Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
425/07.0TTCBR.C1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: VASQUES DINIS
Descritores: JUSTA CAUSA DE RESOLUÇÃO
SUBSÍDIO DE FÉRIAS
SUBSÍDIO DE NATAL
RETRIBUIÇÃO
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 11/03/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário : I - Do disposto no artigo 249.º, do Código do Trabalho de 2003, resulta que a retribuição é constituída pelo conjunto dos valores (em dinheiro ou em espécie) que a entidade empregadora está obrigada a pagar regular e periodicamente ao trabalhador, por força dos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, como contrapartida da disponibilidade do trabalhador para prestar a actividade contratada.
II - A remuneração das férias e o respectivo subsídio, assim como o subsídio de Natal, são atribuições patrimoniais de carácter retributivo, mas que, ao contrário do ordenado mensal e respectivos complementos, não têm uma relação de correspectividade directa e concreta com certa prestação de trabalho, realizada em tempo e espaço definidos, representando valores que corrigem ou ajustam a retribuição global ao benefício auferido pela entidade empregadora.
III - Por força da obrigatoriedade, regularidade e periodicidade do pagamento das prestações de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, não pode deixar de considerar-se que a falta do seu pagamento pontual releva para efeitos do disposto no artigo 364.º, n.º 2, do Código do Trabalho – de acordo com o qual, o trabalhador tem a faculdade de resolver o contrato decorridos 60 dias após o não pagamento da retribuição –, e do artigo 411.º, ns.º 1, 2 alínea a) e 3, alínea c), do mesmo diploma.
IV - Resultando provado que, aquando das comunicações resolutivas – efectuadas pelos trabalhadores no início de Janeiro de 2007 –, se encontravam em dívida 7/10 das retribuições correspondentes ao subsídio de férias dos anos de 2004 e 2005 e, bem assim, o subsídio de Natal de 2004, sendo que, já desde 15 de Dezembro de 2005, a entidade empregadora se encontrava em falta quanto ao acordado pagamento em prestações das citadas retribuições, não tendo procedido, ainda, ao pagamento do subsídio de Natal de 2005, conclui-se pelo decurso, quanto às mesmas, de mais de 60 dias sobre o respectivo vencimento, assistindo, assim, aos trabalhadores, a faculdade de resolução dos contratos de trabalho com fundamento em justa causa objectiva, com os inerentes efeitos indemnizatórios.
V - No cômputo da indemnização a fixar quando se poste uma situação de justa causa objectiva não é convocável (ou unicamente convocável) o n.º 1 do artigo 439.º do Código do Trabalho, tudo indicando que ela repousará num justo critério do julgador que terá de atentar à antiguidade do trabalhador, às condições sócio-financeiras do empregador, aos demais incómodos e inconvenientes que para aqueles advieram e às concretas circunstâncias de inexigibilidade na manutenção do vínculo laboral.
VI - Assim, a um trabalhador com maior antiguidade deve ser conferida uma indemnização mais elevada do que a um trabalhador com menor tempo de desempenho.
Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:
I

1. AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH, II, JJ, KK, LL, MM, NN, OO, PP, QQ, RR, SS, TT, UU, VV, XX, ZZ, AAA, BBB e CCC demandaram, no Tribunal do Trabalho de Coimbra, DDD, Lda., alegando, em síntese muito breve, que, por cartas registadas de 10 e 11 de Janeiro de 2007, lhe comunicaram a resolução dos contratos de trabalho, que os vinculavam à Ré, com fundamento em “lock out” e falta de pagamento de remunerações (vencimentos e subsídios de férias e de Natal). Pediram o reconhecimento da justa causa para a resolução do contrato de trabalho de cada um deles e a condenação da Ré a pagar-lhes as importâncias que especificaram.

A pugnar pela improcedência dos pedidos, a Ré contestou, dizendo, no essencial, que não existiu “lock out”; que, à data da resolução não tinham decorrido 60 dias sobre a mora no pagamento das retribuições em dívida, não relevando, para o efeito, a falta de pagamento dos subsídios de férias e de Natal; e que, de todo o modo, a falta de pagamento pontual dos subsídios e da retribuição não se deu por culpa da ré, antes decorreu do mau ano económico e de incapacidade de gestão operacional.

Os autores apresentaram resposta e terminaram sustentando o pedido inicial e reclamando a condenação da ré como litigante de má-fé.

Efectuada a audiência de julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, face à resolução com justa causa dos contrato de trabalho respectivos, condenou a Ré a pagar aos Autores, a título das prestações na mesma sentença referidas, as quantias adiante de cada um deles indicadas, acrescidas de juros moratórios, vencidos e vincendos, à taxa legal, contados desde a data do respectivo vencimento (sendo, relativamente à indemnização, contados desde a data da sentença, correspondente à sua liquidação), até integral e efectivo pagamento: AA - € 7.117,52; BB - € 29.445,76; CC - € 4.875; DD- € 4.763,47; EE - € 25.604,95; FF - € 6.770,82; GG - € 29.716,20; HH - € 25.227,59; II - € 22.191,70; JJ - € 3.029,57; KK - € 30.533,06; LL - € 30.900,56; MM - € 2.794,77; NN - € 9.511,27; OO - € 5.860,65; PP - € 16.597,81; QQ - € 10.101,07; RR - € 26.438,81; SS - € 15.815,96; TT - € 21.415,47; UU - € 3.764,10; VV- € 25.540,61; XX - € 8.120,28; ZZ - € 4.920,11; AAA - € 3.973,36; BBB - € 6.088,38 e CCC – € 5.822,43.

2. A Ré interpôs recurso de apelação, no qual impetrou a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto e pediu a absolvição, «pela não existência de justa causa para a resolução contratual, ou, caso assim não se entenda, que seja atribuída, aos Autores, uma indemnização de 15 dias por cada ano de antiguidade».

