Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
13006/20.4T8LSB-A.E1-B.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: MARIA CLARA SOTTOMAYOR
Descritores: COMPETÊNCIA MATERIAL
RESPONSABILIDADE MÉDICA
RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
PEDIDO
CAUSA DE PEDIR
TRIBUNAL DO TRABALHO
JUÍZO CÍVEL
ACIDENTE DE TRABALHO
FIXAÇÃO DA INCAPACIDADE
EXCEÇÃO DE CASO JULGADO
AUTORIDADE DO CASO JULGADO
EXTENSÃO DO CASO JULGADO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 03/28/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGAR A REVISTA
Sumário :
I - A jurisprudência tem afirmado o princípio de que a competência do tribunal, em razão da matéria, deve atender “à natureza da relação jurídica material em debate na perspectiva apresentada em juízo” (Acórdão deste STJ, de 27-09-94, proc. n.º 858/94), aferindo-se pela relação litigiosa submetida a apreciação do tribunal nos exatos termos unilateralmente afirmados pelo autor da pretensão (cfr. Acórdãos do STJ, de 12-01-2010, proferido na revista n.º 1337/07.3TBABT.E1.S1 e de 14-01-2014, proc. n.º 871/05.4TBMFR-E.L1.S1).

II - Nos termos do pedido e da causa de pedir delineada na petição inicial, o que está em causa na presente ação não é a responsabilidade da entidade empregadora e/ou da sua seguradora pelos danos causados por um acidente de trabalho, mas a responsabilidade civil por ato médico. Sendo assim, o tribunal competente é o juízo cível e não o tribunal de trabalho.

III - A exceção dilatória do caso julgado pressupõe a identidade de sujeitos, de causas de pedir e de pedidos entre os processos em confronto.

IV - A autoridade do caso julgado formado por decisão proferida em processo anterior, cujo objeto se insere no objeto da segunda, obsta que a relação ou situação jurídica material definida pela primeira decisão possa ser contrariada pela segunda, com definição diversa da mesma relação ou situação, não se exigindo, neste caso, a coexistência da tríplice identidade mencionado no art. 581.º do CPC.

V - Não se verifica a exceção dilatória do caso julgado, por falta de identidade subjetiva e objetiva entre dois processos, se no primeiro processo, com decisão já transitada, foi proferida uma decisão a atribuir à autora uma pensão anual e vitalícia, numa ação de acidente de trabalho dirigida contra o estabelecimento onde a autora exercia funções, e se a segunda ação, proposta pela mesma autora contra réus distintos - um médico que realizou duas intervenções cirúrgicas e o hospital onde exerce funções - tem por objeto apurar em relação aos réus os pressupostos da responsabilidade civil médica.

VI - Não viola a autoridade do caso julgado formado por decisão do tribunal de trabalho que atribuiu uma IPP à autora de 23,5% na sequência de um acidente de trabalho, a decisão proferida, num processo de responsabilidade civil médica, de ordenar uma perícia para indagar se as cirurgias feitas para debelar as sequelas do acidente causaram lesões à autora que agravaram o seu grau de incapacidade.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


I – Relatório


1. AA propôs ação declarativa de condenação, com processo comum, contra Lusíadas Saúde, SA e Dr.  BB, pedindo que a ação seja julgada procedente, por provada, e, consequentemente, sejam os réus condenados:


a) a pagar € 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros), a titulo de indeminização pelos danos corporais sofridos, sem prejuízo de se posteriormente, face à consolidação do dano e do exame a ser efetuado junto do INML, se venha apurar um valor superior para o dano biológico e para os danos não patrimoniais complementares ora peticionado, deverá o correspondente remanescente ser indemnizado em sede de incidente de liquidação de sentença;


b) € 200.000,00 (duzentos mil euros), a título de indemnização por danos patrimoniais sofridos pela A;


c) O remanescente, calculado sobre o montante recebido pela A, no âmbito do acidente de trabalho (470/18.... - Tribunal Judicial da Comarca ..., ...) por força da redução sofrida da capacidade geral de ganho, nos termos da legislação em vigor.


d) Juros moratórios, contados à taxa legal em vigor, calculados desde a data da citação até ao efetivo e integral pagamento dos montantes ora peticionados.


Requereu perícia Médico-Legal, na pessoa da A., a solicitar ao INML para elaboração de relatório, respeitante à avaliação permanente em direito civil, sugerindo e indicando “quesitos”.

2. Os RR., Lusíadas Saúde, SA. e BB, contestaram por impugnação e por exceção e requereram, respetivamente, a intervenção principal de FIDELIDADE – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. e de AGEAS PORTUGAL, COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., que foi deferida, tendo as chamadas apresentado contestação, tendo o R. BB requerido, ainda, na sua contestação “a realização de perícia colegial, na especialidade de neurocirurgia, devendo os senhores Peritos responder às questões constantes do Anexo I, para contraprova dos artigos aí indicados.

(…)

Para tanto, requer-se ainda que seja o Colégio da Especialidade de Neurocirurgia da Ordem de Médicos, (….), a indicar o perito.”.


3. Por despacho de 14.10.2021, foi a A. convidada a aperfeiçoar a p.i., convite que foi acolhido, tendo a A. esclarecido o pedido formulado sob c) na p.i., nos seguintes termos:

“(…)

28. Por outro lado é referido na Petição Inicial que a A. recebeu o capital de remição da pensão por incapacidade permanente parcial resultante do acidente de trabalho mencionada nos autos,

29. Mas a A. entende que em resultado da actuação do 2.º R. passou a padecer de um grau de incapacidade manifestamente superior ao fixado naquela ação de acidente de trabalho,

30. Sendo reclamada na Petição a responsabilidade dos RR. em face do agravamento da incapacidade da A. em relação ao estabelecido na ação do acidente de trabalho, considerando o aumento da redução da capacidade geral e de trabalho da A..

31. E em consonância com o exposto a A. requereu na Petição Inicial a realização de perícia médico-legal a solicitar ao Instituto Nacional de Medicina Legal, bem como a obtenção de parecer a solicitar ao Colégio da Especialidade de Neurocirurgia da Ordem dos Médicos — requerimento se agora se reitera,

32. Sendo tal exame e tal parecer adequados e necessários à atribuição da incapacidade de que a A. passou a padecer após a actuação do 2.º R. e em resultado do agravamento da sua situação,

33. Sendo somente possível a correcta determinação desse remanescente de incapacidade após pronuncia das entidades competentes,

34. Pedindo a A. o pagamento da diferença entre o valor recebido no âmbito do processo do Juízo do Trabalho ... e o valor devido e adequado ao ressarcimento do grau de incapacidade actualmente existente, a liquidar em sede de liquidação de sentença.”.


4. Os RR. exerceram o contraditório.


5. A A. respondeu às exceções deduzidas pelos RR, salientando que não pretende qualquer revisão da sua incapacidade, mas a responsabilização dos réus pelas lesões por si sofridas, na sequência da cirurgia a que foi sujeita e que não foram debeladas pela cirurgia de emergência a que foi sujeita posteriormente.

