Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06A2980
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: PAULO SÁ
Descritores: RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
ARRESTO
GARANTIA REAL
TÍTULO EXECUTIVO
Nº do Documento: SJ200611210029801
Data do Acordão: 11/21/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Sumário : I - Nos termos do art. 865.º do CPC, o reclamante tem de estar munido de garantia real sobre o bem penhorado e dispor de título executivo.
II - Se o “destino” natural do arresto é ser convertido em penhora - art. 846.º do CPC - parece-nos, desde logo, que o arresto não é garantia real.
III - A decisão que decreta o arresto nunca pode servir como título executivo em qualquer reclamação de créditos, já que por definição não se declara, condena ou constitui qualquer obrigação, salvo evidentemente a decorrente do arresto do bem.
IV - Mas, se se entender que o reclamante goza de uma garantia real, pode socorrer-se da faculdade prevista no art. 869.º, n.º 1, do CPC, requerendo que a graduação de créditos, relativamente aos bens abrangidos pela sua garantia, aguarde a obtenção do título em causa. *

* Sumário elaborado pelo Relator.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


I. Por apenso à acção executiva em que é exequente Empresa-A e executados Empresa-B, AA, BB e CC, em que foi penhorada, em 20.6.2002, uma fracção autónoma de um imóvel dos executados BB e AA veio DD reclamar um crédito de 64.643,00 euros, referente a indemnização por incumprimento de um contrato-promessa de compra e venda de um imóvel.

O crédito foi liminarmente admitido e a exequente impugnou-o, alegando, além do mais, que o reclamante não dispunha de título executivo, mas apenas de uma decisão de arresto sobre o imóvel.

Foi proferida decisão que não considerou a reclamação do referido crédito e não o graduou.

Inconformado, recorreu o reclamante para a Relação de Lisboa, concluindo no sentido da revogação da decisão e graduação do seu crédito.

A exequente alegou, defendendo a bondade da decisão recorrida.

Veio a Relação a proferir acórdão confirmatório da decisão recorrida.

De novo inconformado, veio o reclamante interpor recurso de revista para este tribunal, recurso que foi admitido.

O recorrente apresentou as suas alegações, formulando, em síntese, as seguintes conclusões:

1. O imóvel identificado nos autos foi prometido vender pelos executados ao recorrente em Setembro de 2000 por 6.500.000$00;
2. O recorrente pagou 5.000.000$00 e foi acordada cláusula penal de 7.000.000$00 em caso de incumprimento;
3. Os executados não só não cumpriram o acordado como o recorrente foi forçado a instaurar Acção e Arresto;
4. Foi decretado Arresto sobre o imóvel (10.ª Vara Cível – 1.ª Secção – Proc. 111-A/2001) e na Acção Principal realizou-se o julgamento, encontrando-se a Decisão a proferir pendente de perícia sobre o imóvel… desde Novembro 2003;
5. A Decisão em Providencia Cautelar de Arresto como apreensão judicial consubstancia um título equiparável à Penhora – artigo 406.º, 2 do CPC. – pelo que não colhe o Acórdão do T.R.L.;
6. O reclamante e recorrente goza de garantia sobre o prédio penhorado pelo que a Reclamação deveria ser admitida;
7. O recorrente não é responsável pelo facto de inexistir decisão desde Novembro 2003, realizado que foi o julgamento na acção principal…;
8. O crédito existe, é quantificado e o Arresto é prévio à execução, o que o TRL ostracizou in totum.

Termina afirmando que a decisão recorrida violou os arts. 868.º e 865.º do CPC., pelo que deve ser revogada.

