Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3054/16.4T8LRA.C2.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO MAGALHÃES
Descritores: LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
REQUISITOS
REVISTA EXCECIONAL
INCONSTITUCIONALIDADE
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
ÓNUS DO RECORRENTE
REJEIÇÃO DE RECURSO
DESCARACTERIZAÇÃO DA DUPLA CONFORME
OBJETO DO RECURSO
RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
NULIDADE DE ACÓRDÃO
AMBIGUIDADE
OBSCURIDADE
OPOSIÇÃO ENTRE OS FUNDAMENTOS E A DECISÃO
INDEFERIMENTO
Data do Acordão: 02/27/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: INDEFERIDA
Sumário : Indeferida a reclamação
Decisão Texto Integral:

Acordam os Juízes da 1ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça:


*


AA intentou a presente acção declarativa comum contra BB, pedindo a sua condenação a: reconhecer que celebrou contrato de mútuo com a A., tendo recebido da mesma a quantia de € 37 500 [a)]; reconhecer que o contrato de mútuo celebrado foi oneroso, sendo a taxa de juros a legal [b)]; reconhecer que está em incumprimento, nunca tendo pago juros e capital, ao A. (sic), na data do seu vencimento, tendo-se resolvido o contrato [c)]; pagar ao A. (sic) a quantia de € 37 500, que se comprometeu a pagar, mas nunca fez, a título de empréstimo e/ou a título de enriquecimento sem causa, acrescida de juros legais, desde a data da escritura até integral pagamento [d)]; reconhecer que o veículo automóvel referido na petição inicial (p. i.), BMW, tem um valor locativo mensal não inferior a € 1 500 mensais, e é propriedade de A. e Réu, em partes iguais e que a moto 4, ..-DO-.., é propriedade da A. e do Réu, em partes iguais, e tem o valor de € 5 000 [e)]; reconhecer que a A. tem direito a um valor compensatório mensal pelo uso pelo Réu do veículo BMW [f)]; pagar ao A. (sic) indemnização correspondente à quantia de € 19 500, referente a prestações compensatórias e juros vencidos, pelo uso do veículo referido, ou por enriquecimento sem causa relativo ao uso até à entrada da ação em tribunal [g)]; pagar ao A. (sic) indemnização correspondente ao valor das prestações compensatórias mensais vincendas e juros vencidos, ou valor equivalente por enriquecimento sem causa, desde a data da entrada da ação até decisão a proferir, pelo uso do veículo BMW [h)]; pagar ao A. (sic) a indemnização correspondente ao valor das prestações compensatórias mensais vincendas, após sentença, e, até efetiva entrega do BMW, acrescida dos respetivos juros moratórios, ou valor equivalente como compensação por enriquecimento sem causa, até integral pagamento [i)]; pagar à A. a quantia de € 37 500, que se comprometeu a pagar, mas nunca fez, a título de empréstimo e ou a título de enriquecimento sem causa, acrescida de juros legais, desde a data escritura até integral pagamento [j)]; pagar à A. o que se vier a liquidar em liquidação de sentença, quanto a danos patrimoniais/desvalorização verificados no prédio, veículo automóvel BMW e moto 4 [k)].

Alegou, em síntese: A. e Réu viveram juntos, tendo a relação terminado, e a A. emprestou-lhe, com juros, € 37 500 para a aquisição de um imóvel, registado em compropriedade, quantia que o Réu não devolveu e que, presentemente, totaliza € 52 500; financiou a aquisição de dois veículos, para uso exclusivo do Réu, que assim se locupletou com € 19 500, referente a um dos veículos, e € 5 000, relativos ao outro. Subsidiariamente, invoca o enriquecimento sem causa.

O Réu contestou, invocando que o imóvel em questão foi objeto de processo de divisão de coisa comum, na instância local de ..., em cujo âmbito a aqui A., ali Ré, suscitou exactamente as questões que agora aqui recoloca, tendo sido proferida decisão que lhe foi inteiramente desfavorável, pelo que ocorre caso julgado; impugnou os factos alegados pela A. e apresentou reconvenção, pedindo a condenação da A. no pagamento de € 37 050, correspondente à utilização do imóvel comum em exclusivo pela aqui A.. Pediu, ainda, a condenação da A. como litigante de má fé (multa e indemnização).