 

6. No dia 22.01.2022 foi proferido despacho saneador, tendo sido julgadas improcedentes as invocadas exceções da prescrição e da incompetência absoluta do tribunal.

 

7. No despacho saneador foi, a final, proferido o seguinte despacho:


“Por não se afigurar impertinente ou dilatória admito liminarmente a realização da perícia médico legal, a qual, excecionalmente, deverá revestir a forma colegial, conforme requerido, devendo ser composta por clínicos que possuam especialidade de ortopedia e neurologia.

Notifique.”


8. No dia 03.02.2022, AGEAS Portugal – Companhia Portuguesa de Seguros, SA requereu prazo de 5 dias pra indicação de perito da especialidade de ortopedia e neurologia, o que foi deferido por despacho de 07.02.2022.


9. No dia 07.02.2022, o R. BB requereu a retificação de lapso, porquanto havia requerido perícia da especialidade de neurocirurgia, requerendo “que se proceda à retificação do referido lapso, corrigindo o Despacho Saneador em conformidade, admitindo a perícia na especialidade de neurocirurgia, com as devidas consequências legais.”.


10. No dia 16.02.2022, AGEAS Portugal – Companhia Portuguesa de Seguros, SA requereu, de novo, prazo de 5 dias para indicação de perito da especialidade de ortopedia e neurologia.


11. No dia 18.02.2022, foi proferido o seguinte despacho:

«Da (im)possibilidade de indicação de peritos pelas partes

De acordo com o estipulado no n.º 3, do artigo 467.º, do Código de Processo Civil as perícias médico-legais são realizadas pelos serviços médico-legais ou pelos peritos médicos contratados, nos termos previstos no diploma que as regulamenta.

O diploma em causa é a Lei n.º 45/2004, de 19 de agosto, com as alterações previstas no DL n.º 53/2021, de 16/7.

Nos termos do disposto no artigo 21.º do citado diploma: “1 - Os exames e perícias de clínica médico-legal e forense são realizados por um médico perito. “2 (…) 3 - O disposto no n.º 1 não se aplica aos exames em que outros normativos legais determinem disposição diferente. 4 - Dado o grau de especialização dos médicos peritos e a organização das delegações e gabinetes médico-legais do INMLCF, I.P., deverá ser dada primazia, nestes serviços, aos exames singulares, ficando as perícias colegiais previstas no Código de Processo Civil reservadas para os casos em que o juiz, na falta de alternativa, o determine de forma fundamentada.”

Assim temos que, o regime regra é o da perícia singular, sendo os peritos nomeados pelo gabinete médico-legal, nos termos da citada lei, afastando-se a aplicação do disposto no artigo 468.º, do Código de Processo Civil e, como tal, a possibilidade das partes indicarem os seus peritos, mesmo nos casos em que, o juiz, de forma fundamentada decida pela sai realização colegial (neste sentido, a jurisprudência maioritária, citando-se a título de exemplo, o Acórdão da Relação do Porto de 13/12/2012, Acórdãos da Relação de Guimarães de 18/4/2013, de 20/2/2014, de 20/3/2014 e 5/11/2015 e Acórdãos da Relação de Coimbra de 3/6/2014 e de 26/1/2016, todos disponíveis em www.dgsi.pt).

No caso dos autos, não obstante a prolação do despacho que constitui fls. 305 (ref.ª ...76, de 7/2/2022), o certo é que, estamos perante a realização de uma perícia médico-legal e, por conseguinte, os peritos que a realizarão serão designados pelo organismo competente, possuindo as especialidades que esses mesmos serviços tenham por necessárias à cabal satisfação dos quesitos que lhes são apresentados e constituem o objeto da perícia.

Assim sendo e pelos citados fundamentos, dou sem efeito o aludido despacho e indefiro o requerido pelo 2.º réu BB (requerimento de fls. 306 e ss., a que corresponde a ref.ª  ...29, de 7/2/2022) e pela interveniente AGEAS (requerimento de fls. 342 e ss., a que corresponde a ref.ª ...90, de 16/2/2022).

Notifique.

Em face da complexidade das questões de facto que as partes pretendem ver esclarecidas e por considerar que a resposta às mesmas pode implicar conhecimentos em mais do que uma especialidade, determino a realização de perícia (colegial) pelo Gabinete Médico-Legal de ..., na pessoa da autora.

Objeto da perícia:

- o indicado pela autora (vide, fls. 12 e 12 v.º); - o indicado pelo 2.º réu (vide, fls. 130);

Informe o Gabinete Médico-legal do teor do presente despacho. Oportunamente, remeta os elementos clínicos da autora”.


9. A Ré, Lusíadas Saúde, SA, não se conformando com o despacho que julgou improcedente a exceção da incompetência absoluta do tribunal e que admitiu a perícia médico-legal, interpôs recurso de apelação, pugnando pela competência dos tribunais do trabalho e pela não admissibilidade da perícia.


10. O réu, Dr. BB, não se conformando com o despacho que decidiu julgar improcedente a exceção da incompetência do tribunal e com o despacho que indeferiu a perícia, nos termos por si requeridos, interpôs recurso de apelação, apresentando alegações e conclusões.


11. O Tribunal da Relação de Évora, por Acórdão datado de 9 de junho de 2022, negou provimento aos recursos de apelação interpostos e confirmou integralmente os despachos impugnados.    


12. LUSÍADAS SAÚDE, SA, tendo sido notificada do Acórdão proferido por este Tribunal da Relação no dia 9 de junho de 2022, que julgou improcedente o recurso de apelação autónoma interposto pela Recorrente, e com o mesmo não se conformando, veio, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 671.º, n.º 2, a) e 629.º, n.º 2, alínea a), 631.º, 637.º, 638.º, n.º 1, 1ª parte, 674.º, n.º 1, alíneas a) e b) e n.º 2, 675.º, n.ºs 2 e 3 e 676.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil (“CPC”), dele interpor recurso de revista, em cuja alegação formulou as seguintes conclusões:

«A. A presente Revista tem por objeto o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora proferido em 9 de junho de 2022, na parte em que julgou improcedente o recurso de apelação autónoma interposto pela 1ª Ré LUSÍADAS sobre duas decisões interlocutórias do tribunal de 1.ª instância, contidas no despacho saneador datado de 19 de janeiro de 2022, a saber:

(i) A decisão de considerar improcedente a exceção de incompetência material do tribunal, exclusivamente no que ao pedido feito na alínea c) do petitório da Petição Inicial diz respeito;

(ii) A decisão de admitir a realização da perícia médico-legal requerida nos autos pela Autora com vista a novo apuramento da sua incapacidade já determinada.

