Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
366/21.9YLPRT.L3.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO BARATEIRO MARTINS
Descritores: PROCEDIMENTO ESPECIAL DE DESPEJO
RECONVENÇÃO
ADMISSIBILIDADE
NULIDADE DO CONTRATO
CONHECIMENTO OFICIOSO
IGUALDADE DAS PARTES
PRINCÍPIO DA ECONOMIA E CELERIDADE PROCESSUAIS
DIREITO DE DEFESA
DEVER DE GESTÃO PROCESSUAL
ADEQUAÇÃO FORMAL
Data do Acordão: 03/06/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: RECURSO PARCIALMENTE PROCEDENTE.
Sumário :

I – As caraterísticas de celeridade e simplificação do PED não podem sobrepor-se e bloquear o exercício dos direitos de defesa do requerido e esquecer os princípios da “igualdade de armas” e da economia processual; e, por conseguinte, pese embora o disposto no art. 266.º/3 do CPC, a reconvenção deve, em princípio (e estando-se, claro está, perante algum dos casos previstos no art. 266.º/2 do CPC), ser admitida no PED, até porque, para “responder” ao obstáculo do art 37.º/2 do CPC (ex vi art. 266.º/3), dispõe o juiz dos poderes que decorrem quer do princípio da gestão processual (consagrado no art. 6.º do CPC) quer do princípio da adequação formal (constante do art. 547.º do CPC), que lhe permitem adaptar a tramitação abstratamente prevista na lei às especificidades da causa, tendo em vista atingir e assegurar um processo equitativo.


II – Configurando os contrafactos defensivos invocados pelo requerido nulidades substantivas – em que o juiz, mesmo sem pedido, tem o poder-dever de declarar ex officio as nulidades (e as suas consequências restitutórias), não se podendo limitar a julgar, a partir de tais contrafactos defensivos (e provando-se estes), a ação improcedente – a reconvenção deduzida a partir de tais contrafactos defensivos não constitui sequer um alargamento do objeto do processo, pelo que, sendo assim, nenhum obstáculo pode ser colocado à admissão duma reconvenção assim deduzida.

Decisão Texto Integral:







Processo N.º 366/21.9YLPRT.L3


6.ª Secção


ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


I – Relatório


GENEROUS TRADITION, LDA apresentou, em 22/03/2021, no Balcão Nacional do Arrendamento, procedimento especial de despejo (doravante, PED) contra AA e BB, pedindo a desocupação do locado e o pagamento das rendas em atraso, encargos ou despesas, alegando que celebrou com os requeridos contrato de arrendamento (com opção de compra) para habitação em 17/07/2019 (com início a 01/08/2019 e termo a 31/07/2021), contrato que a requerente resolveu nos termos do art. 1083.º/3 do C. Civil, encontrando-se por pagar as rendas de Agosto a Dezembro de 2020 e de Janeiro a Março de 2021 (no valor total de € 25.600).


O Requerido marido apresentou Oposição com Reconvenção, alegando, em síntese, que o imóvel/locado sempre lhe pertenceu e não à requerente, que apenas formalmente é senhoria, alegando/explicando que, em meados de 2019, necessitando de contrair um financiamento de € 200.000,00, a requerente disponibilizou-se a emprestar-lhe tal montante, tendo solicitado, como garantia adicional, “um contrato tipo leaseback”, em que simularam a compra e venda (do requerido à requerente) e o arrendamento com opção de compra, sendo que “nunca foi vontade das partes celebrarem tais contratos de compra e venda e arrendamento, mas tão somente celebrar um contrato de mútuo”.


Oposição que terminou a pedir que seja:


“(…)


a)- Rejeitado o requerimento de despejo, por simulação absoluta do contrato de arrendamento que serve a causa de pedir; e, ao invés,


b)- Julgada procedente, por provada, a reconvenção, declarado nulo o contrato de compra e venda, condenando-se as partes a restituírem em simultâneo o que receberam por conta da execução do mesmo, nomeadamente o requerido no pagamento da quantia de € 161.600 e a requerente condenada a restituir a propriedade para o requerido;


c)- Quando assim se não entenda, rectius, se decida aproveitar o negócio então deve o requerente ser condenado a indemnizar o requerido pelo valor de € 200.000, referente à diferença entre o valor mutuado e o valor real da fracção.


d)- Subsidiariamente se não se admitir a reconvenção, então deve ser tratada a matéria como defesa por exceção, por se tratar de alegação de factos extintivos do direito invocado pela requerente e, consequentemente, julgado improcedente, por não provado, o pedido formulado pela requerente, dele se absolvendo o Requerido. (…)”


Foi então, face à oposição apresentada, o PED apresentado à distribuição e distribuído ao Juízo Local Cível de Cascais.


Vindo a requerente apresentar resposta, impugnando, no que aqui interessa, os factos alegados pelo requerido e defendendo que não deve ser admitida a Reconvenção.


Resolvidas, após dois recursos de apelação, as questões respeitantes ao pagamento da taxa de justiça e ao pagamento da caução (prevista no art. 15.º-F/3 do NRAU) pelo requerido foi, a 27 de Abril de 2023, proferido o seguinte


Despacho:


“ (…) estamos no âmbito do processo especial de despejo, que admite apenas dois articulados, é uma forma de processo é caracterizada pela sua extrema simplicidade, não admitindo, à partida, reconvenção, nem audiência preliminar, nem notificação para apresentação de prova, nem elaboração de despacho saneador pelo que, confrontando a estrutura própria do pedido reconvencional com esta forma de processo não podemos deixar de concluir que, por norma, não é de admitir a reconvenção, sob pena de total desvirtuamento da natureza e finalidade do processo em causa, e de se converter o processo num verdadeiro processo comum, o que não é admissível.