Foram admitidos intervenientes.

Por saneador-sentença, o Juiz a quo não admitiu a reconvenção; julgou procedentes as excepções dilatórias de incompetência em razão da matéria e de caso julgado, absolvendo o Réu e intervenientes da instância e julgou a acção não provada e improcedente, absolvendo o Réu e os intervenientes dos pedidos fundados em enriquecimento sem causa.

A A. recorreu e a Relação, na parcial procedência da apelação, declarou “a nulidade da decisão recorrida no que concerne ao seu “ponto II”” e revogou “a mesma decisão na parte em que julgou procedentes “as exceções dilatórias de incompetência em razão da matéria e de caso julgado (...) e julgou a ação não provada e improcedente (absolvendo o Réu e os intervenientes dos pedidos fundados em “enriquecimento sem causa”) (...)”.

Prosseguindo os autos, os intervenientes foram absolvidos dos pedidos contra si formulados tendo a ação prosseguido apenas quanto ao primitivo Réu.

Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal, por sentença, julgou totalmente improcedente a acção e absolveu o R. de todos os pedidos contra si formulados. Condenou a A. como litigante de má fé na multa de 3 (três) UC e em indemnização, concedendo 10 dias para autora e réu se pronunciarem quanto ao montante da indemnização a fixar, nos termos do disposto no art.º 543º do CPC.

A Relação julgou improcedente a apelação e confirmou a sentença recorrida.

Não se conformando, a Autora interpôs recurso de revista excepcional, formulando as seguintes conclusões.

“1- O recorrente faz o persente recurso por entender que os art. 671 e 672 do CPC são inconstitucionais.

2- Por impedir o acesso ao direito e à justiça prevista no art. 20º da CRP:

Acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva

1. A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.

2. Todos têm direito, nos termos da lei, à informação e consulta jurídicas, ao patrocínio judiciário e a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade.

3. A lei define e assegura a adequada proteção do segredo de justiça.

4. Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objeto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo.

5. Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efetiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos.

3- Entende que estão em causa questões cuja apreciação, pela sua relevância Jurídica, seja claramente necessária para aplicação do direito:

4- Estão em causa interesses de particular relevância social.

5- Contradição com acórdão do STJ;

6- Todas abaixo mencionadas, relevantes para o Estado de Direito da Criado pela Constituição de 1976:

XXI- Da questão do recurso de revista excepcional:

7- Entende que estão em causa questões cuja apreciação, pela sua relevância Jurídica, seja claramente necessária para aplicação do direito, nomeadamente a questão do art. 640 do CPC:

8- Estão em causa interesses de particular relevância social.

9- Contradição com acórdão do STJ;

10- Todas abaixo mencionadas, relevantes para o Estado de Direito da Criado pela Constituição de 1976.

XII- Da violação do direito de recorrer, com interpretação incorreta do art. 640º do CPC.:

11-O recorrente cumpriu todos os deveres de transcrição nos termos do art. 640 do CPC.

12- Aliás, entendeu que todos os dizeres eram importantes.

13- Se tem a mais não tem a menos.

14- Fez um esforço enorme para garantir direitos.

15- Com a sentença e acórdão foi violado o direito de acesso à justiça pelo A.

16- Foram proibidos de usar o direito de e usar um direito previsto na jurisprudência.

XXI. - Da decisão sob os pontos da matéria de facto impugnada, diversa da recorrida:

17- Atento os factos impugnados da sentença, deveria o meritíssimo Juiz ter dado como provado os seguintes fatos da p.i. todos nomeadamente, de 1º a 138º da p.i. e provados os dados como não provados na sentença de 2.1.

18- Deveria ter dado como não provados os fatos vertidos de 2.1 da sentença.