B. A Recorrente não se conforma com tal decisão, pelo que a impugna por via do presente recurso de revista, por entender que o Tribunal a quo incorreu em violação de lei substantiva, nomeadamente de critérios interpretativos, previstos nos artigos 236.º, n.º 1 e 295.º do Código Civil (“CC”), bem como em violação da lei do processo, nomeadamente de regras relativas à competência dos tribunais em razão da matéria, previstas nos artigos 126.º, n.º 1, c) LOSJ e 96.º, a) do CPC, e de regras relativas aos efeitos do caso julgado e à admissibilidade de prova pericial, previstas, respetivamente, nos artigos 619.º, n.º 1 e 476.º do CPC.


ADMISSIBILIDADE DA PRESENTE REVISTA

C. No caso em apreço, os requisitos constantes do n.º 2 do artigo 671.º, do CPC, de que depende a admissibilidade da presente revista, encontram-se totalmente verificados, na medida em que as decisões com as quais a Recorrente não se conforma, contidas no Douto Acórdão recorrido, apreciam decisões interlocutórias da 1.ª instância que recaem unicamente sobre a relação processual e integram situações em que o recurso é sempre admissível, na medida em que, uma delas se limita a apreciar, em sentido positivo, o pressuposto processual da competência do tribunal, e a outra se limita a apreciar, em sentido positivo, a admissão de um meio de prova - perícia médico-legal.

D. O presente recurso de revista enquadra-se, por outro lado, no leque de casos em que o recurso é sempre admissível, nos termos do disposto no artigo 629.º, n.º 2, a), do CPC.

E. Desde logo, no que diz respeito à decisão de competência, entendeu o Tribunal a quo que “prefigura-se como preclara a conclusão de que a causa de pedir e o pedido não se reconduzem à previsão da al. c) do n.º 1 do art.º 126.º da LOSJ” e que “cabe irrefragavelmente concluir que a presente acção se inscreve na competência material residual legalmente conferida aos tribunais judiciais cíveis”, mantendo, assim, a decisão da 1ª instância.

F. Atento o segmento decisório aqui em causa do Douto Acórdão recorrido, está-se, pois, perante um caso em que o recurso é sempre amissível, com fundamento na violação das regras de competência em razão da matéria pelo Tribunal a quo.

G. Do mesmo modo, no que respeita à decisão sobre a pertinência da prova pericial requerida nos presentes autos, o Tribunal a quo delimitou as questões a decidir em torno de apurar (i) se há “violação do caso julgado formado no processo n.º 470/18.... do Tribunal do Trabalho ...”, e (ii) se se verifica a “falta de concretização de factos pertinentes”.

H. E, efetivamente, apesar de contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo, resulta dos autos e a Recorrente neles cabalmente evidenciou que a decisão de admitir a perícia em apreço – pelo menos, nos termos e com a extensão com que foi admitida pela 1.ª instância – viola a força de caso julgado formada pela decisão proferida no Processo n.º 470/18...., na vertente de autoridade de caso julgado.

I. Encontrando-se   demonstrados os requisitos de que depende a admissibilidade do presente recurso de revista, deve o mesmo ser admitido, em conformidade com o disposto no artigo 671.º, n.º 2 do CPC.


INCOMPETÊNCIA MATERIAL DO TRIBUNAL

J. Com a fundamentação empregue na decisão recorrida, o Tribunal a quo desrespeitou as regras relativas à interpretação de atos jurídicos previstas nos artigos 236.º, n.º 1 e 295.º do CC, na fixação do sentido juridicamente relevante da pretensão da Autora, no que ao pedido c) do petitório da Petição Inicial diz respeito.

K. In casu, estando em causa o sentido juridicamente relevante a atribuir ao pedido efetuado na alínea c) do petitório da Petição Inicial, é efetivamente justificada a aplicação das regras de interpretação de negócios jurídicos (artigos 236.º a 238.º do CC).

L. Resulta inequívoco dos autos que a Autora alega o agravamento do seu grau de incapacidade “em relação ao estabelecido na ação de acidente de trabalho” – referindo-se à IPP - na sequência do qual, peticiona, na alínea c) do petitório da Petição Inicial, a (re)avaliação dessa incapacidade, por forma a levar os Réus a serem condenados no ressarcimento da diferença entre aquilo que a mesma já recebeu, no âmbito do processo laboral, e a nova incapacidade que pretende ver-lhe fixada.

M. Assim, atento o pedido previsto na alínea c) do petitório da Petição Inicial e, na sequência dos esclarecimentos efetuados pela Autora no aperfeiçoamento à Petição Inicial, concretamente nos seus artigos 29.º a 34.º, invocados pelo Tribunal a quo, dúvidas não restam de que a pretensão da Autora reside na obtenção da revisão de uma incapacidade permanente parcial previamente fixada pelo tribunal competente (Tribunal de Trabalho),

N. É esse, pois, o único sentido juridicamente relevante que o Tribunal ad quem poderá atribuir ao pedido previsto na alínea c) do petitório da Petição Inicial, em conformidade com o disposto nos artigos 236.º, n.º 1 e 295.º do CC.

O. Pelo que, o Tribunal a quo ao fixar um sentido juridicamente relevante do pedido c) do petitório da Petição Inicial distinto do exposto, violou com a sua decisão o disposto nos artigos 236.º, n.º 1 e 295.º do CC.

P. Por outro lado, o Tribunal a quo incorreu em violação das regras processuais previstas nos artigos 126.º, n.º 1, c) da LOSJ e 96.º, a), primeira parte, do CPC, ao considerar relativamente ao pedido c) do petitório da Petição Inicial.

Q. A Autora alega nos presentes autos – conclusivamente, sem factos – “o aumento da redução da capacidade geral e de trabalho da A.”, invocando “[vir] reclamada na Petição a responsabilidade dos RR. em face do agravamento da incapacidade da A.” (cf. artigo 30.º do aperfeiçoamento à Petição Inicial),

R. Mais alega que pretende, por via da presente ação, obter a “correcta e actual verificação” da “incapacidade fixada na acção de acidente de trabalho”, por entender “estar agora com um grau de incapacidade maior, em resultado da actuação/omissão dos réus”, que é naturalmente prévia e anterior àquela fixação de incapacidade.

S. A avaliação da IPP da Autora, encontrando-se já determinada no identificado Proc. n.º 470/18.... pode naturalmente ser revista a pedido da Autora, mas nunca em sede da presente ação.

T. O pedido de revisão da incapacidade só se mostra passível de ser alcançado pelo meio processual próprio, que é o incidente de revisão da prestação (previsto no artigo 70.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro) - em sede do processo laboral, em que foi primitivamente fixada a incapacidade.

U. Tratando-se daquilo que deveria ser um incidente de revisão da incapacidade provocada por acidente de trabalho, é inquestionável que a referida situação se subsume, sem margem para dúvidas, na alínea c) do artigo 126.º, n.º 1, da LOSJ, segundo a qual “compete aos juízos do trabalho conhecer, em matéria cível […] das questões emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais”.