Pese embora haver jurisprudência, que se está a tornar maioritária, que admite o pedido reconvencional, mas apenas no caso do pedido de benfeitorias e despesas relativas à coisa (nomeadamente Acs. RL de 06.03.2014, relatado pela Sra. Desembargadora Ondina Alves; de 27.04.2017, relatado pelo Sr. Desembargador Pedro Martins; de 05.04.2022, relatado pela Sra. Desembargadora Micaela Sousa e Ac. RP, relatado pelo Sr. Desembargador Rodrigues Pires), o certo é que a complexidade do pedido reconvencional formulado nestes autos não é compatível com a natureza do processo em causa, termos em que não pode ser admitido o pedido reconvencional.


Assim sendo, indefiro o pedido reconvencional formulado pelos requeridos. (…)”


Inconformado com tal despacho, veio o requerido dele interpor recurso de apelação, que foi admitido, tendo a Relação de Lisboa, por Acórdão de 10/10/2023, julgado improcedente tal apelação e confirmado a decisão recorrida.


Ainda inconformado, interpõe agora o requerido o presente recurso de revista – como “revista excecional”, a qual foi admitida pela “Formação”, por Acórdão de 10/01/2024 – visando a revogação do Acórdão da Relação e a sua substituição por decisão que admita a reconvenção.


Terminou a sua alegação, no que aqui interessa, com as seguintes conclusões:


“ (…)


v) Posto isto, e entrando na questão de fundo, s. d. r., não vemos que o julgamento dos factos alegados na defesa e a própria sentença sejam mais céleres só porque não serão subsumidos como matéria de reconvenção, mas como matéria de exceção.


w) Ou seja, e dito de outra forma, o tempo que se despende a produzir a prova e a redigir a sentença, é exatamente o mesmo seja ela para sustentar a reconvenção ou a exceção.


x) Por outro lado, não assiste razão ao acórdão recorrido, quando decide que o pedido reconvencional não se funda na mesma causa de pedir. Posto que,


y) Ao invés, o pedido do autor, emerge do mesmo facto jurídico em que se baseia a reconvenção (Art.266.º/2 al. a) do CPC), posto que se vislumbra, sem necessidade, aliás, de grandes indagações, que as partes não quiseram celebrar um contrato de arrendamento, mas, através dele, ocultar o contrato usurário de empréstimo de dinheiro, posto que,


z) em concomitância com o contrato de arrendamento, foi celebrado um contrato de compra e venda da habitação, constando no contrato de arrendamento uma promessa de venda unilateral do novo proprietário/senhorio.


aa) Não se podendo sequer falar em união de contratos, dado que o contrato é um só – o de empréstimos caucionados com a propriedade e remunerado com as rendas – e é por demais óbvio que inexiste qualquer obstáculo à admissibilidade da reconvenção, cujo julgamento – insista-se em nada se distingue do julgamento de uma reconvenção por benfeitorias.


bb) É inconstitucional, por violar o artigo 20.º n.º 1 e 4 da Constituição a norma extraída do artigo 15.º-F, n.º 1 da Lei 6/2006 de 27.02, conjugada com o artigo 266.º/3 do CPC, na interpretação de que no Procedimento Especial de Despejo, o requerido, na oposição, não pode deduzir reconvenção, pedindo a declaração de nulidade do contrato de arrendamento, por simulação, com o consequente pedido de condenação das partes a restituírem reciprocamente o que houverem recebido.


cc) Por todo o exposto a decisão recorrida violou os artigos 2.º e 266.º/2 al. a) do CPC e artigo 15.º-F da Lei 79/2014 de 19.12, devendo estas normas serem interpretadas e aplicadas no sentido de que no procedimento especial de despejo é admissível a reconvenção em que a causa de pedir é a nulidade do contrato de arrendamento, por simulação e o pedido consiste na condenação das partes a restituírem em simultâneo tudo que o que houverem de entregar por força da nulidade do referido contrato.


“(…)”


A requerente respondeu, sustentando que o Acórdão recorrido não violou qualquer norma processual, designadamente, as referidas pelo requerente, pelo que deve ser mantido nos seus precisos termos.


Terminou, no que aqui interessa, a sua alegação com as seguintes conclusões:


“(…)


J. De acordo com o acórdão recorrido que agora está a ser posto em crise, a admissão da reconvenção no PED só será possível no caso em que “há pedido de rendas e de dedução pelo Réu-Requerido do pedido de benfeitorias.”


K. Mas a situação, o objeto, dos presentes autos não é essa, e é patente que as situações em causa nos diversos acórdãos mencionados não apresentam qualquer semelhança com o caso em concreto.


L. Como bem explica o acórdão recorrido o Réu/Recorrente “não pretende exercer a compensação de um crédito seu por benfeitorias junto daquela (senhoria) – que teria encaixe perfeito na alínea b) do artigo 266.º - mas sim algo distinto, bem mais amplo e extravasador:


- a nulidade – por simulação absoluta – do contrato de arrendamento que serve a causa de pedir.


- o pedido de declaração de nulidade do contrato de compra e venda (em que a A. adquiriu a propriedade do imóvel arrendado) condenando-se as partes a restituírem em simultâneo o que receberam por conta da execução do mesmo (O réu/requerido a quantia de €161.600,00 à A./Requerente e a Requerente a propriedade para o requerido).


- o pedido de – sendo aproveitado o negócio – a Requerente ser condenada a indemnizar o Requerido pelo valor de €200.000,00 (correspondente ao que entende ser a diferença entre o valor mutuado e o valor real da fração).”


