Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1255/13.6TBCSC-A.L1-A.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: LUIS ESPÍRITO SANTO
Descritores: OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
DEVER DE PROBIDADE PROCESSUAL
DEVER DE DILIGÊNCIA
RECURSO DE APELAÇÃO
ANULAÇÃO DO PROCESSADO
ARGUIÇÃO DE NULIDADES
Data do Acordão: 07/13/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I- O comportamento processual contrário à lei, desde que se conclua que foi adoptado pelo agente com dolo ou negligência grave na prossecução de uma finalidade inadmissível e susceptível de afectar seriamente, de forma injustificada, os interesses da parte contrária, consubstancia uma conduta reprovável e sancionada no âmbito do instituto da litigância de má fé.
II- A litigância processual exige responsabilidade, probidade e prudência, não sendo aceitável ou admissível a utilização desenfreada e sem critério de todos os meios e expedientes de que a parte se lembre para a prossecução e obtenção dos fins que a possam favorecer.
III- A lei apenas admite o exercício das faculdades processuais que assentem, em termos razoáveis, na realidade revelada objectivamente nos autos; proíbe, por sua vez, o uso dos meios processuais que se fundam naquilo que nunca aconteceu, e de que a parte, actuando com a prudência e diligência medianas e exigíveis, disso poderia e deveria perfeitamente aperceber-se, não atirando para os articulados pretensões assentes unicamente no que é aparente ou ilusório.
IV- Não é concebível, nem desculpável, que a parte se atreva, temerariamente, em sede de recurso de apelação, a peticionar a anulação de parte substancial do processado, com as desastrosas consequências que sabe encontrarem-se-lhe associadas - penalizando profundamente a contraparte que aliás, na situação sub judice, nada teria a ver com a irregularidade processual invocada -, sem que houvesse previamente analisado e estudado o processo, verificando, com um mínimo de rigor e diligência, se existia ou não o grave vício que dizia ter sido cometido.
V- Maior grau de gravidade assume tal conduta quando se trata da invocação de uma nulidade cometida pela mesma parte (exequente/embargado) que teria juridicamente praticado o acto reputado de nulo, visando-se através desse enviesado estratagema desfazer, anulando, o resultado jurídico sentenciado, em desfavor exclusivo dos executado/embargado, que era absoluto e completamente alheio a tais vicissitudes.
Decisão Texto Integral:


Revista nº 1255/13.6TBCSC-A.L1.S1.


 Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção).


I - RELATÓRIO.  