V. Resulta, pois, mais que demonstrado que a competência material para a apreciação deste pedido em concreto – correspondente ao ressarcimento do remanescente a pagar, por força de revisão de incapacidade já fixada em processo de acidente de trabalho – é do Juízo do Trabalho, e não do Juízo Central Cível.

W. Nos termos do disposto no artigo 96.º, alínea a), primeira parte, do CPC, a infração das regras de competência em razão da matéria determina a incompetência absoluta do tribunal.

X. Pelo que o tribunal de 1.ª instância é absolutamente incompetente para decidir do pedido de revisão da incapacidade fixada, devendo o Acórdão recorrido, na parte em que declara a competência dos tribunais judiciais cíveis para julgar do pedido c) do petitório da Petição Inicial, mantendo a decisão da 1.ª instância, ser revogado nesse particular, e substituído por outro que declare a incompetência absoluta do tribunal de 1.ª instância, com a consequente absolvição dos Réus da instância quanto ao pedido c) do petitório da Petição Inicial.

INADMISSIBILIDADE DA PERÍCIA MÉDICO-LEGAL

Y. O Tribunal a quo, com o Acórdão ora posto em crise, desrespeitou frontalmente a decisão, proferida no Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo do Trabalho ..., Juiz ..., no Proc. n.º 470/18...., que declarou que “AA se encontra, desde 25 de Janeiro de 2018, afectada de uma incapacidade permanente parcial (IPP) de 23,5%”.

Z. Efetivamente, a avaliação da IPP da Autora já ocorreu no Proc. n.º 470/18...., por meio de perícia médico-legal realizada no dia 26 de fevereiro de 2019, tendo o seu grau de incapacidade permanente parcial sido fixado em 23,5%, por decisão judicial proferida no dia 8 de abril de 2019.

AA. Tal decisão, já transitada em julgado, faz caso julgado material, ficando a ter força obrigatória dentro do aludido processo n.º 470/18...., e fora dele, relevando, in casu, particularmente a função positiva do caso julgado material formado, designada por autoridade do caso julgado.

BB. Impunha-se ao Tribunal, nessa medida, a aceitação da IPP fixada à Autora em sede do aludido processo laboral n.º 470/18.... e, consequentemente, a rejeição da perícia médico-legal com vista à (re)avaliação do grau de IPP da

Autora, para mais, como referido, sem que quaisquer factos supervenientes sejam alegados.

CC. Assim, o Tribunal a quo violou o disposto no artigo 619.º, n.º 1, do CPC, desrespeitando a força de caso julgado da decisão proferida no aludido processo laboral n.º 470/18...., que fixa a IPP da Autora, ao decidir da admissibilidade da perícia médico-legal requerida pela Autora, com vista à (re)avaliação da IPP já fixada em sede laboral.

DD.E errou o Tribunal a quo ao considerar que a apreciação realizada no aludido processo laboral n.º 470/18.... constitui “um mero antecedente factual” [!].

EE. Como se tem vindo a notar, o facto de a Autora não ter indicado, nem muito menos concretizado, quaisquer factos novos que justificassem a revisão da IPP fixada tem relevância processual determinante para a boa decisão do presente recurso.

FF. Admitir a realização da perícia médico-legal requerida pela Autora, com vista à avaliação do seu grau de IPP, atentos os mesmos factos que já foram considerados em decisão judicial anterior, significa admitir a produção de prova sobre factos que já foram julgados, extravasando os limites temporais do caso julgado.

GG. Impunha-se ao Tribunal a quo, também por esta via, a rejeição da perícia médico-legal requerida pela Autora na ação.

HH. Por outro lado, a realização de uma perícia médico-legal, com vista à revisão da IPP atribuída à Autora, quando já foi atribuída à Autora uma IPP, de 23,5%, por meio de perícia médico-legal realizada no dia 26/02/2019, e sem que existam factos novos      que    justifiquem   a sua  realização conduz necessariamente a uma conclusão sobre a impertinência de tal perícia.

II. Efetivamente, não concretizando a Autora quaisquer factos novos que indiciem um agravamento do seu estado geral, não pode concluir-se senão pela impertinência da perícia médico-legal requerida pela Autora, quanto às questões relacionadas com a incapacidade permanente parcial fixada em sede do processo laboral.

JJ. E, sem prejuízo, sempre se refira, no limite, que o Tribunal a quo violou o disposto no artigo 476.º, n.º 2, do CPC, ao não reduzir o objeto da perícia médico-legal, pelo menos, no que concerne às questões que já foram apreciadas anteriormente.

KK. Isto é, o Tribunal teria necessariamente de indeferir os quesitos da perícia médico-legal que visam precisamente a avaliação do grau de incapacidade da Autora, e os quais já foram objeto de perícia e decisão anteriores.

LL. Dúvidas restassem, quanto à identidade dos objetos da perícia médico-legal ora requerida pela Autora e da perícia médico-legal realizada no dia 26 de fevereiro de 2019, em que se fundou a douta decisão judicial no Proc. n.º 470/18...., que fixou à Autora uma IPP de 23,5%, compare-se as questões formuladas pela Autora numa e noutra sede.

MM. Pelo que não corresponde à verdade que a perícia médico-legal não se qualifique como manifestamente desnecessária, como considerou o Tribunal a quo.

NN.A realização de nova perícia médico-legal, com objeto idêntico à realizada no aludido processo laboral n.º 470/18...., conduzirá à reapreciação de factos que já foram julgados e estão assentes e consolidados na ordem jurídica.

OO.O Tribunal a quo, ao decidir, no Acórdão recorrido, ser admissível a realização da perícia médico-legal requerida pela Autora, violou o disposto nos artigos 619.º, n.º 1 e 476.º do CPC, devendo o mesmo ser revogado nessa parte e substituído por outro que rejeite a prova pericial requerida pela Autora na sua totalidade, ou, caso assim não se entenda, por outro que reduza o objeto da prova pericial requerida, indeferindo as questões que versam sobre a avaliação do grau de IPP da Autora, e que se encontram já a coberto de caso julgado anterior.

NESTES TERMOS, E NOS DEMAIS DE DIREITO QUE VOSSA

EXCELÊNCIAS DOUTAMENTE SUPRIRÃO, DEVERÁ SER CONCEDIDO PROVIMENTO AO         PRESENTE   RECURSO    DE     REVISTA      E, EM CONSEQUÊNCIA:

i. SER ANULADO O ACÓRDÃO RECORRIDO NA PARTE EM QUE JULGOU IMPROCEDENTE A APELAÇÃO NO RESPEITANTE À QUESTÃO DA INCOMPETÊNCIA DO TRIBUNAL EM RAZÃO DA MATÉRIA, SUBSTITUINDO-O POR OUTRO QUE DETERMINE A INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA DO TRIBUNAL DE 1ª INSTÂNCIA PARA DECIDIR DO PEDIDO DA ALÍNEA C) DO PETITÓRIO DA PETIÇÃO INICIAL, COM A CONSEQUENTE ABSOLVIÇÃO DOS RÉUS DA INSTÂNCIA QUANTO AO MENCIONADO PEDIDO;

ii. SER ANULADO O DOUTO ACÓRDÃO RECORRIDO NA PARTE EM QUE JULGA IMPROCEDENTE A APELAÇÃO NO RESPEITANTE À QUESTÃO DA INADMISSIBILIDADE DA PERÍCIA MÉDICO-LEGAL, SUBSTITUINDO-O POR OUTRO QUE REJEITE A PERÍCIA MÉDICO-LEGAL REQUERIDA, OU, NO MENOS, REDUZA O SEU OBJETO, INDEFERINDO AS QUESTÕES QUE VERSAM SOBRE A (RE)AVALIAÇÃO DO GRAU DE IPP DA AUTORA».