19- E, tendo como base o depoimento das declarações de parte do A e testemunhas da Autora, acima devidamente identificadas no seu depoimento que se transcreveu.

20- Não poderia basear-se tão – somente no sua dedução conclusiva que foi pouco esclarecedora.

11-O recorrente impugna os factos dados como não provados na sentença, 2.1, termos do art. 640 do CPC, pelo que pretende reapreciação da prova produzida sob a matéria de facto, factos referidos

12-O depoimento das testemunhas do R nada disseram sendo um, conforme gravação magnetofónica, assim como o depoimento de parte, não devendo ter dado como provados os fatos vertidos na p. i.

13-Pelo que deveria o meritíssimo juiz ter dado como provados os factos referidos de na p.i..

14-Atento os factos impugnados da sentença, deveria o meritíssimo Juiz ter dado como provado os factos da, todos, p.i, deferindo o pedido:

A) Reconhecer que celebrou contrato de mútuo com a A, tendo recebido da mesma da quantia de 37.500,00€;

B) Reconhecer que o contrato de mútuo celebrado foi oneroso, sendo a taxa de juros a legal.

C) Reconhecer que está em incumprimento, nunca tendo pago juros e capital, ao A, nada data do seu vencimento, tendo-se resolvido os contrato.

A) A pagar ao A da quantia de 37.500,00€, por quantia que se comprometeu a pagar à A, mas nunca fez, a título de empréstimo e ou a título de enriquecimento sem causa, acrescidos de juros legais, desde a data escritura até integral pagamento.

B) Pagar ao A indemnização correspondente à quantia de 19.500,00€, referente a prestações compensatórias e juros vencidos, pelo uso do veículo referido, ou por enriquecimento sem causa pelos mesmos, no relativo ao uso até data da entrada da ação em tribunal;

XXI.- Do erro da acta:

15-A acta não contém a numeração do tempo de gravação das testemunhas e partes, em habilus studio, e, existem gravações não audíveis e perceptíveis, o A só tomou conhecimento hoje, 31.08.2021 após consultar as actas e ouvir a transcrição, termos em que se invoca a referida nulidade.

XXI- Da violação do Dto de p.i, de acesso á justiça:

16-Foi violado um direito do A de acesso à justiça, ao não se considerar o vertido pela mesma.

XXI.- Da violação do art. 661º do CPC, dos limites da sentença e da actividade do Juiz:

17-A O Juiz ao não seguir o procedimento processual, como pedido na p.i., violou o art. 661º do CPC, não podendo condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir.

18-O Meritíssimo Juiz ao não seguir o procedimento processual, como pedido na p.i., violou o art. 609º do CPC, não podendo condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir.

19-Nesta senda, deveria o meritíssimo juiz ter decidido dando seguimento processual à ação, como vertido na p.i.

XXI. – Das nulidades da sentença, art. 615,b) c) d) e e) do CPC:

20-Na decisão verificam-se nulidades da sentença.

21-Foi violado as al. b), c), d) e e) do nº 1 do art. 615º do CPC, nomeadamente por o Meritíssimo Juiz não se ter pronunciado sobre questões que devesse apreciar e conheceu de questões que não deveria apreciar.

22-Foi violado o previsto e estatuído na al. b) nº 1 do art. 615º do CPC, no sentido de que o Meritíssimo Juiz não especifica os fundamentos de fato e de direito que justificam a decisão.

23-Foi violado o previsto e estatuído na al. c) nº 1 do art. 615º do CPC, no sentido de que o Meritíssimo Juiz, com o devido respeito, existe obscuridade que torna a decisão ininteligível

24-Foi violado o previsto e estatuído na al. e) nº 1 do art. 615º do CPC, no sentido de que o Meritíssimo Juiz, com o devido respeito, deixou de pronunciar-se sobre questões que devesse pronunciar

25-Foi violado o previsto e estatuído na al. e) nº 1 do art. 615º do CPC, no sentido de que o Meritíssimo Juiz condenou em objecto diferente do pedido.