Por apenso aos autos de processo executivo para pagamento de quantia certa intentados por AA, na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por óbito de BB, contra CC, para pagamento da quantia de €432.281,10, veio este último deduzir oposição à execução, pretendendo a sua extinção pelo pagamento e ainda que seja declarada a extinção das hipotecas mencionadas no título dado à execução.
Admitida a oposição e notificada a exequente, esta apresentou contestação, na qual impugna os factos deduzidos pelo embargante, pugnando pela improcedência dos embargos e do pedido de extinção das indicadas hipotecas.
Finda a audiência de julgamento foi após proferida sentença, na qual foi decidido:
a) julgar parcialmente procedentes os presentes embargos, absolvendo os embargantes DD, EE, FF, GG e HH do pedido formulado na execução quanto ao montante de € 330.000,00, a título de capital, e ainda quanto aos juros mencionados no documento denominado de “reconhecimento de dívida”, no montante de € 8.676,00;
b) determinar o prosseguindo da execução para o pagamento da quantia remanescente em dívida de € 20.000,00, a título de capital, a que acrescem os juros de mora, contados sobre a aludida quantia de € 20.000,00, desde a data de citação dos executados CC e EE, à taxa dos juros legais, acrescida de 10% a título de cláusula penal conforme acordado na cláusula 9.ª do mencionado “reconhecimento de dívida”;
c) determinar que ao montante dos juros moratórios referidos na anterior alínea b) seja deduzido o montante de € 10.924,00;
d) julgar improcedente o formulado pedido de extinção das hipotecas incidentes sobre a fração autónoma designada pela letra …., correspondente ao 4.º andar direito, do prédio urbano sito na Rua …., freguesia e concelho …., descrito na Conservatória do Registo Predial de …. sob o n.º ……, e sobre o lote de terreno n.º ….. sito no lugar …., freguesia e concelho de ….., descrito na Conservatória do Registo Predial …. sob o n.º …..53;
e) julgar improcedente a acusada litigância de má fé por parte dos embargantes e embargados;
f) absolver embargantes e embargados dos formulados pedidos indemnizatórios fundados na alegada litigância de má fé;
g) na execução e nos embargos, condenar os embargantes e embargados no pagamento das custas, na proporção do respetivo decaimento.”
Desta decisão recorreu o exequente/embargado para o Tribunal da Relação …., o qual, através do acórdão proferido em 24 de Setembro de 2020, decidiu:
A) indeferir a junção de documentos aos autos, com custas do incidente pelo recorrente que se fixa em 2 U.Cs.;
B) não conhecer da arguição de nulidades processuais, alegadamente praticadas nas sessões de julgamento de 13/04/18, 24/04/19, 26/06/19 e 03/09/19;
C) condenar o recorrente por litigância de má fé em multa que se fixa em 10 U.Cs. e em indemnização à recorrida, a fixar depois da audição das partes nos termos do disposto no artigo 543º nº 3 do CPC;
D) julgar improcedente a apelação, confirmando na íntegra a decisão recorrida.  
Apresentou o exequente/embargado recurso de revista.
Concluiu nos seguintes termos:
1. O presente Recurso de Revista deverá ser admitido por ter existido no Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação ….. uma retificação à Douta Sentença da 1ª Instância, o que afasta a existência de dupla conforme;
2. Não pode o Recorrente concordar com a Decisão tomada pelo tribunal a quo, quando decidiu “A) indeferir a junção de documentos aos autos, com custas do incidente pelo recorrente que se fixa em 2 U.Cs.” uma vez que o Apelante cumpriu os trâmites legalmente impostos pelo art. 651º do Código de Processo Civil, o qual não impõe qualquer ónus ao Recorrente para a junção de documentos.
3. O Recorrente alegou a pertinência da junção em termos de contradizer a Douta Decisão em aspetos que apenas nesta foram expostos, em virtude da relevância dada aos depoimentos das testemunhas, como demonstra a fls. 36 das suas Alegações, quando alegou”… conforme se retira do requerimento executivo que ora se que ora se junta como Doc. n. 1, nos termos do disposto no art. 651º do Código de Processo Civil, por apenas se mostrarem necessários em virtude do julgamento em causa).”
4. O Recorrente alegou expressamente que a junção de documentos se tornou necessária em virtude do julgamento feito na 1ª Instância, pelo que os documentos deveriam ter sido aceites pelo tribunal recorrido, uma vez que os mesmo acarretam, no modesto entender do Recorrente, extrema relevância para a alteração da decisão proferida.
5. O tribunal a quo violou o disposto no art. 651º n. 1 do Código de Processo Civil, sendo este um dos fundamentos da instauração da presente Revista, nos termos do art. 674º n. 1 b) do mesmo diploma.
6. Deverá ser decidida a admissão dos documentos juntos na Apelação, devendo, consequentemente, baixar o processo à Relação para que seja proferida nova decisão com base na apreciação da matéria constante dos respetivos documentos.
7. No que se refere ao ponto “C) condenar o recorrente por litigância de em multa que se fixa em 10 U.Cs. e em indemnização à recorrida, a fixar depois da audição das partes nos termos do disposto no artigo 543º 3 do CPC;”, cuja recorribilidade surge por força do disposto no art. 542º n. 3 do Código de Processo Civil, o Recorrente não pode deixar de demonstrar a sua falta de concordância.
8. O Tribunal a quo baseou tal condenação no facto de ter sido arguida uma nulidade por intervenção como advogado por parte do Dr. II, quando o mesmo havia anteriormente sido arrolado como testemunha.
9. Tal arguição foi, erroneamente, alegada pela mandatária do Recorrido, mas tal deveu-se ao mero facto de não ter atentado que tal testemunha havia sido prescindida, mas o tribunal a quo deveria ter atentado que a actual mandatária do Recorrente apenas interveio no processo com a junção da procuração forense autuada em 26/10/2018, quando a Embargada era AA e o seu mandatário o Dr. JJ, como se afere da Ata de Audiência e Julgamento lavrada em 3 de Fevereiro de 2015.
10. Ora, nem a actual mandatária nem o próprio LL estiveram presentes ou representados na referida Audiência, uma vez que o Recorrente apenas passa a representar a herança, como cabeça de casal, em janeiro de 2016.
11. O Recorrente e a sua actual mandatária não tiveram conhecimento directo e efetivo que a testemunha Dr. II havia sido prescindida aquando da exaustiva elaboração das Alegações de Recurso de Apelação, pelo que deverá ser afastada a conotação de negligência grave na censurabilidade da atuação do Recorrente, sendo anulada a respetiva condenação.
12. Quando assim se não entenda, importa atentar que a arguição desta nulidade não se mostrou como sendo o único fundamento do recurso interposto, não tendo, por isso, sido por este motivo que os Recorridos terão ficado impedidos de vender ou partilhar o património pertencente à herança do Executado CC, pelo que não se pode aceitar como justo o montante da multa a que foi condenado o Recorrente como litigante de má-fé, devendo o mesmo ser substancialmente reduzido.
Contra-alegou o recorrido.
Apresentou as seguintes conclusões:
1 – Vem a recorrente, mesmo após ter sido condenada como litigante de má-fé, recorrer da douta e bem fundamentada decisão, alegando não existir dupla conforme;
3 – Baseando-se numa retificação da sentença operada pelo Acórdão ora colocado em crise, de uma data que resultou de um manifesto lapso;
4 – Claro, pois, se torna que, o recorrente bem sabe não ter qualquer fundamento para o recurso, nem legal nem factual, apenas o fazendo para continuar a “empatar” os recorridos;
5 – E isto porque, o imóvel que ainda se encontram em nome do recorrente e que pertence aos recorridos, sito na ….. em ….., foi penhorado pela mãe do recorrente e certamente o pretende adjudicar a esta para se furtar ao pagamento da indemnização aos recorridos e custas de parte;
6 – Sendo pois clara a intenção de protelar a ação da justiça, deve o mesmo ser, novamente condenado como litigante de má-fé em multa pelo seu valor máximo e indemnização a fixar posteriormente mas nunca inferior a € 5.000,00.
Recebidos os autos, e após o cumprimento do disposto no artigo 655º, nº 1, do Código de Processo Civil, foi proferida, pelo relator, decisão singular rejeitando o conhecimento parcial da revista e julgando findo o recurso nessa parte, prosseguindo a mesma apenas relativamente à condenação do recorrente como litigante de má fé, a qual, por ter tido lugar apenas no âmbito do acórdão recorrido, admite recurso de revista nos termos do artigo 542º, nº 3, do Código de Processo Civil.
O recorrente não reclamou dessa decisão singular nos termos do artigo 652º, nº 3, do Código de Processo Civil, que assim se tornou definitiva.