 

13.  O Tribunal da Relação admitiu parcialmente o recurso de revista, com base na al. a) do n.º 2 do artigo 629.º do CPC reportando-se à invocação da violação das regras da competência em razão em razão da matéria e à ofensa do caso julgado, por se tratar de casos em que o recurso de revista é sempre admissível. Considerou, para esse efeito, que os fundamentos recursórios invocados nas conclusões F. a GG., NN. e OO. (primeira e terceira partes) são, em abstrato, reconduzíveis à aludida previsão legal. Porém, no que diz respeito às conclusões HH. a MM. e OO. (segunda parte), entendeu que a recorrente usou argumentos que não se enquadram na citada norma da al. a) do n.º 2 do artigo 629.º do CPC, mas que antes entroncam numa pretensa violação do disposto no n.º 2 do artigo 476.º do CPC. Assim, decidiu que o recurso de revista, neste segmento, é inadmissível, razão pela qual é parcialmente indeferido (al. a) do n.º 2 do artigo 641.º do CPC).


14. Irresignado com o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 09-06-2022, o apelante, BB, apresentou reclamação para a conferência em que concluiu que “deverá a presente reclamação ser admitida e julgada procedente e, em consequência, ser reconhecida e determinada a nulidade do douto Acórdão de que ora se reclama, com as devidas cominações legais.”


15. O Tribunal da Relação de Évora, por Acórdão datado de 27-10-2022, decidiu, em Conferência, julgar não verificadas as nulidades arguidas pelo apelante BB e, consequentemente, indeferir a reclamação.


16. Sabido que é pelas conclusões, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, que se delimita o objeto do recurso, as questões a decidir são as seguintes:


I – Da competência material do tribunal para conhecer o presente litígio: saber se são competentes para conhecer da causa os tribunais cíveis ou os tribunais do trabalho;


II – Da ofensa do caso julgado: saber se, ordenar perícia médico-legal para aferir da incapacidade da autora, viola o caso julgado formado no processo n.º 470/18...., que atribuiu à autora uma taxa de incapacidade de 23,5%.

 

Cumpre apreciar e decidir.


II – Fundamentação

A – Os factos

Os factos que relevam para as questões a decidir são os que constam do Relatório.


B) O Direito

I - Da exceção dilatória da incompetência absoluta do tribunal

1. Entende a recorrente que o acórdão recorrido incorreu em violação da lei do processo, nomeadamente das regras relativas à competência dos tribunais em razão da matéria previstas nos artigos 126.º, n.º 1, c), da LOSJ e 96.º, a), do CPC, pois que, estando em causa um incidente de revisão de incapacidade provocada por acidente de trabalho, os tribunais competentes devem ser os tribunais do trabalho. Fundamenta a sua tese com o alegado pela autora na petição inicial (al. c) e artigos 29.º a 34.º) e na petição inicial aperfeiçoada (artigo 30.º), aplicando-se aos articulados, para este efeito, as regras de interpretação de negócios jurídicos (artigos 236.º a 238.º do Código Civil).


2. O acórdão recorrido entendeu, diferentemente, que em causa estão as normas da responsabilidade civil contratual por ato médico, por factos ocorridos no tratamento das sequelas causadas pelo acidente laboral que vitimou a autora. Afirma o acórdão recorrido, após interpretar o pedido e a causa de pedir tal como delineados na petição inicial, que a autora peticionou, não uma revisão de incapacidade provocada por acidente de trabalho, mas uma indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais causados por factos lesivos imputados aos réus.


3. Vejamos:

A competência material integra um pressuposto processual cuja apreciação deve necessariamente preceder a do fundo da causa.

 Na definição da competência do tribunal, a lei atende à matéria em causa, quer dizer, ao seu objeto, encarado sob um ponto de vista qualitativo – o da natureza da relação substancial pleiteada. Para este efeito, importará considerar, em suma, os termos em que a ação se acha proposta – seja quanto aos seus elementos subjetivos (identidade das partes), seja quanto aos seus elementos objetivos (natureza da providência solicitada ou do direito para o qual se reclama a tutela judiciária, o ato ou o facto de onde terá dimanado esse direito e, enfim, a qualificação dos bens em disputa) – cfr. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, Coimbra, 1979, p. 91.

Para determinação da competência em razão da matéria, é necessário atender-se ao conteúdo das pretensões deduzidas em juízo. Tal competência, como dizia Alberto dos Reis, determina-se pelo conteúdo da lide, isto é, deve atentar-se à relação jurídica material em debate e ao pedido dela emergente, segundo a versão apresentada em juízo pelo demandante.

Neste sentido se tem orientado a jurisprudência, afirmando o princípio de que a competência do tribunal, em razão da matéria, deve atender «à natureza da relação jurídica material em debate na perspectiva apresentada em juízo» (Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 27-09-94, processo n.º 858/94), aferindo-se pela relação litigiosa submetida a apreciação do tribunal nos exatos termos unilateralmente afirmados pelo autor da pretensão (cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 12-01-2010, proferido na Revista n.º  1337/07.3TBABT.E1.S1 e de 14-01-2014, proc. n.º 871/05.4TBMFRE.L1.S1).

 

4. Nos termos do artigo 211.º, n.º 1, da CRP, “Os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais”.

No mesmo sentido, dispõem o artigo 66.º do CPC que «São da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional” e o  artigo 40.º da Lei de Organização do Sistema Judiciário (Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, doravante, LOSJ, que, sob a epígrafe, “Competência em razão da matéria”, estipula o seguinte:

«1 - Os tribunais judiciais têm competência para as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional.

2 - A presente lei determina a competência, em razão da matéria, entre os tribunais judiciais de primeira instância, estabelecendo as causas que competem às secções de competência especializada dos tribunais de comarca ou aos tribunais de competência territorial alargada».

A competência dos tribunais cíveis determina-se, pois, por um critério residual, sendo-lhes atribuídas todas as matérias que não estejam conferidas aos tribunais de competência especializada.

Incumbe à Jurisdição do Trabalho, através das Secções Especializadas do Trabalho, conhecer «c) das questões emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais», nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 126.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto.

