Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
330/09.6TVLSB.OL1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: GREGÓRIO SILVA JESUS
Descritores: DESPACHO DE APERFEIÇOAMENTO
OMISSÃO
NULIDADE PROCESSUAL
FACTO NOTÓRIO
Data do Acordão: 04/01/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO - ACTOS PROCESSUAIS / NULIDADES DOS ACTOS - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / DESPACHO DE APERFEIÇOAMENTO / INSTRUÇÃO DO PROCESSO / SENTENÇA (EFEITOS) / RECURSOS.
Doutrina:
- Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, vol. II, 1997, pp. 77/79, 81/83, 86/91.
- Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil”, anotado, vol. III, pp. 259/262.
- Anselmo de Castro, Direito Processual Civil, 1982, vol. III, pp. 202/204.
- Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 1984, pp. 250/252.
- Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, “Código de Processo Civil”, Anotado, vol. 2.º, 2ª ed., pp. 382/384.
- Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, 2004, vol. I, pp. 430/431.
- Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, pp. 68, 303/304, 427.
- Pais de Sousa e Cardona Ferreira, Processo Civil, 1997, p. 39.
- Paula Costa e Silva, “Saneamento e Condensação no Novo Processo Civil: A Fase da Audiência Preliminar”, in Aspectos do Novo Processo Civil, Lex, 1997, pp. 224/225 e 228/234.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 153.º, Nº 1, 193.º, 201.º, 203.º N.º2, 205.º, 508.º, N.ºS1, AL. B), 2, 3, 514.º, N.º1, 672.º, 722.º, Nº 3.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 11/5/99, IN BMJ 487º-244; 28/02/00, PROC. Nº 00A118; DE 9/10/03, PROC. Nº 03B2755; 16/10/03, PROC. Nº 03B3103; DE 1/07/04, PROC. Nº 04B2285; 22/06/05, PROC. Nº 05A1781; 21/09/06, PROC. Nº 2772/06; 14/11/06, PROC. Nº 06A3486; 21/11/06, PROC. Nº 06A3687; 27/11/07, PROC. Nº 07A3918; 22/04/08, PROC. Nº 08A1067; 2/10/08, PROC. Nº 08B2406; 20/01/10, PROC. Nº 1282/03.1TBLGS.E1.S1; 13/07/10, PROC. Nº 122/05.1TBPNC.C1.S1; 24/02/11, PROC. Nº 7116/06.8TBMAI.P1.SI, 1/03/12, PROC. Nº 186/10.6TBCBT.S1; TODOS DISPONÍVEIS EM WWW.DGSI.PT .
-DE 8/01/09, PROC. Nº 3908/08, 4/06/09, PROC. Nº 217/09.2YFLSB, DE 10/12/09, PROC. Nº 712/07.8TBTEZ.E1.S1, 13/07/10, PROC. Nº 1674/09.2YRLSB.S1, 30/09/10, PROC. Nº 36103/05.1YPRT-A.P1.S1, 15/05/12, PROC. Nº 610/06.2TBLRA.C1.S1, E DE 4/07/13, PROC. Nº 133/09.8TBCDR.S1, NOS SUMÁRIOS.
Jurisprudência Internacional:
Sumário :
I - O n.º 2 do art. 508.º do CPC (anterior ao introduzido pela Lei nº 41/2013, de 26-06) destina-se ao suprimento de anomalias dos próprios articulados enquanto o n.º 3 do mesmo normativo à correcção de deficiências da exposição quo tale, embora a nova versão tenha de se conter na causa de pedir inicial ou nos limites da defesa.

II - Não pode, por esta via, suprir-se uma ineptidão da petição.

III - A omissão de convite – não vinculado (n.º 3 do art. 508.º) – a aperfeiçoamento não integra nulidade processual.

IV - A parte que dá causa à necessidade de aperfeiçoamento dando, por consequência, causa a eventual nulidade, nunca poderia argui-la face ao disposto no n.º 2 do art. 203.º do CPC, que consagra o princípio da auto-responsabilidade.

V - O conhecimento geral que torna um facto notório, para efeitos do n.º 1 do art. 514.º, é um conhecimento com um elevado grau de divulgação do facto, que permita afirmá-lo como sabido da generalidade, ou grande maioria, das pessoas que possam considerar-se regularmente informadas, e por estas reputadas como verdadeiro.

VI - Não existem nos autos dados dos quais se possa concluir, por um lado, que eram do conhecimento geral e, por outro, que geraram na comunidade a convicção generalizada, sustentada em raciocínios lógicos, de que o recorrido divulgou e ajudou a divulgar na comunicação social a notícia.
Decisão Texto Integral:

                                               Recurso de Revista Excepcional nº 330/09.6TVLSB.L1.S1[1]



    Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


        I— RELATÓRIO       

AA, residente no Lugar ..., ..., Braga, intentou acção declarativa de condenação, sob a forma ordinária, contra BB, com domicílio profissional na Rua .... nº …, Lisboa, pedindo a sua condenação a pagar-lhe uma indemnização no valor de 250.000,00€, acrescido de juros a contar da citação, por danos patrimoniais e não patrimoniais causados pela conduta do réu[2].

Para tanto, alegou, em síntese, que no dia 22/01/06 o réu, que conhecia o autor por este ser há vários anos cliente de uma sua colega de escritório, a Dra. CC, encontrou-se com o autor num hotel de Lisboa, onde dialogaram sobre uma acção administrativa especial e a eventual desistência da mesma, acção essa que havia sido interposta pelo irmão do réu, Dr. BB, e que o réu patrocinava contra a “DD -Investimentos Imobiliários, SA”, da qual é administrador e accionista o autor, encontrando-se a defesa dessa sociedade confiada à aludida Dra. CC.

O réu efectuou uma gravação da conversa que manteve com o autor, sem conhecimento nem consentimento deste, que posteriormente entregou na PJ, e, passando a actuar como agente encoberto daquela polícia, estabeleceu contactos telefónicos com o autor que foram gravados pela PJ, o que culminou com a constituição do autor como arguido no âmbito do processo nº 263/06.8JFLSB e com a divulgação pelos meios de comunicação social que o autor se teria proposto pagar certa quantia ao irmão do réu, com a finalidade de pôr termo à mencionada acção, e com a condição de o mesmo fazer uma declaração pública reconhecendo a legalidade dos negócios do DD, cuja anulação havia peticionado.

O autor entende que a acção encoberta levada a cabo pelo réu consubstancia uma violação dos seus deveres deontológicos, tendo dado origem a participação disciplinar ao Conselho de Deontologia da Ordem dos Advogados de Lisboa, para além de o fazer incorrer em responsabilidade civil extracontratual porquanto o mesmo praticou actos ilícitos que lhe causaram prejuízos incomensuráveis, desde logo pelo imediatismo que envolveu o caso, tendo o autor visto a sua imagem denegrida perante o público, passando a ser identificado como um corruptor sem escrúpulos, em consequência do que sofreu um enorme desgosto e um fortíssimo abalo psíquico que perturbaram a sua capacidade de trabalho e lhe causaram dificuldades de motivação e concentração no desempenho das suas tarefas como empresário, e passou a enfrentar dificuldades nos contactos com as mais diversas entidades públicas.

 Regularmente citado, o réu contestou controvertendo o essencial dos factos alegados, pugnando pela improcedência da acção e pela condenação do autor como litigante de má fé.

O autor respondeu ao pedido da sua condenação como litigante de má fé concluindo pela respectiva improcedência.

Convidado a aperfeiçoar a petição no sentido de caracterizar, concretizando e quantificando, os danos patrimoniais que teria tido e, concomitantemente, para apontar o valor que atribuía aos danos não patrimoniais, o autor esclareceu que todos os danos fundamento do pedido indemnizatório que reclamava eram de natureza não patrimonial (fls. 125/126, 128/129, 136/137), vindo a ser proferido despacho que admitiu a restrição do pedido aos danos não patrimoniais (fls. 373).