II – FACTOS PROVADOS.

Foi considerado provado:

A) Em 14 de Fevereiro de 2013, a inicial exequente AA, na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por óbito de BB, demandou os executados CC, MM e EE, tendo dado à execução um documento denominado de “reconhecimento de dívida”, datado de 7 de Novembro de 2006 e assinado pelo CC, MM, BB, AA e EE.
B) Naquele documento consta, designadamente, o seguinte:
“1.- CC (…),
Considerando que incumpriu um contrato-promessa de alienação de um imóvel que, por escrito, tinha celebrado com BB, casado com AA (…);
Reconhece (…) que é devedor, para com o acima identificado (BB) da quantia de € 350.000,00 (…).
2.- O pagamento da quantia em dívida será efectuado do seguinte modo:
a) € 100.000,00 (…) até ao dia 30.08.2007; com o pagamento deste valor expurgará a hipoteca que recai sobre o bem imóvel designado por lote ….., (…) actual …… da freguesia ….., sito na ….., ……….
b) € 125.000,00 (…) até ao dia 28-02-2008; com o pagamento deste valor expurgará a hipoteca que recai sobre a fracção …. do imóvel inscrito pelo n.º ….. (…), na …., freguesia e concelho …...
c) € 125.000,00 (…) acrescidos da quantia de € 8.676,00 (…), a título de juros, até ao dia 30-10-2008.
3.- Com o pagamento das quantias referidas nas alíneas a), b) e c), do número anterior, BB procederá à emissão do respectivo recibo de quitação e será celebrado o contrato prometido realizar entre, como promitentes vendedores - BB e AA - e como promitente comprador - CC -ou com quem este designar.
4.- A falta de pagamento de uma prestação implica o vencimento das restantes.
5.- (…)
6.- (…) reconhece o vencimento de juros, no valor de € 17.476,00 (…), assim determinados: 350.000,00 x 3% x 607,5 dias = € 17.476,00
7.- Ao valor de € 17.476,00 - referido no número anterior - é abatido o valor de € 400,00 (…) pagos por BB a EE (…). Quantia essa correspondente à renda do imóvel, do qual BB é inquilino e EE é senhorio.
8.- O valor remanescente, do referido no número anterior [€ 17.476,00 – (22 x 400,00)] = (…) € 8.676,00 será liquidado (…) até 30-10-2008 (…).
9.- (…)
10.- Os termos do presente acordo foi negociado e ajustado pelos intervenientes, assim como pelos seus cônjuges.
11.- EE (…) dá o seu assentimento ao conteúdo do presente documento, reconhece e aceita ser co-devedor dos € 350.000,00, nos termos antecedentes, assumindo, solidariamente, o pagamento nos prazos estabelecidos (…).”
C) No requerimento inicial da execução, a exequente reconheceu que, do aludido valor em divida de € 350.000,00, os executados tinham já pago, pelo menos, o valor de € 80.000,00; tal pagamento foi efetuado através, designadamente, dos cheques n.º ….…..39, no valor de € 10.000,00, n.º …....50, no valor de € 10.000,00, e n.º …...87, no valor de € 10.000,00, sacados sobre a conta ……..79 que o executado CC tinha no Montepio Geral cujas cópias foram juntas aos autos com o requerimento de 3 de Julho de 2019.
D) Para pagamento parcial do referido montante de € 350.000,00, o falecido CC entregou ao BB o cheque n.º …….92, no valor de € 50.000,00, que, apresentado ao banco, foi devolvido por falta de provisão, cfr. doc. n.º 1 junto com a contestação.
E) Com o requerimento de 16 de Maio de 2019, foi junta aos autos cópia do contrato promessa a que se refere o mencionado documento denominado de “reconhecimento de dívida”, considerando-se aqui reproduzido o teor daquele contrato; tal contrato promessa está datado de 18 de Julho de 2006; o incumprimento contratual mencionado no documento denominado de “reconhecimento de dívida” respeita a este contrato promessa.
F) Conforme doc. n.º 2 junto com a p.i. dos embargos, por escritura pública realizada em 7 de Novembro de 2006, CC e MM constituíram hipoteca, para garantia do pagamento do aludido montante de € 350.000,00 e juros, sobre os seguintes prédios urbanos:
- fração autónoma designada pela letra …, correspondente ao 4.º andar direito, do prédio urbano sito na Rua …., freguesia e concelho ..…., descrito na Conservatória do Registo Predial ..….. sob o n.º …….19;
- lote de terreno n.º …. sito no lugar …., freguesia e concelho ..…, descrito na Conservatória do Registo Predial ..….. sob o n.º …...53.
G) Por escritura pública realizada em 7 de Novembro de 2006, CC, na qualidade de procurador de NN e mulher, OO, declarou vender a BB, pelo preço já recebido de € 14.886,87, o lote de terreno para construção n.º ….. sito na Rua ….., freguesia e concelho de …., descrito na Conservatória do Registo Predial …. sob o n.º …..73 e inscrito na respetiva matriz sob o artigo …..56, cfr. doc. junto aos autos de execução com o req. de 29-05-2019.
H) Em 28 de Novembro de 2006, o BB e a AA celebraram com o CC o contrato promessa cuja cópia foi junta aos autos de execução com o req. de 29 de Maio de 2019.
I) Por escritura pública realizada em 29 de Novembro de 2006, BB, autorizado pela sua mulher AA, declarou vender ao executado EE, pelo preço de € 250.000,00, já recebido, o prédio urbano, destinado a habitação, atualmente sito na Rua ….., anteriormente Rua ….., em ….., freguesia …., concelho …., descrito na …... Conservatória do Registo Predial …. sob o n.º …….27, cfr. doc. n.º 1 junto com a p.i. dos embargos.
J) Com a celebração da escritura pública realizada em 29 de Novembro de 2006, o BB e o EE visaram, designadamente, o cumprimento do acordado no referido contrato promessa de 18 de Julho de 2006 entre as partes ali contratantes BB e CC.
