Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3030/18.2T8AVR-A.P1.S2
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: RAIMUNDO QUEIRÓS
Descritores: DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA
LISTA DE CRÉDITOS RECONHECIDOS E NÃO RECONHECIDOS
IMPUGNAÇÃO
CRÉDITO SUBORDINADO
PARENTESCO
CREDOR RECLAMANTE
GERENTE
PRESUNÇÃO JURIS ET DE JURE
INTERPRETAÇÃO DA LEI
INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA
INCONSTITUCIONALIDADE
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DO EXCESSO
REVISTA EXCECIONAL
Data do Acordão: 10/27/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA (COMÉRCIO)
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :

I- A delimitação do conceito de crédito subordinado referente a pessoas singulares especialmente relacionadas com o devedor, que o legislador fixou taxativamente no n.º 1 do artigo 49.º do CIRE, tem subjacente a necessidade de prevenir que determinadas situações de créditos sobre o devedor insolvente sejam utilizadas por forma a prejudicar o ressarcimento dos direitos de crédito dos demais credores.

II- O artº 49.º do CIRE basta-se, apenas e tão só, com a existência de situações de proximidade, em virtude de relações de casamento, parentesco, afinidade e vivência em economia comum com o devedor, para justificar que sejam tidos como especialmente relacionados com o mesmo, para efeitos do disposto na alínea a) do artº 48.º do CIRE.

III- Deste modo, a constatação do vínculo ou situação pessoal constitui presunção inilidível de uma relação especial com o devedor que não pode ser afastada nem está dependente de prova da data de constituição do crédito, ou seja, de um limite temporal de proximidade entre a sua constituição e a data da insolvência.

IV- O conjunto normativo referido, interpretado neste sentido, não viola qualquer norma constitucional, designadamente os princípios da igualdade e da proporcionalidade.

Decisão Texto Integral:

          

          

Processo 3030/18.2T8AVR-A.P1.S2- 6ª Secção
          

I- Relatório

 

Nos autos de insolvência de Suitevouga – Construções, Limitada vieram impugnar a lista dos créditos reconhecidos e não reconhecidos apresentada pelo administrador da insolvência, entre outros, os seguintes credores:

- AA e BB, pugnando pelo reconhecimento de um crédito garantido por hipoteca, no valor de € 97.304,28;

- CC, pugnando pelo reconhecimento de um crédito, no valor de € 13.500,00, a ser reconhecida e graduada em conformidade;

- DD, pugnando pelo reconhecimento de um crédito, no valor de € 95.500,00, a ser reconhecido e graduado em conformidade.

Observado o contraditório foi proferida sentença na qual se reconheceram os créditos reclamados, qualificando-os, no entanto, como subordinados atendendo à especial relação (de parentesco) que liga os credores impugnantes aos gerentes da insolvente, por referência ao disposto nos artigos 48º alínea a), 1ª parte e 49º, alínea b) do CIRE.

Inconformados com o decidido vieram os credores/impugnantes AA e BB; CC; DD, interpor recurso de apelação.

O Tribunal da relação do Porto manteve integralmente a sentença da 1ª instância.

 Inconformados com o acórdão da Relação vieram os Recorrentes interpor recurso de revista excepcional, nos termos do disposto no artigo 672.º, n.º 1, al. c) do CPC.

Na perspectiva dos Recorrentes existe uma manifesta contradição entre o acórdão já transitado em julgado proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, de 06/12/2016, processo n.º 1223/13.8TBPFR-C.P1.S1 (acórdão fundamento), com o acórdão ora recorrido.

Os Recorrentes formularam as seguintes conclusões:

“1ª. A contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento não se prende com a presunção inilidível que a alínea a) do art. 48.º do CIRE estabelece, mas sim com o facto de se dever ou não atender à definição da abrangência ou dos limites de aplicação dessa norma, conjugada com o art. 49.º.

2ª. O acórdão fundamento conclui pela não aplicação da alínea a) do art. 48.º e da alínea b) do nº 1 do art. 49.º quando se mostra que a constituição do crédito está de tal forma afastada no tempo do início do processo de insolvência que, dentro da normalidade das coisas, se trata de dois acontecimentos totalmente independentes, isto é, sem qualquer correlação, afinidade ou implicação entre si.

3ª. Já o acórdão recorrido, escudado naquilo que entende ser os limites da interpretação impostos pelo artigo 9.º do C.C, entende que «se o legislador entendesse que para além da verificação das referidas relações de parentesco referidas no n.º 1 do referido artº 49º do CIRE, haveria cumulativamente de exigir a proximidade da constituição do crédito ou da garantia em relação ao início da insolvência, não deixaria de o ter dito (…)».