Teve lugar uma audiência preliminar na qual foi concedido às partes prazo para juntarem documentos que se afiguravam pertinentes e proporcionadores de imediata decisão da causa (acta de fls. 149/151). O autor veio a pronunciar-se no sentido de que os autos ainda não reuniam condições para a decisão sobre o mérito, requerendo a suspensão dos seus termos até que a Ordem dos Advogados se pronunciasse disciplinarmente quanto aos factos que imputava ao réu, e juntando diversos documentos e dois Pareceres (fls. 153/228).

Por sua vez, o réu ofereceu a certidão judicial que se encontra de fls. 233 a 362, relativa a diversas peças e decisões do processo-crime referenciado, não se opôs à junção dos documentos e Pareceres oferecidos pelo autor, e discordou do pedido de suspensão dos autos.

Exarado tabular despacho saneador, de seguida, considerando que os autos dispunham de todos os elementos necessários para a decisão do mérito da causa, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e, em consequência, absolveu o réu do pedido, bem como o autor do pedido de condenação como litigante de má fé (fls. 374/399).

Inconformado, apelou o autor, mas sem êxito, porquanto a Relação de Lisboa, por unanimidade, no seu acórdão de 2/07/13 (fls. 1005 a 1042), julgando improcedente o recurso, confirmou a sentença recorrida.

Continuando irresignado, pediu revista excepcional a este Supremo Tribunal, invocando o disposto no art. 672.º, nº 1, al. c) do Código de Processo Civil, na redacção introduzida pela Lei nº 41/2013, de 26/06 (correspondente ao art. 721.º-A, nº 1, al. c) na redacção anterior do revogado Dec. Lei nº 303/2007, de 24/08), aceite pelo colectivo de Juízes que constituem a Formação a que alude nº 3 do mesmo normativo.

Nas alegações que apresentou formula as seguintes conclusões[3]:

10.ª - O Recorrente não se conforma com o acórdão recorrido, subscrevendo, ao invés, o entendimento sufragado pelo acórdão fundamento. Daí o presente recurso.

11.ª - Manda o Código de Processo Civil que o Juiz, ao fixar a base instrutória, seleccione a matéria de facto relevante para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, que devam considerar-se controvertidas (cfr. art. 511.º do CPC na redacção do DL 303/2007); no caso em apreço o Tribunal de 1.ª instância procedeu de outro modo, em violação do referido preceito legal: primeiro terá optado por uma determinada solução da questão de direito e só depois terá seleccionado a matéria de facto, desprezando toda a factualidade alegada na petição inicial que está em oposição com a opção trilhada; para além de violar a lei, a decisão sobre a matéria de facto padece de deficiência, tal como alegado no recurso de apelação, não tendo sido possível ao Autor/Recorrente reclamar contra a selecção da matéria de facto visto que a Merítissima Juiz de 1.ª instância proferiu despacho saneador-sentença.

12.ª - Na P.I. o Autor/Recorrente imputa ao Réu/Recorrido a prática de alguns comportamentos que, se provados, são passíveis de ser qualificados como factos ilícitos, geradores de responsabilidade civil extracontratual e o Autor/Recorrente alega também factos que, se provados, são passíveis de ser qualificados como danos não patrimoniais, merecedores da tutela do direito, mais invocando o nexo de causalidade entre o comportamento do Réu/Recorrido e tais danos (vide artigos 79.º a 83.º da P.I.):

- Em virtude do comportamento do Réu, o Autor viu a sua imagem perante o público completamente denegrida,

- Porquanto passou a ser identificado publicamente como um corruptor sem escrúpulos,

- Vendo afectada, de modo irreversível, a imagem de homem probo, digno, consciencioso, sério e honesto de que sempre gozou junto de todas as pessoas em geral;

- Em consequência do comportamento do Réu, o Autor sofreu igualmente um enorme desgosto e um fortíssimo abalo psíquico.

13.ª - Daí a invocação pelo Recorrente nas suas alegações de apelante da necessidade de ampliação da matéria de facto por forma a abarcar-se a dita factualidade invocada na P.I., tendo o acórdão recorrido decidido, contudo, pela irre1evância de tal factualidade, para de seguida concluir pela não invocação pelo Autor/Recorrente de factos concretizadores do nexo de causalidade invocado! Ora, todos aqueles factos - considerados irrelevantes pelo Tribunal a quo - são da maior relevância para a decisão da causa, por sustentarem a verificação, in casu, de requisitos da responsabilidade civil por factos ilícitos - o dano e o nexo de causalidade.

14.ª - Entendeu o Tribunal recorrido, e mal, que o Autor/Recorrente não alegou factos conducentes ao estabelecimento do nexo de causalidade entre a conduta do Réu/Recorrido e os alegados danos, pelo que faleceria esse pressuposto da responsabilidade civil. Ora, tal como defendido no acórdão fundamento, se a Meritíssima Juiz de 1." instância entendia que não tinham sido alegados factos suficientes para o estabelecimento do nexo de causalidade entre a conduta do Réu/Recorrido e os danos alegados pelo Autor/Recorrente - o que teria sido facilmente ultrapassado com o deferimento da ampliação da matéria de facto requerida pelo Autor/Recorrente por forma a abarcar a supra referida factualidade invocada na P.I. -, deveria então a Meritíssima Juiz, em homenagem ao princípio da verdade material, em detrimento da verdade formal, e nos termos do disposto no art.º 508.°, n.º 2, do C.P.C., ter convidado o Autor/Recorrente a suprir a dita irregularidade na concretização da matéria de facto alegada. 

15. ª - Ao ter omitido o mencionado despacho de convite ao aperfeiçoamento, nos termos do art.º 508.°, n.º 2, do C.P.C., cometeu o Tribunal a quo, como tem vindo a entender a Jurisprudência, uma irregularidade susceptível de influir no exame e decisão da causa e, por isso, uma nulidade processual, nos termos do art.º 201°, n.º 1 do C.P.C., que o Recorrente arguiu, nos termos do art.º 205.° do C.P.C. e para todos os devidos efeitos legais.

16.ª - O dever imposto ao Tribunal pelo disposto no citado art.º 508.°, n.º 2 do C.P.C. encontra-se amplamente retratado no Acórdão fundamento - Ac. deste STJ de 04.02.2010 (disponível em www.dgsi.pt e publicado na CJSTJ, ANO XVIII, TOMO 1/2010, P. 48 - Processo n." 199-D/1982.Ll.SI - 2.a Secção, relatado por João Bernardo), que se anexa. Ali se defende que, estando em causa o êxito ou o malogro da acção, tal como manifestamente se verifica no caso concreto, na medida em que na decisão recorrida se entende não ter sido alegada factualidade referente a um dos pressupostos essenciais à verificação de responsabilidade civil extracontratual- o nexo de causalidade -, são de subsumir no n.º 2 e não no n.º 3 do artigo 508.° do Código de Processo Civil - com consequente vinculação - os poderes do juiz ali referidos.

17.ª - Tal como ali se defende, a entender-se que no n.º 3 do art. 508. o do CPC - casos de poder discricionário do juiz - estariam contemplados os casos em que a acção ou a defesa podem naufragar, teríamos uma violação, quiçá mesmo inconstitucional, do princípio da igualdade, porquanto, com um juiz que convidasse as partes, a acção ou a defesa teriam hipóteses de seguir validamente e com outro juiz que não usasse da faculdade daquele n.º 3, dar-se-ia, logo ali, o naufrágio. A decisão duma demanda está nas mãos do juiz relativamente aos actos de julgamento e não como resultado do seu maior ou menor rigor processual.