M. “Temos por evidente a total inadmissibilidade da Reconvenção e a sua inaproveitabilidade no Procedimento Especial de Despejo”. – Cfr. Acórdão recorrido.


N. A realidade dos presentes autos nunca pode ser “encaixada” no artigo 672.º do CPC, porque os factos falam por si e não são subsumíveis ao supra referido artigo.


O. Sendo assim, é de rejeitar liminarmente o recurso de revista excecional interposto pelo Recorrente, em virtude de não ter concretizado, relativamente à alínea a) do n.º 1 do artigo 672.º do Código do Processo Civil, quaisquer razões que permitam a caracterização da questão suscitada como uma questão que, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.


P. Da mesma forma, é, igualmente, de rejeitar liminarmente o recurso de revista excecional interposto pelo Recorrente, em virtude de não existir interesses de particular relevância social, para efeitos do disposto na al. b) do n.º 1 do artigo 672.º, do CPC.


Q. O objeto dos presentes autos não causa um particular alarme social ou falta de confiança na justiça.


R. A fundamentação do Recorrente prende-se com o acesso à tutela jurisdicional, remetendo para a nossa Constituição da República Portuguesa, no entanto, não se consegue descortinar o alcance desta alegação, por ser ininteligível, pois não lhe foi coartado nenhum direito.


S. Prova patente que esse princípio não foi violado reside na própria circunstância de estarmos a dirimir esta questão em tribunal, não tendo sido negado ao Recorrente o acesso aos tribunais.


T. A ser verdade tudo o que é dito pelo Recorrente, e atento o facto da escritura de compra e venda ter sido outorgada no dia 17.07.2019, então este deveria já ter intentado a competente ação de declaração de nulidade do referido negócio.


U. Mas não o fez, e só está agora a fazê-lo por via de um pedido reconvencional, em 2023, convenientemente, porque a ora Recorrida instaurou o procedimento de despejo por falta de pagamento de rendas.


V. Pelo que, o que está aqui em causa não é a tranquilidade, a segurança ou a paz social, o recorrente deduz estes argumentos para colmatar a sua falha de não ter intentado a ação competente.


W. Pelo que, o Recurso intentado para esse alto Tribunal não deverá ser admitido por não se encontrarem preenchidos os requisitos para a sua admissibilidade.


X. No Procedimento Especial de Despejo não é, em regra, admissível a dedução de pedido reconvencional pelo arrendatário, o entendimento jurisprudencial relativamente à reconvenção no procedimento especial de despejo demonstra que esta só é admissível se se verificarem algumas destas situações: i) quando o Réu se propõe tornar efetivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida; ii) quando o Réu pretende o reconhecimento de um crédito. Neste sentido Ac. TRP, de 13.07.2022,


Y. Ora, o Recorrente fundamenta o seu pedido reconvencional na alegada simulação do contrato de compra e venda e consequentemente no contrato de arrendamento, no caso dos autos, o Réu/Recorrente não tem qualquer direito de crédito, porquanto este direito de crédito pressupõe uma relação obrigacional que tem de decorrer do contrato de arrendamento e de nenhum outro contrato autónomo a este.


Z. Não tendo o Recorrente invocado qualquer incumprimento contratual pela Ré, não existe um crédito e por isso não pode haver qualquer compensação ou pagamento. Pelo que não é procedente a admissibilidade da Reconvenção.


AA. Por outra via (alínea a) do n.º 2 do artigo 266.º do CPC), no caso dos autos, o pedido reconvencional não emerge do facto jurídico que serve de fundamento ao despejo, pois a Recorrida funda o direito que invoca no contrato de arrendamento e o Réu/Recorrente funda a sua causa de pedir no contrato de compra e venda.


BB. Nem se encontra preenchido o disposto na alínea d) do nº2 do artigo 266º do CPC, porquanto só se encontra a admissibilidade da reconvenção nas situações em que o pedido do réu tende a conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter, o que não acontece neste caso concreto, uma vez que, o que o Recorrente pretende são nulidades dos negócios jurídicos e a Recorrida pretende o despejo.


CC. Mas mesmo que assim não se entenda a verdade é que a reconvenção também não seria admissível atento o disposto no artigo 266.º n.º 3 do CPC, “já que ao pedido reconvencional corresponderá a forma de processo comum declarativo, manifestamente incompatível com o processo especial duma ação no âmbito do Procedimento Especial de Despejo, em particular face à urgência que os atos a praticar pelo juiz aqui assumem (art.º 15.º -S, n.º 8), ao oferecimento de provas na audiência (art.º 15.º - I n.º6) e à inexistência de audiência prévia.” Laurinda Gemas in “Algumas questões controversas no novo


DD. A ação de despejo segue uma forma de processo especial, (descrita nos artigos 15º a 15º-T do NRAU), diferente da forma de processo decorrente da pretensão do Réu (impugnação da validade da compra e venda) que segue a tramitação comum, prescrita nos artigos 552º e ss do CPC.


EE. O Procedimento Especial de Despejo mostra-se orientado para a procura de uma resposta célere para os conflitos relativos a arrendamento e despejo, e não à apreciação de nulidades de contratos de compra e venda.


FF. Também por estas ordens de razões o pedido reconvencional não é admissível e, portanto, o Tribunal a quo, andou bem quando o não admitiu.


GG. O Recorrente alega, que “É inconstitucional, por violar o artigo 20.º, n.º 1 e 4 da Constituição a norma extraída do artigo 15.º-F, n.º 1 da Lei 6/2006, de 27.02, conjugada com o artigo 266.º/3 do CPC.”