26-O recorrente fez um pedido e Meritíssimo Juiz decide outro, no âmbito processual.

XXI.- Da violação do princípio do dispositivo, art. 5º do CPC:

27-Na elaboração da sentença o Juiz só pode servir-se dos factos articulados pelas partes. - Vide in Antunes de Varela, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, pág. 413.In concreto o Juiz valorou provas e factos que não foram alegados pelas partes.

28-Pelo que foi violado o previsto e estatuído no art. 5º do CPC.

XXI.- Da violação do art. 374, nº 2 do Código Civil:

29-O R não impugnou todos os documentos da A, que nada disseram as testemunhas do R, se é certo que, em regra, e por se tratar de factos constitutivos da defesa apresentada pela A, os factos alegados no articulado da p.i, são a provar pela mesma, não é menos certo e líquido, na nossa doutrina e jurisprudência, que na questão da genuinidade da letra e assinatura inerente aos documentos o contra ónus da prova competia ao R.

XXI.- Da falta de fundamentação e inconstitucionalidade da sentença meritíssimo Juiz:

30-Da violação do direito de acesso à justiça, garantias de defesa:

31-Nos termos do art. 32º da CRP existem garantias do processo criminal, que se aplica, ao caso, em que se asseguram todas as garantias de defesa, incluindo o recurso, sendo que o recorrente in casu foi inibido de garantias de defesa, não foi considerada a p.i., o que foi uma violação de legislação fundamental, não se concordando com o Meritíssimo Juiz.

32-Com a sentença foi violado o direito de acesso à justiça pelos executados, foram proibidos de usar o direito de fazer oposição de embargos de terceiro, violando-se o estatuído nos artigos 266º, 572º a 583º e ss do CPC.

XXI. - Da prova e decisão do M. Juiz:

33-A forma de dar como provados factos foi de forma arbitrária.

34-Prova livre não equivale a prova arbitrária, isto é, a prova valorada arbitrariamente, mas a prova apreciada pelo juiz segundo a sua experiência, a sua prudência, o seu bom senso, com inteira liberdade, sem estar vinculado ou adstrito a quaisquer regras, medidas ou critérios legais, ( ac. STJ, de 77.11.30, BMJ, 271, pág. 181.

35-Pelo que a acção deveria ter sido julgada procedente.

36-Deve ser admitido declarações de parte no relativo a factos favoráveis, que só confirmou o vertido na acção e da prova testemunhal.

XXI. Do pedido subsidiário e do enriquecimento sem causa, nos termos do art. 469º do CPC, invocado pela A:

37-À cautela, veio a A invocar o enriquecimento sem causa do R subsidiariamente, nos termos do art. 473º e ss do CC, dando aqui como reproduzido o vertido de 1º a 138º da p.i., para evitar repetição de fatos, e o estarmos perante o fato de o R estar a invocar ser dono de um bem imóvel, que não pagou, pelo, usando veículos sem autorização, e , eventualmente da nulidade do contrato de mútuo.

38-O enriquecimento teve como causa justificativa o facto de o R não pagar o preço e ou prestação equivalente pelo uso e desgaste do veículo automóvel, e estar a querer ser dono de um bem imóvel, sem ter dado entrada de qualquer quantia em dinheiro, motivado por o R ter tirado proventos do prédio, favorecendo a atividade lucrativa do mesmo que enriqueceu.

39-O R obteve os inerentes proveitos, vantagens, aumentando e valorizando o seu património, injustamente, à custa da A, nos termos do art. 473º do CC.

40-Pelo que estava devidamente fundamentado e deveria ter sido dado como procedente.

41-Outra fonte de obrigações que a nova lei civil consagra(e a jurisprudência desde há muito reconhecia em face da própria legislação anterior, mas apenas a propósito de casos dispersos por vários institutos) é constituída pelas situações de enriquecimento sem causa, de enriquecimento injusto ou de locupletamento á custa alheia. Aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outem, diz o art. 473º, é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou.