K) Por intermédio da referida escritura pública de 29 de Novembro de 2006, o Banco Comercial Português, S.A. concedeu ao executado EE um empréstimo no montante de € 250.000,00, a utilizar para o pagamento do preço da aquisição do identificado prédio urbano, tendo ainda sido constituído uma hipoteca sobre aquele prédio para garantia do cumprimento do mencionado contrato de mútuo.
L) Para além da referida hipoteca constituída em 29 de Novembro de 2006, que se mostra registada, foi ainda registada, em 16 de Fevereiro de 2007, uma outra hipoteca sobre o mesmo prédio para garantia de outro empréstimo no montante de € 250.000,00.
M) Os registos, provisórios e definitivos, respeitantes à aquisição pelo EE do identificado prédio urbano e às duas mencionadas hipotecas foram lavrados nas mesmas datas, respetivamente, em 19 de Fevereiro de 2006 (registos provisórios) e 16 de Fevereiro de 2007 (registos definitivos), cfr. doc. junto aos autos com o req. de 10 de Julho de 2019.
N) Em 2017, o valor patrimonial tributário do identificado prédio urbano sito na Rua …., em …., foi fixado em € 255.380,00; em 2006, tal valor patrimonial tributário era de € 88.347,08, cfr. doc. junto com o req. de 28-06-2019 e doc. n.º 1 junto com a p.i. dos embargos.
O) O BB faleceu em 2 de Novembro de 2008, no estado de casado com a AA, no regime de separação de bens, conforme cópia da habilitação notarial junta aos autos de execução.
P) Em setembro de 2009, os ora executados CC, MM e EE foram notificados pela agente de execução nos termos que constam das certidões de notificação judicial avulsa juntas aos autos de execução.
Q) Em 31 de Outubro de 2012 foi registado a favor do Banco Comercial Português, S.A. a aquisição, em processo de execução, do identificado prédio urbano sito na Rua …., anteriormente Rua ….., em …; em tal processo de execução, aquele prédio urbano foi adjudicado ao Banco Comercial Português, S.A. pelo valor de € 519.597,50, cfr. doc. junto aos autos com o req. de 10 de Julho de 2019.
R) O executado CC faleceu em 27 de Novembro de 2015, cfr. doc. de fls. 87 e verso.
S) Desde data anterior ao ano de 2006, o BB e a AA habitavam o identificado prédio urbano sito na Rua …., anteriormente Rua …, em ….; o BB habitou neste prédio até à data do seu falecimento, ocorrido em 02-11-2008, e a AA habitou o mesmo prédio até, pelo menos, 31 de Outubro de 2012.
T) Em 2006 e nos anos anteriores, o executado CC desenvolveu a atividade económica de …. e …….
U) Em 2006, o falecido CC estava casado com a executada MM, embora já vivessem separados um do outro.
V) O executado EE é filho do falecido CC, exercendo a profissão de …...
W) Em 28 de Novembro de 2006, entre o EE, como senhorio, e o BB e a AA, como arrendatários, foi celebrado o contrato de arrendamento cuja cópia foi junta com o requerimento de 29 de Maio de 2019; nos termos da cláusula 13.ª daquele contrato, o senhorio aceita, a título de compensação, que o pagamento dos valores inerentes à renda do imóvel sejam compensados pela dedução do valor nos juros inerentes ao reconhecimento de dívida; tal arrendamento teve por objeto o identificado prédio urbano sito na Rua ….., anteriormente Rua …, em …….
O quadro factual relevante para a apreciação da matéria relativa à discutida condenação por litigância de má fé do recorrente – única que se encontra em causa - é o seguinte:
A exequente/embargada AA (primitiva exequente, na qualidade de cabeça de casal na herança aberta por óbito de BB) arrolou como testemunha II.
No início da sessão de julgamento do dia 3 de Fevereiro de 2015 a primitiva exequente/embargada, AA, prescindiu do depoimento da testemunha II, que por esse motivo não foi inquirida.
Através de requerimento entrado em juízo em 28 de Janeiro de 2016, veio LL informar que já havia prestado compromisso e declarações de cabeça de casal no processo nº 214/12…… (o que fez em substituição da anterior e primitiva exequente); constituir como sua mandatária a Drª PP; juntar certidão de óbito de CC, falecido a 27 de Novembro de 2015.
Por despacho proferido em 14 de Março de 2016, face à demonstração do falecimento de CC, foi determinada a imediata suspensão da instância.
Na sessão de julgamento que teve lugar em 13 de Abril de 2018, foi junto substabelecimento pelo mandatário da exequente, II (que fora prescindido enquanto testemunha na sessão de julgamento de 3 de Fevereiro de 2015)
No recurso de apelação que oportunamente interpôs invocou o exequente/embargado LL a seguinte nulidade:
“3 - Preliminarmente, entende o Apelante que existiram atos processuais nulos, pelo facto de o Sr. Dr. II, Ilustre Advogado, quer por ter intervindo como advogado de uma testemunha (AA), quer por ele próprio estar arrolado como testemunha, por força do art. 195º do Código de Processo Civil, verificando-se a prática de atos que a lei não admite e que influíram no exame e na decisão da causa;
4. Tal nulidade importa a nulidade de todos os atos subsequentes à junção do substabelecimento (com ou sem intervenção do Ilustre Advogado, onde se incluem as Audiências de Julgamento realizadas nos dias 13/04/2018, 24/04/2019, 26/06/2019 e 03/09/2019);
5. AA, por ter sido removida do cargo de cabeça de casal, deixou de ser parte no processo, por ter deixado de representar a herança aberta por óbito de BB, pelo que apenas poderia ter sido inquirida no presente processo a título de testemunha e não por meio de declarações de parte, pelo que, não havendo previsão no Código de Processo Civil que permita que as testemunhas possam ser acompanhadas em audiência por mandatário, também o acompanhamento levado a efeito pelo Sr. Dr. II, como mandatário de AA se encontra ferido de nulidade;