4ª. Como vem esclarecido pelo acórdão fundamento, o conjunto normativo formado pelos art.ºs 48º, alínea a), 1ª parte, e 49º, alínea b) do CIRE deve ser interpretado restritivamente, de modo a abranger na sua previsão apenas os casos em que se possa estabelecer lógica e razoavelmente um nexo temporal que coenvolva ou comprometa a razão de ser da norma (a pressuposta superioridade informativa do credor sobre a situação do devedor), com a condição insolvencial do devedor.

5ª. A interpretação literal do quadro legal transcrito feita pelo acórdão recorrido leva-nos a concluir inevitavelmente pela existência de uma presunção inilidível relativamente a TODOS os créditos detidos por alguma das pessoas especialmente relacionadas com o devedor – artigo 49º do CIRE.

6ª. Contrariamente, o acórdão fundamento enveredou por uma interpretação restritiva do conjunto normativo formado pelos artigos 48.º, alínea a), 1ª parte e 49.º, n.º 1, alíneas a) a c), do CIRE, tecida em função do elemento racional e teleológico da interpretação ínsito do ponto 25 do preâmbulo do DL 53/2004, que aprovou o CIRE.

7ª. Retira-se deste ponto 25 que a filosofia subjacente à classificação como subordinados dos créditos detidos por pessoas especialmente relacionadas com o devedor deve-se à situação de superioridade informativa sobre a situação do devedor relativamente aos demais credores, por um lado, e, por outro, ao aproveitamento dessas relações especiais feito pelo próprio devedor para frustrar as finalidades do processo de insolvência.

8ª. A própria lei, no caso previsto na última parte da alínea a) do art. 48º, mostra-se sensível à necessidade de haver limites temporais, opção esta que, mutatis mutandis, bem pode aqui ser usada para reforçar a bondade da ideia de que também em caso como o vertente haverá que atender a algum tipo de limite temporal.

9ª. Por tudo o quanto vem dito, e tendo em vista um eventual recurso para o Tribunal Constitucional, a alínea a), 1ª parte, do artigo 48.º e as alíneas a) a c), do n.º 1 do artigo 49.º do CIRE são inconstitucionais, por violação do princípio constitucional da proporcionalidade em sentido amplo (que decorre do princípio constitucional do Estado de Direito – artigo 2.º da CRP) e do princípio da igualdade (artigo 13.º da CRP), na dimensão da proibição do arbítrio, quando interpretadas no sentido de que na delimitação do conceito de crédito subordinado referente a pessoas singulares especialmente relacionadas com o devedor basta a especial relação resultante da posição familiar, não podendo ser analisado se a constituição do crédito se mostra próxima (de algum modo relacionada) com a declaração da insolvência (créditos criados num período vizinho à abertura da insolvência).

10ª. No que ao princípio da proibição do excesso diz respeito, embora uma perspectiva defensora de que a conceptualização da categoria dos créditos subordinados prevista nos artigos 48.º, alínea a), 1ª parte e 49.º, n.º1, alíneas a) a c), ambos do CIRE, basta-se na relação especial definida pelo legislador, não se encontrando sujeita a qualquer período temporal limitativo, possa ser adequada à prossecução do fim, não é uma medida necessária.

11ª. A medida mais suave é a defendida pelo acórdão fundamento, no sentido da inaplicação dos referidos preceitos quando se mostra que a constituição do crédito está de tal forma afastada no tempo do início do processo de insolvência que, dentro da normalidade das coisas, se trata de dois acontecimentos totalmente independentes, isto é, sem qualquer correlação, afinidade ou implicação entre si.

12ª. Acresce que aqueles preceitos, quando interpretados na perspectiva avançada pelo Tribunal “a quo”, atentam contra o subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito, na medida em que o interesse público em prevenir que determinadas situações de créditos sobre o devedor insolvente sejam utilizadas por forma a prejudicar o ressarcimento dos direitos de crédito dos demais credores, não prevalece sobre o interesse daqueles credores, especialmente relacionados com os gerentes da insolvente, de verem o seu crédito satisfeito já que quando a financiaram esta não se encontrava numa situação de insolvência ou pré-insolvência, e tendo, no caso dos recorrentes AA e BB, uma garantia real constituída.

13ª. Por outro lado, os artigos 48.º, alínea a), 1ª parte e 49.º, n.º1, alíneas a) a c), ambos do CIRE são ainda inconstitucionais quando interpretados na perspectiva do Tribunal “a quo”, por arbitrários, impondo uma tratamento diferenciado entre os Recorrentes e os demais credores, sem um motivo razoável.

14ª. De facto, nos casos em que não se possa estabelecer lógica e razoavelmente um nexo temporal que coenvolva ou comprometa a razão de ser da com a condição insolvencial do devedor, diferenciar os credores apenas pela relação de parentesco que tenham com o devedor, sem atender ao momento da constituição do crédito face ao tempo do início do processo de insolvência, viola o princípio da igualdade (artigo 13.º CRP).