O credor da obrigação de restituir é a pessoa á custa de quem o enriquecimento de deu; o devedor, aquela que injustamente (…) se locupletou à custa dele.

Num raciocínio simplista sobre a realidade das coisas, poder-se-á estranhar a existência de situações de enriquecimento sem causa, criadas à sombra do direito constituído. Se não há causa capaz de justificar a transmissão de valores materiais que um acto jurídico opera entre dois patrimónios, a solução mais lógica consistiria em declarar nulo ou anular o acto e permitir, através dos efeitos próprios da invalidade, a plena reconstituição da situação anterior.-Vide in Antunes de Varela, Das obrigações em geral, Vol. I, 7º edição, Almedina 1991, pág. 457 e 458.

42-Ora in casu o R locupletou-se à custa da A, na vendo do apartamento, locupletando-se à custa da mesma.

43- Sendo nulo o julgamento, por violação de formalidade processual.

XXI. Do inexistir de litigância de má fé:

44-Inexiste litigância de má fé, como referido e condenado pelo M. Juiz.

45-Nos termos do art.º 542.º, n.º 2 do Código de Processo Civil (na redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, aplicável aos autos de acordo com o art.º 5.º, n.º 1 deste diploma legal), “diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave:

a) tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;

b) tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;

c) tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;

d) tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão”.

46-Na sua base, a má fé transporta a ideia essencial da “consciência de não ter razão, o que não é o caso.

47-Não basta, pois, o erro grosseiro ou a culpa grave; é necessário que as circunstâncias induzam o tribunal a concluir que o litigante deduziu pretensão ou oposição conscientemente infundada”, devendo ainda acentuar-se a ideia de que “a simples proposição de acção ou contestação, embora sem fundamento, não constitui dolo, porque a incerteza da lei, a dificuldade de apurar os factos e de os interpretar, podem levar as consciências mais honestas a afirmar um direito que não possuem e a impugnar uma obrigação que devessem cumprir” (nesse sentido, Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado”, 3.ª edição, volume II, pág. 263).

XXI-Da jurisprudência:

48-In casu, nunca o R deveria ter sido condenado.

49-Tal como a jurisprudência abaixo citada: (…)

50-Pelo, que, como corolário lógico, o R enriqueceu indevidamente.

51-Existindo enriquecimento sem causa.

XXI- Da crítica à sentença:

52-Foi feita crítica à sentença, de que os M. Juízes não se pronunciaram.

53-Veio o M. Juíz alegar que não existiu enriquecimento sem causa o que in casu, atento que foi provado nos autos que a A entregou da quantia de setenta e cinco mil euros e o R só dez mil euros.

54-Que o imóvel custou 85.000,00€.

55-E conforme certidão junta aos autos, o A locupletou-se à custa da R, sendo o imóvel vendido por 85.000,00e, em acção de divisão de coisa comum, locupletando-se o R à custa da A, recebendo o mesmo metade.

56-Que como se verificou, pelo depoimento de todos as testemunhas, o A, sempre actuou de boa fé.

57-O A nunca forneceu informações erradas.

58-O que não fez.

59-Sendo que foi o A que violou as regras em causa, a boa fé contratual.

XXI. Das disposições legais violadas:

60-Foram violados os artigos 484, nº 1, 661º, 668º al. d) e e), 671º, nº do CPC, 665º, 264º, 664º, 66º, al. b), nº 2 art. 4º, 574, 640 do CPC; artigos 204, nº 2, 1325 e 1340, 1022 a 1030, 1038 a 1049, 1079 a 1084, 1251º, 1258º, 1259º, 1260º, 1261º, 1262º, 1263º, 1311º, 1316º do C. C; artigos 116º, nº 1 e 117-B, nº 1 e 2 do CRP, 2078º do C. C.

Termos em que deve ser admitido o presente recurso, por isso revogando-se o acórdão, julgando-se o presente recurso procedente.”