HH. O preceituado no artigo 20.º da CRP refere-se ao acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva, o Recorrente, no entanto, não fundamenta o alcance da alegação de que aquele normativo constitucional foi violado, essa alegação até é ininteligível, pois não lhe foi coartado nenhum direito ao Recorrente.


II. A ser verdade tudo o que é dito pelo Recorrente, e atento o facto da escritura de compra e venda ter sido outorgada no dia 17.07.2019, então este deveria já ter intentado a competente ação de declaração de nulidade do referido negócio, meio adequado ao exercício do seu alegado direito, mas não o fez.


JJ. E só agora por via de um pedido reconvencional, em 2023, fala de simulação, entende a Recorrida que convenientemente, porque a ora Recorrida instaurou o procedimento de despejo por falta de pagamento de rendas.


KK. Alega ainda o Recorrente que “É inconstitucional, por violar o artigo 20.º, n.º 1 e 4 da Constituição a norma extraída do artigo 15.º-F, n.º 1 da Lei 6/2006, de 27.02, conjugada com o artigo 266.º/3 do CPC, na interpretação de que no Procedimento Especial de Despejo, o requerido, na oposição, não pode deduzir reconvenção, pedindo a declaração de nulidade do contrato de arrendamento, por simulação, com o consequente pedido de condenação das partes a restituírem reciprocamente o que houverem recebido. Também aqui é ininteligível a argumentação do Recorrente, porque, simplesmente, não fundamenta esta afirmação.


LL. Pelo exposto, o despacho proferido pelo tribunal a quo não violou nenhum preceito constitucional, pelo que também não colhe essa argumentação do Recorrente.


MM. Quanto à alegada Simulação, pese embora seja irrelevante para o presente recurso tratar deste ponto, dizer apenas que não tem o Recorrente razão.


NN. O Recorrente não alega quaisquer factos que provem que houve qualquer intenção de emitir uma declaração falsa, que não correspondia à sua vontade real, diferente da que realmente fizeram, com o objetivo de enganar alguém, com a compra e venda do imóvel.


OO. O Recorrente não demonstra que existiram terceiros enganados ou prejudicados com a compra e venda e com o arrendamento objeto dos autos.


PP. O Recorrente, desde a celebração do contrato de arrendamento teve à sua disposição instrumentos jurídicos para arguir essa alegada simulação e obter ou não a nulidade do negócio, mas este nunca o fez até à oposição do âmbito do presente PED.


QQ. A verdade é que o Recorrente continua a ocupar o imóvel quando deixou de liquidar as rendas em agosto de 2020 até à presente data, com grave prejuízo para a Recorrida.


(…)”


Obtidos os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.


*


II-Fundamentação


II – A – Os Elementos factuais relevantes são os que emergem do relatório que antecede.


II B – de Direito


O Acórdão recorrido confirmou a decisão da 1.ª Instância que não admitiu o pedido reconvencional, sendo pois a solução dada a tal questão – respeitante à admissibilidade ou não da reconvenção – que suscita a presente revista e que preenche todo o seu objeto.


E a questão coloca-se por estarmos num procedimento que foi concebido para ser célere e simplificado, sucedendo que, quando assim é, quando se pretende urgência, celeridade e simplificação, há invariavelmente pontos de fricção com o exercício dos direitos de defesa, como é, no caso, o direito dum R/requerido poder ou não deduzir um pedido reconvencional.


Como é sabido, o Procedimento Especial de Despejo (PED), introduzido pelas alterações ao NRAU pela Lei 31/2012, de 14 de Agosto, faz parte de medidas que foram anunciadas como destinadas à dinamização do mercado de arrendamento urbano e teve em vista dotar o senhorio dum mecanismo que lhe permitisse reagir de forma célere e eficaz ao incumprimento do arrendatário.


Foi então afirmado que a criação do PED procurava dar resposta à exigência então imposta de “prever um procedimento de despejo extrajudicial por violação do contrato, com o objetivo de encurtar o prazo de despejo para 3 meses”, logrando-se assim a agilização do despejo a fim de garantir a célere recolocação dos imóveis no mercado de arrendamento urbano atenta a excessiva morosidade associada aos meios judiciais na efetivação da imposição coerciva ao arrendatário da desocupação do locado de pessoas e bens.


E, em conformidade com tais intenções, passou a estabelecer-se, no art. 15.º do NRAU, que o PED “é um meio processual que se destina a efetivar a cessação do arrendamento quando o arrendatário não desocupe o locado na data prevista na lei ou na data fixada por convenção das partes”, ou seja, erigiu-se o PED como o meio idóneo, não para o arrendatário obter a cessação/extinção do contrato de arrendamento, mas para o arrendatário, após prévia cessação/extinção do contrato de arrendamento (cessação essa espelhada nos documentos que, nos termos do art. 15.º/2 do NRAU, podem “servir de base” ao PED1), poder pedir/obter a efetiva entrega do locado.


Sendo o PED, na referida linha de celeridade e simplificação, concebido/gizado como um meio processual que começa por ter um cariz extrajudicial, já que o respetivo procedimento/requerimento é apresentado no então criado Balcão Nacional do Arrendamento (BNA) (cfr. arts. 15.º-A e 15.º-B do NRAU).


E que, caso o requerido desocupe voluntariamente o locado (e pague, sendo o caso, as quantias pedidas), se pode até ficar por tal cariz/fase extrajudicial (cfr. art 15.º-G do NRAU), mas que, naturalmente, também prevê uma fase judicial, para o requerido se poder defender/opor ao pedido de despejo (cfr. art. 15.º-N do NRAU).