15ª. E isto porque se procede a um tratamento diverso de cidadãos que se encontram em situação idêntica, já que não se pode afirmar que existe uma situação de superioridade informativa sobre a situação do devedor relativamente aos demais credores, quando a constituição do crédito é muito anterior ao início do processo de insolvência.

16ª. O acórdão recorrido limita-se a uma interpretação literal do conjunto normativo composto pelo artº 48º e 49º do CIRE, em violação do disposto no art. 9.º do Código Civil que, para além da letra da lei, manda atender ao pensamento legislativo; à unidade do sistema jurídico; às circunstâncias em que a lei foi elaborada e às condições específicas do tempo em que é aplicada.

17ª. A posição sufragada no Acórdão do STJ de 23.05.2019 e no acórdão recorrido, contrária à do acórdão fundamento, é, essa sim, e num caso como o dos Autos (recorde-se: 6 anos desde a constituição dos créditos até ao início do processo de insolvência) levar ao favorecimento de alguns credores em detrimentos de outros, sem qualquer razão válida”.

Foram os autos remetidos à Formação que considerou existir a alegada contradição entre o acórdão fundamento e o ora recorrido, relativamente à solução jurídica encontrada para a mesma questão fundamental de direito, pelo que admitiu a revista excepcional, com a seguinte fundamentação, por nos sumariada:

(…)

Com efeito, relembra-se que no referido aresto de 6/12/2016 ponderou-se que o citado complexo normativo do CIRE «deve ser interpretado restritivamente, de modo a abranger na sua previsão apenas os casos em que se possa estabelecer lógica e razoavelmente um nexo temporal que coenvolva ou comprometa a razão de ser da norma» e não quando se mostre que, dentro da normalidade das coisas, se trata de dois acontecimentos «sem qualquer correlação, afinidade ou implicação entre si».

Nestes autos, como se viu, a Relação entendeu diferentemente, convocando, aliás, em seu apoio a argumentação aduzida no AUJ de 13/11/2014 (DR I de 22/12/2014) e a fundamentação do acórdão proferido por este Supremo Tribunal em 23/5/2019 [no p. 1517/14.5T8STS-B.P1.S1 e no seio da Secção em que (por diferentes Conselheiros) fora também obtido o acórdão aqui invocado como fundamento], em que se considerou que para a «conceptualização da categoria dos créditos subordinados» basta a relação especial definida pelo legislador, «não se encontrando sujeita a qualquer período temporal limitativo», sendo que «uma interpretação restritiva, de pendor teleológico confinando a finalidade do comando legal à perspectiva da data da constituição do crédito, mostra-se para além do que é possível ser encontrado (objectivamente) no pensamento legislativo expresso no seu texto».

Ou seja, numa apreciação sumária, como a que nos é exigida, e colocando em confronto o acórdão recorrido e o acórdão fundamento, parece-nos que essa contradição existe relativamente à solução jurídica encontrada para a mesma questão de direito fundamental, para situações que, no essencial, também comungam de aspectos de identidade, pelo que, uma vez anotada tal antinomia, está em causa a uniformidade e certeza na aplicação do direito, o que também se visa evitar com o invocado fundamento”.

II- Objecto do recurso:

Atentas as alegações de recurso e os pressupostos da sua admissibilidade determinados pela Formação, importa decidir:

- Se, nos termos do artº 48º, alínea a), primeira parte e artº 49º, ambos do CIRE, a relação especial para qualificar os créditos dos Recorrentes como subordinados, é ou não de aplicação automática, e se, no caso presente deve ser considerada o lapso de tempo decorrido desde a constituição do crédito (e da hipoteca, no caso dos Recorrentes AA e esposa) até à verificação da situação de insolvência.

- Se os referidos dispositivos legais, interpretados no sentido da sua aplicação automática, são inconstitucionais, por violação dos princípios da proporcionalidade e da igualdade.

III- Factualidade provada

Para além da factualidade constante do relatório, mostram-se provados os seguintes factos:

- O Recorrente AA é irmão da esposa do gerente da Devedora, EE;

- A Recorrente DD é filha do gerente da Devedora, EE;

- A Recorrente CC é filha do gerente da Devedora, FF.

IV- Cumpre decidir

No caso dos autos está em causa a apreciação sobre a natureza dos créditos reconhecidos aos ora Recorrentes/credores. Importa determinar se os créditos reclamados por estes credores devem ser classificados como subordinados à luz do disposto nos artigos 48º alínea a), 1ª parte e 49º, alínea b) do CIRE.

Para resolver esta questão, cumpre tomar posição sobre a interpretação do artº 49º do CIRE, e concretamente sobre se, na previsão dos seus nºs 1 e 2, se contém uma presunção inilidível, juris et de jure, de tal modo que verificadas as situações ali referidas as pessoas em causa devem considerar-se como pessoas especialmente relacionadas com o devedor para efeitos da previsão da alínea a) do nº 1 do artº 48º do CIRE, ou se o disposto no referido artº 49º do CIRE deve ser objecto de uma interpretação restritiva, que deixe de fora da sua previsão as situações em que a constituição do crédito está de tal forma afastada no tempo do início do processo de insolvência que, dentro da normalidade das coisas, deva considerar-se tratar-se de acontecimentos totalmente independentes, sem correlação, afinidade ou implicação entre si.