 18.ª - No caso concreto, o Autor/Recorrente indicou os factos constitutivos do seu direito, embora o possa ter realizado de forma mais evasiva, incompleta ou insuficiente no que se refere ao nexo de causalidade, cuja verificação é essencial para assegurar a procedência da acção, por se tratar de um dos pressupostos legais da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos. Pelo que deveria o juiz tê-lo convidado a completar a causa de pedir, concretizando de forma mais rigorosa e completa os factos referentes ao nexo de causalidade, ao abrigo do disposto no art° 508°, n° 1, al. b) e n° 2 do CPC.

19.ª - E só então, e se o Autor/Recorrente não correspondesse satisfatoriamente ao convite efectuado pelo juiz, é que este poderia, aquando da decisão a proferir sobre o mérito da causa, julgar a acção improcedente por falta de elementos fácticos suficientemente alegados e provados tendentes a obter a procedência da acção. Em tal circunstância, deveria o Tribunal ter determinado ao Autor/Recorrente que aperfeiçoasse a petição inicial, indicando de forma concisa a factualidade omissa no seu entender, para que aquele pudesse efectuar o suprimento da mesma, concedendo-lhe o prazo respectivo, e só posteriormente é que deveria extrair consequências de tal omissão caso as insuficiências detectadas e por si indicadas não fossem supridas convenientemente.

20.ª - Sem conceder, não se pode deixar de referir que constitui um facto notório, por ser do conhecimento geral, dado o mediatismo que envolveu o caso, que o Réu/Recorrido divulgou e ajudou a divulgar na comunicação social a notícia de que o Autor/Recorrente, quer perante o Réu/Recorrido, quer perante o cliente do Réu, irmão deste, no decorrer dos contactos havidos, se terá proposto pagar, com a finalidade de pôr termo à acção supra referida, uma certa quantia ao aí autor (cliente e irmão do ora Recorrido), com a condição de este fazer uma declaração pública reconhecendo a legalidade do negócio em causa cuja anulação tinha pedido; nos termos do art." 514.°, n." 1 do C.P.C. os factos notórios não carecem de alegação nem de prova, devendo considerar-se como tais os factos que são do conhecimento geral.

21.ª - Essa conduta do Réu/Recorrido e os demais factos descritos na petição praticados por este, nomeadamente os factos praticados com ofensa dos seus deveres deontológicos de Advogado e a gravação clandestina que efectuou da conversa que manteve com o autor no dia 22 de Janeiro de 2006, são adequados, de acordo com as regras da experiência comum e o decurso normal do acontecer, a produzir a alegada ofensa da imagem de homem probo digno, consciencioso, sério e honesto de que o Autor/Recorrente sempre gozou junto de todas as pessoas em geral e a produzir também o desgosto e o abalo psíquico alegados pelo Autor/Recorrente na petição.

22.ª - Deveria o Tribunal a quo ter considerado que os factos praticados pelo Réu/Recorrido, alegados na petição inicial pelo Autor/Recorrente, nomeadamente os que dizem respeito à violação dos seus deveres deontológicos e à gravação clandestina que efectuou da conversa que manteve com o Autor no dia 22 de Janeiro de 2006, são adequados, de acordo com a teoria da causalidade adequada consagrada no nosso sistema jurídico, a produzir o desgosto e o abalo psíquico alegados pelo Autor na petição (cf. art.º 82.º da p.i.).

23.ª - É que a decisão recorrida parece olvidar que o Autor/Recorrente alegou, como danos resultantes da actuação do Réu/Recorrido, para além da ofensa da imagem que sempre gozou junto de todas as pessoas em geral, também um enorme desgosto e um fortíssimo abalo psíquico; e mesmo considerando tal factualidade insuficiente para preencher o requisito legal do nexo de causalidade, sempre deveria o Tribunal ter dirigido ao Autor/Recorrente o convite a que alude o n.º 2 do artigo 508.º do Código de Processo Civil, por forma a que aquele carreasse para os autos a factualidade que se considerava imprecisa ou estar em falta, assim completando e/ou concretizando de forma mais precisa a causa de pedir.

24.ª - Ao ter omitido o mencionado despacho de convite ao aperfeiçoamento, nos termos do art.º 508.°, n.º 2, do C.P.C., cometeu o Tribunal a quo uma irregularidade susceptível de influir no exame e decisão da causa e, por isso, uma nulidade processual, nos termos do art.º 201°, n.º 2, do C.P.C., que o Recorrente arguiu, nos termos do art.º 205.° do C.P.C. e para todos os devidos efeitos legais.

25.ª - Norma violada pela decisão recorrida: art. 508.°, n.º 1, alínea b), n.º 2 e n.º 3 do C.P.C ..

26.ª - Termos em que deve ser admitido o presente recurso de revista excepcional, mais se concedendo provimento à revista e, em consequência, deve revogar-se o acórdão recorrido, determinando-se a baixa do processo à Relação, a fim de diligenciar para que se proceda em conformidade com o supra alegado e assim revogar a decisão de 1.ª instância e ordenar a remessa dos autos à 1.ª instância para que, ao abrigo do disposto no art.° 508°, n° 1, al, b) e n° 2 do CPC, seja dirigido convite de aperfeiçoamento da petição inicial ao Autor/Recorrente, por forma a este completar a causa de pedir, concretizando de forma mais rigorosa e completa os factos referentes ao nexo de causalidade, pressuposto da verificação de responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, seguindo-se a organização da selecção da matéria de facto assente e da carecida de prova em ordem à realização da audiência de discussão e julgamento, seguindo os autos os ulteriores termos do processo declarativo ordinário

O recorrido/réu contra-alegou sustentando a inadmissibilidade da revista e, em qualquer caso, a sua improcedência.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.



O objecto dos recursos acha-se delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, salvo as questões de conhecimento oficioso, nos termos dos artigos 635.º, nº 4 e 639.º, nº 1 do Código de Processo Civil, na redacção introduzida pela Lei nº 41/2013, de 26/06 aqui aplicável – por diante CPC.

As questões nelas suscitadas que importa apreciar e decidir são as seguintes:

a) Se o recorrente devia ter sido convidado a aperfeiçoar a petição inicial;

b) Se a omissão desse despacho acarreta nulidade;

c) Se constitui um facto notório que o réu/recorrido divulgou e ajudou a divulgar a notícia na comunicação social.



                                             II-FUNDAMENTAÇÃO

DE FACTO

Vem tida por assente a seguinte matéria de facto:

1 - O A. é administrador da sociedade "EE - Estacionamentos, SA", a qual detém a maioria do capital social da "DD Investimentos Imobiliários (DD), SA", com sede na … n.º …em Lisboa.

2 - Em 5 de Julho de 2005, a sociedade "DD – Investimentos Imobiliários, SA", representada pelo A. e pelo seu sócio FF, celebrou com a Câmara Municipal de Lisboa um contrato, sob a forma de escritura pública, de permuta dos imóveis de que era proprietária, sitos junto à Avenida …, em …, e conhecidos como "DD", por um terreno para construção, composto por uma superfície necessária para desenvolver uma área de edificação, acima do solo, no total de 61.000 (sessenta e um mil) metros quadrados, sita junto  à Avenida …, zona de …, em Lisboa, local conhecido por "F...", pertencente à autarquia.

3 - Os termos de tal acordo haviam sido aprovados, na data de 4 de Fevereiro de 2005, em reunião da Câmara Municipal de Lisboa, com base na proposta de deliberação n.° 36/2005, submetida à Assembleia Municipal, onde foi aprovada por deliberação de 1 de Março de 2005 - deliberação n.° 32/AML/2005.

4 - A sociedade "DD - Investimentos Imobiliários, SA" pretendeu ainda prevalecer-se de um direito de preferência sobre a aquisição de um outro lote de terreno para construção, igualmente sito no espaço conhecido como F..., zona de ... - operação de loteamento de iniciativa municipal n.° …/2005, aprovado pela deliberação …, que deu origem aos lotes de terreno … e …, correspondentes, respectivamente, às descrições prediais n.° … e …, da Freguesia de ....