E é justamente aqui, nesta fase judicial, que a celeridade e simplificação processuais podem “brigar” com o exercício dos direitos de defesa do R/requerido, o mesmo é dizer, com a amplitude das possibilidades de oposição ao pedido de despejo por parte do R./requerido.


Efetivamente, o PED foi configurado como um processo urgente, com prazos apertados para a prática dos atos, os quais são praticados de forma simplificada (como acontece para a oposição que não tem de ser articulada – 15.º-F/2 – ou com a sentença, que deve ser sucintamente fundamentada e ditada para a ata – art. 15.º-I/10), ou seja, o PED foi delineado como um processo especial com as referidas características de celeridade e simplificação do processado, pelo que a admissibilidade dum pedido reconvencional – como é o caso sub-judice – irá introduzir, argumenta-se, complexidade e morosidade que irão contender com as referidas características de celeridade e simplificação pretendidas pelo legislador.


Ao que se acrescenta – como argumento a favor da inadmissibilidade da reconvenção – que o art. 266.º/2 do CPC estabelece a inadmissibilidade da reconvenção quando ao pedido do réu corresponde uma forma de processo diferente da que corresponde ao pedido do A. (ainda que se preveja que o juiz a possa admitir nos termos do art. 37.º n.º 2 e 3 do CPC), o que será exatamente o caso: ao pedido reconvencional corresponde uma forma de processo comum declarativo e o PED é, na sua fase judicial, um processo especial.


Trata-se, bem vistas as coisas, de uma polémica com contornos antigos e que se vai repetindo e renovando sempre que se instituem processos e procedimentos que se pretende e se anuncia como sendo céleres e simplificados.


Sempre se discutiu, nos processos que seguiam a forma sumaríssima, se se podia ou não reconvir e, do mesmo modo que agora (com o PED), também se sustentava a impossibilidade da reconvenção por a lei silenciar tal possibilidade e por não estar previsto articulado de resposta contra o pedido reconvencional, o que, dizia-se, seria sinal da sua inadmissibilidade legal; ademais, argumentava-se (contra a admissibilidade da reconvenção no processo sumaríssimo) que a celeridade própria desta forma não se coadunava com a dedução e o julgamento de pedidos reconvencionais.


Mas, em sentido oposto, também já havia quem sustentasse que a celeridade não pode ser elevada ao estatuto de valor absoluto, a que todos os demais princípios norteadores do processo se devem subjugar; e acrescentava-se que o eventual acréscimo de morosidade, resultante da admissibilidade da reconvenção, é compensado pelo afastamento de uma futura ação independente: a reconvenção poderá implicar um atraso na decisão da causa, porém, o interesse público, fundado na economia processual, acaba por não sair a perder (evita-se uma ação autónoma com o objeto que podia ter sido apresentado na reconvenção).


Polémica esta que, com contornos/argumentos idênticos, se colocou, mais recentemente, no âmbito do processo especial de ação declarativa do DL 269/98 (processo destinado a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a 15 000 €) e que agora se repete/renova no PED.


Sucede que, hoje, sendo menos valorizados aos argumentos típicos de um juspositivismo ultrapassado, não pode deixar de reconhecer-se que as caraterísticas de celeridade e simplificação dum meio processual não podem sobrepor-se ao direito de defesa e de contraditório por parte do requerido: o “desvirtuamento” da celeridade e simplificação não é fundamento suficiente para impedir o requerido de lançar mão deste ou daquele meio de defesa; a celeridade e simplificação não podem bloquear o exercício dos direitos de defesa e esquecer os princípios da “igualdade de armas” e da economia processual.


Até porque, como sucede no PED, a oposição (do art. 15.º-F), a deduzir pelo requerido, constitui o meio e o momento idóneos para a apresentação da totalidade da defesa do requerido: a ausência ou insucesso na dedução de oposição preclude o exercício do direito de defesa em fase posterior, tanto no que toca à desocupação do locado, uma vez que o requerimento de despejo é convertido em título para a desocupação do locado e remetido ao profissional designado para a efetivação da desocupação, como relativamente ao pedido acessório de rendas, encargos e despesas, na medida em que o referido título será remetido ao tribunal competente para a tramitação dos autos de execução para pagamento de quantia certa (não sendo admissível que, em relação aos títulos assim formados, o requerido possa deduzir oposição mediante embargos de executado – cfr. art. 15.º-J/6 do NRAU).


E sendo incontroverso que o arrendatário/requerido pode deduzir oposição invocando que não se verificam os fundamentos extintivos constantes dos documentos que o senhorio apresentou para justificar o recurso ao BNA – e, em consequência, invocar que o contrato não se encontra extinto, não podendo, por isso, ocorrer a conversão do requerimento de despejo em título para a desocupação do locado – não se vê razão para o arrendatário/requerido não ser admitido a deduzir toda e qualquer oposição que conduza ao mesmo resultado prático: à não formação de título para a desocupação do locado.


É claramente este o caso das simulações absolutas invocadas – das nulidades substantivas invocadas – pelo requerido/recorrente, questão que o Acórdão recorrido admite que possa ser apreciada no PED, porém, apenas a título de exceção perentória (e não como reconvenção).


Sucedendo até – e não é nada despiciendo – que, no caso, face à concreta defesa invocada pelo requerido, mais do que saber/dizer se a reconvenção deduzida é admissível, até poderá estar em causa saber/dizer se os pedidos decorrentes de tais nulidades têm mesmo natureza reconvencional.


Expliquemo-nos:


O caso dos autos, ou seja, mais exatamente, o pedido formulado pelo requerido na alínea b), corresponde à hipótese – nulidade contratual por simulação ou por outro motivo – que serviu para ilustrar a discussão/controvérsia travada sobre a “teoria da exceção reconvencional”2.