O Tribunal da Relação de Coimbra procedeu à alteração dos pontos 60 e 75 da matéria de facto e decidiu «julgar apenas parcialmente procedente o recurso de apelação da ré, alterando parcialmente a sentença da 1.ª instância quanto à condenação da ré em relação aos autores BB e PP, condenando-a a pagar ao primeiro a quantia total de € 29.340,76 (vinte e nove mil trezentos e quarenta euros e setenta e seis cêntimos) e ao segundo a quantia total de € 16.462,81 (dezasseis mil quatrocentos e sessenta e dois euros e oitenta e um cêntimos), mantendo-se a condenação quanto a eles em juros de mora nos termos assinalados na mesma sentença, bem como as demais condenações da ré relativamente aos restantes autores».

Do acórdão que assim decidiu, veio a Ré pedir revista, tendo formulado na alegação do recurso as seguintes conclusões:

«A)- Nas suas comunicações de resolução contratual, os Apelados invocam falta culposa do pagamento da retribuição, ao abrigo do disposto no art. 441.º, n.º 2 alínea a) do CT, para justificar a resolução contratual.

B)- Englobando no conceito de retribuição, vencimentos base, subsídios e montantes compensatórios em virtude da resolução do contrato.

C)- Para a análise da justa causa, por falta culposa de pagamento da retribuição, teremos que considerar o plasmado no art. 364.º, n.º 2 do CT e 308.º, n.º 1 do Reg. Cod. Trabalho.

D)- Normativos esses que referem que o trabalhador tem a faculdade de resolver o contrato 60 dias após o não pagamento da retribuição.

E)- Não decorreram 60 dias após a não liquidação da retribuição de Dezembro de 2006, sendo aquele o único vencimento em falta.

F)- Entende a Apelante que os subsídios (de férias e de Natal) não são susceptíveis de fundamentar a resolução contratual, visto que no conceito de retribuição apenas se pode incluir os salários, ou seja, vencimento base e diuturnidades, e não os subsídios de férias e de Natal.

G)- Sendo a presunção de justa causa afastada pelo facto de não terem decorrido 60 dias após o não pagamento da retribuição, teriam os Autores que demonstrar que teriam justa causa para resolver o contrato, atendendo aos pressupostos do art. 396.º, n.º 2 do CT, ex vi do art. 441.º, n.º 4 do CT.

H)- Justa causa que não foi demonstrada pelos Apelados.

I)- Tendo operado a justa causa, o que não se tolera, entendeu o Tribunal como ajustado uma indemnização em 30 dias para os trabalhadores contratados nos anos 70, 20 dias aos admitidos entre 1 de Janeiro de 1980 a 31 de Dezembro de 1990 e 15 dias aqueles cujo vínculo é posterior a esta última data tendo sempre presente que a indemnização não pode corresponder a menos de 3 meses de retribuição base e que, quanto aos contratados a termo, não pode ser inferior à quantia correspondente às retribuições vincendas.

J)- Entende, a Apelante, que o Tribunal avaliou incorrectamente o art. 443.º, n.º 1 do CT.

K)- Estabelece o art. 443.º do CT que a indemnização deve ser fixada entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades.

L)- O Tribunal ao fixar a indemnização, nos termos supra referidos, aplicou incorrectamente aquele normativo legal.

M)- Porquanto, deveria ter fixado 15 dias de indemnização, para todos os trabalhadores.

N)- Portanto, se o Tribunal aceita como justa uma indemnização que parcialmente fixou em 15 dias, deveria essa indemnização ser arbitrada para todos os trabalhadores.

O)- A Sentença agora em crise violou o disposto nos artigos 442.º, n.º 2, 441.º, n.º 12, b), 4, d); art. 443.º, art. 396.º, n.º 2; art. 364.º, n.º 2 do TODOS DO CT e 308.º, n.º 1 do Reg. Cod. Trabalho.»

Os recorridos não contra-alegaram.

Neste Supremo Tribunal, veio, pelo relator, e após convite às partes para se pronunciarem, a ser proferido despacho em que foi decidido não conhecer do objecto do recurso na parte em que envolve a condenação da recorrente em relação aos recorridos AA, CC, DD, FF, JJ, MM, NN, OO, QQ, UU, XX, ZZ, AAA, BBB e CCC, atendendo a que os pedidos por eles formulados, individualmente considerados, têm valor inferior ao da alçada da Relação, decisão que, por não ter sido impugnada, se tornou definitiva.

A Exma. Magistrada do Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser negada a revista, em parecer a que as partes não responderam.

3. Perante o teor das conclusões da revista, as questões a resolver, que se enunciam por ordem de precedência lógica, prendem-se com:

— A justa causa da resolução dos contratos por parte dos trabalhadores;

— A medida da indemnização a que se refere o artigo 443.º, n.º 1, do Código do Trabalho de 2003.

Corridos os vistos, cumpre decidir.


II

1. O tribunal recorrido fixou os factos materiais da causa, relevantes para a apreciação do objecto do recurso, tal como foi definido no despacho do relator a que acima se aludiu, nos seguintes termos:

«1- A actividade principal da Ré consiste na fabricação e comércio de azulejos, louças e outros produtos cerâmicos e a sua exportação, com o que prossegue fins lucrativos.

2- Os AA. foram admitidos nas datas abaixo indicadas e, exerciam as funções que seguidamente se indicam:

- [...];

- O A. BB foi admitido em 24.02.1973, como operador de forno contínuo;

- […];

- A A. EE foi admitida em 28.08.1974, como escolhedora;

- […];

- O A. GG foi admitido em 28.11.1974, como motorista de veículos pesados;-

- A A. HH foi admitida em 02.04.1975, como acabadora;

- O A. II foi admitido em 15.07.1974, como operador [de] máquina [de] vidrar;

- […];

- O A. KK A. foi admitido em 02.11.1974, como técnico de manutenção;

- O A. LL foi admitido em 20.09.1973, como técnico de encarregado [sic];

- […];

- O A. PP foi admitido em 15.04.1980, como operador de enforma;

- […];

- A A. RR foi admitida em 02.01.1975, como escolhedora;

- A A. SS foi admitida em 11.03.1980, como empilhadora;

- O A. TT foi admitido em 09.12.1974, como operador [de] máquina [de] vidrar;

- […];

- A A. VV foi admitida em 01.10.1974, como escolhedora;

- […];

- A A. ZZ foi admitida em 13.11.1998, como ajudante de prensador;

- […].