A questão é controvertida e foi já objecto de pelo menos dois acórdãos de sentido oposto proferidas pelo Supremo Tribunal de Justiça - o acórdão do Supremo Tribunal de 23/05/2019, processo nº 1517/14.5T8STS-B.P1.S1 (Graça Amaral), em  cuja jurisprudência se apoia o acórdão recorrido  para sustentar que “a conceptualização da categoria dos créditos subordinados prevista nos artigos 48.º, alínea a), 1ª parte e 49.º, n.º1, alíneas a) a c), ambos do CIRE, basta-se na relação especial definida pelo legislador, não se encontrando sujeita a qualquer período temporal limitativo”, - e o acórdão do Supremo Tribunal Justiça de 06/12/2016, processo nº 1223/13.8TBPFR-C.P1.S1 (José Rainho), acórdão fundamento invocado pelos Recorrentes, no sentido de que “o conjunto normativo formado pelos art.ºs 48º, alínea a), 1ª parte, e 49º, alínea b) do CIRE deve ser interpretado restritivamente, de modo a abranger na sua previsão apenas os casos em que se possa estabelecer logica e razoavelmente um nexo temporal que coenvolva ou comprometa a razão de ser da norma (a pressuposta superioridade informativa do credor sobre a situação do devedor) com a condição insolvencial do devedor”, de tal modo que “não tem aplicação tal conjunto normativo quando se mostra que a constituição do crédito está tão afastada no tempo do início do processo de insolvência que, dentro da normalidade das coisas, se trata de dois acontecimentos totalmente independentes, isto é, sem qualquer correlação, afinidade ou implicação entre si”.

Este último acórdão em que os Recorrentes alicerçam a pretensão recursória enveredou por uma interpretação restritiva do conjunto normativo formado pelos artigos 48.º, alínea a), 1ª parte e 49.º, n.º1, alíneas a) a c), do CIRE, tecida em função do elemento racional e teleológico da interpretação, ínsito do ponto 25 do preâmbulo do DL 53/2004, que aprovou o CIRE, e que, na esteira de Maria do Rosário Epifânio[1] seria que tais pessoas, dada a sua proximidade ao devedor estariam numa “situação de superioridade informativa sobre a situação do devedor relativamente aos demais credores”, pelo que será expectável um aproveitamento dessas relações especiais feito pelo próprio devedor para frustrar as finalidades do processo de insolvência.

A maioria da doutrina sustenta que se trata de uma presunção juris et de jure, inilidível, - Carvalho Fernandes/João Labareda[2], Menezes Leitão[3], Maria do Rosário Epifânio[4] e Catarina Serra[5] -, defendendo tese contrária A. Raposo Subtil/Matos Esteves/Maria Esteves/Luis Esteves.[6]

Vejamos, na nossa perspectiva, a interpretação que resulta do referido conjunto normativo.

Dispõe-se no artº 47º, nº a) do CIRE que:

“Para efeitos deste Código, os créditos sobre a insolvência são:

b) “Subordinados” os créditos enumerados no artigo seguinte, exceto quando beneficiem de privilégios creditórios, gerais ou especiais, ou de hipotecas legais, que não se extingam por efeito da declaração de insolvência;

Por sua vez no artº 48º do mesmo diploma dispõe-se:

Consideram-se subordinados, sendo graduados depois dos restantes créditos sobre a insolvência:

a) Os créditos detidos por pessoas especialmente relacionadas com o devedor, desde que a relação especial existisse já aquando da respetiva aquisição, e por aqueles a quem eles tenham sido transmitidos nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência;

O artº 49º concretiza depois quais são as pessoas que para efeitos do disposto na alínea a) do artº 48º, são havidos como especialmente relacionados com o devedor.

A categoria dos créditos subordinados elencados no citado artigo 48.º, do CIRE teve por objectivo o “combate a uma fonte frequente de frustração das finalidades do processo de insolvência, qual seja a de aproveitamento, por parte do devedor, de relações orgânicas ou de grupo, de parentesco, de especial proximidade, dependências ou outras, para praticar actos prejudiciais aos credores”[7].

Do elenco plasmado no artigo 48.º, do CIRE ressalta que a classificação destes créditos se mostra determinada por razões que a lei optou por penalizar, justificando um tratamento menos favorável, particularmente, na fase de pagamento, que só ocorre após serem totalmente satisfeitas todas as demais categorias precedentes (artigo 177.º, n.º1, do CIRE), ficando, assim, numa posição subalternizada relativamente a todos os restantes créditos.