Começou por defender-se que, quando a defesa assenta em factos que introduzem no processo pendente uma questão diversa ou nova (no nosso caso, será a nulidade dos contratos de compra e venda e arrendamento por simulação) e desses factos nasce, em benefício do demandado, um direito (incompatível com a pretensão do autor e suscetível de conduzir à improcedência da ação) que pode tornar-se objeto de uma ação autónoma, apesar do demandado não ter formulado expressamente qualquer pedido, deve tal direito ser apreciado/decidido com força de caso julgado pelo tribunal (ou seja, no nosso caso, o tribunal, mesmo sem a formulação de pedido reconvencional, deveria julgar a questão subjacente à exceção, declarando a nulidade dos contratos3); sendo que, segundo tal entendimento, tais contrafactos defensivos integrariam uma diferente espécie de exceção – a designada “exceção reconvencional” – situada entre a reconvenção propriamente dita e a exceção material.


Entendimento este – sem prejuízo de certos contrafactos inerentes às exceções materiais serem, em simultâneo, constitutivos de contradireitos do réu e poderem fundamentar uma ação autónoma (sem prejuízo de existirem factos ambivalentes, que tanto permitem sustentar uma defesa pura, como uma reconvenção) – que hoje se apresenta como pouco defensável, na medida em que não parece que um tribunal possa, por sua livre e exclusiva iniciativa (ex officio), proferir uma sentença que aprecie/decrete com força de caso julgado os contradireitos que derivam dos contrafactos defensivos.


Em todo o caso, entre nós, não será despiciendo mencioná-lo, mereceu, para certos casos, a adesão de eminentes processualistas como Alberto dos Reis e Antunes Varela.


Como dá nota Miguel Mesquita4, começou Alberto dos Reis por defender que, quando se invoca a nulidade da venda por simulação, se formula um pedido que reveste natureza reconvencional, porém, posteriormente, inverteu o seu pensamento e acabou por excluir do domínio reconvencional o pedido de declaração da nulidade substantiva, produzindo as seguintes reflexões:


« o autor pede o cumprimento dum contrato; o réu alega que o contrato é nulo por simulação: terá de limitar-se a concluir que seja julgada improcedente a ação ou poderá pedir que o contrato seja declarado nulo? (…) Nos exemplos que acabamos de apresentar, o pedido de nulidade do contrato ou de nulidade do testamento não constituirá, a nosso ver, pedido reconvencional que haja de ser deduzido nos termos do art. 506.º. O R., opondo a nulidade por simulação do contrato ou por incapacidade do testador, mantém-se estritamente dentro do campo da defesa: alega um facto impeditivo que obsta a que o ato jurídico constitutivo, invocado pelo autor, produza o seu efeito útil normal; quer dizer, defende-se por exceção perentória. Estamos fora do domínio da reconvenção.»


E conclui: «desde que a nulidade do contrato ou do ato é o corolário lógico da defesa deduzida pelo réu, não se vê razão para que ele esteja inibido de formular o respetivo pedido. Que o pedido de declaração de nulidade é perfeitamente legítimo, resulta da seguinte consideração: o juiz, se der acolhimento à exceção alegada pelo réu, não faz outra coisa senão verificar que o contrato é nulo por incapacidade do testador; de maneira que o réu, pedindo a declaração de nulidade, pede precisamente a expressão da atividade jurisdicional que o magistrado exerceu.»


«Desde que o réu alega a nulidade do contrato, o tribunal tem de apreciar essa matéria; e se julgar procedente a alegação do réu, não pode deixar de considerar nulo o contrato e de assim o declarar. Mesmo sem o pedido, o tribunal haveria de declarar nulo o contrato, por força da arguição oposta; tanto basta para que não deva elevar-se o pedido à categoria de pedido reconvencional.»


Enfim, para Alberto dos Reis, a declaração judicial de nulidade acaba por ser um efeito necessário ou automático da procedência da exceção e, na falta de um qualquer pedido do demandado, a prolação de uma sentença de mera apreciação positiva tem que ser proferida e, existindo pedido do demandado, não reveste esse pedido natureza reconvencional, pois a declaração judicial de nulidade acaba por ser um efeito necessário ou automático da procedência da exceção.


E, como também dá nota Miguel Mesquita5, Antunes Varela, partindo da ideia de que o R., quando se defende através duma exceção perentória, formula ao tribunal o pedido de que se declare a inexistência ou a extinção do direito invocado pelo autor e se extraia dessa declaração as consequências correspondentes, produziu as seguintes reflexões:


«Numa ação judicial de cumprimento, em que o autor peça a condenação do réu numa prestação contratual, o réu que alegue a exceção da nulidade do contrato pedirá que se reconheça e declare o vício por ele alegado e a inexistência do direito invocado pelo autor; e poderá requerer mesmo – acrescenta – a condenação do autor a restituir a prestação que dele receba. Quando assim seja – conclui – não há ainda pedido reconvencional, porque a pretensão deduzida pelo réu (contra o autor) não passa de uma pura consequência da exceção invocada e, por conseguinte, da carência de fundamento da pretensão do autor.»


Enfim, para Antunes Varela, “a procedência de uma exceção material pode gerar, mesmo na absoluta ausência de um pedido do demandado, uma sentença de mera apreciação positiva (caso da declaração, para todos os efeitos, da nulidade do negócio jurídico); uma sentença condenatória (caso da condenação na restituição das prestações efetuadas ao abrigo do negócio inválido) ou, por fim, uma sentença constitutiva (caso da anulação do negócio jurídico).”