3- (…) para, sob a direcção, autoridade e fiscalização da gerência da Ré, prestarem a sua actividade laboral, com as categorias referidas, que, no seu conjunto, consubstanciavam todo o processo de produção, escolha e embalagem de azulejos, louças e demais produtos cerâmicos fabricados pela Ré.

4- Essas funções eram desempenhadas no interior das instalações da Ré, sitas na Zona Industrial … em Pombal.

5- O trabalho era distribuído e realizado por turnos, designadamente no que às actividades próximas dos fornos dizia respeito.

6- Os AA tinham vínculo laboral com a Ré por tempo indeterminado, excepto os RR. MM, QQ, UU e AAA, que estavam contratados a termo certo, com a duração de 6 meses.

7- […].

8- […].

9- Todos os AA., desde o início dos respectivos contratos de trabalho, sempre executaram para a Ré, de forma assídua, contínua e ininterrupta, as funções inerentes às categorias mencionadas, prestando a sua força e capacidade de trabalho conforme as instruções e indicações que recebiam da gerência bem como dos respectivos encarregados e directores de serviço.

10- A Ré não efectuou o pagamento atempado dos subsídios de férias e de Natal de 2004, bem como do subsídio de férias de 2005 aos que eram então seus trabalhadores.

11- Em 01.09.2005, a Ré acordou com os AA. (excepção feita aos AA. CC, JJ, MM, QQ, UU e AAA – que ainda não eram seus trabalhadores) o pagamento dessas remunerações em 10 prestações mensais e sucessivas, com vencimento no dia 15 de cada mês e com início em 15.09.2005, conforme constava de comunicado afixado na vitrina da entrada da fábrica junto ao relógio de ponto.

12- A Ré apenas pagou as 3 primeiras prestações (em 15.09.2005, 15.10.2005 e 15.11.2005, respectivamente).

13- Em 23/11/06 ocorreu uma reunião entre o consultor da Ré EEE e os chefes de secção, onde aquele informou que a Ré estava em situação económica difícil e que se ia ver se a mesma era viável ou não.

14- Em 14.12.2006, a Ré devia aos AA. (excepção feita aos AA. CC, JJ, MM, QQ, UU e AAA) 7 das prestações acordadas para pagamento dos subsídios de férias e de Natal de 2004 e do subsídio de férias de 2005.

15- Em 14.12.2006, a Ré devia aos AA. as remunerações de Novembro 2006.

16- Em 14.12.2006, pelas 12h, os AA. reuniram com o director financeiro da Ré - FFF -, por causa do não pagamento das referidas retribuições e face à preocupação daqueles com o provável não pagamento do subsídio de Natal de 2006.

17- Nessa reunião, o referido FFF, em nome da Ré, fez a promessa de pagamento da remuneração de Novembro no início da semana de 18.12.2006, não garantindo porém o pagamento do subsídio de Natal de 2006 e dos outros montantes em atraso.

18- Em 21.12.2006, estavam em dívida aos trabalhadores as remunerações do mês de Novembro de 2006 e os subsídios de férias e de Natal de 2004, 2005 e 2006, para além de dívidas a outros credores da empresa.

19- Os trabalhadores, a 21 de Dezembro de 2006, em carta enviada à IGT, adiantavam a possibilidade de suspenderem os contratos, tendo posteriormente comunicado esse facto aos legais representantes da Ré, os quais concordaram com essa perspectiva, posição que foi alterada por vontade dos trabalhadores, os quais decidiram resolver os contratos e não suspendê-los.

20- Face ao não pagamento, a 21.12.2006 os trabalhadores da Ré fizeram uma paralisação de protesto desde as 08h até chegar o mencionado FFF, para solicitarem o pagamento das retribuições em atraso.

21- Na reunião que FFF teve com os trabalhadores, o mesmo disse que a Ré iria pagar "alguma coisa", «talvez uma parte do mês de Novembro», após o que, cerca das 16h, FFF afixou um comunicado informando que iria ser paga a remuneração do mês de Novembro a partir das 17h.

22- Cerca das 16h30, reuniram os encarregados e o consultor EEE, alegando este que a remuneração do mês de Novembro iria ser paga de uma conta pessoal do gerente.

23- Na altura, EEE alegou dificuldades económicas da Ré, que esta «estava a ter grandes prejuízos, com despesas superiores às receitas» e que a fábrica iria parar a produção, dizendo ainda que os trabalhadores que tivessem direito a férias iriam gozá-las desde o dia 22.12.2006 até ao dia 05.01.2007 e que os restantes se manteriam no local de trabalho.

24- Nessa reunião, os encarregados e os directores de produção sugeriram que ao menos fosse aproveitado o “stock” de vidro branco e entregues algumas das encomendas.

25- Em 21.12.2006, a partir das 17h, foram pagas as remunerações do mês de Novembro de 2006.

26- Em 22.12.2006, cerca de 20% dos trabalhadores entraram em gozo de férias, enquanto que os demais se mantiveram no local de trabalho.

27- Em 26.12.2006, EEE deu ordens para desligar os fornos.

28- Nesse dia, o forno de rolos foi desligado pelo ora A. AA, por indicação do director de produção GGG.

29- O forno de túnel foi desligado pelo trabalhador HHH, também por ordem do "consultor" HHH.

30- Em 28.12.2006, EEE, em reunião com os AA., informou que a Ré não tinha condições económicas nem dinheiro para pagar qualquer remuneração e que a Ré iria continuar paralisada até existir o estudo de viabilidade económica, para depois se decidir da continuidade da laboração e que a Ré iria continuar a vender o “stock”.

31- EEE disse ainda que se a produção fosse transformada para sistema "monoporosa", muitos dos trabalhadores não seriam necessários.

32- Na altura, EEE sugeriu ainda que os trabalhadores procedessem à suspensão dos respectivos contratos de trabalho, com o que estes não concordaram.