Está subjacente a esta categoria de créditos, tratada desfavoravelmente pelo legislador, a necessidade de prevenir que determinadas situações de créditos sobre o devedor insolvente sejam utilizadas por forma a prejudicar o ressarcimento dos direitos de crédito dos demais credores.

As situações de créditos sobre o devedor que o legislador entendeu classificar como subordinados reportam-se à qualidade dos titulares que os detêm ou em razão das características objectivas dos próprios créditos.

No que concerne ao caso sub judice, o artigo 48.º, al. a) do CIRE, considera subordinados, em primeiro lugar, os créditos das pessoas especialmente relacionadas com o devedor, desde que essa relação já existisse à data da aquisição do crédito, que, taxativamente, fixa no artigo 49.º, do mesmo código, diferenciando pessoas singulares e pessoas colectivas ou patrimónios autónomos.

Relativamente às pessoas singulares especialmente relacionadas com o devedor a lei dá relevância às relações familiares resultantes do casamento, parentesco e afinidade e às relações que decorrem da vivência em economia comum com o devedor.

Como salientam Luís A. Carvalho Fernandes/João Labareda[8], “é a particular natureza dos vínculos mantidos com o devedor por parte desse núcleo de pessoas que as coloca sob um estatuto singular relativamente à insolvência, fundados, no essencial, na presunção do maior risco que as operações com eles praticadas pelo insolvente envolvem para o conjunto dos credores”.

No caso sub judice, importa apurar se a existência desse vínculo ou situação pessoal, por si só, constitui presunção iuris tantum ou presunção iuris et de iure de uma relação especial com o devedor

É do nosso entendimento a natureza inilidível da presunção estabelecida no artº 49º do CIRE. Pelo que, consequentemente, a verificação de qualquer uma das situações aludidas nas referidas alíneas do artigo 49.º, do CIRE, configura, necessariamente, a existência de uma especial relação com o devedor, que não pode ser afastada com a prova de que a constituição do crédito ocorreu de “tal forma afastada no tempo do início do processo de insolvência que, dentro da normalidade das coisas, se trata de dois acontecimentos totalmente independentes, isto é, sem qualquer correlação, afinidade ou implicação entre si (expressão usada pelo acórdão fundamento).

O aresto fundamento defende a necessidade de se ter em linha de conta o factor tempo (quanto à constituição do crédito) na interpretação/aplicação dos referidos preceitos, por forma a admitir a demonstração de que o crédito é reportado a momento tão distante, hipótese em que não seria exigível ao credor especialmente relacionado com o devedor que representasse a possibilidade de subalternização do seu crédito em caso de uma eventual insolvência do devedor.

Não nos parece que esta linha restritiva seja o entendimento que decorre da lei.

Ao invés, subscrevemos o entendimento plasmado no acórdão deste Supremo Tribunal, proferido nos autos 1517/14 (Relatora Graça Amaral), de cuja fundamentação salientamos:

“O artigo 9.º, do Código Civil, enquanto preceito essencial da hermenêutica jurídica, indica-nos os meios de que o intérprete se pode/deve socorrer para apreender o sentido da norma, consubstanciando a letra da lei (o grau elementar da actividade interpretativa) a base e, também, o marco da actividade interpretativa.

          Sendo pois o elemento literal o primeiro por que se deverá iniciar a procura do sentido da expressão legal terá o mesmo, auxiliado pelos demais elementos (sistemático, lógico e histórico), de ser norteado para o fim que a norma procura alcançar; nessa medida, como ensina Manuel de Andrade a interpretação jurídica é de sua natureza essencialmente teleológica.

        Sendo a conclusão interpretativa resultado da preservação do valor da finalidade da norma, a sua actividade passa necessariamente pela procura da voluntas legis traduzida numa vontade actual da lei, ou seja, na vontade que na lei aparece objectivamente querida pelo legislador (mens legis). Consequentemente, a vontade da lei/legislador nesse sentido objectivado só poderá ser elemento decisivo na interpretação da norma se tiver um mínimo de correspondência no seu texto e no seu espírito.

        Entendem os Recorrentes que, no caso, não pode deixar de ser dada relevância ao distanciamento temporal entre a constituição do crédito e o início do processo de insolvência do devedor por forma a desqualificar o crédito como subordinado, pugnando, assim, no seguimento da posição defendida pelo acórdão deste tribunal de 06-12-2016, pela interpretação restritiva dos artigos 48.º, alínea a) e 49.º, n.º1, alínea b), ambos do CIRE.

        A interpretação restritiva preconizada pelo citado aresto, como já salientado, alicerça-se numa preponderância do elemento teleológico decorrente do que o legislador fez consignar no ponto n.º 25 do preâmbulo do diploma que aprovou o CIRE (DL 53/2004, de 18-03).

        Cremos, porém, que tal posicionamento de pendor teleológico mostra-se para além do que é possível ser encontrado (objectivamente) no pensamento legislativo expresso no texto das citadas normas.

