Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
98B920
Nº Convencional: JSTJ00035433
Relator: QUIRINO SOARES
Descritores: DIVÓRCIO
DIREITO AO NOME
Nº do Documento: SJ199812100009202
Data do Acordão: 12/10/1998
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: BMJ N482 ANO1999 PAG247
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 60/98
Data: 05/19/1998
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO.
Área Temática: DIR CIV - DIR FAM.
Legislação Nacional: CCIV66 ARTIGO 1677 N1ARTIGO 1677-B N1.
Sumário : I - O divórcio implica a eliminação das relações pessoais e patrimoniais entre os cônjuges, salvo, é claro a relação de liquidação do património comum e daquelas que, não sendo já relações matrimoniais, constituem um tributo a um estado tão profundamente marcante na vida das pessoas (alimentos pós-divórcio, poder paternal conjunto, direito ao uso dos apelidos).
II - Só ponderosos motivos, a avaliar caso a caso, relevando tanto interesses materiais como morais, poderão justificar manter-se o direito ao uso dos apelidos do ex-côjuge.
III - A integridade do nome é valor prevalente perante uma obra de autor, científica, literária, artística, de renome, consolidada e autónoma, mas não o será quando a obra constitui o resultado, directo ou indirecto, do exercício de funções de serviço público, para que, mais que o nome da pessoa que as realiza ou ocupa, conta o título, o cargo, a função em que está investida.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
1. No processo especial de divórcio que correu entre A, como autor, e B como ré/reconvinte, e que terminou por sentença passada em julgado que, dando procedência quer à acção quer à reconvenção, decretou o divórcio e declarou o autor único culpado, aquela B pediu que lhe fosse autorizado conservar os apelidos do marido, que havia adoptado quando do matrimónio.
O autor opôs-se, e a pretensão foi indeferida.
A Relação de Lisboa revogou a decisão da 1ª instância, na apelação que, a propósito, a requerente interpôs, e é desse julgado revogatório que, agora, o requerido agravou, com fundamento na violação do artº 1677º-B, CC Código Civil.
2. São os seguintes os factos adrede fixados pela Relação:
· B, então com 22 anos de idade, casou, em 29 de Abril de 1972, com A, tendo adoptado os apelidos "X", do marido;
· por sentença de 5.6.97, foi decretado o divórcio do casal, e o A declarado único culpado;
· a B é licenciada em engenharia civil, pelo Instituto Superior Técnico;
· quando se empregou, passou a ser conhecida pelos apelidos "X", do marido;
· e isto sucedeu em todos os empregos que teve, nomeadamente na Escola Alfredo da Silva, do Barreiro, onde leccionou entre Janeiro de 1975 e Junho de 1976, e na antiga Direcção Geral dos Serviços Hidráulicos, desde Julho de 1976 até à sua afectação ao quadro da ex-Direcção Geral da Qualidade e do Ambiente;
· presentemente, tem a categoria de assessora principal do quadro da Direcção Geral do Ambiente, exercendo as funções de Directora de Serviços da Direcção Regional do Ambiente e Recursos Naturais de Lisboa e Vale do Tejo;
· por força da sua profissão, tem variadíssimas reuniões com entidades públicas e privadas, sendo sempre tratada e conhecida pelos apelidos X;
· o mesmo se passa nas suas muitas participações e comunicações ocorridas em conferências, colóquios, seminários e congressos, quer nacionais quer estrangeiros;
· de igual modo, os apelidos constam dos seus cartões de visita profissionais, bem como dos seus trabalhos publicados e dos relatórios públicos da sua autoria.
3. A regra geral é a de que, decretado o divórcio, o cônjuge perde os apelidos, do outro cônjuge, que tenha acrescentado aos seus, por ocasião e efeito do matrimónio (cfr. artºs 1677º, nº1 e 1677º-B, nº1, CC).
O divórcio dissolve o casamento, e isso implica a eliminação de todo o tipo de relações pessoais e patrimoniais entre os cônjuges, salvo, é claro, a relação de liquidação do património comum, e, também, aquelas que, não sendo, já, relações matrimoniais, constituem, no entanto, um tributo a um estado tão profundamente marcante na vida das pessoas (os alimentos pós-divórcio, o poder paternal conjunto, o direito ao uso dos apelidos).
Só, pois, ponderosos motivos, a avaliar caso a caso, justificarão que, sobre o rompimento do vínculo matrimonial, paire, intocado, um laço de tamanho significado familiar como é o direito ao uso do apelido do outro cônjuge.
A tarefa, o tema do recurso, é, portanto, ponderar se os motivos invocados pela recorrente, e dados como provados no acórdão recorrido, são suficientemente gravosos para impedir o funcionamento da regra geral.
4. No direito ao uso dos apelidos do ex-cônjuge, podem relevar tanto interesse materiais ou patrimoniais como interesses morais ou não patrimoniais.
Não são, seguramente, interesses da primeira das indicadas espécies os que a recorrida pôs em relevo na sua pretensão.
O que a recorrida pretende é a preservação, para o passado e para o futuro, da unidade do que considera o seu mais importante elemento identificador profissional, de modo a que os novos possam referenciá-la aos trabalhos e relatórios que publicou e os velhos possam fazer o mesmo relativamente às intervenções profissionais ou às publicações que vier a produzir.
Pretende a recorrente, em suma, manter a integridade do nome que a referencia no meio profissional e científico em que se movimenta, para que, da obra feita e da obra por fazer, possam, no primeiro caso, as gerações novas, e, no segundo caso, a geração a que pertence ou as mais antigas, reconhecer, sem confusões, a autoria.
Mas, um tal valor, respeitável, sem dúvida, só é concebível como prevalente sobre o princípio que dimana da 2ª parte do nº1, do citado artº 1677º-B, perante uma obra de autor, científica, literária, artística, de renome, consolidada e autónoma, e já não quando a invocada obra constitui, como é o caso, o resultado, directo ou indirecto, do exercício de funções de serviço público, para que, mais que o nome da pessoa que as realiza ou ocupa, conta o título, o cargo, a função em que está investida.
Não se desconhece que, mesmo no exercício das funções mais burocráticas, há lugar a relações de cariz pessoal, em que a personalidade e o nome dos funcionários contam, e não só o cargo que exercem. Daí que se compreenda o interesse da recorrente em continuar a ser conhecida, tanto nas relações interdepartamentais dentro Estado, como nas mais cosmopolitas áreas de cooperação internacional, pelo apelido que sempre usou. Trata-se, porém, de um interesse meramente subjectivo, sem uma real expressão no plano dos interesses que, ao direito, cumpre regular; na verdade, se algum incómodo, confusão ou perplexidade a "mudança" de apelido originar, no plano das relações pessoais, dentro do meio profissional, não será coisa que se não desvaneça no primeiro contacto e pela normal propagação da mudança.
A culpa do divórcio, que é do requerido, não releva; a culpa poderá servir de pressuposto negativo da pretensão, mas jamais como pressuposto positivo.
O motivo, ou os motivos, terão de ser ponderosos, enquanto reveladores de um interesse real na manutenção dos apelidos; a culpa do interessado poderá é constituir um obstáculo à sua pretensão.
5. Por todo o exposto, dão provimento ao agravo e revogam o acórdão recorrido para que fique a vigorar a decisão denegatória da 1ª instância.
Custas pela agravada.
Lisboa, 10 de Dezembro de 1998.
Quirino soares,
Matos Namora,
Sousa Dinis.