33- Até ao dia 8 de Janeiro de 2007, decorreram negociações entre trabalhadores, representante sindical e representante da Ré, de forma a ser alcançado um acordo com vista à resolução dos problemas da Ré.

34- Em 08.01.2007, através de carta registada com aviso de recepção, os AA. JJ, QQ e ZZ, procederam às comunicações à Ré constantes de fls. 83, 84 e 85, respectivamente, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

35- Em 08.01.2007, 20 trabalhadores da Ré, parte ora AA., assinaram uma comunicação dirigida ao gerente da Ré, com o seguinte teor:

Na qualidade de trabalhadores da DDD Lda., e em representação de um grupo de 44 trabalhadores, solicitamos queira informar dentro do prazo de 24 horas, se a referida empresa, de que V. Ex.ª é gerente, pretende pagar as remunerações já vencidas, no valor global de € 181.671,18, e se pretende reiniciar a laboração fabril.

Como certamente é do V/conhecimento e por V/decisão, a empresa encontra-se numa situação de facto de lock out, já que desde 21 de Dezembro 2006 não labora, não recebe matérias-primas, não tem nenhum dos fornos a trabalhar, encontrando-se em paralisação total, exceptuando a venda dos stocks de material fabricado até à data mencionada.

Acresce que, em duas reuniões distintas, o "consultor" (?) da empresa, o Sr. EEE, manteve com a totalidade dos demais funcionários, foi transmitido que a mesma não tem qualquer capacidade económica para resolver os problemas de tesouraria, a fim de liquidar os créditos laborais do pessoal.

Além disso, nas reuniões, não foi apresentada qualquer solução proposta por V. Ex.ª nem documento comprovativo da existência de poderes de representação da gerência, nomeadamente por parte do tal "consultor" que nem é funcionário da empresa, o que traz preocupações e angústia a todos os trabalhadores.

Assim, ficamos a aguardar notícias de V. Ex.ª e o pagamento das remunerações, dentro do referido prazo de 24 horas, sob pena de termos de proceder à resolução dos contratos de trabalho.

A resposta poderá ser enviada aos nossos advogados: Drs. III (fax: 236 209 091) e/ou JJJ (fax: 236 200 571).

36- Tal comunicação foi enviada por telecópia, em 08.01.2007 pelas 23h03 e no dia 09.01.2007 pelas 11h33, para o n.º 214193199, de uma empresa de que também é gerente o KKK, gerente da Ré.

37- A esta comunicação não foi dada qualquer resposta pela Ré.

38- Em 09.01.2007, a Ré elaborou um comunicado que fez distribuir pelas rádios e jornais locais e regionais, nomeadamente "R…. C…" e jornais "N... C…", "O …", "O R…", "D… B…", "J… ...com" e "P….com", nos termos constantes de fls. 81, cujo teor aqui se dá por reproduzido onde dizia que: "a DDD tem visto agravar a situação e o défice económico da sua exploração, com consequente exaustão da tesouraria, tendo entrado em incumprimento e ruptura de pagamentos com trabalhadores e fornecedores".

39- Em 10.01.2007, através de carta registada com aviso de recepção, os AA. AA, BB, CC, DD, EE, GG, HH, II, KK, LL, MM, NN, OO, PP, RR, SS TT, UU, VV, XX e AAA, procederam às comunicações à Ré constantes de fls. 86 a 90 e 92 a 109, respectivamente, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

40- […].

41- […];

42- Nas referidas cartas os AA. exararam:

"Venho pela presente resolver, por justa causa, o contrato de trabalho que mantenho com V. Exª(s), a produzir os seus efeitos no imediato, ao abrigo do disposto no artigo 441.º, n.º 1 da Lei 99/2003 de 27 de Agosto.

O motivo de justa causa prende-se com o facto de a empresa se encontrar numa situação de facto de lock out (desde 21.12.2006 que por v/decisão a fábrica não labora, não recebe matéria prima, não tem os fornos a trabalhar, encontra-se em paralisação total exceptuando a venda dos stocks existentes, já mandou inclusivamente cortar os telefones e fax, e encontra-se ainda a remover das instalações a pouca matéria prima que ainda existia).

Para além de que, e sobretudo, nesta data, me serem ainda devidas as seguintes remunerações, cuja falta de pagamento me têm vindo a provocar graves transtornos por falta de pagamento tempestivo das minhas obrigações mensais (…)

Acresce, que em duas reuniões distintas que o "consultor" (?) da empresa, o Sr EEE, manteve com a totalidade dos demais funcionários, foi transmitido que esta não tem qualquer capacidade económica para resolver os problemas de tesouraria, a fim de liquidar os créditos laborais do pessoal.

43- Os ora AA, desde 21.12.2006 até à data do envio das respectivas cartas, sabendo que não havia trabalho efectivo para realizar, apresentaram-se nas instalações da Ré para "picar o ponto" e evitar a eventual alegação de abandono dos locais de trabalho por parte da Ré.

44- Após picados os pontos, os AA. permaneciam o período das 8 horas de trabalho diário, no interior das instalações da Ré, sem nada para fazerem.

45- As comunicações da falta de capacidade financeira da Ré para fazer face aos pagamentos das remunerações, incutiram nos AA. o receio e a preocupação de não lhes serem pagas as remunerações vencidas e vincendas.

46- A Ré encontrava-se, por decisão da gerência, à data do envio das cartas referidas em 34, 39, 40, 41 e 42 em situação de total inoperância (o que se mantém em 25.04.2007), desde 21.12.2006 não laborava, não recebia matéria-prima, estava com os fornos desligados.

47- A Ré, no final de 2006, teve problemas de tesouraria, dificuldades que foram consequência de os custos da energia - gás e electricidade - terem subido “em flecha” e por os preços do azulejo terem caído cerca de 1/3.

48- A Ré tinha dificuldades na obtenção de matérias-primas, vidro e argilas, o gás foi cortado bem como o fornecimento de vidro e vários credores levaram mercadoria existente em stock ainda por pagar.