5 - Na sequência desse entendimento, porque a sociedade "DD - Investimentos Imobiliários, SA" veio a apresentar uma proposta que foi considerada equivalente à vencedora do procedimento de hasta pública instaurado para a venda do referido segundo lote de terreno, veio também o mesmo a ser-lhe vendido, prevendo-se aí um total de 59.000 (cinquenta e nove mil) metros quadrados de área de construção acima do solo, por um valor de 61.950.000,00 € (sessenta e um milhões novecentos e cinquenta mil euros), conforme escritura de compra e venda celebrada a 20 de Julho de 2005.

6 - Por discordar dos termos de tal acordo e por o julgar lesivo dos interesses da autarquia de Lisboa, o cidadão BB veio a intentar, em Julho de 2005, uma acção popular, perante o Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, onde lhe veio a ser atribuído o n.° 1862/05.BELSB e foi distribuído ao 2.° Juízo, 4ª Unidade Orgânica Administrativa, deduzindo, contra o Município de Lisboa, a sociedade "DD - Investimentos Imobiliários, SA" e a "EPUL – Empresa Pública de Urbanização de Lisboa", a pretensão de o Tribunal declarar a nulidade das deliberações que aprovaram o acordo e do contrato de permuta de terrenos supra referido, bem como a nulidade da deliberação e das operações de loteamento do terreno onde se encontrava instalada a F....

7 - O mesmo cidadão BB veio ainda a requerer e a obter o registo da referida acção, na competente Conservatória do Registo Predial, como inscrição às descrições prediais n.° 299 e 300, da Freguesia de ..., em Lisboa, correspondentes  aos terrenos da designada F... adquiridos pela "DD Investimentos Imobiliários, SA" por via do contrato de permuta supra referido.

8 - O cidadão BB apresentou-se como candidato às eleições autárquicas, para o Município de Lisboa, no acto eleitoral que veio a ter lugar na data de 9 Outubro de 2005, vindo a ser eleito como Vereador, cargo de que tomou posse a 28 de Outubro de 2005.

9 - No âmbito das funções que assumiu como Vereador, BB continuou a manifestar-se e a tomar posições dentro da Câmara de Lisboa contra o acordo supra referido, celebrado com a EE, designadamente quanto aos projectos de viabilização de construção destinados aos terrenos cedidos pela autarquia junto a ....

10 - BB é irmão do R.

11 - A defesa da "DD-Investimentos Imobiliários, S.A" na referida acção foi confiada pelo ora autor à Drª CC, que nela apresentou contestação em 08/11/2005.

12 - A 30 de Novembro de 2005 o réu aceitou patrocínio na dita acção, em representação de seu irmão Dr. BB, juntando aos autos, nessa data, procuração através da qual foi constituído mandatário.

13 - A Drª CC exerce a advocacia com vários colegas advogados, entre os quais o ora réu, Dr. BB, partilhando o mesmo escritório.

14 - No dia 22 de Janeiro de 2006, A. e R. encontraram-se num Hotel de Lisboa, e dialogaram sobre a referida acção e sobre a eventual desistência da mesma.

15 - Ao conteúdo dessa conversa respeitam os autos que em certidão se mostram a fls. 237 e vº e fls. 241 a 245 vº, cujo teor se dá por reproduzido.

16 - No dia 24/01/2006 o R. compareceu da PJ de Lisboa, aí tendo sido elaborada a informação de serviço que em certidão se encontra a fls. 234 e v. e cujo teor se dá por reproduzido.

17 - Foi instaurado um processo de inquérito em cuja pendência o R. foi autorizado à prática de actos de colaboração, numa acção encoberta, em coordenação com a Polícia Judiciária, através de despacho que foi proferido e presente ao Juiz de Instrução na data de 24 de Janeiro de 2006, não tendo recebido deste qualquer oposição (cfr. certidão de fls. 233, maxime conjugação de fls. 234 e vº, 235, 236 e vº, 246 e 248).

18 - O R., no âmbito dos referidos actos de colaboração, aceitou participar em novo encontro com o A., que teve lugar no dia 24 de Janeiro, pelas 18h.

19 - Nesse encontro A. e R. mantiveram as conversas a que respeita o auto que em certidão se mostra de fls. 241 a 245 vº e se mostram transcritas em certidão de fls. 250 a 254 vº, cujos teores se dão por reproduzidos.

20 - Pelo menos no dia 24/01/2006 o réu ainda era advogado constituído, representando judicialmente o seu irmão na acção supra identificada.

21 - No dia 26/01/2006 o R. prestou declarações como testemunha, cujo auto em certidão se encontra a fls. 237 e vº, cujo teor se dá por reproduzido.

22 - Ainda em coordenação com a Polícia Judiciária, no âmbito da referida acção encoberta, o R. sugeriu a realização de novo encontro, que teve lugar no dia 27/01/2006, pelas 12h.

23 - Nesse encontro A. e R. mantiveram as conversas que se mostram transcritas em certidão de fls. 255 a 264, cujo teor se dá por reproduzido.

24 - No seguimento da referida acção encoberta levada a cabo pelo R., foi o A. notificado para comparecer nas instalações da Polícia Judiciária no dia 16 de Fevereiro de 2006, data em que tomou conhecimento da actuação levada a cabo pelo R..

25 - Nessa mesma data foi o A. constituído arguido no âmbito do processo n.° 263/06.8JFLSB.

26 - Nesse mesmo dia e nos dias seguintes os meios de comunicação social divulgaram a noticia de que o autor, quer perante o réu quer perante o irmão deste, no decorrer dos contactos havidos, se terá proposto pagar, com a finalidade de pôr termo à acção supra referida, uma certa quantia ao aí autor (irmão do ora réu), com a condição de este fazer uma declaração pública reconhecendo a legalidade do negócio em causa cuja anulação tinha pedido.

27 - O A. foi acusado, pronunciado e condenado em 1ª instância no âmbito do referido processo n.° 263/06.8JFLSB.

28 - No âmbito desses autos foi, em sede de recurso, prolatado o Acórdão da Relação de Lisboa, de 21/10/2008, já transitado em julgado, que em certidão se encontra de fls. 278 a 304, cujo teor se dá por reproduzido.

29 - Em 6 de Novembro de 2007, o A. apresentou participação disciplinar relativa ao R. ao Sr. Presidente do Conselho de Deontologia da Ordem dos Advogados de Lisboa, a qual deu origem ao processo disciplinar n.° 36/2008-L/D.

DE DIREITO

A) Se o recorrente devia ter sido convidado a aperfeiçoar a petição inicial

O tribunal de 1ª instância procurou apurar se a conduta que o autor imputava ao réu era susceptível de o fazer incorrer em responsabilidade civil extracontratual, com a correspondente obrigação de indemnizar.

Após analisar tal problemática sob diferentes perspectivas (quer por imposição da autoridade do caso julgado do Acórdão de 12/10/08 proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, quer pelo enquadramento jurídico da figura do “agente encoberto” na Lei nº 101/2001, de 25/08, ainda pela eventual violação de deveres deontológicos traduzidos na violação do segredo profissional), concluiu que os actos praticados pelo réu não configuravam alguma ilicitude susceptível de integrar a previsão do art. 483.º, nº 1 do Código Civil, o que “tanto bastaria para concluir desde já pela improcedência da acção”.

Mas, como obiter dictum, aquele julgador entendeu por bem demonstrar que essa improcedência sempre se imporia por outra ordem de razões, evidenciando que além disso o autor não alegara factos conducentes ao estabelecimento do nexo de causalidade entre a conduta do réu e os alegados danos não patrimoniais, pelo que igualmente faleceria também esse pressuposto da responsabilidade civil.

Para lá de outras questões que ora não importam, esta última questão e a conexionada imposição ao Juiz para determinar oficiosamente o aperfeiçoamento da petição inicial foi colocada pelo recorrente ao Tribunal da Relação, que dela conheceu e decidiu que no caso o poder do juiz era discricionário, que ele poderia utilizar ou não conforme as circunstâncias, não constituindo tal omissão a nulidade do art. 201.º do CPC.