Entendimentos que, hoje, face ao que decorre do princípio do pedido (cfr. arts. 3.º/1 e 609.º/1 do CPC), são, pelo menos com tal amplitude, claramente de afastar: se o demandado omite, com base nos contrafactos por si alegados, determinadas e concretas pretensões, o juiz não deve, em princípio, proferir sentença que as tutele.


Aliás, o art. 91.º/2 do CPC – numa concretização do princípio do pedido – dispõe que “a decisão das questões ou incidentes suscitados não constitui (…) caso julgado fora do processo respetivo, exceto se alguma das partes requerer o julgamento com essa amplitude e o tribunal for competente do ponto de vista internacional e em razão da matéria e da hierarquia”; preceito de que resulta que o juiz está impedido de proferir, por sua iniciativa, com base em contrafactos defensivos provados, uma sentença, com força de caso julgado, que declare os efeitos jurídicos (sejam declarativos, condenatórios ou constitutivos) de tais contrafactos defensivos.


Sendo (parecendo ser) isto assim tão óbvio – não poder o tribunal extrair pedidos implícitos dos contrafactos defensivos e, a seguir, proceder ao seu julgamento com força de caso julgado – porquê toda esta “divagação”? Porque é que se afirmou que, em relação à concreta defesa invocada pelo requerido, poderá estar em causa saber/dizer se um tal pedido tem mesmo natureza reconvencional?


Porque, sem prejuízo da “teoria da exceção reconvencional” ser de rejeitar, estamos, no caso, perante a situação/hipótese em que é a própria lei a introduzir um desvio à tese “limitada” do conhecimento da exceção material – segundo a qual, como regra, a exceção origina uma questão prejudicial que, julgada a favor do excipiente, conduz apenas à improcedência total ou parcial do pedido do A. – na medida em que, segundo o art. 286.º do C. Civil, «a nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal».


Efetivamente, em caso de nulidade substantiva, como é o caso da configuração jurídica dos contrafactos defensivos invocados pelo requerido, resulta da lei que o juiz tem o poder-dever de declarar ex officio a nulidade, não se podendo limitar a julgar, a partir de tais contrafactos defensivos, a ação improcedente; ou seja, mesmo sem pedido, o juiz, sendo confrontado com qualquer pretensão assente num contrato nulo, desde que os factos reveladores da nulidade constem do processo, tem o poder dever de declarar a existência da concreta nulidade que afeta ab initio o negócio jurídico, alargando-se assim o objeto do processo e o caso julgado ao julgamento da exceção6.


E mais – tendo-se colocado o problema de saber se o tribunal também pode/deve oficiosamente condenar as partes a restituir, nos termos do art. 289.º/1 do C. Civil, «tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente» – foi uniformizada jurisprudência pelo Assento 4/95, uniformização segundo a qual sempre que o tribunal conheça oficiosamente da nulidade do negócio jurídico invocado no pressuposto da sua validade, se na ação tiverem sido fixados os necessários factos materiais, deve a parte ser condenada na restituição do recebido, com fundamento no art. 289.º/1 do C. Civil.


Efetivamente, face ao disposto no art. 286.º do C. Civil, que impõe ao tribunal o dever de declarar a nulidade substantiva, a condenação na restituição do recebido acaba por ser a natural decorrência adjetiva do regime instituído no art. 289.º/1 do C. Civil, segundo o qual deve “(…) ser restituído tudo o tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente”.


Um superior interesse de ordem pública, ligado à economia processual e à eficácia da justiça, explica e justifica o desvio que, em matéria de nulidade substantiva, se impõe ao princípio do pedido, assim se libertando o tribunal de uma futura ação condenatória.


Ora, como é muito evidente, é este exatamente o caso dos pedidos constantes das alíneas a)7 e b), em que o requerido pede que seja declarada a “simulação absoluta do contrato de arrendamento” e que seja “declarado nulo o contrato de compra e venda, condenando-se as partes a restituírem em simultâneo o que receberam por conta da execução do mesmo, nomeadamente o requerido no pagamento da quantia de € 161.600 e a requerente condenada a restituir a propriedade para o requerido”.


Enfim, serve tudo isto para dizer e concluir que o caso dos autos/recurso nem será o mais indicado para, tendo em vista não admitir a reconvenção constante das duas referidas alíneas, argumentar que a admissibilidade dum pedido reconvencional (associado a contrafactos consistentes em nulidades substantivas) vai introduzir complexidade e morosidade, o que contende com as características de celeridade e simplificação do PED: como vimos de explicar, se o requerido não tiver formulado, a título reconvencional, tais pedidos, o tribunal, mesmo sem pedidos, desde que os factos reveladores das nulidades se provem, tem o poder/dever de declarar/julgar ex officio as nulidades8, não se podendo limitar a julgar a ação improcedente.


Daí que – como acima enunciámos – até esteja em causa saber/dizer se tais pedidos têm mesmo natureza reconvencional.


Pode sustentar-se que, “uma vez que o tribunal dispõe de poderes para, oficiosamente, declarar, para todos os efeitos, a nulidade, estamos perante um pedido reconvencional inútil ou desnecessário e, neste sentido, perante uma manifesta falta de interesse processual”9, porém, uma vez que foram deduzidos os pedidos de declaração das nulidades substantivas (e dos consequentes efeitos restitutórios), propendemos para considerar que a sua inutilidade e desnecessidade não são suficientes para lhe retirar a natureza reconvencional.


O caso dos autos – em que um demandado alega que o contrato, invocado pelo autor, foi celebrado com simulação absoluta e em que formula, em reconvenção, os concernentes pedidos – é frequente na prática judiciaria e, formulando o demandado tais concernentes pedidos, é comumente aceite que tais pedidos, embora sejam desnecessários, têm natureza reconvencional.


