Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
03B3639
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: MOITINHO DE ALMEIDA
Descritores: REIVINDICAÇÃO
CONTESTAÇÃO
USUCAPIÃO
POSSE
ARRESTO
VENDA JUDICIAL
CESSAÇÃO
NOTIFICAÇÃO
INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: SJ200312040036392
Data do Acordão: 12/04/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL PORTO
Processo no Tribunal Recurso: 410/03
Data: 03/25/2003
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA.
Sumário : I - O arresto ou a venda judicial não fazem cessar a posse exercida sobre um imóvel e que continuou após esses actos.
II - Tais actos como a contestação de uma acção de reivindicação interrompem a usucapião quando notificados ao possuidor.
III - Tratando-se de contestação de uma acção de reivindicação é inaplicável o disposto no nº2 do artigo 323º, do Código Civil.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


1 - "A" e mulher B, intentaram a presente acção declarativa, com processo ordinário contra C e mulher D, E-Imobiliária Lda, F-Comércio e Indústria Lda, G-Sociedade de Investimentos Imobiliários, H e mulher I, pedindo a condenação dos Réus a reconhecer os autores como proprietários e possuidores em nome próprio do prédio que identificam, que se declare nula a arrematação em hasta pública efectuada no processo nº 2204/94, do 2º Juízo, 3ª Secção do Tribunal Cível da Comarca o Porto, que se declare nula a posterior venda efectuada pelas 2ª e 3ª Rés à 4ª Ré, por escritura celebrada em 19 de Junho de 1998, que seja decretada a anulação das respectivas inscrições e que seja convertida em definitiva a inscrição G20000314001-Ap. 1 de 14 de Março de 2000.

Alegaram para o efeito e em substância que o autor adquirira o imóvel em causa a J e C, por escritura pública de 16 de Dezembro de 1985, em cuja posse se encontram, por si e antepossuídores, de modo pacífico e de boa fé, sem qualquer oposição e convictos de exercerem um direito próprio. Verifica-se, porém, que, ao pretenderem, em 11 de Março de 2000, inscrever a aquisição do prédio verificaram que este estava já inscrito a favor da Ré G, que o havia adquirido às 2ª e 3ª Rés, por escritura de 19 de Junho de 1998. Estas tinham arrematado o imóvel em hasta pública realizada no processo executivo em que C figurou como executado e exequente 0 5º Réu.
A acção foi julgada procedente. Por acórdão de 25 de Março de 2003, a Relação do Porto concedeu provimento à apelação dos Réus e julgou a acção improcedente.
Inconformados recorreram os Autores para este Tribunal, concluindo as alegações da sua revista nos seguintes termos:

1. O Acórdão em Revista viola directamente a orientação do Acórdão de Fixação de Jurisprudência 3/99, publicado a 10 de Julho de 1999, bem como as normas que regulam a aquisição originária do direito de propriedade por usucapião, nomeadamente os artigos 1256º, 1259º, 1260º, 1261º, 1262, 1267º, 1268º, 1292º, 1296º do Código Civil.
2. De facto ao equiparar a compra e venda efectuada pelo A. marido por escritura pública outorgada a 16 de Dezembro de 1985 com a venda judicial levada a efeito em hasta pública, em processo executivo, consequente a uma penhora, levada a registo, tendo sido ulteriormente registada a aquisição feita por este meio, foram integrados no conceito restrito de terceiros para efeitos do art. 5º do Código de Registo Predial, os dois actos de disposição quando, à luz da doutrina fixada com esse aresto, apenas poderiam integrar o conceito de terceiros duas operações sucessivas de disposição que tivesse como impulsionador o mesmo vendedor, e de forma voluntária.
3. E isto porque, o Ac.3/99 considera, e a nosso ver bem, que a transmissão a domino deve prevalecer sempre sobre a efectuada a nom domino, pois nunca será de olvidar nestas matérias a máxima "nemo plus juris" que impossibilita a disposição por parte de alguém daquilo de que já não pode dispor.
4. Ora, no caso dos autos, foi patente, e resultou provado que, não obstante constar o 1º Réu, e aí executado, como titular inscrito do prédio objecto dos presentes autos, o Mº Juiz do Processo solicitou esclarecimentos sobre se os referidos bens, em que se incluía o referido prédio, eram sua propriedade.