        Conforme bem nota Baptista Machado, é necessário que no texto falhado se colha pelo menos indirectamente uma alusão àquele sentido que o intérprete venha a acolher como resultado da interpretação. E mesmo quando se socorra de elementos externos o sentido só poderá valer se for possível estabelecer alguma relação entre ele e o texto que se pretende interpretar. Assim, a viabilidade de uma interpretação restritiva alicerçada na finalidade da norma (traduzindo a vontade real do legislador) dependerá, necessariamente, de tal desígnio resultar minimamente do texto legal, situação que, a nosso ver, não ocorre no caso.

       Na verdade, a lei mostra-se clara ao consignar que a simples constatação do vínculo familiar faz operar a qualificação de pessoa especialmente relacionada com o devedor, não podendo ser afastada com a demonstração da irrelevância (ou até do benefício) do vínculo (presunção inilidível). Assentou pois a lei em certas razões objectivas que entendeu que deveriam ser individualizadas e, nessa medida, indicou-as criteriosamente no artigo 49.º.

Por outro lado, nos casos em que a lei entendeu dar relevância ao aspecto temporal na relação com o devedor insolvente para efeitos de qualificação de pessoas especialmente relacionadas com este, expressamente o indicou (alínea d) do n.º1, no caso do devedor/pessoa singular; alíneas a) a d) do n.º2, relativamente ao devedor/pessoa colectiva).

        Acresce que as justificações/explicações que o legislador apontou para a classificação destes créditos como subordinados - situação de superioridade informativa sobre a situação do devedor, relativamente aos demais credores (…) combate a uma fonte frequente de frustração das finalidades do processo de insolvência, qual seja a de aproveitamento, por parte do devedor, de relações orgânicas ou de grupo, de parentesco, especial proximidade, dependência ou outras, para praticar actos prejudicais aos credores - redundam, no caso do devedor/pessoa singular, não propriamente no conhecimento mais provável que têm quanto à situação de insolvência daquele (em termos de poderem ter financiado o devedor de forma mais criteriosa ou exercido sobre ele efectiva influência), mas sim, sobretudo, na posição que as mesmas se encontram para poderem actuar de forma prejudicial relativamente aos restantes credores da insolvência, representando, assim, sempre, uma situação de risco na satisfação destes créditos.

Por conseguinte, o regime particular que o legislador quis submeter relativamente a estes créditos tem subjacente um pressuposto: a utilização (em desfavor dos restantes credores e das finalidades do processo de insolvência) que poderia ser feita pelo devedor insolvente dessa relação especial e que, consideramos, não carece de estar dependente da data de constituição do crédito (ser criado num período vizinho ao da abertura da insolvência por forma a evidenciar estar em causa um acontecimento com afinidade ou implicação com o processo de insolvência).

Assim, a conceptualização da categoria dos créditos subordinados prevista nos artigos 48.º, alínea a), 1ª parte e 49.º, n.º1, alíneas a) a c), ambos do CIRE, basta-se na relação especial definida pelo legislador, não se encontrando sujeita a qualquer período temporal limitativo.

Entendemos, por isso, que o equívoco de uma interpretação restritiva assente no elemento teleológico (para além de não comportar um mínimo de correspondência no seu texto) é o de confinar a finalidade do comando legal à perspectiva da data da constituição do crédito (relativamente ao início da situação insolvencial do devedor) sendo que, cremos, a ênfase da lógica da lei situa-se, sobretudo, na prossecução da finalidade do processo de insolvência (a satisfação dos credores) em todas as suas várias fases, particularmente, na de pagamento; daí que, nesta óptica, se mostre irrelevante na caracterização da especial relação com o devedor/singular uma apreciação do nexo temporal entre a constituição do crédito e uma futura condição insolvencial.

Cumpre ainda realçar que a interpretação das referidas normas no sentido que defendemos (sem levar em conta o nexo temporal entre a constituição do crédito e o início da insolvência) não redunda na ilogicidade das mesmas nem em desajustada desprotecção dos interesses dos titulares dos referidos créditos (subalternizados pelo CIRE) tendo em conta o próprio fundamento específico do regime geral da prescrição dos direitos de crédito, reforçando, por isso, a ideia da irrelevância do factor tempo na constituição do crédito para a qualificação em causa”.

Como adequadamente se salienta na fundamentação deste aresto, a questão está na interpretação do referido artº 49º do CIRE.

E nesta matéria o artº 9º do C. Civil aponta a letra da lei como ponto de partida e limite para a interpretação a fazer. A interpretação, não tendo necessariamente que se cingir à letra da lei – nº 1 do artº 9º - também não pode valer com um sentido que não tenha nesta um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso – nº 2 – assumindo sempre que o legislador soube exprimir o seu pensamento da forma mais adequada – nº 3 do mesmo preceito.