Houve contralegações, defendendo a bondade do decidido.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II – Fundamentação

II.A. De Facto

Resultaram provados os seguintes factos:

1. A exequente Empresa-A instaurou contra os executados acima identificados, acção executiva para pagamento da quantia de 8.441.653$00, acrescida de juros;
2. O título executivo é constituído por uma livrança, com vencimento em 11/1/2001, subscrita pela sociedade executada e avalizada pelos demais executados;
3. Tendo sido penhorada, 20/6/2002, a fracção autónoma designada pela letra H, correspondente ao 2° andar esquerdo do prédio urbano sito na ...do ..., lote ..., Benfica;
4. "DD" instaurou, contra os ora executados, um procedimento cautelar de arresto relativo a essa fracção autónoma, arresto que foi decretado em 18/9/2001 por decisão já transitada em julgado;
5. Deduziu também a acção principal, a qual se encontra a aguardar – desde Novembro de 2003 – a realização de uma perícia sobre a fracção em causa.

II.B. De Direito

II.B.1. Como se sabe, o âmbito do objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.º 684.º. n.º 3, e 690.º, n.os 1 e 3, do CPC), importando ainda decidir as questões nela colocadas e bem assim, as que forem de conhecimento oficioso, exceptuadas aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras – art.º 660.º, n.º 2, também do CPC.

Assim, a única questão a analisar é relativa à equiparação do arresto a título executivo.

II.B.2. Em função da data do arresto a questão deve ser apreciada à luz do quadro normativo vigente do Código de Processo Civil.

Nos termos do art.º 865.º n.º 1 do CPC, “só o credor que goze de garantia real sobre os bens penhorados pode reclamar, pelo produto destes, o pagamento dos respectivos créditos “.

E nos termos do n.º 2 do mesmo diploma, “a reclamação tem por base um título exequível... “.

“Os pressupostos essenciais da reclamação de créditos pelos credores preferentes ou preferência de pagamento sobre os bens penhorados são a titularidade de um crédito com garantia real sobre os bens penhorados – pressuposto material – e a disponibilidade de um título executivo – pressuposto formal” – SALVADOR DA COSTA, O Concurso dos Credores, Almedina, Coimbra, 3.ª edição, p.252.

Significa isto, que o reclamante tem de estar munido de garantia real sobre o bem penhorado e dispor de título exequível.

Como se sabe o arresto, tal como a penhora, o penhor, a hipoteca, os privilégios creditórios e o direito de retenção é, por um significante sector da doutrina, considerado como direito real de garantia.

O arresto – art. 406.º do Código de Processo Civil – é uma providência cautelar antecipatória da penhora – art. 846.º do Código de Processo Civil – visando garantir um crédito, acautelando eventual prejuízo do credor que receia não o poder cobrar.

O “destino” natural do arresto é ser convertido em penhora – art. 846º do Código de Processo Civil.

Todavia existem divergências na doutrina sobre se o arresto não convertido em penhora deve ser atendido na graduação de créditos (a favor, entre outros, PIRES DE LIMA E ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, Coimbra, 1987, p. 639 e, em sentido contrário, também entre outros, AUGUSTO PENHA GONÇALVES, Curso de Direitos Reais, Universidade Lusíada, 1993, 2.ª edição, pp. 203-204).

Parece ser mais correcta a posição assumida no acórdão da Relação do Porto, de 7.11.2002, e seguida no acórdão da mesma Relação de 17.01.2005, ambos acessíveis no sítio www.dgsi.pt, que, face ao estatuído nos arts. 622.º, n.º 2, do Código Civil (que dispõe: “Ao arresto são extensíveis, na parte aplicável, os demais efeitos da penhora”) e 822.º, n.º 2, do mesmo diploma (“Tendo os bens do executado sido previamente arrestados, a anterioridade da penhora reporta-se à data do arresto”), onde se sustenta que o comando de a anterioridade da penhora se reportar à do arresto prévio, não teria sentido prático, se o arresto valesse “a se” como garantia real.

Parece-nos, por isso que, desde logo, o arresto não é garantia real.

E será título executivo?

Os títulos executivos são os previstos no art.º 46.º do CPC e, reportando-nos ao caso dos autos, apenas a sentença condenatória a proferir na acção principal poderia conferir ao recorrente o necessário título.