5. A isto o 1º Réu respondeu pela negativa relativamente ao prédio "sub judice", identificando inclusive a pessoa a quem o tinha vendido, no caso em apreço, o aqui A. marido.
6. Perante esta constatação, e atenta a posição de adoptada de não considerar esse acto de disposição, por o mesmo não se encontrar registado, não foi atendido.
7. Tal posição do tribunal onde correu a execução foi transmitida aos intervenientes processuais, bem como aos eventuais interessados na licitação pública, imediatamente antes dessa licitação se ter iniciado- facto que decorre dos documentos apresentados com a P.I. sob os nºs 4 e 5.
8. Ora, como é bom de ver, com o registo da penhora levado a cabo pelos 5ºs RR. nesses mesmos autos executivos, passaram estes a deter um mero direito real de garantia. Ora do mesmo, e não obstante o registo, não podia fazer parte um bem que consabidamente não se encontrava já na esfera jurídica do aí executado, aqui 1º R., pelo que os 5ºs RR. se encontravam de má fé.
9. Mas, igualmente de deverão considerar de má fé os 2º e 3º RR. uma vez que, estando presentes para as licitações, presenciaram a comunicação que foi feita aos presentes, antes de iniciada a licitação, sobre a anterior venda de um dos bens objecto de penhora, e depois de registo, a um terceiro, aqui A. marido.
10. Deste modo, não só não são terceiros para efeitos de registo os AA. e os 2º e 3º RR., atento o conceito restrito adoptado pela jurisprudência, na forma de Acórdão uniformizador, como também não estiveram no acto de disposição ocorrido no processo executivo que correu termos no Tribunal Cível do Porto de boa fé, os 2º e 3º RR. porque presenciaram, e foram alvo da informação relativa à prévia disposição do bem em favor do A. marido.
11. E se tal prova documentalmente demonstrada não fosse demonstrativa desta má fé, o que dizer da menção constante da escritura através da qual os 2º e 3º R. venderam ao 4º R. o referido prédio, que afirma que caso a referida venda viesse a ser anulada, se encontrariam assegurados os direitos da aí adquirente. Ora, esta menção não é usual neste tipo de escrituras, a não ser que as partes tivessem conhecimento da debilidade da sua posição jurídica.
12. Por este conjunto de razões, e como muito bem observou o Mº Juiz das Varas Cíveis do Tribunal Cível do Porto, a aquisição efectuada pelo A. marido por intermédio da escritura pública outorgada a 16 de Dezembro de 1985 é oponível aos RR., pelo que deverão ser anuladas as vendas ulteriores, por serem nulas, uma vez que consubstanciam uma venda de bens alheios artº 892 do C. Civil.
13. Mas mesmo que assim não fosse, e é, haveria outro fundamento para a procedência da acção intentada pelos AA. contra os RR.
14. É que, resultou demonstrado que, desde 1985 os AA. por si, e mesmo com anterioridade a esta data pelos seus antecessores, ambos entraram e se mantiveram na posse do prédio objecto dos presentes autos, com exclusividade, e sem oposição ou turbação de seja quem for.
15. De facto, desde a aquisição feita pelos AA. que os mesmos praticaram todos os actos inerentes à posse sobre o referido imóvel, acrescendo que não existe registo anterior ao início da posse por parte daqueles artº 1268º, nº1 do CPC. (sic).
16. Ora, desde essa data, e até hoje, a situação fáctica do prédio manteve-se, ou seja, os AA. deram o prédio de arrendamento, cobraram as respectivas rendas, pagaram os impostos devidos e são considerados por todos como os legítimos proprietários do imóvel.
17. E, que com a instauração da execução acima referida, quer na fase que antecedeu a venda, quer após a realização da mesma, nunca qualquer representante, funcionário, ou mesmo qualquer outro terceiro se abeirou do prédio com vista a exercer qualquer tipo de acto possessório, não tendo sequer requerido extra-judicialmente, e muito menos judicialmente.
18. Mesmo após a instauração do procedimento cautelar que antecedeu a presente acção não houve qualquer alteração de atitude por parte dos RR. Situação que se repetiu com a citação dos RR. para os presentes autos.