III – QUESTÕES JURÍDICAS ESSENCIAIS DE QUE CUMPRE CONHECER.

Condenação do recorrente como litigante de má fé. Responsabilidade das partes pela sua actuação processual. Conformidade com o princípio geral da boa fé. Quantificação da multa.
Passemos à sua análise:
O acórdão recorrido fundamentou a condenação do recorrente como litigante de má fé nos termos seguintes:
“A litigância de má fé prevista no artº 542 do C.P.C., traduz-se, também, na violação do dever de probidade, isto é, do dever de não deduzir pretensões cuja falta de fundamento a parte não devia ignorar, não articular factos contrários à verdade e não requerer diligências meramente dilatórias, com recurso a um uso manifestamente reprovável dos meios processuais.
Articula-se com o disposto no artº 8 do C.P.C. de acordo com o qual as partes devem agir de boa fé e observar os deveres de cooperação a que se mostram adstritos. Conforme referido no Acórdão desta Relação de 21/12/17 (proc.nº 7225.17.8T8ALM-A.L1), no qual a ora Relatora foi 2º adjunta, para que a aludida condenação da parte se justifique, essencial é que se depare o julgador com comportamentos de uma parte de natureza puramente processual, que não com violações de posições de direito substantivo, ou seja, em causa deverão estar sempre ofensas cometidas no exercício da actividade processual, ou a posições também elas processuais ou ao processo em si mesmo, pois que, está a responsabilidade por litigância de má fé “sempre associada à verificação de um puro ilícito processual“, e tendo o instituto por escopo e fundamentalmente, não acautelar “posições privadas e particulares das partes mas sim o interesse público” .
Isto dito, recorda-se que, anteriormente à redacção do artº 456º do pretérito Código de Processo Civil (e introduzida pelo DL nº 329-A/95, de 12/12), era entendimento uniforme na doutrina e na jurisprudência o de que, para se concluir por uma conduta processual de má-fé, não bastava a culpa, sendo absolutamente necessário que a parte tivesse actuado com dolo ou maliciosamente.
Actualmente, porém, e de resto logo a partir das alterações introduzidas no CPC pelo referido DL nº 329-A/95, foi o conceito de litigante de má fé como que alargado/estendido para situações de negligência grave, fazendo-o o legislador com um intuito moralizador da justiça, maxime com o desiderato (tal como emerge do próprio preâmbulo do atinente diploma) de se lograr uma maior responsabilização das partes.
Seja como for, o certo é que, para se concluir por uma actuação processual censurável de uma parte (actuação processual unilateral), não basta que tenha ela, objectivamente, “preenchido” uma qualquer das condutas previstas nas diversas alíneas do nº 2, do artº 542º do CPC, exigindo-se, outrossim, que, ao fazê-lo, tenha actuado com dolo ou negligência grave, ou seja, com negligência grosseira, absolutamente censurável e de todo indesculpável .
Do mesmo modo, e como bem se nota em Ac. do Tribunal da Relação do Porto, importa não confundir com negligência grave a lide meramente temerária ou ousada, ou a dedução de pretensão ou oposição cujo decaimento sobreveio por mera fragilidade da respectiva prova, ou ainda cujo insucesso tenha resultado da dificuldade em apurar os factos e de os interpretar, ou ainda da discordância na interpretação e aplicação da lei aos factos”.
No caso em apreço, veio o recorrente arguir nulidades processuais, requerendo a anulação de todos os actos praticados nos autos a partir de 13/04/18, invocando factos de que forçosamente teria de ter conhecimento, uma vez que a testemunha Dr. II, foi arrolado pela então cabeça de casal/embargada nos autos, que foi prescindida na sessão de julgamento de 03/02/15, como resulta da respectiva acta e que só após, veio a ser junto substabelecimento aos autos pelo aludido causídico.
Se efectivamente a cabeça de casal foi removida e nomeado outro em representação da herança, o facto é que a parte é a mesma e que o novo cabeça de casal veio constituir mandatário, conhecendo, pelo menos desde Janeiro de 2016, todos os actos praticados no processo, tendo pois perfeito conhecimento de que o indicado como testemunha (e sujeito alegadamente a sigilo profissional), fora prescindido e nunca prestara depoimento e só após viera proceder à junção de substabelecimento aos autos, neles passando a intervir. A arguição da nulidade em causa, apesar do seu não conhecimento por extemporânea e deduzida por meio impróprio, traduz-se numa violação grave do dever de boa fé processual, constituindo um expediente com vista a obter a anulação do processado, decorrente de acto praticado pela própria parte, censurável, que assim deve ser sancionado em montante que, tendo em conta a gravidade da infracção e os resultados que com ela se pretendiam alcançar se fixa em 10 U.C.s. (artigos 542º nº 1 do CPC e 27º nº 3 do Regulamento das Custas Processuais.
Não tendo este tribunal elementos para fixar o montante da indemnização peticionada, determina-se que as partes se pronunciem, sobre a mesma, concedendo-lhes o prazo de 5 dias (artº 543 nº 3 do C.P.C.)”
Veio, agora o exequente/embargado pretendeu justificar-se invocando que:
“O Tribunal a quo baseou tal condenação no facto de ter sido arguida uma nulidade por intervenção como advogado por parte do Dr. II, quando o mesmo havia anteriormente sido arrolado como testemunha.
Tal arguição foi, erroneamente, alegada pela mandatária do Recorrido, mas tal deveu-se ao mero facto de não ter atentado que tal testemunha havia sido prescindida, mas o tribunal a quo deveria ter atentado que a actual mandatária do Recorrente apenas interveio no processo com a junção da procuração forense autuada em 26/10/2018, quando a Embargada era AA e o seu mandatário o Dr. JJ, como se afere da Ata de Audiência e Julgamento lavrada em 3 de Fevereiro de 2015.
 Ora, nem a actual mandatária nem o próprio LL estiveram presentes ou representados na referida Audiência, uma vez que o Recorrente apenas passa a representar a herança, como cabeça de casal, em janeiro de 2016.
O Recorrente e a sua actual mandatária não tiveram conhecimento directo e efetivo que a testemunha Dr. II havia sido prescindida aquando da exaustiva elaboração das Alegações de Recurso de Apelação, pelo que deverá ser afastada a conotação de negligência grave na censurabilidade da atuação do Recorrente, sendo anulada a respetiva condenação.
 Quando assim se não entenda, importa atentar que a arguição desta nulidade não se mostrou como sendo o único fundamento do recurso interposto, não tendo, por isso, sido por este motivo que os Recorridos terão ficado impedidos de vender ou partilhar o património pertencente à herança do Executado CC, pelo que não se pode aceitar como justo o montante da multa a que foi condenado o Recorrente como litigante de má-fé, devendo o mesmo ser substancialmente reduzido”.
Apreciando:
Dispõe o artigo 542º, nº 2, do Código de Processo Civil:
“Diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave :
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão“.  
O comportamento processual contrário à lei, desde que se conclua que foi adoptado pelo agente com dolo ou negligência grave na prossecução de uma finalidade inadmissível e susceptível de afectar seriamente, de forma injustificada, os interesses da parte contrária, consubstancia uma conduta reprovável e sancionada no âmbito do instituto da litigância de má fé.
No sentido da afirmação de uma maior e mais exigente responsabilização das partes na forma de proceder processualmente, o Decreto-lei nº 320-A/95, de 12 de Dezembro, conferindo nova redacção ao nº 2 do artigo 456º do Código de Processo Civil (na versão então vigente), passou a sancionar a litigância temerária, quer a título de dolo, quer na forma de negligência grave.
Pode ler-se, a este propósito no preâmbulo do diploma: “Como reflexo e corolário do princípio da cooperação, consagram-se expressamente o dever de boa fé processual, sancionando-se como litigante de má fé a parte que, não apenas com dolo, mas com negligência grave, deduza pretensão ou oposição manifestamente infundadas, altere, por acção ou omissão, a verdade dos factos relevantes, pratique omissão indesculpável do dever de cooperação ou faça uso reprovável dos instrumentos adjectivos, e o dever de recíproca correcção entre o juiz e os diversos intervenientes ou sujeitos processuais, o qual implica, designadamente, como necessário reflexo desse respeito mutuamente devido, a regra da pontualidade no início dos actos e audiências realizados em juízo”.
No mesmo sentido, o artigo 8º do Código de Processo Civil, introduzido igualmente pelo Decreto-lei nº 320-A/95, de 12 de Dezembro, dispõe que “As partes devem agir de boa fé e observar os deveres de cooperação (...)”.
(Vide, a este propósito, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre in “Código de Processo Civil Anotado”, Volume II, Almedina Fevereiro de 2019, 4ª edição, a páginas 456 a 457, onde os autores aludem a que: “o autor ou o réu visa objectivo ilegal quando, por exemplo, utiliza meios processuais, como a reclamação, o recurso ou simples requerimento, para fins ilícitos, designadamente invocando fundamentos inexistentes”).
Refere-se, também sobre esta matéria, no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Fevereiro de 2015 (relator Silva Salazar) proferido no processo 1120/11.1TBPFR.P1.S1: “Impõe-se, pois, para que haja litigância de má fé, que a parte, ao deduzir a sua pretensão ou oposição infundamentada, ou afirmar factos não ocorridos, tenha actuado com dolo ou com negligência grave, ou seja sabendo da falta de fundamento da sua pretensão ou oposição, ou encontrando-se numa situação em que se lhe impunha que tivesse esse conhecimento”.
Conforme enfatiza Paula Costa e Silva, in “A Litigância de Má Fé”, Coimbra Editora 2008, a páginas 632 a 633:
“Sempre que as repercussões do acto vão além deste efeito intraprocessual não podem evitar-se tais repercussões como valoração da inadmissibilidade. Intervirão outros instrumentos, entre os quais a responsabilidade civil decorrente do comportamento ilícito e culposo. (...) olhar os actos processuais como meros actos jurídicos simples redunda num empobrecimento do seu real significado jurídico. Aí está mais um plano em que a colocação dos fins do agente releva para a aplicação de um regime particular ao acto processual, a saber, o da responsabilidade.