49- Os telefones e fax chegaram a ser cortados e procedendo a Ré apenas à venda dos stocks existentes.

50- A margem de exploração passou a ser mínima e negativa em muitas operações.

51- Verificaram-se alguns problemas internos na gestão da Ré, consubstanciados numa incapacidade de gestão operacional e comercial.

52- A incapacidade de gestão operacional, reflectiu-se num “deficit” de exploração mensal

53- Essa incapacidade de gestão operacional, conduziu a níveis de produção muito baixo.

54- Esta incapacidade de gestão operacional, foi acompanhada de uma incapacidade de gestão comercial, que levou à quase extinção das vendas ao balcão e no mercado interno, bem como em vendas a preços abaixo da tabela de mercado.

55- Os trabalhadores da Ré requereram a sua insolvência no Tribunal de Pombal, a qual não foi decretada.

56- A Ré não mandou cortar os faxes e o telefone.

57- Era norma corrente na empresa um número considerável de trabalhadores tirar férias no período compreendido entre o Natal e o Ano Novo.

58- Nunca foi negado aos AA., ou a qualquer outro trabalhador o acesso às instalações da Ré, até às datas dos envios das cartas referidas em 34, 39, e 40 a 42.

59- […].

60- A Ré não pagou ao A. BB, que auferia o vencimento de € 682,18, o resto do acordo relativo aos subsídios de férias de 2004, 2005 e do subsídio de Natal de 2004, no valor de € 1.221,99 (7x€ 174,57); o subsídio de Natal de 2005; o subsídio de férias de 2006; o subsídio de Natal de 2006; o vencimento do mês de Dezembro de 2006; 10 dias do vencimento do mês de Janeiro de 2007; 42 dias de férias não gozadas nem o complemento salarial de € 25 mensais desde Março de 2005.

61- […].

62- […].

63- […].

64- A Ré não pagou à EE, que auferia o vencimento de € 652,57, a quantia de € 1.135,75 (7x € 162,25) relativa ao acordo do subsídio de férias de 2004, 2005 e subsídio de Natal de 2004; o subsídio de Natal de 2005; o subsídio de férias de 2006; o subsídio de Natal de 2006; o vencimento do mês de Dezembro de 2006; 10 dias do vencimento do mês de Janeiro de 2007 nem 25 dias de férias não gozadas.

65- […].

66- A Ré não pagou ao A. GG, que auferia o vencimento de € 737,29, a quantia de € 838,25 (7x € 119,75) relativa ao acordo do subsídio de férias de 2004, 2005 e subsídio de Natal de 2004; o subsídio de Natal de 2005; o subsídio de férias de 2006; o subsídio de Natal de 2006; o vencimento do mês de Dezembro de 2006; 10 dias do vencimento do mês de Janeiro de 2007; 25 dias de férias não gozadas nem o complemento salarial mensal de € 50, desde Março de 2005.

67- A Ré não pagou à A. HH que auferia o vencimento de € 652,62, a quantia de € 1.135,75 (7x € 162,25) relativa ao acordo do subsídio de férias de 2004, 2005 e subsídio de Natal de 2004; o subsídio de Natal de 2005; o subsídio de férias de 2006; o subsídio de Natal de 2006; o vencimento do mês de Dezembro de 2006; 10 dias do vencimento do mês de Janeiro de 2007 nem 25 dias de férias não gozadas.

68- A Ré não pagou ao A. II, que auferia o vencimento de € 547,16, a quantia de € 1.582, (7x € 226) relativa ao acordo do subsídio de férias de 2004, 2005 e subsídio de Natal de 2004; o subsídio de Natal de 2005; o subsídio de férias de 2006; o subsídio de Natal de 2006; o vencimento do mês de Dezembro de 2006; 10 dias do vencimento do mês de Janeiro de 2007 nem 25 dias de férias não gozadas.

69- […].

70- A Ré não pagou ao A. KK, que auferia o vencimento de € 669,50, a quantia de € 1.497,16 (7x € 213,88) relativa ao acordo do subsídio de férias de 2004, 2005 e subsídio de Natal de 2004; o subsídio de Natal de 2005; o subsídio de férias de 2006; o subsídio de Natal de 2006; o vencimento do mês de Dezembro de 2006; 10 dias do vencimento do mês de Janeiro de 2007; 25 dias de férias não gozadas nem o complemento salarial mensal de € 100, desde Março de 2005.

71. A Ré não pagou ao A. LL, que auferia o vencimento de € 699,54, a quantia de € 1.326,57 (7x € 189,51) relativa ao acordo do subsídio de férias de 2004, 2005 e subsídio de Natal de 2004; o subsídio de Natal de 2005; o subsídio de férias de 2006; o subsídio de Natal de 2006; o vencimento do mês de Dezembro de 2006; 10 dias do vencimento do mês de Janeiro de 2007; 25 dias de férias não gozadas nem o complemento salarial mensal de € 100, desde Março de 2005.

72- […].

73- […].

74- […].

75- A Ré não pagou ao A. PP, que auferia o vencimento de € 643,18, a quantia de € 1.129,59 (7x € 161,37) relativa ao acordo do subsídio de férias de 2004, 2005 e subsídio de Natal de 2004; o subsídio de Natal de 2005; o subsídio de férias de 2006; o subsídio de Natal de 2006; o vencimento do mês de Dezembro de 2006; 10 dias do vencimento do mês de Janeiro de 2007; 25 dias de férias não gozadas nem o complemento salarial mensal de € 25, desde Março de 2005.

76- […].

77- A Ré não pagou à A. RR, que auferia o vencimento de € 680,80, a quantia de € 1.135,75 (7x € 162,25) relativa ao acordo do subsídio de férias de 2004, 2005 e subsídio de Natal de 2004; o subsídio de Natal de 2005; o subsídio de férias de 2006; o subsídio de Natal de 2006; o vencimento do mês de Dezembro de 2006; 10 dias do vencimento do mês de Janeiro de 2007 nem 25 dias de férias não gozadas.