19. Mas mais, nem sequer em sede de contestação foi posto em causa que eram os AA. e não qualquer um dos RR. os efectivos possuidores do prédio "sub judice", não tendo desencadeado qualquer comportamento processual com vista a um desapossamento do mesmo aos AA. (sic).
20. Ora, iniciada a posse, a contagem de prazo legal para que a mesma se transforme de usucapiente em positivadora de uma aquisição originária por usucapião apenas poderá ser suspensa ou interrompida nos termos previstos na Lei, mais precisamente pelo estatuído no artigo 1292º do C. Civil, o que no caso dos autos, e como resulta dos autos, não aconteceu.
21. Por outro lado, a posse apenas se extingue por uma das situações previstas no art. 1267º, o que também já vimos não ocorreu.
22. Assim, e nas palavras de Menezes Cordeiro a posse mantida, como a dos AA. nos presentes autos, é o primeiro pressuposto para a verificação da usucapião.
23. Não tendo a posse dos AA. ainda cessado, e sendo ela titulada, de boa-fé, pública e pacífica, o prazo para verificação é de 15 anos art. 1296º do C.Civil.
24. Ora, desde 1985 até hoje já decorreram mais de 15 anos, pelo que sempre se deverá considerar verificada a usucapião sobre o imóvel por parte dos AA.
25. E isto, portanto, mesmo não considerando a acessão na posse prevista no art. 1256º do C. Civil.
26. Não obstante seja posição dos AA. que se deverá considerar possível a acessão na posse desde que ambas sejam decorrentes de negócios válidos, pelo acima exposto tal não será necessário para a verificação do decurso do prazo exigível para a verificação da usucapião na pessoa dos AA.
27. Pelo que violou o Acórdão em Revista a jurisprudência fixada pelo Acórdão uniformizador de 10 de Julho de 1999, a que foi atribuído o nº 3/99, resultando tal violação concomitantemente na dos artigos 62º da Constituição da República, artigos 4º, 5º e 7º do Código do Registo Predial, art. 892º, 1256º, 1259º, 1260º, 1261º, 1262º, 1267º, 1268º, 1292º, 1296º, todos do C. Civil, 909º, nº 1 al. d) do C.P.C.
28. Termos em que deverá ser revogado Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, produzindo-se decisão conforme a que foi produzida em 1ª instância.

2 - É a seguinte a matéria de facto dada como provada:
1. Em 16 de Dezembro de 1985, o A. marido adquiriu, por escritura pública, um prédio urbano composto de casa de dois pavimentos e quintal sito na rua do Monte, nº 316, na freguesia de Ramalde, concelho do Porto, inscrito na matriz urbana sob o artigo 40º, descrito sob parte do nº 39.667 do Livro B-120 da 2ª Conservatória do Registo Predial do Porto.
2. Os AA., por si e antepossuidores, sempre estiveram na posse do respectivo prédio, pagando os respectivos impostos e fruindo do mesmo, o que sempre fizeram de forma pacífica, pública e de boa-fé, sem oposição de ninguém e na convicção de exercerem um direito próprio.
3. Tal prédio foi adquirido pelo A. marido a J (já falecida) e C.
4. Na posse deste título, e como proprietários do prédio, os AA., no dia 14 do mês de Março de 2000, apresentaram junto da 2ª Conservatória do Registo Predial do Porto o requerimento com vista à inscrição do seu direito de propriedade na referida Conservatória, por meio da apresentação nº 1, tendo, nessa altura, sido informados que o prédio com o artigo matricial nº 40 da freguesia de Ramalde, tinha passado a ter a seguinte descrição-1198/960507.
5. Na sequência desta apresentação, foi efectuado o registo com a menção de provisório por natureza, em virtude de o prédio em causa estar inscrito a favor de G, Lda., através da inscrição G19980706012-Ap.12, de 6 de Julho de 1998, fruto de uma aquisição por compra.
6. Perante tal circunstancialismo, requereram junto da referida Conservatória que lhes fossem certificados quais os documentos e eventuais inscrições anteriores.