Mas esta responsabilidade será determinada, perante um comportamento processual, pelo tipo de ilícito litigância de má fé. Esta intervém quando a inadmissibilidade não é suficiente para esgotar os efeitos do acto processual desconforme. Inadmissibilidade e ilicitude não são valorações reciprocamente excludentes, podendo um acto ser simultaneamente inadmissível e desencadear os efeitos típicos da má fé.
(...) A má fé destina-se a sancionar comportamentos processual ilícitos, independentemente de um juízo de inadmissibilidade”.
Na situação sub judice, afigura-se-nos injustificada e totalmente incompreensível a invocação de nulidade do processado a que o exequente/embargado impensadamente procedeu, o que fez relativamente a um acto há muito praticado pela representante do mesmo exequente/embargado, ou seja, a entidade que ocupava na lide a mesma posição processual em que o arguente se encontra agora.
O que significa que o recorrente pretendeu fazer implodir o processado com base na prática de um acto (a simples indicação de uma testemunha pelo exequente/embargado) provindo da mesma parte jurídica que actualmente representa e que, ao realizá-lo, prosseguiu naturalmente os seus interesses comuns na acção, opondo-se directamente à parte contrária, in casu, o embargado/executado, ora recorrido.
Trata-se de uma situação absolutamente singular e insólita: a parte pratica um acto de apresentação de um determinado meio de prova (indicação de uma testemunha que nem sequer chegou a ser inquirida nos autos, tendo sido prescindida), e a mesma parte (agora representada por entidade física diferente) vem anos mais tarde, em fase de recurso, querer que se anule todo o processo com base nos efeitos (que nenhuns são) daquele mesmo inócuo acto, com vista a eximir-se, desse modo, ao resultado judicial definido na sentença, prejudicando a parte contrária que nada teve a ver com tudo isto.
Note-se que o arguente da nulidade passou a ter intervenção nos autos em 28 de Janeiro de 2016, conforme resulta do requerimento que tem a referência ……..
Em sede de recurso de apelação pediu a anulação de todo processado a partir de 13 de Abril de 2018, o que fez com fundamento na pretensa qualidade de testemunha do advogado II arrolada pela exequente/embargada, representada pela anterior cabeça de casal.
Ora, quando o recorrente arguiu tal nulidade já dispunha, há muito, de todos os elementos que lhe permitiam aperceber-se, actuando conscientemente, como constituía seu especial dever, da absoluta ausência de fundamento para tal invocação.
O indicado causídico (o Dr. II) nunca fora inquirido como testemunha, tendo sido prescindido na sessão que teve lugar no dia 3 de Fevereiro de 2015 e só em Abril de 2018 (mais de três anos depois), é que veio a ser constituído mandatário judicial pela exequente/embargada AA.
O ora recorrente, estando nos autos desde 28 de Janeiro de 2016, e ao tomar conhecimento (mais de dois anos depois) da constituição daquele mandatário judicial, dispunha de todas as condições para poder perfeitamente aquilatar da inexistência de qualquer irregularidade relacionada com a intervenção do Dr. II na dita qualidade de mandatário judicial.
Era o mínimo que, actuando de boa-fé e responsavelmente, se lhe exigia.
Se descobriu e concluiu, então, aquando da interposição o recurso de apelação, pela existência da referida nulidade é porque consultou, ou teria necessariamente que haver consultado, a acta da sessão de julgamento de 3 de Fevereiro de 2015 (donde resultava precisamente a ausência de fundamento para arguir tal nulidade).
Saliente-se que no corpo de alegações da apelação que oportunamente interpôs, o apelante referiu expressamente: “O Sr. Dr. II foi arrolado como testemunha na contestação aos embargos, apresentada pela então cabeça de casal AA e nunca foi prescindido nessa qualidade, o que é pura e simplesmente falso, resultando expressamente da análise dos autos o contrário daquilo que o ora recorrente peremptoriamente sustentou como fundamento para a nulidade que arguiu.
Não é portanto concebível, nem desculpável, que a parte se atreva, temerariamente, em sede de recurso de apelação, a peticionar a anulação de parte substancial do processado, com as desastrosas consequências que sabe encontrarem-se-lhe associadas - penalizando profundamente a contraparte que aliás nada teria a ver com a irregularidade invocada -, sem que houvesse previamente analisado e estudado o processo, verificando, com um mínimo de rigor e diligência, se existia ou não o grave vício que dizia ter sido cometido.
Maior grau de gravidade assume tal conduta quando se trata da invocação de uma nulidade cometida pela parte (exequente/embargado) que tinha juridicamente praticado o acto reputado de nulo, visando-se através desse enviesado estratagema desfazer, anulando, o resultado jurídico sentenciado, em desfavor exclusivo do executado/embargado, que era absoluta e completamente alheio a todas estas vicissitudes.