É precisamente esta solução o leitmotiv da admissão da presente revista excepcional. A questão a decidir nesta sede é a de saber se o Juiz, após a apresentação dos articulados, tinha o dever de proferir um despacho a ordenar a notificação do recorrente/autor convidando-o a aperfeiçoar a petição inicial, completando a causa de pedir, concretizando de forma mais rigorosa e completa os factos referentes ao nexo de causalidade relevante para a decisão da causa, ao abrigo do disposto no art. 508.°, n° 1, al. b) e n° 2 do CPC vigente à data (anterior ao introduzido pela Lei nº 41/2013, de 26/06 e a que pertencerão os normativos doravante citados sem menção expressa de origem).

Importa, por isso, que de modo preliminar se teçam algumas considerações sobre a natureza do despacho de aperfeiçoamento.

Antes da reforma de 1995 e na vigência do artigo 477.º do CPC, o juiz, perante a petição inicial, proferia um despacho liminar que podia ser de aperfeiçoamento, não ocorrendo motivo de indeferimento liminar (art. 474.º, nº 1).

E já se distinguia, então, entre a correcção de irregularidades e o aperfeiçoar de deficiências. Entendia-se ser irregular a petição que não podia ser recebida por falta de requisitos legais ou por não ser acompanhada de documentos essenciais, e deficiente a petição que contivesse imperfeições susceptíveis de comprometer o êxito da acção. Em ambos os casos o poder do juiz era vinculado (nº 1 do art. 477.º)[4].

Estes conceitos[5] no essencial transitaram para o sistema anterior ao regime introduzido pela Lei nº 41/2013, o vigente à data, que alterou o momento do convite transpondo-o para além da petição inicial, para o primeiro contacto do juiz com o processo, após a apresentação do último articulado, o da prolação do despacho pré-saneador[6].

Assim, dispunha o artigo 508.º, nos seus nºs 1 a 3, que findos os articulados, o juiz profere, sendo caso disso, despacho destinado a:

a) Providenciar pelo suprimento de excepções dilatórias, nos termos no nº 2 do artigo 265º;

b) Convidar as partes ao aperfeiçoamento dos articulados, nos termos dos números seguintes.

2) O juiz convidará as partes a suprir as irregularidades dos articulados, fixando prazo para o suprimento ou correcção do vício, designadamente quando careçam de requisitos legais ou a parte não haja apresentado documento essencial ou de que a lei faça depender o prosseguimento da causa.

3) Pode ainda o juiz convidar qualquer das partes a suprir as deficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada, fixando prazo para apresentação de articulado em que complete ou corrija o inicialmente apresentado (…)”.

Prevêem-se neste normativo dois tipos de situações. No nº 2 impõe-se ao juiz o “dever” de convidar (“o juiz convidará”) qualquer das partes ao aperfeiçoamento dos articulados por meras razões formais, sob pena de, não o fazendo, dar causa a uma nulidade processual (art. 201.º, nº 1).

No quadro desta previsão, como refere Abrantes Geraldes, o juiz “apenas pode retirar consequências da falta de preenchimento dos requisitos externos dos articulados ou da falta de apresentação de um determinado documento de junção obrigatória[7].

Consonante com esta leitura se mostra o Conselheiro Lopes do Rego para quem: “A “irregularidade” do articulado (nº 2 deste art. 508.º) continua a radicar na falta de requisitos legais ou na falta de junção de documentos de que a lei faz depender o prosseguimento da causa, impondo imperativamente a sua junção logo na fase dos articulados…”[8].

Por sua vez, no nº 3 concede-se ao juiz o “poder” de convidar as partes (“pode ainda o juiz convidar”) “a suprir as deficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada”. A norma confere aqui ao juiz uma faculdade de convidar as partes ao aperfeiçoamento, conforme o prudente juízo que fizer sobre as deficiências dos articulados.

É inquestionável que deste n.º 3 resulta um poder-dever de natureza essencialmente discricionário que o juiz da causa exercitará ou não segundo o seu prudente arbítrio, daí que a omissão de um tal despacho, em situações em que se justificasse, não importe irregularidade que determine nulidade, não sendo impugnável [9].

O âmbito do convite está delimitado pela letra da lei: “suprir as deficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada”. Merece consideração o que sustenta Abrantes Geraldes: “quando a lei se refere a insuficiência na exposição da matéria de facto, estar-se-á a reportar a condições de procedência da acção ou da excepção, sempre pressupondo que da análise dos articulados respectivos resulte a existência de causa de pedir ou de defesa por excepção.

Mas a alusão efectuada pela lei às imprecisões da matéria de facto anda ligada à deficiente concretização, nomeadamente, quando não é respeitada a distinção entre matéria de facto e de direito, quando são feitas afirmações de pendor conclusivo ou quando a versão apresentada suscita algumas dúvidas, embora sem tornarem ininteligível a posição assumida.”[10].

Precisa ainda Miguel Teixeira de Sousa que: “A deficiência respeita, por isso, ao conteúdo do articulado e à apresentação da matéria de facto; esse vício pode traduzir-se, por exemplo, na insuficiência dos factos alegados ou em lacunas ou saltos na sua exposição[11].

Por fim, refere o Conselheiro Lopes do Rego que: “ O campo privilegiado de actuação do preceituado neste art. 508.º, nº 3, verificar-se-á, pois, quando:

- o autor tiver substanciado, em termos bastantes, uma causa de pedir complexa, omitindo, porém, determinados factos ou circunstâncias complementares, de natureza “constitutiva”, cujo ónus de alegação, consequentemente, lhe incumbe;

- determinado elemento, integrador da causa de pedir, se mostrar insuficientemente concretizado, em consequência de, na exposição da matéria de facto relevante, o autor ter feito apelo a conceitos excessivamente vagos, conclusivos ou integrando matéria que o juiz considere, naquela acção, como “de direito”;

- ocorrerem, na perspectiva do juiz, ambiguidades, imprecisões ou incoerências na exposição da matéria de facto, que prejudiquem a plena inteligibilidade da situação litigiosa[12].

Cabe ponderar que, no que respeita à matéria de facto, o convite à correcção só tem cabimento para “falhas menores” que não comprometam a apreciação do mérito da acção, a clarificar ou a concretizar exposição confusa, imprecisa, vaga e conclusiva, não se destinando a suprir falhas essenciais da alegação, nomeadamente quando pura e simplesmente se omite essa mesma factualidade, ou quando se omite facto essencial à procedência (ou à defesa) na configuração dada ao litígio.

Fora da previsão do preceito está o caso em que a causa de pedir não está identificada, mediante a alegação de elementos de facto suficientes para o efeito, pois que não pode, por esta via, ser suprida uma petição inepta nos termos do artigo 193.º [13], o que igualmente já constava do antigo nº 1 do art. 477.º, a remeter para o nº 1 do artigo 474.º.

É altura de, à luz desta hermenêutica, regressarmos ao corpo dos autos para ver o que nos oferece.

Argumenta o recorrente que alega factos, nos artigos 79.º a 83.º da petição inicial, que, se provados, são passíveis de ser qualificados como danos não patrimoniais, merecedores da tutela do direito, mais invocando o nexo de causalidade entre o comportamento do réu/recorrido e tais danos, pelo que deveria, em homenagem ao princípio da verdade material, em detrimento da verdade formal, e nos termos do disposto no art. 508.°, n.º 2, ter sido convidado a suprir a dita irregularidade na concretização da matéria de facto alegada. 