Em conclusão:


Consideramos que as caraterísticas de celeridade e simplificação do PED não podem sobrepor-se e bloquear o exercício dos direitos de defesa do requerido e esquecer os princípios da “igualdade de armas” e da economia processual; e, por conseguinte, pese embora o disposto no art. 266.º/3 do CPC, a reconvenção deve, em princípio (e estando-se, claro está, perante algum dos casos previstos no art. 266.º/2 do CPC), ser admitida no PED, até porque, para “responder” ao obstáculo do art 37.º/2 do CPC (ex vi art. 266.º/3), dispõe o juiz dos poderes que decorrem quer do princípio da gestão processual (consagrado no art. 6.º do CPC) quer do princípio da adequação formal (constante do art. 547.º do CPC), que lhe permitem adaptar a tramitação abstratamente prevista na lei às especificidades da causa, tendo em vista atingir e assegurar um processo equitativo.


Sendo que num caso, como é o do presente PED, em que os contrafactos defensivos invocados pelo requerido configuram nulidades substantivas – em que o juiz, mesmo sem pedido, tem o poder-dever de declarar ex officio as nulidades (e as suas consequências restitutórias), não se podendo limitar a julgar, a partir de tais contrafactos defensivos (e provando-se estes), a ação improcedente – a reconvenção deduzida a partir de tais contrafactos defensivos não constitui sequer um alargamento do objeto do processo, pelo que, sendo assim, nenhum obstáculo pode ser colocado à admissão duma reconvenção assim deduzida (que, em rigor, reconhece-se, até será desnecessária).


O que significa que os pedidos reconvencionais constantes das alíneas a)10 e b) devem ser admitidos, na medida em que, como é muito evidente, tais pedidos emergem do facto jurídico que serve de fundamento à defesa – emergem da circunstância da posição ativa da requerente no contrato de arrendamento decorrer, segundo o requerido, duma compra e venda e dum arrendamento absolutamente simulados – verificando-se assim o requisito material constante do art. 266.º/2/a) do CPC11; outro tanto, porém, não podendo acontecer – não podendo ser admitido – com o pedido reconvencional constante da alíneas c) (em que se pede que, caso “assim se não entenda, (…) então deve o requerente ser condenado a indemnizar o requerido pelo valor de € 200.000, referente à diferença entre o valor mutuado e o valor real da fração”), em relação ao qual não se verifica algum dos requisitos materiais contantes do art. 266.º/2 do CPC, designadamente o referido na alínea a) do art. 266.º/2 do CPC (tal pedido da alínea c) assenta na validade do negócio de compra e venda e, sendo assim, não provém da mesma causa de pedir – relacionada apenas com o arrendamento – que serve de suporte ao pedido da requerente, nem emerge de ato ou facto jurídico que serve de fundamento à defesa em relação ao pedido decorrente do arrendamento que, segundo tal pedido, é aceite como válido)12.


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III - Decisão


Nos termos expostos, concede-se parcialmente a revista e, revogando-se parcialmente o acórdão recorrido, admitem-se os pedidos reconvencionais deduzidos pelo requerido nas alíneas a) e b) da sua oposição.


Custas da presente Revista e da anterior Apelação por requerente e requerido, na proporção de 2/3 e 1/3.


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Lisboa, 06/03/2024


António Barateiro Martins (Relator)


Graça Amaral


Rui Gonçalves


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1. Documentos que correspondem aos que antes, segundo o antigo art. 15.º/1 do NRAU, eram títulos executivos; no fundo, tais documentos perdem a natureza de títulos executivos e passam a ser tratados como títulos sui generis, justificadores do recurso ao PED.↩︎

2. Cfr. Miguel Mesquita, Reconvenção e Exceção no Processo Civil, pág. 211 e ss.↩︎

3. Assim como, por ex., numa reivindicação, invocando também o demandado a usucapião a seu favor, o tribunal apreciaria e declararia, se fosse o caso (se se provasse), o direito de propriedade do réu.↩︎

4. Local citado, pág. 222 a 224.↩︎

5. Local citado, pág. 225 a 227.↩︎

6. Daí que Miguel Mesquita, local citado, pág. 254, defenda que “a nulidade substantiva configura um caso raro de “exceção reconvencional”, fazendo sentido o seu enquadramento nesta categoria autónoma híbrida, misto de exceção e de reconvenção. Na verdade – acrescenta ainda – a factualidade apresentada originariamente sob a forma de exceção material deve, por força da lei, tornar-se objeto de uma decisão judicial que, sendo favorável ao réu, adquire força de caso julgado.”↩︎

7. Em relação a esta alínea com exceção do segmento inicial, em que se pede “que seja rejeitado o requerimento de despejo”, pedido este a que, como é evidente, falta a indispensável autonomia: com o pedido reconvencional, tem de querer alcançar-se um efeito distinto da mera improcedência do pedido do autor, ou seja, um pedido que se destina apenas a afastar o direito alegado pelo autor – a rejeitar o requerimento de despejo – não constitui reconvenção.↩︎

8. Cumprido, já se vê, o prévio e devido contraditório.↩︎

9. Miguel Mesquita, local citado, pág. 253↩︎

10. Esta alínea com a ressalva acima referida.↩︎

11. Como, aliás, o acórdão recorrido acabou por reconhecer (implicitamente), ao dizer/admitir que a defesa do requerido será apreciada em sede de exceção.↩︎

12. E o pedido constante da alínea d), que não é um verdadeiro pedido reconvencional, fica prejudicado.↩︎