78- A Ré não pagou à SS, que auferia o vencimento de € 639,31 a quantia de € 1.077,65 (7x € 153,95) relativa ao acordo do subsídio de férias de 2004, 2005 e subsídio de Natal de 2004; o subsídio de Natal de 2005; o subsídio de férias de 2006; o subsídio de Natal de 2006; o vencimento do mês de Dezembro de 2006; 10 dias do vencimento do mês de Janeiro de 2007 nem 25 dias de férias não gozadas.

79- A Ré não pagou ao TT, que auferia o vencimento de € 547,16, a quantia de € 1.035,58 (7x € 147,94) relativa ao acordo do subsídio de férias de 2004, 2005 e subsídio de Natal de 2004; o subsídio de Natal de 2005; o subsídio de férias de 2006; o subsídio de Natal de 2006; o vencimento do mês de Dezembro de 2006; 10 dias do vencimento do mês de Janeiro de 2007 nem 25 dias de férias não gozadas.

80- […].

81- A Ré não pagou à A. VV, que auferia o vencimento de € 652,62, a quantia de € 1.121,75 (7x € 160,25) relativa ao acordo do subsídio de férias de 2004, 2005 e subsídio de Natal de 2004; o subsídio de Natal de 2005; o subsídio de férias de 2006; o subsídio de Natal de 2006; o vencimento do mês de Dezembro de 2006; 10 dias do vencimento do mês de Janeiro de 2007 nem 25 dias de férias não gozadas.

82- […].

83- A Ré não pagou à A. ZZ, que auferia o vencimento de € 431,08, a quantia de € 931,91 (7x € 133,33) relativa ao acordo do subsídio de férias de 2004, 2005 e subsídio de Natal de 2004; o subsídio de Natal de 2005; o subsídio de férias de 2006; o subsídio de Natal de 2006; o vencimento do mês de Dezembro de 2006; 10 dias do vencimento do mês de Janeiro de 2007 nem 25 dias de férias não gozadas.

84- A A. ZZ não tinha nenhum complemento salarial.

85- […].

86- […].

87- [...]»

Este quadro factual não vem impugnado e não se vislumbra fundamento legal para censurar a decisão que o fixou.

A temporalidade dos factos atinentes à cessação dos contratos em juízo reclama a aplicação do regime definido, a propósito da resolução com justa causa do contrato de trabalho, por iniciativa do trabalhador, no Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, tendo em atenção o disposto nos artigos 3.º, n.º 1 e 8.º, n.º 1, da mesma Lei.

2. Da justa causa de resolução:

2. 1. No que aqui importa registar, a sentença da 1.ª instância salientou que, à data das comunicações resolutivas, efectuadas, no início de Janeiro de 2007, pelos Autores BB, EE, GG, HH, II, KK, LL, PP, RR, SS, TT, VV e ZZ, encontravam-se, relativamente a eles, «em dívida 7/10 das retribuições correspondentes ao subsídio de férias dos anos de 2004 e 2005 e bem assim o subsídio de Natal de 2004, sendo que já desde 15 de Dezembro de 2005 (inclusive) [a Ré] se encontrava em falta quanto ao acordado pagamento em prestações», e «encontrava-se ainda em dívida o subsídio de Natal de 2005». E observou:

«Estamos em presença de falta de pagamento de retribuição que excede – em muito – o período temporal a que a lei confere objectivamente o direito à resolução (60 dias), ou seja, independentemente de culpa da entidade patronal.

[…]

Na verdade, na falta desses pagamentos, perante uma empresa em total inactividade, sem receber matéria-prima e o gás cortado, com os trabalhadores na empresa sem nada para fazerem, com comunicações da Ré quanto à sua falta de capacidade financeira para efectuar os pagamentos, com os telefones e fax cortados e credores a levarem mercadoria existente em stock ainda por pagar, afigura-se inteiramente justificado que os AA. sentissem como praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, emergente da criação culposa por parte da Ré dessa mesma situação (por decorrer, desde logo, de sua incapacidade de gestão operacional e comercial).

Tendo presente a concomitante situação económica de quem vive com um salário igual ou pouco superior ao mínimo nacional, a exigir que se procure outra actividade geradora de rendimentos, estamos, também aqui, em presença de uma falta culposa do pagamento da retribuição que torna impossível a subsistência do vínculo laboral, a legitimar a resolução com justa causa nos termos previstos no art.º 441.º, n.ºs 1 e 2, b) do C.T..»

2. 2. Discordando deste entendimento, a Ré, no recurso de apelação, sustentou que «os subsídios de férias e de Natal não são susceptíveis de fundamentar a resolução contratual, visto que no conceito de retribuição apenas se pode incluir os salários, vencimento base e diuturnidades, e não os subsídios de férias e de Natal».

O Tribunal da Relação não acolheu a crítica da Ré, observando:

«Na verdade, aqueles subsídios assumem entre nós carácter obrigatório. Terão a natureza de atribuições patrimoniais correctivas (porque complementos salariais caracterizados por uma periodicidade distinta do salário-base, atendendo às épocas em que o trabalhador suporta um acréscimo de despesas em relação às correntes), porventura de gratificações obrigatórias, mas – como sustenta Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 12.ª ed., pág. 467 – cuja integração no cômputo geral da retribuição se verifica e fundamenta, quer na sua obrigatoriedade, quer no seu carácter regular e permanente (v. arts. 249.º e 261.º n.º 2 do Código do Trabalho aplicável).

Logo, são prestações qualificáveis como retribuição para efeitos da sua consideração no quadro de incumprimento geral que tem como efeito o direito de resolução por falta de pagamento pontual da retribuição (noção que se extrai com mais clareza do disposto no artigo 249.º n.º 2 do CT).

Por isso, quando as declarações de resolução tiveram lugar já tinham decorrido mais de 60 dias sobre o vencimento de tais prestações, as resoluções podiam ter lugar por justa causa objectiva, com os mesmos efeitos indemnizatórios.

