Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
04B2677
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: OLIVEIRA BARROS
Descritores: EXECUÇÃO
NOMEAÇÃO DE BENS À PENHORA
CONTA BANCÁRIA
Nº do Documento: SJ200410140026777
Data do Acordão: 10/14/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 568/04
Data: 03/23/2004
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Sumário : I - O desconhecimento da existência e a dificuldade na identificação ou localização de contas bancárias são realidades diferentes, sendo uma coisa não conseguir - identificar adequadamente - tais contas bancárias e outra diferente não saber, sequer, se efectivamente existem.
II - Como assim, não é de admitir que o exequente nomeie à penhora, indiscriminadamente e sem qualquer informação identificativa, os saldos de eventuais contas bancárias do(s) executado(s) : um requerimento nesses termos não configura uma nomeação de bens à penhora, mas sim um pedido de averiguação da existência de património penhorável dessa espécie.
III - O nº1º do art. 837º-A CPC impõe justificação expressa da efectiva existência de dificuldade séria na identificação ou localização dos bens
IV - Ao aludir à falta de identificação adequada, o art.861º-A, nº6º, CPC pressupõe um princípio de identificação, ainda que incompleta e insuficiente.
V - Não pode deduzir-se, sem mais, da notoriedade do sigilo bancário a existência duma necessidade de recurso sistemático ao art.861-A, nº6º, CPC, convertendo a diligência aí prevista em trâmite normal de toda e qualquer execução.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

Em execução sumária de sentença que em 31/10/2000 moveu a A e a B averbada à 2ª Secção da 1ª Vara Cível de Lisboa, o Banco C - então ... - Financiamento de Aquisições a Crédito, S.A., nomeou, além do mais, à penhora os saldos de todas e quaisquer contas, quer à ordem, quer a prazo, que os executados possuíssem em quaisquer bancos ou instituições financeiras, e requereu que, para efectivação dessas penhoras, o Tribunal oficiasse previamente ao Banco de Portugal a fim de obter a identificação dos bancos ou instituições financeiras em que os executados possuíssem contas bancárias.

São do CPC todas as disposições citadas ao diante sem outra indicação.

Exigida pelo art.837º- (1) - que clara e expressamente se refere a - séria dificuldade na - localização ou identificação de bens penhoráveis - fundamentação da diligência de investigação prévia do património dos executados, considerou-se que o art.837º, nº5º (inalterado) - não dá cobertura a tiros no escuro, não havendo, por consequência, lugar à previsão do art.861º-A, nº6º (redacção do DL 329-A/99, de 20/9), de que se salientou a letra : - saldos em contas bancárias que o exequente não consiga identificar adequadamente -.

Constituindo a primeira disposição citada expressão ou manifestação princípio da cooperação no processo executivo (2) , julgou-se, no entanto, necessária uma prévia actividade investigatória do exequente, e só ter cabimento a cooperação do Tribunal no que respeita à averiguação de património penhorável quando devidamente justificada a dificuldade concreta da identificação adequada dos saldos das contas bancárias.

Não invocada qualquer dificuldade concreta na identificação dessas contas, o Banco exequente foi, por isso (3) , e em vista do art.837º, convidado a apresentar, no que se lhes referia, novo requerimento de nomeação à penhora - convite que expressamente declinou.

No respeitante à nomeação de saldos de contas de depósitos bancários, o requerimento de nomeação de bens à penhora foi, em consequência, anulado - ou, enfim, indeferido (4)

O Banco exequente agravou dessa decisão.

Em acórdão da Relação de Lisboa de 9/7/2003 entendeu-se que, mandando o nº1º do art.837º que ao nomear bens à penhora se identifiquem - tanto quanto possível - os bens a penhorar, não se pode desde logo partir do princípio que o agravante não tinha possibilidade de identificar essas contas e seus saldos. Apesar de não ser essa a situação mais frequente - é possível que o exequente, em alguns casos, possa ter conhecimento de contas bancárias do executado e até dos próprios saldos dessas contas - (5). Esse o mínimo de cooperação imposto pelos arts.837º-A, nº1º, e 861º-A, nº6º (6), a lei exige a alegação e justificação das sérias dificuldades de identificação adequada dessas contas bancárias. O exequente, no entanto, não só não alegou quaisquer razões ou dificuldades concretas e sérias na adequada identificação dessas contas, como, depois de para tanto convidado, entendeu não ter que fazê-lo, só em sede de recurso acabando por aludir ao sigilo bancário

Concluiu-se nesse acórdão que a penhora dos saldos de - eventuais - contas bancárias dos executados não podia ser ordenada, visto que a sua nomeação não obedecia aos requisitos que a lei deter mina.

Assim negado provimento ao recurso do Banco exequente, é ao abrigo do disposto na 2ª parte do art.754º, que o mesmo faz ainda subir esta questão a este Supremo Tribunal de Justiça, dado que foi já, de facto, decidida por forma contrária no domínio da mesma legislação em acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 9/7/2003, no agravo nº 4397/03-2ª, e de 17/2/2004, no agravo nº 9430/03-7ª, de que há cópia nos autos, e não se mostra fixada jurisprudência a este respeito.

Contrariando a síntese imposta pelo nº1º do art.690º, o recorrente formulou as 18 conclusões que seguem :

1ª - Entendeu-se no acórdão recorrido - erradamente no entender do ora recorrente - que o despacho que anulou o requerimento da exequente, ora recorrente, de nomeação de bens à penhora, na parte em que foram nomeados todos os saldos de depósito das contas bancárias dos executados, ora recorridos, não merece qualquer censura, sustentando que não se pode desde logo partir do princípio que o exequente não tem possibilidade de identificar essas contas e seus saldos, acrescentando que a exequente não só não alegou quaisquer razões ou dificuldades concretas e sérias para a adequada identificação dos saldos das contas, como entendeu, depois de ter sido convidado a fazê-lo, que não tinha que alegar quaisquer razões.

2ª - Conclui-se no acórdão recorrido que a execução não podia prosseguir no que toca à penhora dos saldos das contas bancárias dos executados em virtude de a sua nomeação não obedecer aos requisitos que a lei determina, negando-se provimento ao recurso de agravo interposto pelo recorrente.

3ª - É esta a questão que cabe a este Supremo Tribunal de Justiça decidir de harmonia com o disposto na 2ª parte do art.754º, e arts 732º-A e 732º-B, pois a mesma foi já decidida de forma manifestamente contraditória, no domínio da mesma legislação, em, pelo menos, dois acórdãos proferidos pelo Tribunal da Relação de Lisboa e não foi ainda fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça jurisprudência conforme com o acórdão recorrido - v. acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, de 9/7/2003, proferido no agravo nº4397/03-2ª, já junto aos autos em fotocópia com o requerimento to de interposição do presente recurso, e de 17/2/2004, proferido no agravo nº9430/03-7ª, ao diante junto aos autos em fotocópia.

4ª - Resulta do requerimento da exequente, ora recorrente, de nomeação de bens à penhora que esta identificou todos os bens que conseguiu apurar serem pertença dos ora executados, pois nomeou não só todo o mobiliário, aparelhos electrodomésticos, televisão, telefonia e demais recheio e existência que guarnecessem a residência do executado A, ora recorrido, - o executado B encontra-se ausente em parte incerta -, como nomeou também o veículo automóvel da marca Honda, modelo Civic, com a matricula HH, sendo que, como não logrou, nas suas investigações, apurar a existência de quaisquer outros bens, nomeou todos os saldos de depósito das contas bancárias dos executados.

5ª - Acresce que, o exequente, ora recorrente, não sabe, nem pode saber, qual o valor do recheio da casa do executado, como também não sabe, nem pode saber qual o valor do veículo automóvel, não podendo, por isso, saber se tais bens são suficientes para pagar a quantia exequenda, pelo que, não sabendo da existência de contas bancárias dos executados, ora recorridos, mas pressupondo que os mesmos terão algumas, requereu, nos termos da lei, que o Tribunal, como é seu dever, averiguasse de tais contas (destaques nossos).

6ª - Nestes termos, e estando desde logo identificados outros bens, resulta claro que a exequente, ora recorrente, procedeu a investigações sobre quais os bens pertença dos executados, ora recorridos, e que em tais averiguações não logrou saber a identificação de tais contas, sendo que ressalta à saciedade que tal não é possível, atento até o sigilo bancário a que os Bancos e as Instituições Financeiras estão obrigados nos termos da lei, sendo que não é possível à exequente, ora recorrente, obter tais informações.

7ª - Acresce que, ao contrário do que se pretende no acórdão recorrido, nos termos do artigo 837°-A, ao nomear todos os saldos de contas de depósito bancário dos executados, ora recorridos, por a exequente, ora recorrente, não poder obter tais informações nos termos da lei, está desde logo devidamente justificada a dificuldade na identificação e localização de tais bens, pelo que o Tribunal tem o dever de auxiliar a exequente, ora recorrente, na identificação dos mesmos, como resulta do dito preceito legal.

8ª - Assim, o Senhor Juiz a quo, e, assim, também o acórdão recorrido ao manter o despacho proferido em 1ª instância, não só violou os arts. 837°-A e 861°-A, como errou ao formular o convite à exequente, ora recorrente, para aperfeiçoar o seu requerimento de nomeação de bens à penhora, pois violou e interpretou erradamente o disposto no art.811°-B.

9ª - No caso dos autos, o pretenso vício invocado pelo Senhor Juiz a quo - ausência de justificação de dificuldade na identificação ou localização de bens penhoráveis - não constitui qualquer irregularidade ou falta de pressuposto processual do requerimento executivo.

10ª - E não se diga, como se refere no acórdão recorrido, que o Senhor Juiz a quo não indeferiu o requerimento executivo, mas apenas anulou tal requerimento na parte da nomeação à penhora dos saldos das contas bancárias, pois que, ao decidir pela forma que decidiu, no entender do recorrente, violou, também, o disposto no art.811°-B, na medida em que ao anular - e, assim, indeferir - o requerimento de penhora dos saldos das contas bancárias dos executados, ora recorridos, impediu que o exequente, ora recorrente, fosse pago dos seus créditos sobre os executados.

11ª - Errou, portanto, o Senhor Juiz a quo e, assim também, o acórdão recorrido, ao anular o requerimento do exequente, ora recorrente, de nomeação de bens à penhora na parte em que foram nomeados todos os saldos de depósito das contas bancárias dos executados, ora recorridos, aplicando e interpretando erradamente o disposto nos arts 811°-B, 837°-A e 861°-A, que assim violou.

12ª - É mais um exemplo flagrante da protecção que os devedores incumpridores impunemente gozam em detrimento dos credores que cumprem e honram aquilo a que se obrigaram.

13ª - E a confirmar a razão que à recorrente assiste, decidiu, e bem, o Acórdão da Relação de Lisboa de 17/2/2004, cuja publicação a recorrente desconhece e por isso ao diante se junta, acórdão que aliás revogou decisão idêntica proferida também pelo Senhor Juiz a quo.

14ª - E também a confirmar a razão que ao recorrente assiste, decidiu, e bem, o Acórdão da Relação de Lisboa, de 9/7/2003, cuja publicação a recorrente desconhece e por isso juntou, em fotocópia, com o requerimento que apresentou nos autos a interpor o presente recurso, acórdão que aliás revogou, também, decisão idêntica proferida também pelo Senhor Juiz a quo, ao referir que : - Sendo o exequente o principal interessado na efectivação da penhora, está implícito no requerimento de nomeação de bens por ele formulado que ali são indicados os bens que o mesmo conseguiu identificar." E, ainda, que: - Sendo nomeados à penhora saldos bancários, o exequente não deixará de, no seu próprio interesse, fornecer, desde logo, todos os elementos de que disponha, e que permitam a imediata efectivação da penhora. Mas essa será, em principio, uma situação excepcional, pois que, em regra, não existe informação disponível sobre as contas bancárias de terceiros."

15ª - A nomeação á penhora dos saldos das contas dos executados, pelo exequente, ora recorrente, obedece, pois, aos requisitos que a lei determina, devendo a sua execução prosseguir.

16ª - Só a análise superficial das questões pode conduzir a solução tão injusta e contrária ao espírito do direito.

17ª - Errou-se, pois, uma vez mais, no acórdão recorrido, ao considerar-se que a execução não podia prosseguir com a penhora dos saldos das contas bancárias dos executados, em virtude de a sua nomeação não obedecer aos requisitos que a lei determina, e ao negar-se provimento ao recurso de agravo interposto pelo recorrente.