É certo que por “sentença condenatória” não se pode entender apenas a sentença proferida em acção de condenação. Também as sentenças exaradas nas acções de simples apreciação ou nas acções constitutivas, na parte em que contenham um segmento condenatório, podem servir de título de executivo. E as sentenças homologatórias, quer de transacção ou de confissão de pedido quer as de partilha, por serem, entre nós, igualmente, sentenças condenatórias (Cf. FERNANDO AMÂNCIO FERREIRA, Curso de Processo de Execução, Almedina, Coimbra, 9.ª edição, pp. 27 e 28).

Como refere EURICO LOPES CARDOSO (Manual da Acção Executiva, Almedina, Coimbra, 3.ª edição, p. 28), “para que a sentença ou o despacho possam basear acção executiva, não é preciso, pois, que condenem no cumprimento de uma obrigação; basta que essa obrigação fique declarada ou constituída por eles “.

Como parece evidente, a decisão que decreta um arresto não declara ou constitui a obrigação principal: esta é apenas um pressuposto do procedimento cautelar. O que a decisão, nestes casos, declara é a respectiva ordem de arresto, fundamentada na verificação dos respectivos requisitos, visando proteger os interesses do suposto credor.

Daí que o arresto careça sempre, sob pena de caducar, de uma decisão condenatória ou constitutiva do direito invocado pelo credor.

Acompanha-se o que é dito no acórdão recorrido sobre o entendimento sufragado no acórdão da Relação do Porto de 15/7/99 (CJ, Ano XXIV, tomo IV, p. 200/203) por se entender que, manifestamente, aí se não fez jurisprudência de sentido contrário ao que aqui se defende.

No caso do arresto, a decisão que o decretou nunca poderia servir como título executivo em qualquer reclamação de créditos, já que por definição não se declarou, condenou ou constituiu qualquer obrigação, salvo evidentemente a decorrente do arresto do bem. E o que está em causa nos presentes autos é um crédito.

A situação à face da lei não pode considerar-se chocante. É certo que o reclamante não pode reclamar o crédito pura e simplesmente, nos termos do art.º 865.º n.os 1 e 2 do Código de Processo Civil, já que, carece de título executivo. Mas, se se entender que goza de uma garantia real, podia socorrer-se da faculdade prevista no artigo 869.º, n.º 1, do mesmo diploma: “O credor que não esteja munido de título exequível pode requerer, dentro do prazo facultado para a reclamação de créditos, que a graduação de créditos, relativamente aos bens abrangidos pela sua garantia, aguarde a obtenção do título em causa“.

Neste sentido se pronunciam de modo muito claro ABÍLIO NETO (Código de Processo Civil Anotado, Ediforum, Lisboa, 16.ª edição, em anotação ao artigo 869.º), EURICO LOPES CARDOSO (op. cit., pp. 473 e ss.) e AMÂNCIO FERREIRA (Curso…, cit., pp. 325 e ss.).

Afirma AMÂNCIO FERREIRA, na obra citada (p. 325):
“Por vezes, o credor, na altura da abertura do concurso, não se encontra munido de título executivo, apesar de o seu crédito gozar de garantia real sobre os bens penhorados. É o que ocorre quando o crédito é privilegiado ou se encontra assegurado mediante arresto ou direito de retenção. Num quadro destes, deve o credor, dentro do prazo facultado para a reclamação dos créditos, requerer que a graduação dos créditos, relativamente aos bens abrangidos pela sua garantia, aguarde até que ele obtenha o título em falta".

Assim, o atraso na prolação da sentença não pode ser usado pelo reclamante como pretexto para o insucesso da sua reclamação. Podia pelo menos ter tentado lançar mão do mecanismo previsto no art.º 869.º n.º 1 do CPC. Se o não fez, só de si próprio se pode queixar.


III. Termos em que se acorda em negar provimento ao recurso de revista interposto.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 21 de Novembro de 2006

Paulo Sá (Relator)
Borges Soeiro
Faria Antunes