Segundo afirmado pela jurisprudência da Secção Social deste Supremo Tribunal de Justiça (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de justiça, de 08-06-2017, proc. n.º 5515/15), «(…) a resolução dos litígios emergentes de acidentes de trabalho há muito que está atribuída a uma jurisdição especializada – a jurisdição do trabalho – que aborda esta competência num quadro processual próprio – o processo dos acidentes de trabalho – que integra disciplina processual específica para a realização desse ramo do Direito, articulando a dimensão pericial da determinação das consequências do acidente, com a realização dos interesses de natureza pública que estão subjacentes à reparação da perda da capacidade de ganho».

O Direito do Trabalho tem autonomia dogmática em face do Direito Civil e desenvolveu-se a partir do início do século XX, centrando-se no princípio da proteção dos trabalhadores subordinados e pondo em causa alguns dogmas do direito privado como o dogma da igualdade entre os entes jurídicos privados e o dogma da liberdade contratual. Assim, não será de atribuir competência a um tribunal comum, mas a um tribunal especializado de trabalho, para resolver conflitos emergentes de um contrato de trabalho ou de um acidente de trabalho, por estar em causa uma relação caracterizada pela subordinação jurídica e económica do trabalhador em face da entidade empregadora.


5. Todavia, nos termos do pedido e da causa de pedir delineada na petição inicial, o que está em causa na presente ação não é a responsabilidade da entidade empregadora e/ou da sua seguradora pelos danos causados por um acidente de trabalho.

A autora dirige a presente ação contra o hospital (Lusíadas Saúde, SA) e o médico, que lhe prestou assistência na sequência de um acidente de trabalho, realizando duas cirurgias, que a autora invoca terem-lhe causado dores insuportáveis, que a impediam de se mexer e de andar, bem como um dano corporal e um dano pessoal (pé pendente, dor crónica no membro inferior esquerdo com alterações crónicas de marcha), que determinaram o agravamento da incapacidade de que padecia por força do acidente de trabalho e que lhe causaram tristeza e insegurança. Para além de o 2.º Réu ter cometido erro médico, que lhe causou, segundo as alegações das autoras, lesões irreversíveis, nunca a informou sobre a possibilidade de ocorrência de tais danos, nem sobre as consequências da 1.ª cirurgia, nem sobre as razões que tornaram necessária uma segunda cirurgia. A autora termina pedindo indemnizações por danos patrimoniais e não patrimoniais causados pela redução da capacidade geral de ganho, e, reconhecendo que já foi ressarcida em ação de acidente de trabalho, na qual recebeu o capital de remição a que tinha direito, nos termos do artigo 75.º da Lei n.º 98/2009, de 04/12, vem agora reclamar o remanescente, ou seja, a diferença entre o grau de incapacidade atual e o grau de incapacidade demonstrado na ação de acidente de trabalho.

           

5. Invocam os recorrentes que a al. c) do pedido com que termina a petição inicial – «O remanescente, calculado sobre o montante recebido pela A., no âmbito do acidente de trabalho (470/18....- Tribunal Judicial da Comarca ..., ...) por força da redução sofrida da capacidade geral de ganho, nos termos da legislação em vigor» - bem como os artigos 29º a 34º da petição inicial aperfeiçoada, impõem a competência do tribunal do trabalho para conhecer a questão colocada pela autora.

Os artigos 29 a 34 da petição inicial aperfeiçoada afirmam o seguinte:

29. Mas a A. entende que em resultado da actuação do 2.º R., passou a padecer de um grau de incapacidade manifestamente superior ao fixado naquela ação de acidente de trabalho.

30. Sendo reclamada na Petição a responsabilidade dos RR em face do agravamento da incapacidade da A. em relação ao estabelecido na ação do acidente de trabalho, considerando o aumento da redução da capacidade geral e de trabalho da A.

31.E em consonância com o exposto a A. requereu na Petição Inicial a realização de  perícia médico-legal a solicitar ao Instituto Nacional de Medicina Legal, bem como a obtenção de parecer a solicitar ao Colégio da Especialidade de Neurocirurgia da Ordem dos Médicos – requerimento que agora se reitera.

32. Sendo tal exame e tal parecer necessários e adequados à atribuição da incapacidade de que a A. passou a padecer após a actuação do 2.º Réu.

33. Sendo somente possível a correcta determinação desse remanescente de incapacidade após pronúncia das entidades competentes.

34. Pedindo a A. o pagamento da diferença entre o valor recebido no âmbito do processo do Juízo do Trabalho ... e o valor devido e adequado ao ressarcimento do grau de incapacidade actualmente existente, a liquidar em sede de liquidação de sentença».


6. Ora, da interpretação destes artigos da petição inicial à luz das regras constantes nos artigos 236.º e 238.º do Código Civil, não decorre que a autora tenha pedido uma revisão do grau de incapacidade à luz do direito laboral, mas tão-só a responsabilização do médico que a operou e do Hospital onde o médico exerce funções, pelos danos patrimoniais e não patrimoniais causados pelo erro médico cometido nas duas cirurgias levadas a cabo pelo 2.º Réu. A autora inclui nesses danos, conforme esclarece nos artigos 29 e 30 da petição inicial aperfeiçoada, apenas o grau de incapacidade remanescente, em relação à incapacidade determinada na ação laboral, e provocado pelas condutas lesivas imputadas aos réus.

O teor objetivo dos citados artigos da petição inicial aperfeiçoada, conjugados com a petição originalmente apresentada, indica, com clareza, que a autora na presente ação responsabiliza os réus apenas pelas consequências do agravamento da incapacidade decorrente das duas cirurgias, e não se refere, na petição inicial nem no pedido, a um agravamento da incapacidade resultante da evolução dos danos causados pelo acidente, por não serem logo determináveis ab initio no seu montante global – hipótese que podia dar lugar ao incidente laboral de revisão do grau de incapacidade, nos termos do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro.

A petição inicial remete para factos praticados pelo médico em momento posterior ao acidente e que ocorreram aquando dos tratamentos das sequelas provocadas pelo sinistro, agravando o grau de incapacidade de que a Autora já padecia. Trata-se de um caso de responsabilidade civil médica em que competirá à A. a prova dos factos ilícitos, por ação ou omissão, e do nexo causal entre esses factos e o agravamento da incapacidade, bem como demonstrar que as incapacidades geradas pelo acidente e as geradas pelas cirurgias são distintas, não integrando o objeto do presente recurso a questão de saber se as incapacidades invocadas são ou não sobreponíveis, total ou parcialmente.

Para aferir da competência material do tribunal apenas há que atender ao pedido e à causa de pedir, independentemente da possibilidade de virem ou não a ser procedentes os pedidos da Autora.

Entendemos, pois, que bem andou o acórdão recorrido, ao afirmar que «(…) o acidente de trabalho apreciado no processo n.º 470/18.... do Tribunal de Trabalho ... constitui, por um lado, um mero antecedente factual que serve o propósito de  contextualizar a factualidade relevante para a decisão da causa e, por outro,  um importante ponto de partida do cálculo da peticionada indemnização, já que não se poderá olvidar que a Autora já vira a capacidade geral e de ganho substancialmente reduzida».