Não lhe assiste razão. Está o recorrente a referir-se ao seguinte articulado:

- “Com efeito, em virtude do comportamento do réu, o autor viu a sua imagem perante o público completamente denegrida, porquanto” (79.º);

- “passou a ser identificado publicamente como um corruptor sem escrúpulos “(80.º);

- “vendo, assim, o autor afectada, de modo irreversível, a imagem de homem probo, digno, consciencioso, sério e honesto de que, por ser verdadeira e justa, sempre gozou junto de todas as pessoas em geral” (81.º);

- “Em consequência, sofreu o autor um enorme desgosto e um fortíssimo abalo psíquico” (82.º);

- “os quais perturbaram seriamente a sua capacidade de trabalho e lhe causaram enormes dificuldades de motivação e concentração para o desempenho das tarefas exigidas pela sua actividade de empresário”(83.º).

Na decisão da 1ª instância considerou-se, que “a utilização dos vocábulos mediatismo, público e publicamente, juntamente com o alegado em 32º da p.i.[14]...evidencia que a alegada deturpação da imagem do A., de onde decorrem os danos, resulta da difusão dos factos pelos media, pelos meios de comunicação social em geral.

Acontece, porém, que o A. não alega um único facto que permita imputar ao R. tal divulgação. O mesmo vale por dizer que não alegou factos conducentes ao estabelecimento do nexo de causalidade entre a conduta do R. (ou um segmento dela) e os alegados danos, pelo que faleceria esse pressuposto da responsabilidade civil”.

Esta decisão foi mantida pela Relação por considerar não ter o julgador o dever de oficiosamente convidar o recorrente a aperfeiçoar este seu articulado. Entendimento que aqui e agora se reafirma.

Estamos, sem dúvida, perante articulado claramente deficiente no referente ao seu conteúdo, com insuficiência na exposição e concretização da matéria de facto alegada, não só porque omissa no que concerne ao estrito relacionamento do réu com o mediatismo e publicitação que diz ter envolvido o caso, a que o recorrente imputa o denegrir da sua imagem com consequentes “prejuízos incalculáveis”, mas ainda porque assente nuclearmente em factos de pendor conclusivo. Não se trata de vício de pura forma, por inobservância ou carência de requisitos legais ou documento, nem se pode concluir pela inexistência de causa de pedir pois está perfeitamente individualizada e é perfeitamente inteligível, sabe-se qual o fundamento do pedido do autor, os factos estruturantes da mesma constam do articulado só que expostos de forma tecnicamente inadequada.

É indubitável que tais imprecisões e insuficiências factuais respeitam ao conteúdo do articulado, pelo que cabem na previsão do nº 3 do art. 508.º. O mesmo é dizer que o despacho de aperfeiçoamento se insere no quadro de poderes discricionários do juiz.

Assim não entende o recorrente que, ancorando-se no decidido no Acórdão fundamento deste Supremo Tribunal de 04/02/10, Proc. nº 199-D/1982.L1.S1, disponível na base dados do IGFEJ, defende tratar-se de uma situação enquadrável no nº 2 do art. 508.°, de poder vinculado.

De facto, sumariou-se nesse aresto que “Estando em causa o êxito ou o malogro da acção, são de subsumir no n.º 2 e não no n.º 3 do artigo 508.º do Código de Processo Civil - com consequente vinculação - os poderes do juiz ali referidos“, suportando-se tal condensação no seguinte trecho desse aresto: “No primeiro caso (do nº 2), o juiz tem um poder vinculado e, no segundo (do nº 3), um poder discricionário.

Esta diferença conduz-nos, decisivamente, a uma interpretação, no sentido de que, no primeiro caso, está em causa o malogro da acção ou da defesa e, no segundo, apenas a clareza com que o juiz pretende que a acção seja conduzida.“.

Pese embora todo o respeito que a douta opinião em contrário nos merece, não podemos segui-la, principalmente por isto:

Nele se defende o entendimento descrito citando em seu abono a anotação feita por Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto a esse artigo, mas afigura-se-nos que a anotação em causa não tem o sentido de diferenciação na aplicação dos nºs 2 e 3 que lhe foi atribuído no aludido acórdão. O que no comentário daqueles autores se estabelece é a diferenciação entre factos insuficientes e factos não suficientemente concretizados. Para esses comentadores “No primeiro caso (factos insuficientes), está em causa a falta de elementos de facto necessários à completude da causa de pedir ou duma excepção, por não terem sido alegados todos os que permitem a subsunção na previsão da norma jurídica expressa ou implicitamente invocada. No segundo caso (factos não suficientemente concretizados), estão em causa afirmações feitas, relativamente a alguns desses elementos de facto, de modo conclusivo (abstracto ou jurídico) ou equívoco.“.

São uns e outros destes factos que tornam, para tais autores, o “articulado deficiente”, para quem “O aperfeiçoamento é, pois, o remédio para casos em que os factos alegados por autor ou réu (os que integram a causa de pedir e os que fundam as excepções) são insuficientes ou não se apresentam suficientemente concretizados“, e “O poder do juiz, é nestes casos, discricionário (art. 156-4) e, por isso, nem o despacho em que o exerça é recorrível (art. 679) nem o seu não exercício pode fundar uma arguição de nulidade nos termos do art. 201...[15].

Por isso, não perfilhamos a interpretação seguida no aludido aresto de que a diferença entre aqueles dois dispositivos do art. 508.º reside no sentido “de que, no primeiro caso, está em causa o malogro da acção ou da defesa e, no segundo, apenas a clareza com que o juiz pretende que a acção seja conduzida“, não só pelas razões da hermenêutica antes exposta, como por nem todas as situações capazes de integrar a previsão do nº 2 são susceptíveis de implicarem o malogro da acção ou da defesa, assim como noutras enquadráveis no nº 3 a insuficiência na exposição da matéria de facto poder-se-á reportar a condições de improcedência da acção ou da excepção. Se a parte convidada não corresponder ao convite corre o risco de que a decisão de mérito lhe venha a ser desfavorável[16].

Por todas estas razões não nos conformamos ao entendimento perfilhado no acórdão fundamento, que, diga-se, e tanto quanto nos proporcionou a consulta levada a efeito, aparenta assumir uma posição única na jurisprudência deste Tribunal.

Deste modo, não se enquadra naquele nº 2 a omissão de factos ou circunstâncias necessários para o reconhecimento do direito do autor que não integrem requisitos externos ao articulado ou documento essencial. Como se ponderou no Acórdão de 21/11/06, Proc. nº 06A3687, desta Secção, “Acautelando, em absoluto, a equidistância e imparcialidade do julgador, o convite, não vinculado, a que se refere o nº 3 do artigo 508º do CPC, deve destinar-se a corrigir as deficiências puramente processuais do articulado ("insuficiências ou imprecisões na exposição", que têm a ver com a exposição em si mesma, com o mero raciocínio discursivo; ou "concretização da matéria de facto alegada", a prender-se com um elencar de factos equívocos, difusos ou imprecisos) em termos de permitir ao juiz uma rigorosa e unívoca selecção ulterior da matéria relevante para a decisão.

Não pode ser utilizada para a parte suprir aspectos substantivos ou materiais (v.g ónus de alegação e prova de elementos constitutivos do seu direito) tal como - e agora por tal ser causa de ineptidão - para indicar o pedido ou concretizar a "causa petendi". “.

É neste sentido, que aqui e agora se reafirma, que de há muito vem decidindo este Supremo Tribunal. (Cfr., entre outros, os Acs. de 11/5/99, in BMJ 487º-244, 28/02/00, Proc. nº 00A118, 16/10/03, Proc. nº 03B3103, 22/06/05, Proc. nº 05A1781, 21/09/06, Proc. nº 2772/06, 14/11/06, Proc. nº 06A3486, 21/11/06, Proc. nº 06A3687, 27/11/07, Proc. nº 07A3918, 22/04/08, Proc. nº 08A1067, 2/10/08, Proc. nº 08B2406, 20/01/10, Proc. nº 1282/03.1TBLGS.E1.S1, 13/07/10, Proc. nº 122/05.1TBPNC.C1.S1, 24/02/11, Proc. nº 7116/06.8TBMAI.P1.SI, 1/03/12, Proc. nº 186/10.6TBCBT.S1 todos disponíveis na base de dados do IGFEJ, 8/01/09, Proc. nº 3908/08, 4/06/09, Proc. nº 217/09.2YFLSB, 10/12/09, Proc. nº 712/07.8TBTEZ.E1.S1, 13/07/10, Proc. nº 1674/09.2YRLSB.S1, 30/09/10, Proc. nº 36103/05.1YPRT-A.P1.S1, 15/05/12, Proc. nº 610/06.2TBLRA.C1.S1, de que foi relator o aqui 2.º Adjunto, e de 4/07/13, Proc. nº 133/09.8TBCDR.S1 deste relator e conferência, nos Sumários).

Acompanhamos esta jurisprudência prevalecente, para não afirmarmos praticamente unânime, de que acima se dá um fiel retrato, assim como os autores citados, no entendimento de que o estabelecido no art. 508.º n.º3 se aplica aos casos em que a causa de pedir esteja insuficientemente concretizada, independentemente de a deficiência poder contender com o êxito ou o malogro da acção.

Pelo exposto, não merece censura o entendimento sustentado no acórdão recorrido de que à situação ocorrida e denunciada pelo recorrente e ao respectivo suprimento corresponde o convite discricionário do nº 3 do referido artigo 508.º.

B) Se a omissão desse despacho acarreta nulidade

No pressuposto de êxito da sua tese na anterior questão, alegou o recorrente que, ao ter omitido o mencionado despacho, cometeu o Tribunal a quo uma nulidade processual, nos termos do art. 201.°, n.º 1, que o recorrente arguiu, nos termos do art. 205.°.

Tratando-se de poder não vinculado, como acabámos de ver, a não prolação de despacho de aperfeiçoamento não pode fundar arguição de nulidade nos termos do nº 1 do artigo 201.º[17].

Mesmo que não se entendesse assim, se considerasse que a omissão daquele convite correspondia a um dever vinculado, tal omissão integraria uma nulidade geral que, nos termos do art. 203.º, nº 2, não poderia ser arguida pelo autor por lhe ter dado causa, consagração do princípio da auto responsabilidade que, conexo com o principio dispositivo, impõe às partes, a quem incumbe o ónus de impulso processual, que suportem as consequências desfavoráveis da sua desajustada actuação processual.

Acresce ainda que, se se tivesse por verificada essa nulidade, a mesma ocorreu antes da prolação do saneador-sentença e, como o recorrente omitiu a invocação do não exercício do mencionado despacho convite de aperfeiçoamento perante o tribunal da 1ª instância no decêndio posterior à notificação dessa sentença, a referida arguição apenas foi formalizada nas alegações da apelação, ou seja, muito depois do decurso do referido prazo de dez dias, certo é que sanada estaria a nulidade (arts. 205.º, nº 1 e 153.º, nº 1).

É esta a jurisprudência do STJ (v.g, Acórdãos de 24/10/06, Proc. nº 3576/06, e 22/06/05, 21/09/06, 21/11/06, 27/11/07, 22/04/08, 2/10/08, 8/01/09, 13/07/10, 24/02/11 acima citados) de que não vemos razão para dissentir.

C) Se constitui um facto notório que o réu/recorrido divulgou e ajudou a divulgar a notícia na comunicação social

Alegou também o recorrente constituir um facto notório, por ser do conhecimento geral dado o mediatismo que envolveu o caso, “que o Réu/Recorrido divulgou e ajudou a divulgar na comunicação social a notícia” de que o recorrente/autor, quer perante o réu, quer perante o cliente do réu, irmão deste, no decorrer dos contactos havidos, se terá proposto pagar, com a finalidade de pôr termo à acção supra referida, uma certa quantia ao aí autor (cliente e irmão do ora recorrido), com a condição de este fazer uma declaração pública reconhecendo a legalidade do negócio em causa cuja anulação tinha pedido, pelo que nos termos do art. 514.°, n.º 1 por não carecerem de alegação e prova deveriam considerar-se tais factos que são do conhecimento geral.

Apreciando.

Segundo o art. 514.º, n.º 1, “não carecem de prova nem de alegação os factos notórios, devendo considerar-se como tais os factos que são do conhecimento geral”.

Não carecendo de alegação nem de prova, podem e devem ser conhecidos, mesmo que a parte a quem aproveitam os não tenha invocado. E, como tal, podem e devem ser conhecidos pelo Tribunal da Relação, ainda que não considerados na 1.ª instância ou nem tenham sido alegados por quem recorre[18]. Esta natureza dos factos leva mesmo a que, apesar de, por regra, o Supremo Tribunal de Justiça apenas conhecer de direito, os possa sindicar, não obstante os comandos do art. 722.º, nº 3[19].

De acordo com a lição de Alberto dos Reis, que mantém actualidade, “facto notório é, por definição, facto conhecido”. Mas é indispensável que o conhecimento seja “de tal modo extenso, isto é, elevado a tal grau de difusão que o facto apareça, por assim dizer, revestido de carácter de certeza”, não podendo qualificar-se de notório um facto unicamente conhecido pelo juiz ou por um círculo restrito ou particular de pessoas. Também não é exigível que o facto seja conhecido por todos os cidadãos do País ou de uma região, basta que o seja “por parte da massa de portugueses que possam considerar-se regularmente informados, isto é, acessíveis aos meios normais de informação”.

Conforme o mesmo autor, para além deste conhecimento por percepção directa, tem-se entendido que os factos ainda adquirem o carácter de notórios por via indirecta, ou seja, “mediante raciocínios formados sobre factos observados pela generalidade dos cidadãos”, os quais só poderão ser considerados como tal pelo juiz se este “adquirir a convicção de que o facto originário foi percebido pela generalidade dos portugueses e de que o raciocínio necessário para chegar ao facto derivado estava ao alcance do homem de cultura média[20].

Assim, o conhecimento geral que torna um facto notório, para efeitos do n.º 1 do artigo 514.º, é um conhecimento com um elevado grau de divulgação do facto, que permita afirmá-lo como sabido da generalidade, ou grande maioria, das pessoas que possam considerar-se regularmente informadas, e por estas reputadas como verdadeiro. Pode ser um acontecimento de que todos se aperceberam directamente, ou por via indirecta de raciocínios formados sobre factos observados pela generalidade dos cidadãos. A esfera social que caracteriza o facto notório tem, como tal, que abranger não só as partes como o juiz.

Sendo, por definição, indiscutível a verificação do facto notório não carece de prova nem é susceptível de prova contrária. Todavia, pode impugnar-se a sua notoriedade.

Ora, retornando ao caso dos autos, sem qualquer dúvida, não se pode afirmar que na grande maioria dos cidadãos deste País, medianamente informados, grasse o reconhecimento de que tenha sido o recorrido/réu que tomou a iniciativa de divulgar pela comunicação social, ou colaborar na sua divulgação, da notícia em causa. Estamos seguros de que a generalidade das pessoas, mesmo regularmente informadas, desconhecem por completo qual tenha sido a fonte da notícia.

Do mesmo modo, nem há qualquer elemento que permita sustentar que da experiência comum de um homem médio, dotado de um conhecimento normal, resulte como evidente que tenha sido o recorrido/réu quem divulgou ou ajudou a divulgar na comunicação social essa notícia.

Que tal notícia, com contornos próximos, ou muito próximos, dos descritos pelo recorrente, tenha sido veiculada por meios de comunicação social é facto indesmentível. Mas isso é uma outra realidade bem diversa da invocada pelo recorrente. Será de todo ousado afirmar que a passagem dessa notícia aos órgãos da comunicação social tenha sido feita pelo recorrido, e muito mais que esse dado seja envolvido de notoriedade geral.

Destarte, as circunstâncias que o recorrente invoca não preenchem os enunciados requisitos de notoriedade, e outros não existem nos autos dos quais se possa concluir, por um lado, que eram do conhecimento geral e, por outro, que geraram na comunidade a convicção generalizada, sustentada em raciocínios lógicos, de que o recorrido divulgou e ajudou a divulgar na comunicação social a notícia.

Estamos, pois, longe do que se passa com os factos notórios.



Permita-se-nos uma última nota.

No caso em apreço tanto poder-se-á dizer que o juiz não fez correcto juízo de prognose, e ao aperceber-se das deficiências não deveria ter decidido imediatamente tirando delas fatais consequências para a parte responsável sem antes a convidar a corrigi-las, no exercício do dever de cooperação que recai também sobre os tribunais como órgãos de administração da justiça, como teve em conta esse juízo mas se dispensou de tal convite tendo por adquirida a inverificação de um outro pressuposto da responsabilidade civil extracontratual a montante do nexo de causalidade, a ilicitude da conduta do recorrido/réu nociva da utilidade de convite nesse sentido.

Com efeito, em bom rigor, a apreciação da questão trazida a esta revista redunda numa verdadeira inutilidade processual, porquanto, como oportunamente alega o recorrido, a acção sempre improcederia mesmo que houvesse aperfeiçoamento da matéria em apreço, uma vez que o tribunal da 1ª instância decidiu, de forma intocada pela Relação, e não sendo alvo de recurso excepcional para este Supremo Tribunal, que os factos praticados pelo recorrido não eram ilícitos e, como tal, insusceptíveis de gerar responsabilidade civil extracontratual.

Tornando-se indiscutível a decisão nessa parte, sempre haveria que respeitar o caso julgado formado (art. 672.º), e faltando um dos pressupostos constitutivos da responsabilidade civil, mais precisamente a ilicitude, tudo o mais estava prejudicado.

Recorda-se o que já antes se afirmou. A abordagem feita na decisão da 1ª instância à questão da falta de especificação de factos conducentes ao nexo de causalidade entre a conduta do recorrido e os alegados danos, foi a título complementar e secundário, o seu valor não pode ser outro que não o de um obiter dictum.

Concluindo, não pode, em consequência, ser reconhecida razão ao recorrente, improcedem as censuras acolhidas nas conclusões das alegações de recurso.



Resta sumariar:

I - O nº 2 do art. 508.º do CPC (anterior ao introduzido pela Lei nº 41/2013 de 26/06) destina-se ao suprimento de anomalias dos próprios articulados enquanto o nº 3 do mesmo normativo à correcção de deficiências da exposição “quo tale”, embora a nova versão tenha de se conter na causa de pedir inicial ou nos limites da defesa;

II - Não pode, por esta via, suprir-se uma ineptidão da petição;

III - A omissão de convite - não vinculado (nº 3 do artigo 508.º) - a aperfeiçoamento não integra nulidade processual.

IV – A parte que dá causa à necessidade de aperfeiçoamento dando, por consequência, causa a eventual nulidade nunca poderia argui-la face ao disposto no nº 2 do artigo 203.º do CPC, que consagra o princípio da auto-responsabilidade.

V - O conhecimento geral que torna um facto notório, para efeitos do n.º 1 do artigo 514.º, é um conhecimento com um elevado grau de divulgação do facto, que permita afirmá-lo como sabido da generalidade, ou grande maioria, das pessoas que possam considerar-se regularmente informadas, e por estas reputadas como verdadeiro.

VI - Não existem nos autos dados dos quais se possa concluir, por um lado, que eram do conhecimento geral e, por outro, que geraram na comunidade a convicção generalizada, sustentada em raciocínios lógicos, de que o recorrido divulgou e ajudou a divulgar na comunicação social a notícia.

 III-DECISÃO

Pelos motivos expostos, acordam os juízes no Supremo Tribunal de Justiça em julgar improcedente a revista, confirmando o acórdão recorrido.

Custas da revista pelo recorrente.

                                               Lisboa, 01/04/14

Gregório Silva Jesus (Relator)

Martins de Sousa

Gabriel Catarino

___________________
[1] Relator: Gregório Silva Jesus - Adjuntos: Conselheiros Martins de Sousa e Gabriel Catarino.
[2] Pedido que veio a ser objecto de redução, subsistindo o pedido daquela indemnização apenas a título de danos não patrimoniais.
[3] As conclusões 1.ª a  9.ª direccionam-se à sustentação da admissibilidade da revista excepcional.
[4] Cfr. Antunes Varela in Manual de Processo Civil, 1984, págs. 250/252 e Anselmo de Castro in Direito Processual Civil, 1982, vol. III, págs. 202/204.
[5] Pelo DL nº 329-A/95, de 12/12, foi alterada a redacção do art. 474.º e revogado o art. 477.º, com o fundamento de que o princípio da igualdade entre as partes, no que se refere à possibilidade de aperfeiçoar os seus articulados, podia ser posto em causa com a intervenção do tribunal.
[6] Podendo também sê-lo na audiência preliminar (art. 508.º-A, n.º 1, al. c)).
[7] In Temas da Reforma do Processo Civil, vol. II, 1997, pág. 77; No mesmo sentido do que se deva entender por “irregularidades” se pronuncia Miguel Teixeira de Sousa, in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, pág. 303.
[8] In Comentários ao Código de Processo Civil, 2004, vol. I, pág. 430.
[9] Corresponde ao que Miguel Teixeira de Sousa, na obra citada a págs. 68, designa por deveres de cooperação que assentam numa “previsão aberta”, a par dos que decorrem de uma “previsão fechada” que não deixa ao tribunal qualquer margem de apreciação quanto à sua verificação (nº 2); cfr. no mesmo sentido, Pais de Sousa e Cardona Ferreira, in Processo Civil, 1997, pág. 39, e Paula Costa e Silva, Saneamento e Condensação no Novo Processo Civil: A Fase da Audiência Preliminar, in Aspectos do Novo Processo Civil, Lex, 1997, págs. 224/225 e 228/233.
[10] Ob. cit., págs. 82/83.
[11] Loc. cit., pág. 304.
[12] In ob. cit., pág. 431.
[13] Abrantes Geraldes, ob. cit., pág. 81.
[14] Com o seguinte teor: “Nesse mesmo dia e nos dias seguintes os meios de comunicação social divulgaram de forma exaustiva a notícia de que o autor, quer perante o réu quer perante o irmão deste, no decorrer dos contactos havidos, se terá proposto pagar, com a finalidade de pôr termo à acção supra referida, uma certa quantia ao aí autor (irmão do ora réu), com a condição de este fazer uma declaração pública reconhecendo a legalidade do negócio em causa cuja anulação tinha pedido”.
[15] In Código de Processo Civil Anotado, vol. 2.º, 2ª ed.., págs. 383/384
[16] Para maior desenvolvimento e configuração de situações que não cabe aqui explanar, vejam-se Abrantes Geraldes, ob. cit., vol. II, págs. 78/79, 82 e 88 a 91, Lebre de Freitas, Montalvão Machado, Rui Pinto, ob. cit., págs. 382/384, Miguel Teixeira de Sousa, ob. cit., págs. 303/304 e Paula Costa e Silva, loc. cit., págs. 225/228 e 234.
[17] Cfr. neste sentido Abrantes Geraldes, ob. cit., págs. 81 e 86/87, e Miguel Teixeira de Sousa, ob. cit., pág. 68
[18] Razão pela qual aqui discordamos do entendimento expresso no acórdão recorrido no sentido de que aquela imputação ao réu não poderia ser atendida por só haver sido alegada na apelação, e não na petição, sua sede própria (cfr. fls. 34 do acórdão, 1038 dos autos).
[19] Cfr. Acs. do STJ de 9/10/03, Proc. nº 03B2755 e de 1/07/04., Proc. nº 04B2285 no IGFEJ; Miguel Teixeira de Sousa, ob. cit., pág. 427.
[20] In Código de Processo Civil anotado, vol. III, págs. 259/262.