7. A Conservatória forneceu-lhes o documento que juntaram sob o nº 2 (fls.16 e sgs.) do qual se infere que a referida aquisição se fez por compra e venda através de escritura pública lavrada em 19 de Junho de 1998.
8. Aí figuraram como vendedores as Rés F e E, e a menção de que estas adquiriram o citado bem em hasta pública, no âmbito de um processo que correu termos no 2º Juízo Cível do Porto.
9. Nesse processo figura H como exequente e como executado C.
10. Computados estes autos verifica-se que para garantia de um crédito do exequente sobre o executado, com origem em alguns cheques, o primeiro, através de arresto preventivo, depois convertido em penhora, ordenou que a mesma incidisse sobre alguns prédios inscritos em nome do executado.
11. Os AA., após a escritura de 16 de Dezembro de 1985 não registaram a aquisição do imóvel, que estava inscrito em nome de C.
12. Quando foi citado pessoalmente para dizer se tais bens lhe pertenciam, sob pena de a execução prosseguir, o executado C veio ao processo afirmar que o prédio objecto da referida escritura tinha sido vendido ao A. marido.
13. No referido processo, foi proferido despacho em que toma posição, não concedendo efeitos à pretensa compra e venda, em virtude de a mesma não se encontrar registada.
14. Os AA. requereram providência cautelar não especificada, pedindo que fosse decretado o impedimento de, por qualquer forma, a Ré G onerar, dispor ou destruir o prédio em causa, providência que foi decretada.
15. Desde 1985, sempre foram os AA. que actuaram como verdadeiros proprietários, participando à repartição de Finanças, usando e fruindo o bem, dando-o de arrendamento, cobrando a renda, declarando para efeitos fiscais e sendo reconhecidos publicamente como únicos proprietários do mesmo.
Os AA. intentaram a presente acção em 8 de Maio de 2000 e registaram-na em 24 de Maio seguinte, registo que ficou provisório por natureza, sendo, depois, convertido em definitivo em 9 de Junho do mesmo ano.

3. No presente recurso sustentam os Recorrentes que as vendas do imóvel em causa, posteriores àquela em que intervieram como compradores são nulas e a eles inoponíveis e, quando assim se não entenda, o imóvel foi por eles adquirido por usucapião.
Consideram, em primeiro lugar, os Recorrentes que os vários adquirentes do imóvel em causa, posteriormente à sua aquisição, não são terceiros para efeitos do disposto no artigo 5º do Código do Registo Predial, na acepção restrita da noção de "terceiros" consagrada no acórdão uniformizador de jurisprudência, nº 3/99, de 18 de Maio de 1999 (publicado no Diário da República I Série A, de 10 de Julho de 1999), segundo o qual terceiros são os adquirentes de boa-fé, de um mesmo transmitente comum, de direitos incompatíveis sobre a mesma coisa.
Ora, a transmissão efectuada por hasta pública não tem origem no mesmo transmitente mas em acto judicial. O tribunal não vende no exercício de poder originariamente pertencente ao credor ou a devedor, mas sim em virtude de um poder autónomo que se reconhece à própria essência da função judiciária. As vendas em causa são vendas a non domino inoponíveis aos Recorrentes.
Importa observar a este respeito que a questão de saber se na venda judicial é o executado quem deve ser visto como vendedor não tem, após aquele acórdão uniformizador, obtido resposta unânime na jurisprudência deste Tribunal (vejam-se, em sentido positivo, o acórdão de 7 de Julho de 1999, na C.J., 1999,2, p.1649 e, no sentido contrário, os acórdãos de 2 de Outubro de 2001, revista nº 1709/01 e de 27 de Junho de 2002, revista nº 1817/02).
De salientar que o mencionado acórdão 3/99, na sua fundamentação, equipara a venda judicial à alienação voluntária.
Mas não interessa tomar posição sobre essa questão uma vez que o imóvel em causa foi objecto de uma segunda transmissão (de F e E, adquirentes em hasta pública, para G, Lda).
Com efeito, a esta última venda é aplicável o disposto no artigo 291º, do Código Civil, nos termos do qual:
1. "A declaração de nulidade ou a anulação do negócio jurídico que respeite a bens imóveis, ou a móveis sujeitos a registo, não prejudica os direitos adquiridos sobre os mesmos bens, a título oneroso, por terceiro de boa-fé, se o registo da aquisição for anterior ao registo da acção de nulidade ou anulação ou a registo do acordo entre as partes acerca da invalidade do negócio";
2. "Os direitos de terceiro não são todavia, reconhecidos, se a acção for proposta e registada dentro dos três anos posteriores à conclusão do negócio";
3. É considerado de boa-fé o terceiro adquirente que no momento da aquisição desconhecida, sem culpa, o vício do negócio nulo ou anulável".
Surge aqui a questão, não abordada pelas instâncias, de saber quem recai o ónus da prova da boa-fé. Os Recorridos alegaram terem agido de boa-fé e, se lhes competisse tal ónus, importava que o Tribunal se pronunciasse sobre os factos para o efeito alegados, o que não fez.
Mas também a resposta a esta questão é desnecessária para a resolução do presente litígio uma vez que o pedido dos Recorrentes, fundado na usucapião, merece provimento.
Os Recorrentes adquiriram o imóvel em 16 de Dezembro de 1985 e, desde então, comportam-se em relação a ele como verdadeiros proprietários, de forma pacífica, publicamente e de boa-fé.
Poderiam invocar a usucapião decorridos 15 anos (artigo 1296º, do Código Civil).
Estabelece o artigo 1292º do mesmo Código que "São aplicáveis à usucapião, com as necessárias adaptações, as disposições relativas à suspensão e interrupção da prescrição, bem como o preceituado nos artigos 300º, 302º, 303º, e 305º". E o artigo 1267º prevê os casos de perda da posse: a) abandono; b) pela perda ou destruição material da coisa ou por esta ser posta fora do comércio; c) pela cedência; d) pela posse de outrem mesmo contra a vontade do antigo possuidor, se a nova posse houver durado por mais de um ano.
Entendeu o acórdão recorrido que a venda judicial fez cessar a posse dos Recorrentes, a qual foi transmitida para os arrematantes. Mas esta venda não determina, por si, a transmissão da posse a qual, como vimos, continuou a ser exercida pelos Recorrentes, na ignorância do que ocorrera. E o prazo de prescrição não foi interrompido.
Com efeito, estabelece o artigo 323º, nº 1 do Código Civil, aplicável, como vimos, à usucapião, que "A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente".
Para que o arresto ou a venda judicial tivessem interrompido a prescrição era, pois, necessária a notificação desses actos judiciais aos Recorrentes. O artigo 2244º do Código Civil francês refere-se apenas à citação e penhora, que devem ser notificados "à celui qu"on veut empêcher de prescrire", tendo-se o nosso legislador, justificadamente, reportado a qualquer acto judicial. A exigência da notificação compreende-se pois na base da interrupção da prescrição encontra-se a destruição do sossego daquele que estava em via de a obter (René Dekkers, Précis de Droit Civil Belge, Bruxelas, 1954, p.863).
Pela mesma razão improcede o argumento dos Recorridos segundo o qual a apresentação da contestação antes de decorrido o prazo da prescrição, que admitem ser de quinze anos, tê-la-ia interrompido.
Com efeito, a acção foi proposta em 8 de Maio de 2000 e as contestações apresentadas antes de 15 de Dezembro do mesmo ano, data em que terminou aquele prazo. Mas só foram notificadas em 20 de Março de 2001 (fls.358).
A este respeito importa observar ser neste caso inaplicável o disposto no artigo 323º, nº 2, do Código Civil, nos termos do qual "Se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias". A notificação da contestação não é feita a requerimento do réu, sendo esta disposição inaplicável por analogia dada a sua natureza excepcional (artigo 11º, do mesmo Código). E nada autoriza uma interpretação extensiva pois o legislador bem pode ter querido limitar a medida em causa à situação descrita.
Nestas condições e ocorrendo os restantes pressupostos da usucapião, concede-se, com este fundamento, a revista, reconhecendo-se os Autores como proprietários do imóvel em causa.

Custas pelos recorridos.

Lisboa, 4 de Dezembro de 2003
Moitinho de Almeida
Ferreira de Almeida
Abílio Vasconcelos