No despacho liminar o relator deste Supremo proferiu o seguinte despacho:

“A A. veio interpor recurso de revista excepcional, com o fundamento de que estão em causa interesses de particular relevância social, questões cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é claramente necessária, nomeadamente a questão do art. 640º do CPC e, ainda, uma pretensa contradição com um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça.

Porém, contraditoriamente, entende que os arts. 671º e 672º (que permite, precisamente, o recurso de revista excepcional) do CPC são inconstitucionais, por impedirem o acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva prevista no art. 20 da CRP.

Sucede, no entanto, que os referidos artigos não são inconstitucionais, como é jurisprudência pacífica do Tribunal Constitucional.

Abrantes Geraldes, em Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2018, 5ª edição, páginas 348 e 349, salienta que “com o CPC de 2013 se encontra consolidada a ideia de que o triplo grau de jurisdição em matéria cível não constitui garantia generalizada. Ainda que ao legislador ordinário esteja vedada a possibilidade de eliminar em absoluto a admissibilidade do recurso de revista para o Supremo (…), ou de elevar o valor da alçada da relação a um nível irrazoável e desproporcionado que tornasse o recurso de revista praticamente inatingível na grande maioria dos casos, não existem obstáculos à previsão de determinados condicionalismos a tal recurso. Aliás, (…) o Tribunal Constitucional vem uniformemente entendendo que as normas que, em concreto, restringem o recurso para o Supremo não estão feridas de inconstitucionalidade. (…).”

Segundo o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 159/2019, de 13 de Março de 2019, rectificado pelo acórdão do Tribunal Constitucional n.º 206/19, de 27 de Março de 2019, “o direito ao recurso em processo civil, e sobretudo o acesso ao recurso junto do Supremo Tribunal de Justiça, não encontra previsão expressa no artigo 20.º da Constituição, não resultando como uma imposição constitucional dirigida ao legislador, que, neste âmbito, dispõe de uma ampla margem de liberdade”; e em particular que “a imposição da verificação dos pressupostos do recurso de revista consagrados no artigo 671.º, n.º 1, do CPC, como delimitativa da admissibilidade do recurso de revista […] não se afigura arbitrária ou aleatória, antes encontrando uma justificação objetiva na teleologia deste tipo de recurso – que visa, como referimos, a proteção do interesse geral na boa aplicação do direito e a segurança jurídica no âmbito de causas que legalmente se encontram impedidas, por motivo estranho à alçada, de ser submetidas à apreciação do Supremo Tribunal de Justiça – conjugada com uma política de racionalização do acesso ao órgão de cúpula da ordem jurisdicional”,

Como assim, não indicando a A. recorrente as razões pelas quais a apreciação da questão do art 640º do CPC é necessária para uma melhor aplicação do direito nem as razões pelas quais os interesses em causa são de particular relevância social, nem ainda os aspectos de identidade que determinam a contradição com algum acórdão do Supremo (que teria de ser junto), nos termos do art. 672º, nº 2, als a), b) e c) do CPC, rejeita-se o recurso de revista excepcional.

Não obstante, tem-se entendido no Supremo que é admissível recurso de revista do acórdão da Relação que, incidindo sobre sentença de 1ª instância, se abstém de apreciar o mérito do recurso de apelação por incumprimento dos requisitos constantes do art. 640º do CPC, do mesmo modo que se tem entendido que pode ser sindicado pelo Supremo o modo como as instâncias interpretaram e aplicaram normas de direito probatório material (como é, por exemplo, a do 374º, nº 2 do CC), se elas se traduzirem na modificação do juízo probatório subjacente à decisão da matéria de facto provada e não provada (cfr. Ac. STJ de 12.5.2016, proc. 85/14.2T8PVZ.P1.S1 e Ac. STJ de 12.4.2018, proc. 744/12.4TVPRT.P1.S1).