Efectivamente como defende o STJ (v. Acs. de 2-5-2007 e de 19-11-2008, in www.dgsi.pt, respectivamente procs. 07S532 e 08S1871, e referências doutrinais ali mencionadas), nestes casos (mora por mais de sessenta dias), o trabalhador pode resolver o contrato, independentemente de culpa do empregador, cabendo-lhe a indemnização prevista no artigo 443.º do CT, por força do que vem prescrito no art.º 308.º da dita Lei nº 35/2004 (1- Quando a falta de pagamento pontual da retribuição se prolongue por período de 60 dias sobre a data do vencimento, o trabalhador, independentemente de ter comunicado a suspensão do contrato de trabalho, pode resolver o contrato nos termos previstos no n.º 1 do artigo 442.º do Código do Trabalho;(…) 3- O trabalhador que opte pela resolução do contrato de trabalho tem direito a: a) Indemnização nos termos previstos no artigo 443.º do Código do Trabalho).

Pelo que o recurso improcede nessa parte, por esse motivo.

De todo o modo, cumpre assinalar ainda o seguinte:

E, também, assim, analisando a justa causa, na perspectiva subjectiva do ângulo do n.º 2 do artigo 441.º do CT, com os factos provados e acima descritos teríamos que entender como adequado o juízo de verificação da justa causa subjectiva.

Na verdade, dúvidas não pode haver sobre a existência de ilícito contratual.

Por outro lado, a culpa da ré presume-se (artigo 799 n.º 1 do Código Civil). Não pode considerar-se que a ré demonstrou factos susceptíveis de elidir a presunção de culpa no incumprimento, já que as circunstâncias enunciadas nos factos 46 a 53 (“46- A Ré encontrava-se, por decisão da gerência, à data do envio das cartas referidas em 34, 39, 40, 41 e 42 em situação de total inoperância (o que se mantém em 25.04.2007), desde 21.12.2006 não laborava, não recebia matéria-prima, estava com os fornos desligados; 47- A Ré, no final de 2006, teve problemas de tesouraria, dificuldades que foram consequência de os custos da energia -gás e electricidade - terem subido “em flecha” e por os preços do azulejo terem caído cerca de 1/3; 48- A Ré tinha dificuldades na obtenção de matérias-primas, vidro e argilas, o gás foi cortado bem como o fornecimento de vidro e vários credores levaram mercadoria existente em stock ainda por pagar; 49- Os telefones e fax chegaram a ser cortados e procedendo a Ré apenas à venda dos stocks existentes; 50- A margem de exploração passou a ser mínima e negativa em muitas operações; 51- Verificaram-se alguns problemas internos na gestão da Ré, consubstanciados numa incapacidade de gestão operacional e comercial; 52- A incapacidade de gestão operacional, reflectiu-se num “deficit” de exploração mensal; 53- Essa incapacidade de gestão operacional, conduziu a níveis de produção muito baixo; 54- Esta incapacidade de gestão operacional, foi acompanhada de uma incapacidade de gestão comercial, que levou à quase extinção das vendas ao balcão e no mercado interno, bem como em vendas a preços abaixo da tabela de mercado;”) não significam necessariamente que no caso concreto das retribuições em dívida aos autores existiu efectivamente impossibilidade por parte da ré em liquidá-las em tempo oportuno.

Por outro lado, na apreciação da gravidade dos factos, em si mesma e nas suas consequências, susceptível de tornar imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral (art.º 396.º n.º 2 do CT), as conclusões expressas na sentença da 1.ª instância acima reproduzidas nos parecem acertadas.

Pelo que terá de improceder o recurso de apelação da ré no ponto em apreciação.»

2. 3. Na revista, a Ré persiste, como se vê das conclusões A) a J), em fazer valer o entendimento segundo o qual, para efeitos do disposto no artigo 441.º, n.º 2, alínea a), do Código do Trabalho, os subsídios de férias e de Natal não podem relevar, porque não integram o conceito de retribuição, que apenas integra salários, vencimentos base e diuturnidades, e defende que a única retribuição que estava em falta era a do mês de Dezembro de 2006, mas, à data das comunicações de resolução, não tinham decorrido 60 dias sobre o respectivo vencimento, o que afasta a presunção de justa causa, pelo que, aos Autores cabia demonstrar que teriam justa causa para resolver os contratos.

Tudo ponderado, afigura-se correcto o entendimento expresso pelas instâncias.

Com efeito, tal como salienta a Exma. Magistrada do Ministério Público, no seu proficiente parecer, resulta do disposto no artigo 249.º do Código do Trabalho que a retribuição é constituída pelo conjunto dos valores (em dinheiro ou em espécie) que a entidade empregadora está obrigada a pagar regular e periodicamente ao trabalhador, por força dos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, como contrapartida da disponibilidade do trabalhador para prestar a actividade contratada, sendo que, como escreve António Monteiro Fernandes (Direito do Trabalho, 13.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2006, p. 458), a «característica de regularidade e periodicidade tem um duplo sentido indiciário: por um lado, sugere a existência de uma vinculação prévia do empregador (quando se não ache expressamente consignada) e, por conseguinte, de uma prática vinculante; por outro, assinala a medida das expectativas de ganho do trabalhador e, por essa via, confere relevância ao nexo existente entre a retribuição e as necessidades pessoais e familiares daquele».

Segundo aquele Professor, «a remuneração das férias e o respectivo subsídio, assim como o subsídio de Natal, são, indiscutivelmente, atribuições patrimoniais de carácter retributivo, mas que, ao contrário do «ordenado» mensal e os respectivos complementos, não têm uma relação de correspectividade directa e concreta com certa prestação de trabalho, realizada em tempo e espaço definidos», representando «valores que «corrigem» ou «ajustam» a retribuição global (anual, se se quiser) ao benefício auferido pela entidade empregadora» (obra citada, pp. 469/470).

Acolhendo estas reflexões, tem-se por seguro que, atenta a obrigatoriedade, regularidade e periodicidade do pagamento das prestações em causa, não pode deixar de considerar-se que a falta do seu pagamento pontual releva para efeitos do disposto no artigo 364.º, n.º 2, do Código do Trabalho — de acordo com o qual, o trabalhador tem a faculdade de resolver o contrato decorridos 60 dias após o não pagamento da retribuição —, e do artigo 441.º, n.os 1, 2, alínea a) e 3, alínea c), do mesmo diploma.