Sendo a letra da lei ponto de partida para a procura do sentido da expressão legal, o mesmo deverá ser coadjuvado pelos demais elementos (sistemático, lógico e histórico) em que se incluem de facto a ratio legis, a finalidade que se visava prosseguir com a lei, pelo que essa busca da conclusão interpretativa passa necessariamente pela volunta legis, ou seja pela interpretação objectivamente querida pelo legislador (mens legis). Não se ignorando, porém, que não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.     

No caso presente, a letra da lei, enquanto objetivação da voluntas legis, é clara no sentido de que o referido artº 49º do CIRE basta-se, apenas e tão só, com a existência de situações de proximidade, em virtude de relações de casamento, parentesco, afinidade e vivência em economia comum com o devedor, para justificar que sejam tidos como especialmente relacionados com o mesmo, para efeitos do disposto na alínea a) do artº 48º do CIRE.

Se o legislador entendesse que para além da verificação das referidas relações de proximidade referidas no artº 49º do CIRE, haveria cumulativamente de exigir a proximidade da constituição do crédito ou da garantia em relação ao início da insolvência, não deixaria de o ter referido, como de resto o faz na alínea a) do nº 1 e nas alíneas a), b) e c) do nº 2, e como o faz também no artº 120º do CIRE quando, a propósito da resolução dos actos prejudiciais à massa, à natureza do acto em si, faz acrescer a proximidade do início do processo da insolvência.

O legislador não só não optou por essa limitação como ainda no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março, que aprova o CIRE - ponto 25 - fez constar que as …‘pessoas especialmente relacionadas com o devedor’ (seja ele pessoa singular ou coletiva, ou património autónomo), … são criteriosamente indicadas no artigo 49.º do diploma”.

Neste contexto, a referida interpretação restritiva, para além de não ter a correspondência na letra da lei exigida pelo disposto no nº 2 do artº 9º do C. Civil, contraria o rigor (criteriosamente) com que o legislador assumidamente pretendeu exprimir-se quando dispõe sobre as pessoas especialmente relacionadas com o devedor enquanto critério para qualificar os créditos como subordinados.

Acresce que as razões que o legislador apontou para a classificação dos créditos destas pessoas como subordinados – “situação de superioridade informativa sobre a situação do devedor, relativamente aos demais credores (…) combate a uma fonte frequente de frustração das finalidades do processo de insolvência, qual seja a de aproveitamento, por parte do devedor, de relações orgânicas ou de grupo, de parentesco, especial proximidade, dependência ou outras, para praticar actos prejudicais aos credores” – relevam, não propriamente no conhecimento mais provável que têm quanto à situação de insolvência, mas, sobretudo, na posição que as mesmas se encontram para poderem actuar de forma prejudicial relativamente aos restantes credores da insolvência, representando, assim, sempre, uma situação de risco na satisfação destes créditos. É a natureza dos vínculos mantidos com o devedor por parte desse núcleo de pessoas que as coloca numa posição particular relativamente à insolvência, materializados na presunção do maior risco que, as operações por eles realizadas com  insolvente, envolvem para o conjunto dos restantes credores.

Deste modo, o regime particular que o legislador quis submeter relativamente a estes créditos tem subjacente um pressuposto: a utilização (em desfavor dos restantes credores e das finalidades do processo de insolvência) que poderia ser feita pelo devedor insolvente dessa relação especial e que, consideramos, não carece de estar dependente da data de constituição do crédito, ou seja, de um limite temporal de proximidade entre a sua constituição e a data da insolvência.

Aliás, a defesa de uma interpretação da proximidade temporal para a caracterização do conceito de pessoas especialmente relacionadas com o devedor e, consequente classificação dos créditos como subordinados (sem a fixação de um prazo determinado) conduzirá a situações de incerteza e insegurança, prejudiciais ao direito e às pessoas.

Assim, em nosso entender, a lei é clara ao consignar que a simples constatação do vínculo familiar e da vivência em economia comum faz operar a qualificação de pessoa especialmente relacionada com o devedor, para efeitos de classificação dos créditos destas pessoas como subordinados, nos termos do artº 48, al. a) do CIRE, independentemente da data da constituição do respectivo crédito.

Neste contexto a provada relação de parentesco entre os credores agora recorrentes e os gerentes da sociedade devedora é suficiente para qualificar os seu créditos como subordinados, não merecendo, por isso, reparo o acórdão recorrido.

Os Recorrentes alegam ainda que a alínea a), 1ª parte, do artigo 48.º e as alíneas a) a c), do n.º 1 do artigo 49.º do CIRE são inconstitucionais, por violação do princípio constitucional da proporcionalidade em sentido amplo (que decorre do princípio constitucional do Estado de Direito – artigo 2.º da CRP) e do princípio da igualdade (artigo 13.º da CRP), na dimensão da proibição do arbítrio, quando interpretadas no sentido de que na delimitação do conceito de crédito subordinado referente a pessoas singulares especialmente relacionadas com o devedor basta a especial relação resultante da posição familiar, não podendo ser analisado se a constituição do crédito se mostra próxima (de algum modo relacionada) com a declaração da insolvência (créditos criados num período vizinho à abertura da insolvência).

Vejamos:

No que concerne à alegada violação do princípio da igualdade, nos termos do art.13º da CRP com a epígrafe de “princípio da igualdade”, decorre que todos “… os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei …” (n.° 1) e ninguém “… pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual…” (n.° 2). 

Como refere Marcelo Rebelo de Sousa[9] “…o princípio da igualdade postula assim que se determine, à luz da Constituição e da lei, se certas situações devem ser substancialmente consideradas idênticas e que se assegure igual tratamento se aquela determinação conduzir conclusão da existência similitude substancial. Ou seja, a igualdade entre situações é uma igualdade não fáctica, mas de qualificação jurídica; não tem de ser avaliada quanto à aparência ou à exteriorização dessas situações, mas quanto à sua substância; e a ponderação substancial deve ser efectuada em função dos valores constitucionais e legais

Uma vez apurada a identidade substancial entre situações, o princípio da igualdade implica, por um lado, que não se trate desigualmente o que é igual (sentido negativo) e que se trate de forma igual o que o é (sentido positivo). (…)

Na sua dimensão material ou substancial o princípio constitucional da igualdade vincula em primeira linha o legislador ordinário. Contudo, tal princípio não impede o órgão legislativo de definir as circunstâncias e os factores tidos como relevantes e justificadores de uma desigualdade de regime jurídico num caso concreto, dentro da sua liberdade de conformação legislativa. Nessa medida, o princípio constitucional da igualdade não pode ser entendido ou considerado de forma absoluta, em termos tais que impeça o legislador de estabelecer uma disciplina diferente quando diversas forem as situações que as disposições normativas visam regular. Daí que o princípio da igualdade, enquanto entendido e considerado como limite objectivo da discricionariedade legislativa, não veda à lei a realização de distinções, proíbe-lhe, ao invés, a adopção de medidas que estabeleçam distinções discriminatórias ou desigualdades de tratamento materialmente infundadas, sem qualquer fundamento razoável ou em qualquer justificação objectiva e racional. O princípio da igualdade traduz, no fundo, a ideia geral de proibição do arbítrio. Este princípio não proíbe, pois, que a lei estabeleça distinções. Proíbe, isso sim, o arbítrio; ou seja: proíbe as diferenciações de tratamento sem fundamento material bastante, que o mesmo é dizer sem qualquer justificação razoável, segundo critérios de valor objectivo, constitucionalmente relevantes. Proíbe também que se tratem por igual situações essencialmente desiguais. E proíbe ainda a discriminação; ou seja: as diferenciações de tratamento fundadas em categorias meramente subjectivas, como são as indicadas, exemplificativamente, no n.° 2 do art. 13.°. (..)”.

Ora, na situação em análise, compreende-se que o legislador tenha consagrado que os créditos que venham a ser reclamados nos autos de insolvência tenham um tratamento diferente designadamente quanto à sua classificação, graduação e modo de pagamento, atenta a sua natureza. E concretamente não se vislumbra o arbítrio quando o legislador estabelece no conjunto normativo da alínea a), 1ª parte, do artigo 48.º e das alíneas a) a c), do n.º 1 do artigo 49.º do CIRE, que, na delimitação do conceito de crédito subordinado referente a pessoas singulares especialmente relacionadas com o devedor, basta a especial relação resultante da posição familiar. As razões justificativas desta opção legislativa constam expressamente do Preambulo do Decreto-Lei que aprovou o CIRE (ponto 25), mostrando-se justas e razoáveis, com fundamento material bastante, segundo critérios de valor objectivo e conformes à Constituição.

No que se refere à alegada violação do princípio da proporcionalidade, ou proibição do excesso, a medida legislativa adoptada está devidamente fundamentada e justificada pelas razões já referidas, não se mostrando excessiva ou desproporcionada tendo em vista os fins pretendidos.

Assim, improcede a alegada violação dos princípios constitucionais referidos.

V- Decisão.

Pelo exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso, mantendo integralmente o acórdão recorrido.

Custas pelos Recorrentes

Lisboa, 27 de Outubro de 2020.

Raimundo Queirós (Relator)

Ricardo Costa

Ana Paula Boularot

Sumário (art. 663º, nº 7, do CPC).

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[1] Manual de Direito da Insolvência, 6ª ed., p. 245.

[2] Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, Anotado, 3ª ed., p. 298

[3] Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, Anotado, 3ª ed., p. 96.

[4] Ob., cit., p. 245

[5] Lições de Direito de Insolvência, 2018, p. 73-74.

[6] Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, p. 138

[7] Como decorre do nº 25 do Preâmbulo do CIRE

[8] Ob., cit., p. 301.

[9] Lições de Direito Administrativo, lisboa, 1994, p. 147 a 149.