18ª - Ao decidir pela forma como decidiu esta questão, o acórdão recorrido violou e interpretou e aplicou erradamente, - como já fora feito na 1ª instância -, de forma flagrante, o disposto nos arts 837º-A, e 811º-B.

Não houve contra-alegação, e, corridos os vistos legais, cumpre decidir.

Prevenindo, antes de mais, dúvida que a conclusão 3ª possa suscitar, importa notar que a 2ª par- te do nº2º do art.754º se limita a estabelecer excepção à interdição de recurso firmada na sua 1ª par te. Não resulta desse preceito que, quando essa excepção ocorra, necessariamente haja lugar a uniformização de jurisprudência nos termos dos arts.732º-A e 732º-B (7)
Isto arredado :

As questões a resolver são, realmente, as de saber :

a) - se é, ou não, de admitir que o exequente nomeie à penhora, indiscriminadamente e sem qual quer informação identificativa, os saldos de eventuais contas bancárias do(s) executado(s), e

b) - se ao requerer que se procedesse na conformidade do art.861º-A, nº6º, tinha, ou não, de satisfazer algum ónus de justificação desse requerimento.

A matéria de facto a ter em atenção, já adiantada na 1ª parte deste acórdão, é, no essencial, esta:

- O Banco recorrente nomeou, além do mais, à penhora os saldos de todas e quaisquer contas, quer à ordem, quer a prazo, que os executados possuam em quaisquer bancos ou instituições financeiras, e requereu que, para efectivação dessas penhoras, o Tribunal oficiasse previamente ao Banco de Portugal a fim de obter a identificação dos bancos ou instituições financeiras em que os executados possuíssem contas bancárias.

- Julgou-se necessária uma prévia actividade investigatória do exequente, e só ter cabimento a cooperação do Tribunal no que respeita à averiguação de património penhorável quando devidamente justificada a dificuldade concreta da identificação adequada dos saldos das contas bancárias.

- Não invocada qualquer dificuldade concreta na identificação dessas contas, o Banco exequente foi, por isso, convidado a apresentar, no que se lhes referia, novo requerimento de nomeação à penhora.

- Declinou expressamente esse convite.

Nas alegações deduzidas, tanto no agravo interposto na 1ª instância, como no interposto na 2ª, o Banco agravante esclareceu não saber, sequer, da existência de contas bancárias dos executados, antes, e apenas, pressupor que teriam algumas (v. fls.5 dos autos, última linha, e 77, última linha-78, 1ª linha).

Como assim, - requereu, nos termos da lei, que o Tribunal, como é seu dever, - averiguasse de tais - pressupostas, congeminadas - contas (idem, início de fls.6 e 78, e conclusão 5ª, supra ), que não sabia, sequer, se na realidade existiam.

Vale isto por dizer que veio, por assim dizer, à pesca, servindo-se do tribunal para averiguar da existência, ou não, dessas contas. Numa tal óptica, os tribunais e o Banco de Portugal, que tem os poderes e funções atribuídos pelo DL 337/90, de 30/10, não passariam de intermediários entre um banco comercial e os outros na quebra do sigilo bancário (v. arts.78º, 79º, nº2º, al.a), e 80º, nº1º, RGIC - DL 298/92, de 31/12), mais, afinal, não constituindo a previsão, ao tempo, do art.861º-A, nº6º - entretanto revogado pelo art.4º do DL 38/2003, de 8/3 -, que fase preliminar de toda e qualquer execução ( ora regulada nos arts.832º e 833º, de que decorre ter-se com aquele DL dispensado a intervenção do Banco central ).

A lei invocada para, deste modo, e no que respeita à própria existência de contas bancárias, pôr os tribunais a fazer o trabalho de casa dos exequentes, e mesmo, - multidão que são execuções como esta -, transformá-los, em último termo, em simples agentes, agências ou balcões de informações do sistema financeiro, é o predito art.861º-A, nº6º, concretização do princípio da cooperação consignado no art.837º-A, nº1º.

Diga-se, a romper, que, de presumir a razoabilidade prática das soluções da lei processual, não é de crer que o legislador tenha querido conferir um tal conteúdo àquele preceito. A ter, no entanto, sido isso mesmo o que se quis, não se foi claro na sua expressão - quando suposto vem a ser, em todo o caso, também pelo art.9º, nº3º, C.Civ., que o legislador sabe transmitir em termos adequa- dos o seu pensamento e intenções. Como assim, se, na verdade, se queriam pôr os tribunais e o Banco de Portugal ao serviço, em tão latos termos, dos credores (8), teria de dizer-se isso mesmo de modo claro.

Ora, e muito pelo contrário, uma tal pretensão esbarra, se bem parece, de imediato, com a própria letra da disposição legal invocada, pois - e nem para tal distinguir é preciso grande subtileza - uma coisa é não conseguir - identificar adequadamente - contas bancárias e outra - inteiramente diferente - é não saber, sequer, se tais contas efectivamente existem.

Como observado em acórdão deste Tribunal de 12/12/96, BMJ 462/380, uma coisa é o exequente não ter - um exacto conhecimento da natureza dos depósitos, dos seus quantitativos, das datas de vencimento - e - outra coisa, que não pode merecer o mesmo tratamento, é um desconhecimento total acerca da existência - de tais depósitos. Segundo então se julgou, - uma afirmação inequívoca da existência de créditos em certa ou certas dependências bancárias é algo que não pode ser postergado - (idem). Tal assim, ao menos, em determinada(s) instituições de crédito, de que desconhecida a agência ou balcão, bastaria a indicação da sede, valendo, então, o disposto no art.861º-A, nº6º (9).

Como salientado nesse aresto, - aquela identificação mínima dos bens a penhorar que a lei sempre exigirá em derradeira instância ao nomeante, há-de envolver, em qualquer caso, quando se trate de créditos, a concreta identidade de um real devedor (...) -( ibidem ; destaque nosso ).

Só, de facto, uma análise superficial tal podendo contrariar, o sobredito dispositivo prevê e regula, expressamente, apenas a primeira das situações referidas - de incompletude da informação conseguida -, e, ao invés do que o agravante pretende, claramente não abrange a segunda : outrossim revelando bem a sua parte final que se dirige a ou contempla situações" em que - se sabe que
- o executado é - (na realidade) - detentor de contas bancárias - - e não em que, como neste caso, o exequente manifesta ou revela - e acaba, mesmo, por confessar - desconhecer se tais contas, sequer, existem.

Como bem se concluiu em ARL de 26/11/98, de que há sumário na competente base de dados (http://www.dgsi.pt/jtrl), um tal requerimento não se configura como de nomeação de bens à penhora, mas sim como um pedido de averiguação da sua existência.

No acórdão desta Secção de 4/5/2000, BMJ 497/323, citado no ARL de 17/2/2004 invocado pelo recorrente, foi julgada suficiente a referência às várias agências de nada menos de 37 instituições bancárias (10) : é hipótese formalmente - mas só, de facto, formalmente, como observado no acórdão da Relação de Lisboa então revogado ( idem, 324, 2ª col -3. , 2º par.) - diversa da destes autos. Afigura-se de acompanhar a observação de acórdão deste Tribunal de 2/6/99, CJSTJ, VII, 1º, 129, citado no mencionado acórdão revogado, segundo a qual um tal procedimento - revelador de dúvida sobre a própria existência dos depósitos bancários cuja penhora se requeria - desrespeitava frontalmente não apenas o art.837º, nºs 1º e 5º, mas o próprio art.837º-A, nº1º, em que se consagra manifestação do princípio da cooperação, de que o art. 861º-A não constitui, por sua vez, mais que concretização (11).

Acontece até, ainda, que nem ao nomear os bens à penhora, nem no seu posterior requerimento, o ora recorrente houve por bem satisfazer a condição expressa no nº1º do art. 837º-A, que impõe justificação da efectiva existência de dificuldade séria na identificação ou localização dos bens em causa, pretendendo, assim, sem para tanto adiantar justificação alguma, que o tribunal diligencias se averiguar da existência de património penhorável dessa espécie.

Já só na alegação oferecida no agravo interposto na 1ª instância adiantou, se bem se compreende, a tese de que, atento o sigilo bancário, - está desde logo justificada a dificuldade na identificação e localização de tais bens -.

Não só, no entanto, como nele bem se lê, aquele preceito exige mesmo a alegação dessa dificuldade, como é igualmente a sua própria letra que, desde logo, não permite confundir a identificação e localização de bens com a sua efectiva existência.

Como no ARL de 17/2/2004 invocado pelo recorrente se compreendeu (12) , o art.861º-A, nº6º, ao aludir à falta de identificação adequada pressupõe um princípio de identificação, incompleta e insuficiente, embora.

Considerar, porém, como nesse acórdão se fez, que a falta de identificação adequada ali prevista - pode ser uma falta total de identificação - é não atender à clara letra da lei - ponto de partida, e de chegada da sua interpretação ( cfr. nºs 2º e 3º, parte final, do art.9º C.Civ.), desvalorizando, des de logo, o adjectivo adequado, que, a dar-se guarida à tese sustentada nesse aresto, estaria ali a mais, não passando, a ser assim, de redundância.

Bom é de ver que conhecimento da existência e dificuldade na identificação ou localização de contas bancárias são realidades diferentes, e que se o legislador faz determinada exigência é por que a quer ver satisfeita. Nada a tal tirando ou pondo a notoriedade do obstáculo legal com que o exequente se defronta na obtenção das informações necessárias para a efectivação da penhora, o que dele se tem realmente de esperar é elementarmente, enfim, que cumpra lei expressa, e, assim, que expressa e efectivamente justifique as sérias dificuldades referidas no art.837º-A, nº1º.

Não se vê que a posição sufragada pelo acórdão recorrido enferme na realidade do - excessivo rigorismo ou formalismo, suscitando dificuldades onde a lei pretendeu superá-las - que sentencia o invocado acórdão de 9/7/2003. Segundo esse aresto, o requerimento de colaboração do Banco de Portugal - para identificar a existência de contas bancárias do executado- leva implícito que o exequente - não tem efectivo conhecimento de factos que permitam dispensar essa colaboração, nem tem meios próprios que lhe permitam suprir a necessidade dessa colaboração - (respectivas pág.3, última linha, e 4, a fls.64 e 65 destes autos). Não necessariamente assim, a todas as luzes, a justificação que a lei exigia visava, precisamente, convencer o tribunal de que o requerente usara já sem êxito da diligência possível - erro pois, isso sim, sendo passar por cima da letra da lei e dar por implícito o que dela resultava evidente dever ser explicitado.

Deduzir da notoriedade do sigilo bancário a existência duma necessidade de recurso sistemático ao art.861-A, nº6º, CPC, convertendo a diligência aí prevista em trâmite normal de toda e qual- quer execução é, se bem parece, conclusão desligada da realidade. A permissividade desta jurisprudência favorecia ou propiciava, por outro lado, uma inflação ou proliferação de execuções inviáveis, num, em popular expressão, atirar de barro à parede que esbarra na evidência de que não se pode ir buscar dinheiro onde não o há (em comum dizer : "não se pode tirar sangue das pedras- ).

A conclusão 12ª da alegação do Banco recorrente releva, parece, de simples demagogia : não se trata, manifestamente, de proteger devedores relapsos, mas sim de não contemporizar com e, assim, favorecer, até, a inépcia dos agentes económicos, com consequências óbvias no funcionamento do sistema judicial.

Foi, pois, correctamente aplicado o art.811º-B.

O que vem de dizer-se cobra apoio na opinião de Fernando Amâncio Ferreira, - Curso de Processo de Execução -, 3ª ed., 201 e 202, em que se louva ARP de 27/4/2004, com texto integral na respectiva base de dados ( http://www.dgsi.pt /jtrp ), de Remédio Marques, - Curso de Processo Executivo Comum face ao Código Revisto -, 137 e 252 e 253 e notas 699, 703, parte final, e 704, e de Lopes do Rego, - Comentários ao CPC - (1999), 558-II, prevalecendo, a nosso ver, o considerado em ARC de 25/5/99, CJ, XXIV, 3º, 28 ( v.. 29, 2ª col.). Em contrário, v. Lebre de Freitas e outro,- CPC Anotado -, 3º ( 2003 ), 469.

Chega-se, deste modo, à decisão seguinte :

Nega-se provimento a este recurso.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 14 de Outubro de 2004
Oliveira Barros
Salvador da Costa
Ferreira de Sousa
-----------------------------------
(1) Versão, já, do DL 375-A/99, de 20/10, foi entretanto revogado pelo art.4º do DL 38/2003, de 8/3. V. actuais arts.832º e 833º.

(2) No subsequente despacho mencionado no texto citou-se, nomeadamente, a este respeito, Lebre de Freitas, - A Acção Executiva à Luz do Código Revisto - ( 1997 ), 199 e Abrantes Geraldes, - Temas da Reforma do Processo Civil - (1997), 34 a 37.

(3) Com, designadamente, referência à doutrina de Remédio Marques, - A Penhora e a Reforma do Processo Civil - Em especial a penhora de depósitos bancários e do estabelecimento - (2000), 71 a 73.

(4) No final do despacho de sustentação considerou-se não deverem os tribunais ser tomados pelos exequentes institucionais como simples extensões dos respectivos contenciosos e departamentos de cobrança de crédito, em que um requeri mento de averiguação de património penhorável, mesmo não fundamentado ou justificado, teria de ser obedecido. Adita-se nesse despacho não ser a filosofia de serviço relativa ao funcionamento do sistema judicial que prejudica essa observação.

(5)Tal é, por exemplo, o que se mostra acontecido no caso versado em ARC de 7/11/88, CJ, XIV, 5º, 45 ( v. 46, 1ª col., 9º par.).

(6) Actual nº3º ( redacção do DL 38/2003, de 8/3 ).
(7) V. Ac.STJ de 12/3/2002 no Proc.nº3711/01-6ª, com sumário na Edição Anual de 2002 dos Sumários de Acórdãos Cíveis deste Tribunal organizada pelo Gabinete dos Juízes Assessores do mesmo, pág. 93.

(8) Institucionais ou não, é certo, é, no entanto, por demais conhecido o peso - o avultado número de processos - daqueles primeiros no serviço dos tribunais no que respeita a execuções.
(9) Em ARC de 28/2/96, BMJ 454/812, e em Acs.STJ de 14/1 e de 1074/97, CJSTJ, V, 1º, 46-III e 47-V-4. , e 2º, 38-1ª col.- 1º, 5º par., este último também no BMJ 466/427 - v. 429, último par. : - certos bancos - ), julgou-se suficiente a indicação dos bancos em que se encontram as contas. As instituições bancárias dispõem, de facto, de meios informáticos organizados de modo tal que permitem rápida obtenção de resultados a este respeito.

(10) Também ARL de 8/10/96, CJ, XXI, 4º, 124, e de 26/5/98 ( do mesmo relator), de que há sumário na base de dados respectiva ( http://www.dgsi.pt/jtrl ), se julgou admissível a nomeação à penhora dos saldos de contas - em quaisquer bancos -, - podendo até requerer-se que se oficie ao Banco de Portugal que circule por todos os bancos o despacho que ordena a penhora desses mesmos saldos -.

(11) Entretanto, na verdade, surgido o DL 375-A/99, de 20/9, que aditou o nº6º do art.861º-A CPC, julgou-se em ARC de 5/6/2001, com sumário na base de dados respectiva (http://www.dgsi.pt/jtrc), que este último dispositivo constitui excepção à regra do art.837º, nº1º ; e já em ARL de 25/1/2001, também com sumário na base de dados respectiva ( ht tp: //www.dgsi.pt /jtrl ), se tinha julgado - legal - a nomeação à penhora de saldos de contas bancárias mesmo que o exequente desconheça em que instituições de crédito existem - (ou, enfim, existam). É jurisprudência que como resulta do texto deste acórdão se entende não ser de acompanhar, pois não apenas não colhe apoio na letra da lei, como também, se bem parece, o elemento sistemático da interpretação a prejudica e razões práticas de funcionamento do sis-tema judiciário a desaconselham.
(12) O discurso desse acórdão coincide de modo flagrante com o de ARP de 25/1/2001 e de 14/10/2002, de que há texto integral na base de dados respectiva (http://www.dgsi.pt /jtrp).