Esta conclusão afasta a necessidade de apreciar a alegação da recorrente segundo a qual não tinham decorrido 60 dias sobre o vencimento da remuneração de Dezembro de 2006, baseada no entendimento de que só essa prestação poderia relevar para os mencionados efeitos.

Anuindo-se, no mais, às considerações explanadas no acórdão recorrido, confirma-se o juízo atinente à existência de justa causa para a resolução dos contratos nelas alicerçado.

3. Da medida da indemnização:

A crítica que a recorrente dirige ao acórdão recorrido, nas conclusões I) a N) da revista prende-se com a interpretação do artigo 443.º, n.º 1, do Código do Trabalho, no que diz respeito aos critérios a seguir para a fixação da indemnização ali prevista, especificamente quanto a dever ou não considerar-se, para tal efeito, a antiguidade dos trabalhadores.

Perante idêntica crítica apontada à sentença, o Tribunal da Relação ponderou:

«Relativamente a esta última questão, defende a apelante que o tribunal ao fixar a indemnização aos autores deveria ter fixado em 15 dias de indemnização, para todos os trabalhadores, já que sua conduta, a conduta da ré, foi igual para todos os trabalhadores, não sendo mais gravosa, relativamente aos trabalhadores mais antigos.

Contudo, como refere o Ex.mo PGA no seu parecer, na fixação do montante indemnizatório devido a cada um dos autores, importa considerar a mesma em função dos anos de antiguidade. Na verdade, estando em causa o direito a uma indemnização por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais, a antiguidade do trabalhador na empresa é atendível, na medida em que quanto maior ela é maior o investimento foi o do trabalhador num projecto de vida laboral, maior a sua frustração e, eventualmente, maior a sua dificuldade em retomar uma outra actividade laboral e maiores as suas angústias quanto ao futuro.

O artigo 443.º n.º 1 do Código do Trabalho de 2003 acolhe esse critério de equidade na fixação da indemnização, ao estabelecer […] o direito a uma indemnização por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, devendo esta corresponder a uma indemnização a fixar entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade”.

A lei, no nosso entender, fixa neste caso mais do que uma regra de indemnização, uma sanção contratual ope legis, semelhante à cláusula penal convencional referida no artigo 810.º do Código Civil. O artigo 443.º n.º 1 do Código do Trabalho refere-se à indemnização pelos danos havidos pelo credor lesado (o trabalhador), mas estabelece um mínimo sancionatório pelo qual o empregador sempre será responsável independentemente da existência ou da comprovação dos danos (15 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade). E fixa um tecto máximo para além do qual o trabalhador lesado não pode exigir indemnização pelo dano excedente.

Ao contrário do artigo 439.º n.º 1 do mesmo Código, para o caso da indemnização por despedimento ilícito promovido pelo empregador, não explicita critérios para a fixação da indemnização/sanção. Nem se pode dizer que esse critério seja apenas a medida dos danos patrimoniais ou não patrimoniais efectivamente sofridos, tal como resultaria da simplicidade do disposto no artigo 562.º do Código Civil. No caso do artigo 439.º n.º 1, a chamada “indemnização” tem características de pena contratual, pelo que a ponderação para a sua fixação tem que associar ingredientes de maior ou menor censura do acto ilícito.

A lei remete o julgador para uma graduação de uma verdadeira indemnização/sanção, a qual terá, portanto, de ser aferida de acordo com a gravidade da ilicitude e da culpa do lesante, bem como dos danos causados.

A sentença da 1ª instância valorou, na fixação da indemnização, o seguinte: “no caso, entende-se ajustado fixar essa indemnização em 30 dias para os trabalhadores contratados nos anos 70, 20 dias aos admitidos entre 1 Janeiro de 1980 a 31 de Dezembro de 1990 e 15 dias aqueles cujo vínculo é posterior a esta última data tendo sempre presente que a indemnização não pode corresponder a menos de 3 meses de retribuição base (art.º 443.º, n.º 2 do C.T.)

Entendemos que esse quadro, considerando todo o quadro de anormalidade contratual que justificou a resolução, bem como a ponderação em equidade dos danos - no quadro previsto no artigo 566.º n.º 2 do Código Civil - patrimoniais e não patrimoniais, sendo estes os que se relacionam com a natural perda da estabilidade da fonte de proventos salariais, justifica uma diferenciação nas indemnizações ajustadas em função das diferenças de antiguidade, sobretudo quando elas são muito relevantes (trabalhadores com mais de 30, 20 e 10 anos de antiguidade), sendo adequadas as indemnizações fixadas.»

Sufraga-se este entendimento que se apresenta em consonância com o que, a propósito dos critérios para a fixação da indemnização em caso de resolução do contrato pelo trabalhador, com fundamento em justa causa, se concluiu no Acórdão deste Supremo de 22 de Maio de 2007 (Revista n.º 739/2007, sumariado em www.stj.pt/Jurisprudência/Sumários de Acórdãos /Secção Social), que «[a] um trabalhador com maior antiguidade deve ser conferida uma indemnização mais elevada do que a um trabalhador com menor tempo de desempenho», na ponderação de que «[n]o cômputo da indemnização a fixar quando se poste uma situação de justa causa objectiva não é convocável (ou unicamente convocável) o n.º 1 do art. 439.º, tudo indicando que ela repousará num justo critério do julgador que terá de atentar à antiguidade do trabalhador, às condições económico-financeiras do empregador, aos demais incómodos e inconvenientes que para aqueles advieram e às concretas circunstâncias de inexigibilidade na manutenção do vínculo laboral».

De tudo é, pois, mister concluir pela improcedência das conclusões e pretensões formuladas no recurso.


III

Por tudo o exposto, nega-se a revista.

Custas a cargo da recorrente.

Lisboa, 3 de Novembro de 2010.

Vasques Dinis (Relator)

Mário Pereira

Sousa Peixoto