Definidos assim os termos da lide, conclui-se que a causa de pedir e o pedido não se reconduzem  à previsão da alínea c) do n.º 1 do artigo 126.º da LOSJ. Não se pretende, pois, discutir,  nos tribunais cíveis, questões relacionadas com um acidente de trabalho, mas tão-só, que estes tribunais apreciem as consequências danosas de factos imputados aos recorrentes em virtude da assistência médica prestada na sequência do acidente. Uma vez que o crédito indemnizatório peticionado, embora conexo com a eclosão de um acidente de trabalho, não constitui uma questão entre sujeitos de uma relação jurídica de trabalho ou entre um desses sujeitos e terceiros, quando emergentes de relações conexas com a relação de trabalho, por acessoriedade, complementaridade ou dependência, também é de afastar a aplicabilidade da alínea n) do mesmo preceito.


7. Em consequência, decide-se que a presente ação se inscreve na competência material residual legalmente conferida aos tribunais judiciais cíveis.

Improcedem, pois, as conclusões A) a X) da alegação de recurso da recorrente.


II – Da realização da perícia médico-legal

8. Entende a recorrente Hospital ..., que as instâncias, ordenando nova perícia médico legal, violaram o caso julgado formado no Processo n.º 470/18.... (Tribunal do Trabalho ...), no qual já foi avaliada a IPP da Autora, por meio de perícia médico-legal realizada no dia 26 de fevereiro de 2019, tendo o seu grau de incapacidade permanente parcial sido fixado em 23,5%, por decisão judicial proferida no dia 8 de abril de 2019 e já transitada em julgado.


9. O acórdão recorrido, que abordou já esta argumentação no recurso de apelação, entendeu, diferentemente, que não se verifica a exceção dilatória do caso julgado, nem a autorização de nova perícia viola a autoridade do caso julgado, pois a autora não contesta na presente ação o grau de incapacidade que lhe foi atribuído no processo que correu termos no Tribunal do Trabalho, nem pede a revisão dessa IPP, com a qual concorda, mas apenas pretende com a perícia requerida no presente processo aferir e comprovar o grau de incapacidade alegadamente gerado pelas condutas lesivas imputadas aos réus, em sede de responsabilidade civil médica.  


10. Vejamos:

A exceção dilatória do caso julgado visa evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou reproduzir uma decisão anterior, bem como a duplicação de esforços e encargos do tribunal e das partes, com a sujeição involuntária e injustificada do réu do segundo processo a uma dupla condenação ou, sendo outro o desfecho no segundo processo, a uma contradição de decisões, desprestigiante para a justiça e para a segurança jurídica.

Como ensina Manuel de Andrade (Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, 318), a força obrigatória reconhecida ao caso julgado material, impõe-se por razões de certeza ou segurança jurídica e tem por finalidade, “obstar a decisões concretamente incompatíveis (que não possam executar-se ambas sem detrimento de alguma delas), a que em novo processo o juiz possa validamente estatuir de modo diverso sobre o direito, situação ou posição jurídica concreta definida por anterior decisão e, portanto, desconhecer no todo ou em parte os bens por ela reconhecidos e tutelados”.


Do caso julgado decorrem, essencialmente, dois efeitos, a saber: impossibilidade de qualquer tribunal voltar a pronunciar-se sobre a questão decidida (efeito negativo ou exceção de caso julgado) e vinculação do mesmo tribunal ou de outros tribunais à decisão proferida (efeito positivo ou autoridade de caso julgado).


A decisão dada a certa questão de mérito é vinculativa fora do processo; nenhum juiz se pode afastar dela se se voltar a pôr em juízo questão idêntica – por identidade de pedido e de causa de pedir – e subjetivamente – por identidade das partes (artigos 619.º, n.º 1, 580.º e 581.º do CPC).

Como tem sido reiterado pela jurisprudência deste Supremo Tribunal, a exceção dilatória de caso julgado (efeito negativo) pressupõe a identidade de sujeitos, de causas de pedir e de pedidos entre os processos em confronto - cfr., entre outros, os acórdãos de 22-02-2018 (Proc. n.º 18091/15.8T8LSB.L1.S1), de 18-02-2021 (Proc. n.º 3159/18.7T8STR.E1.S1)  e de 23-02-2021 (Proc. n.º 2445/12.4TBPDL.L1.S1).


Assim, a causa repete-se quando, entre as mesmas partes, há uma nova ação com o mesmo objeto, isto é, com o mesmo pedido fundado na causa de pedir. E há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica.

A qualidade jurídica dos sujeitos corresponde à posição (jurídica) que, cada sujeito, ocupa numa situação com relevância (jurídica) e que, constitui uma relação da vida, uma relação jurídica.

Nos termos do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 24-02-2015 (Proc. nº 915/09.0TBCBR.C1.S1) afirma-se que, “Para averiguar o preenchimento do requisito da identidade de sujeitos, deve atender-se, não a critérios formais ou nominais, mas a um ponto de vista substancial, ou seja, ao interesse jurídico que a parte concretamente atuou e atua no processo”, acrescentando-se , “Para que o caso julgado se imponha fora do processo, vinculando o juiz e as partes, é indispensável que concorram os requisitos do art. 581.º do CPC, isto é, que entre a ação em que se formou o caso julgado e a ação em que se pretende fazer projetar a sua eficácia se verifiquem as três identidades previstas no artigo citado: sujeitos, pedido e causa de pedir”.

 

Por seu turno, “a autoridade de caso julgado formado por decisão proferida em processo anterior, cujo objecto se insere no objecto da segunda, obsta que a relação ou situação jurídica material definida pela primeira decisão possa ser contrariada pela segunda, com definição diversa da mesma relação ou situação, não se exigindo, neste caso, a coexistência da tríplice identidade mencionado no artigo 581º do Código de Processo Civil” – Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 13-09-2018 (Proc. n.º 687/17.5T8PNF.S1) e de 11-10-2022 (proc n.º 2291/21.4T8FAR-A.S1).


Nas palavras de Lebre de Freitas e de Isabel Alexandre (Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.º, Almedina, 4.ª edição, Reimpressão, pp. 599-590), o efeito positivo do caso julgado conferido pela figura da autoridade “assenta numa relação de prejudicialidade: o objeto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda ação, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida (…) ou o fundamento da primeira decisão, excecionalmente abrangido pelo caso julgado (…) é também questão prejudicial na segunda ação”.   

O efeito positivo do caso julgado vincula o tribunal da ação posterior a aceitar a questão prejudicial decidida numa ação anterior e opera através da autoridade do caso julgado. Segundo Castro Mendes/Teixeira de Sousa (Manual de Processo Civil, Vol. I, AAFDL Editora, Lisboa, p. 641), «Se se repropuser a questão como fundamento e não como objecto do pedido, o juiz tem de decidir a questão nos termos do caso julgado estabelecido».

  

11. A perícia decretada nestes autos é uma perícia médico-legal, cuja realização se acha legalmente deferida ao INMLCF, I.P., nos termos do n.º 3 do artigo 467.º do CPC e do n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 45/2004, de 19 de agosto, e que tem por objeto os factos inseridos nos temas de prova, a saber, para o que aqui releva:

«c) Apurar o circunstancialismo do diagnóstico e do ato médico realizadoà autora, pelo 2.º réu;

d) Averiguar se foram cumpridas todas as regras de boas práticas clínicas;

e) Saber o contexto e termos da assistência médica fornecida à autora e informação prestada;

f) Apurar se do ato médico em causa (realização de cirurgia – discectomia à L4 e L5) resultaram para a autora os danos elencados na petição inicial».


12. Comparando o presente processo e o processo do tribunal do trabalho resulta que apesar de a autora ser a mesma, os réus são sujeitos distintos: os agora réus não foram parte no processo laboral, onde não estava em causa a análise dos efeitos jurídicos da sua conduta, mas, tão só, as consequências do acidente de trabalho na capacidade de ganho da autora. 

O objeto das duas ações é também distinto: na presente ação visa-se demonstrar os pressupostos da condenação ao pagamento de uma indemnização fundada em responsabilidade civil médica; na ação do tribunal de trabalho estavam apenas em causa as sequelas atribuíveis ao acidente de trabalho, isto é, aos factos inscritos nas alíneas A) e C)  do elenco factual provado (e não quaisquer outros factos danosos subsequentemente ocorridos):

A) No dia 29 de Janeiro de 2017, AA, exercia as funções de auxiliar de acção médica II, por conta da Santa Casa da Misericórdia ..., com sede na Avenida ..., Ap. ...83, ...65 ...;

C) Naquelas circunstâncias de tempo e lugar a sinistrada, ao transferir um utente durante o banho, sentiu dor súbita no membro inferior esquerdo.


A reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho assenta num regime de responsabilidade civil extracontratual objetiva que se filia na conceção de que o desenvolvimento da atividade empresarial representa um risco. Um acidente de trabalho define-se como sendo um evento que se verifica no local e no tempo de trabalho, produzindo lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho, ou a morte do trabalhador.

Já o regime jurídico da responsabilidade civil médica funda-se no incumprimento de um contrato de prestação de serviço de assistência médica, que, no caso vertente, incluiu a realização de duas cirurgias, que foram necessárias para debelar as sequelas do acidente, mas que, segundo o alegado pela autora na petição inicial, causaram novos danos corporais e pessoais, aumentando a sua incapacidade para o trabalho.

 

13. Assim, não se vislumbra qualquer identidade subjetiva ou objetiva entre os dois processos que imponha a rejeição da perícia por respeito ao caso julgado formado na decisão proferida pelo Tribunal do Trabalho, nem estão verificados os pressupostos da exceção dilatória do caso julgado traduzidos na tríplice identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir, conforme o artigo 581.º do Código Civil.


14. Invocam ainda os recorrentes que o acórdão recorrido violou a autoridade do caso julgado formado pela decisão do Tribunal de Trabalho, proferida no processo n.º 470/18.... e que tem força obrigatória dentro do aludido processo e fora dele.

Ora, como decorre de toda a fundamentação exposta, a decisão do Tribunal de Trabalho sobre a incapacidade da Autora só vale para contextualizar as ofensas imputadas aos agora réus – enquanto antecedente fáctico das mesmas – mas não como questão prejudicial que vincule o tribunal da ação posterior. Aliás a Autora não coloca em causa, no presente processo, a correção do grau de incapacidade decidido no processo n.º 470/18, nem pretende a sua revisão, ou obter qualquer decisão incompatível com a primeira.

A decisão proferida no Tribunal de Trabalho que atribuiu uma IPP à autora de 23,5% continua em vigor na ordem jurídica, e a realização da perícia agora ordenada, que tem um âmbito distinto, em nada contraria a decisão já transitada em julgado que fixou a IPP da autora.


15. Pelo que, tem de se concluir que a decisão do acórdão recorrido de deferir a realização de perícia médico legal não fere a autoridade do caso julgado.


Improcedem, pois, as conclusões Y) a OO) da alegação de recurso da recorrente.


16. Anexa-se sumário elaborado nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do CPC:

I - A jurisprudência tem afirmado o princípio de que a competência do tribunal, em razão da matéria, deve atender «à natureza da relação jurídica material em debate na perspectiva apresentada em juízo» (Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 27-09-94, processo n.º 858/94), aferindo-se pela relação litigiosa submetida a apreciação do tribunal nos exatos termos unilateralmente afirmados pelo autor da pretensão (cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 12-01-2010, proferido na Revista n.º  1337/07.3TBABT.E1.S1 e de 14-01-2014, proc. n.º 871/05.4TBMFRE.L1.S1).

II - Nos termos do pedido e da causa de pedir delineada na petição inicial, o que está em causa na presente ação não é a responsabilidade da entidade empregadora e/ou da sua seguradora pelos danos causados por um acidente de trabalho, mas a responsabilidade civil por ato médico. Sendo assim, o tribunal competente é o Juízo Cível e não o Tribunal de Trabalho.

II - A exceção dilatória do caso julgado pressupõe a identidade de sujeitos, de causas de pedir e de pedidos entre os processos em confronto.

III – A autoridade do caso julgado formado por decisão proferida em processo anterior, cujo objeto se insere no objeto da segunda, obsta que a relação ou situação jurídica material definida pela primeira decisão possa ser contrariada pela segunda, com definição diversa da mesma relação ou situação, não se exigindo, neste caso, a coexistência da tríplice identidade mencionado no artigo 581º do Código de Processo Civil.

IV - Não se verifica a exceção dilatória do caso julgado, por falta de identidade subjetiva e objetiva entre dois processos, se no primeiro processo, com decisão já transitada, foi proferida uma decisão a atribuir à autora uma pensão anual e vitalícia, numa ação de acidente de trabalho dirigida contra o estabelecimento onde a autora exercia funções, e se a segunda ação, proposta pela mesma autora contra réus distintos - um médico que realizou duas intervenções cirúrgicas e o hospital onde exerce funções – tem por objeto apurar em relação aos réus os pressupostos da responsabilidade civil médica.

V - Não viola a autoridade do caso julgado formado por decisão do Tribunal de Trabalho que atribuiu uma IPP à autora de 23,5% na sequência de um acidente de trabalho, a decisão proferida, num processo de responsabilidade civil médica, de ordenar uma perícia para indagar se as cirurgias feitas para debelar as sequelas do acidente causaram lesões à autora que agravaram o seu grau de incapacidade.    


III – Decisão

Pelo exposto, decide-se negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.

Custas pela recorrente.


Lisboa, 28 de março de 2023


Maria Clara Sottomayor (Relatora)

Pedro de Lima Gonçalves (1.º Adjunto)

Maria João Vaz Tomé (2.ª Adjunta)