Pelo exposto, admite-se o recurso de revista-regra ou normal com efeito devolutivo – art. 676º do CPC- circunscrito às questões do (in) cumprimento do art. 640º do CPC e do art. 374º, nº 2 do Código Covil. (…)”

Por acórdão, este Supremo, considerando que não houve reclamação do despacho do relator, confirmou que o objecto do recurso se mostrava limitado às questões atrás enunciadas, que apreciou. Porém, julgando-as improcedentes, negou a revista.

Não se conformando com o decidido, vem agora a recorrente “reclamar para a Conferência do STJ, nos termos do art. 665, 66º (sic), 615 al c) do CPC, com efeito suspensivo, e, subida imediata” formulando, exactamente, as mesmas conclusões do concurso de revista, precedidas das duas seguintes :

“XXI.1- Da questão prévia:

1- O recorrente […] que o acórdão é nulo.

2- E reafirma os argumentos, abaixo citados, que deveriam ter sido bem analisados um a um.” ( itálico nosso)

O R./apelado/recorrido respondeu pugnando pela improcedência do reclamação.

Cumpre decidir:

No recurso de revista “excepcional” que interpôs, a recorrente suscitou as seguintes questões (que identificou como tal): a da violação do direito de recorrer, com interpretação incorrecta do art. 640º do CPC; a da decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnada, diversa da recorrida; a do erro da acta: a da violação do direito de petição, de acesso à justiça: a das nulidades da sentença, art. 615º, nº 1, als b) c) d) e e) do CPC; a da violação do art. 661º do CPC, dos limites da sentença e da actividade do Juiz; a da violação do princípio do dispositivo, art. 5º do CPC; a da violação do art. 374º, nº 2 do Código Civil; a da falta de fundamentação e inconstitucionalidade da sentença do Juiz; a da necessidade de mais prova: a do enriquecimento sem causa ( pedido subsidiário) e violação das regras da boa fé contratual: e, ainda, a da inexistência de litigância de má fé.

Como acima se disse, o relator rejeitou o recurso de revista excepcional, admitindo, embora, o recurso de revista-regra ou normal com efeito devolutivo – art. 676º do CPC- circunscrito às questões do (in) cumprimento do art. 640º do CPC e do art. 374º, nº 2 do Código Civil.

Notificada desse despacho, a recorrente não reagiu. E, por isso, o acórdão, considerando que não tinha havido reclamação do despacho do relator, confirmou que o objecto do recurso se mostrava limitado àquelas questões atrás enunciadas. E, de seguida, apreciando tais questões, julgou-as improcedentes.

Reclama, agora, a recorrente/autora, anunciando, no introito da sua reclamação, que pretende reclamar para a conferência, “ nos termos do art 615, [ nº 1] , al c) do CPC”. Porém, não identifica qualquer oposição entre os fundamentos e a decisão nem qualquer ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível. De substantivo refere apenas que “reafirma os argumentos, abaixo citados, que deveriam ter sido bem analisados um a um”, sem que esclareça, também, quais as questões (que os ditos argumentos integram) que não foram analisadas de todo, em ordem a configurar uma possível nulidade por omissão de pronúncia nos termos da al. d) do nº 1, nem porque é que os ditos argumentos não foram “ bem analisados”, no sentido de delinear uma eventual falta absoluta de fundamentação, susceptível de integrar a nulidade prevista na al. b) do nº 1 do art. 615º do CPC. Cremos, aliás, que não tinha fundamento para suscitar qualquer das nulidades, uma vez que o Supremo apreciou, como devia, as questões que constituíam o objecto do recurso ( as duas atrás identificadas), aduzindo, sem contradição, os fundamentos de facto e de direito que justificavam a decisão.

Não se verificando, assim, qualquer nulidade, despropositada se mostra a repetição das conclusões que respeitam às questões que foram já apreciadas e àquelas que não podiam ser apreciadas por não poderem integrar o objecto do recurso.

Pelo exposto acordam os Juízes desta Secção em indeferir a reclamação.

Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC.


*


Lisboa, 27 de Fevereiro de 2024

António Magalhães (Relator)

Jorge Arcanjo

Manuel Aguiar Pereira