No fundo, toda a situação processual descrita acaba por se subsumir, ainda que indirectamente, num venire contra factum proprio, na medida em que o arguente não poderia deixar de saber que a representante da parte em causa (o exequente/embargado), ao praticar o acto questionado, agiu legitimamente no âmbito dos poderes de cabeça de casal, cargo em que se encontrava na ocasião investida.
A litigância processual exige responsabilidade, probidade e prudência, não sendo aceitável ou admissível a utilização desenfreada e sem critério de todos os meios e expedientes de que a parte se lembre para a prossecução e obtenção dos fins que a possam favorecer.
Bem pelo contrário, a lei apenas admite o exercício das faculdades processuais que assentem, em termos razoáveis, na realidade revelada objectivamente nos autos; proíbe, por sua vez, o uso dos meios processuais que se fundam naquilo que nunca aconteceu, e de que a parte, actuando com a prudência e diligência medianas e exigíveis, disso poderia e deveria perfeitamente aperceber-se, não atirando para os articulados pretensões assentes unicamente no que é aparente ou ilusório.
Conforme salienta Paulo Costa e Silva in obra citada supra, a pagina 395: “No fundo, o que estará em causa é uma ligeireza particularmente grosseira quanto ao modo como a parte configura a pretensão ou defesa, omitindo, nesta sua actuação, os mais elementares deveres de cuidado e de indagação”.
Refira-se, ainda, que não estamos aqui no domínio produção de prova e do juízo que sobre ela incide por parte do tribunal (contingente, incontrolável e relativamente imprevisível por banda de quem alega os factos respectivos) ou no da discussão relativa à liberdade de opção por diversos entendimentos jurídicos, mas apenas e só perante a obrigação, simples e mundana, de consulta atenta do que consta nos autos.
Na situação sub judice, verifica-se a particularidade de o acto de arguição de nulidade pressupor necessariamente a consulta do processado que o comprovasse facticamente o que, pelos vistos, o recorrente não se deu ao trabalho de fazer, sem que isso o impedisse de, junto de um tribunal superior, irresponsavelmente, se bater afincadamente pela anulação do processado que deveria saber ser inconsistente e descabida.
Invoca o recorrente em sua defesa:
“- O tribunal a quo deveria ter atentado que a actual mandatária do Recorrente apenas interveio no processo com a junção da procuração forense autuada em 26/10/2018, quando a Embargada era AA e o seu mandatário o Dr. JJ, como se afere da Ata de Audiência e Julgamento lavrada em 3 de Fevereiro de 2015”.
 Nem a actual mandatária nem o próprio LL estiveram presentes ou representados na referida Audiência, uma vez que o Recorrente apenas passa a representar a herança, como cabeça de casal, em janeiro de 2016 e não tiveram conhecimento directo e efetivo que a testemunha Dr. II havia sido prescindida aquando da exaustiva elaboração das Alegações de Recurso de Apelação, pelo que deverá ser afastada a conotação de negligência grave na censurabilidade da atuação do Recorrente, sendo anulada a respetiva condenação”.
Não colhe este argumentário.
Ao elaborar o seu recurso de apelação e ao arguir a mencionada nulidade processual, cabia ao recorrente analisar todo o processado que seja relevante nessa matéria e fundar com o mínimo de consistência e seriedade a sua pretensão.
Claramente não o fez e não poderá agora desculpar-se com a sua evidente, gritante e assumida negligência, ou mesmo com a sua inexplicável distracção.
Pelo que é plenamente justificada a sua condenação como litigante de má-fé, nos termos explanados no acórdão recorrido.
Quanto ao montante da multa aplicada:
Prevê o artigo 27º, nº 3, do Regulamento das Custas Processuais que “Nos casos de litigância de má fé a multa é fixada entre 2 (duas) UC e 100 (cem) UC”.
O acórdão recorrido optou por fixar tal condenação em 10 (dez) UC.
Entendemos que, atendendo à natureza e ao tipo de infracção em causa, bem como à circunstância de não se tratar do único fundamento do recurso de revista apresentado, tendo a ver apenas com a falta de cuidado e atenção na análise dos anos que poderá ser de algum modo atenuado pela sua complexidade e longa duração, bem como por se tratar de má fé instrumental e não ter obrigado os recorridos a qualquer outro esforço processual complementar que não o de responder, em sede de contra-alegações de apelação, à invocação de nulidade, afigura-se-nos que a multa a aplicar deverá fixar-se em montante inferior ao constante do acórdão recorrido.
Considera-se, por conseguinte, adequada, ajustada e plenamente suficiente a fixação da multa em 8 (oito) UC.
Concede-se, neste ponto, parcial provimento à revista.

IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes do Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção) em conceder parcial provimento à presente revista, alterando o montante da multa aplicada ao recorrente pela sua condenação como litigante de má fé que passa a cifrar-se em 8 (oito) UC, confirmando-se o acórdão recorrido na parte sobrante.  
 Custas pelo recorrente.

Lisboa, 13 de Julho de 2021.

Luís Espírito Santo (Relator).

Ana Paula Boularot.

Pinto de Almeida.


V – Sumário elaborado pelo relator nos termos do artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil.