunal ou, em alternativa, sobre o montante da indemnização proposto para além do prazo pela empresa de seguros, que seja aceite pelo lesado, e a partir do fim desse prazo.


3 - Se o montante proposto nos termos da proposta razoável for manifestamente insuficiente, são devidos juros no dobro da taxa prevista na lei aplicável ao caso, sobre a diferença entre o montante oferecido e o montante fixado na decisão judicial, contados a partir do dia seguinte ao final dos prazos previstos nas disposições identificadas no n.º 1 até à data da decisão judicial ou até à data estabelecida na decisão judicial.


4 - Para efeitos do disposto no presente artigo, entende-se por proposta razoável aquela que não gere um desequilíbrio significativo em desfavor do lesado.


Artigo 39.º


(Proposta razoável para regularização dos sinistros que envolvam danos corporais)


1 - A posição prevista na alínea c) do n.º 1 ou na alínea b) do n.º 2 do artigo 37.º consubstancia-se numa proposta razoável de indemnização, no caso de a responsabilidade não ser contestada e de o dano sofrido ser quantificável, no todo ou em parte.


2 - Em caso de incumprimento dos deveres fixados nas disposições identificadas no número anterior, quando revistam a forma dele constante, é aplicável o previsto nos n.os 2 e 3 do artigo anterior. […]


*


3.2.3. A sanção correspondente ao pagamento do dobro da taxa de juro legal (taxa dos juros de mora), atualmente prevista no art.38º, n.2 do DL n.291/2007 (de 21.08) foi introduzida pelo DL n.83/2006 (de 03.05), o qual havia transposto parcialmente a Diretiva n.2005/14/CE (de 11.05) do Parlamento Europeu e do Conselho, fixando regras para a regularização extrajudicial dos sinistros automóveis.


Esse diploma aditou o Capítulo II-A ao DL n.522/86 (de 31.12), em cujos artigos 20º-E e 20º-F foram consagradas as soluções que depois passaram, na essência, para os artigos 36º e 38º do DL n.291/2007, em matéria de deveres de diligência e prontidão das empresas de seguros, aí se estabelecendo (no seu artigo 20º-G, n.2) a sanção do pagamento dos juros no dobro da taxa legal.


Estas regras só valiam, porém, para danos materiais, encontrando-se a reparação dos danos corporais expressamente excluída desse sistema extrajudicial, como estabelecia o artigo 20º-B, n.1, alínea a) do DL n.83/2006.


Este diploma foi revogado pelo DL n.291/2007, que transpôs parcialmente a Diretiva 2005/14/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho (de 11.05) e a Diretiva 2000/26/CE, o qual estendeu à reparação dos danos corporais as regras sobre regularização extrajudicial de sinistros automóveis, incluindo a sanção do dobro do juro legal para o incumprimento dessas regras, especificamente previstas nos artigos 37º e 39º desse diploma.


Porém, o legislador não se limitou a estender à reparação do dano corporal as regras que já vigoravam (desde o DL n.83/2006) para a reparação dos danos materiais. Nos artigos 37º e 39º do DL n.291/2009 foram previstas, para a reparação dos danos corporais, regras parcialmente distintas das previstas nos artigos 36º e 38º para a reparação dos danos materiais, o que se compreende dada a necessidade de a seguradora obter informação respeitante à extensão dos danos de modo a poder formular uma proposta razoável ou uma proposta provisória. Respeitando essa informação à pessoa do sinistrado, com a inerente dimensão subjetiva dos danos, terá de existir da parte deste algum comportamento que permita à seguradora ter conhecimento da extensão dos danos sofridos e da sua repercussão na vida do lesado. É o que se conclui quando o art.37º, n.3 fala expressamente na apresentação de um pedido de indemnização pelo lesado.


Por outro lado, o art.37º, n.1, alínea c) estabelece o dever de a seguradora:


«Comunicar a assunção, ou a não assunção, da responsabilidade no prazo de 45 dias, a contar da data do pedido de indemnização, caso tenha, entretanto, sido emitido o relatório de alta clínica e o dano seja totalmente quantificável (…)»


E acrescenta-se na alínea a) do n.2 desse artigo:


«2 - Sempre que, no prazo previsto na alínea c) do número anterior, não seja emitido o relatório de alta clínica ou o dano não seja totalmente quantificável:


a) A assunção da responsabilidade aí prevista assume a forma de «proposta provisória», em que nomeia especificamente os montantes relativos a despesas já havidas e ao prejuízo resultante de períodos de incapacidade temporária já decorridos


A lei não estabelece, assim, um caso de responsabilidade objetiva e automática da seguradora para com o terceiro lesado num acidente automóvel, caso não apresente uma proposta (razoável ou provisória) de indemnização. A conclusão de que a seguradora incumpriu os seus deveres nos prazos legalmente previstos pressupõe a demonstração de que a seguradora tinha acesso à informação necessária para quantificar os danos e, consequentemente, formular uma proposta de indemnização.


Não estando em causa uma hipótese de responsabilidade objetiva (porque nos termos do art.483º, n.2 do CC ela teria de estar especificada na lei), o incumprimento dos deveres previstos no art.37º só levará à penalização do pagamento do dobro da taxa de juro, nos termos da remissão que o artigo 39º, n.2 faz para o artigo 38º, n.2, caso se encontrassem demonstrados os requisitos de responsabilização previstos no artigo 37º, nomeadamente nas alíneas c) do n.1 e a) do n.2.


Segundo a regra geral de repartição do ónus da prova, prevista no art.342º, n.1 do CC, cabia ao autor lesado demonstrar que a seguradora teve acesso à informação necessária para formular uma proposta de indemnização dos danos corporais, nos termos do artigo 37º do DL n.291/2007. Tal não significa que o único meio de prova seja, necessariamente, a apresentação de um requerimento do terceiro lesado dirigido à seguradora. Essa informação poderá constar de um relatório médico que contenha os elementos necessários para a quantificação dos danos e ao qual a seguradora tenha legalmente acesso. Mas tal tem de ser demonstrado pelo terceiro lesado que pretende penalizar a seguradora pelo incumprimento da regularização extrajudicial do sinistro.


A sanção do pagamento do dobro da taxa de juro visa, claramente, penalizar a inércia da seguradora que não pretende solucionar atempadamente o litígio por via extrajudicial e a sua indiferença a que o terceiro lesado tenha de recorrer a tribunal para ver ressarcidos os danos que sofreu.


Ora, no caso concreto não existem elementos para se concluir pela aplicação do dobro da taxa do juro legal.


No caso concreto, a factualidade assente que releva para a solução desta questão encontra-se nos pontos 50 a 53 (dos factos provados), dos quais consta que a seguradora não apresentou uma proposta de indemnização ao lesado, embora tenha assumido a responsabilidade pelo acidente e que tomou conhecimento da consolidação das lesões em 09.11.2015.


Não se demonstrou que o lesado tivesse apresentado um pedido de indemnização, tal como não se sabe se e quando a seguradora teve acesso ao relatório de alta clínica, e também não se sabe em que data os danos seriam totalmente quantificáveis e quando é que a seguradora teria conhecimento deste facto.


Dado que o acidente a que respeitam os presentes autos foi, simultaneamente, um acidente de trabalho, consta dos factos provados n.36, 37, 38 e 47 que o autor e a ré alcançaram um acordo, homologado por sentença (em15.06.2016, já transitado em julgado) nos termos do qual a ré assumiu, no âmbito do processo respeitante ao acidente de trabalho, o pagamento de múltiplas quantias respeitantes a danos sofridos pelo autor. Todavia, nos presentes autos não se encontra demonstrado que, no âmbito desse processo, a seguradora tivesse tido conhecimento (e conhecimento atempado para cumprir os prazos) dos elementos referidos no artigo 37º do DL n.291/2007 para formular a proposta de indemnização do dano corporal em direito civil.


Conclui-se, assim, pela improcedência da pretensão do recorrente.


*


DECISÃO: Pelo exposto, decide-se julgar a revista improcedente, confirmando o acórdão recorrido.


Custas: pelo recorrente (sem prejuízo do apoio judiciário de que possa beneficiar).


Lisboa, 31.01.2024


Maria Olinda Garcia (Relatora)


Ricardo Costa


António Barateiro Martins





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1. Publicado em:

http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/f7e690da9b50d25880257f48005a3d42?OpenDocument↩︎

2. Para uma análise problematizadora deste conceito, veja-se, por exemplo: Maria da Graça Trigo, O conceito de dano biológico como concretização jurisprudencial do princípio da reparação integral dos danos – breve contributo; Revista Julgar, n.º 46, 2022, página 257 e seguintes. Também com interesse para a discussão do conceito, veja-se: Diogo Costa Gonçalves, A (in)utilidade do dano biológico - Comentário ao Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 16.01.2020, Proc. 1184/10.5 TBEPS.G1; Cadernos de Direito Privado, Braga, n.67 (Jul.-Set. 2019), p.58-68.↩︎

3. Este acórdão não se encontra publicado.↩︎

4. Publicado em:

https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/3cb6565642983c2580258330003754da?OpenDocument↩︎

5. Publicado em:

https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/ccfce62e025cea8c80258790005c1715?OpenDocument↩︎