Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06B4007
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SALVADOR DA COSTA
Descritores: CONTRATO DE EMPREITADA
OBRAS
CUMPRIMENTO DEFEITUOSO
ÓNUS DA PROVA
PREÇO
DEFEITO DA OBRA
CADUCIDADE
LIQUIDAÇÃO POSTERIOR
MODIFICABILIDADE DA MATÉRIA DE FACTO
COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
NULIDADE DE ACÓRDÃO
CASO JULGADO MATERIAL
RECONVENÇÃO
Nº do Documento: SJ200611230040077
Data do Acordão: 11/23/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO.
Decisão: PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO.
Sumário : 1. Não tendo o autor nem o reconvinte impugnado a respectiva condenação em determinado segmento de reparação de defeitos e de pagamento de obra, ela não pode ser afectada nos recursos por eles interpostos.
2. Baseada a decisão da matéria de facto proferida pela Relação em meios de prova livremente apreciáveis pelo julgador - documento escrito não assinado pelos recorridos e testemunhas - não pode o Supremo Tribunal de Justiça sindicá-la no recurso de revista.
3. A nulidade do acórdão por contradição entre os seus fundamentos de facto e de direito e decisão só ocorre quando os primeiros conduzirem logicamente ao resultado oposto à segunda.
4. As questões a que se reporta a alínea d) do nº 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil são os pontos de facto e ou de direito relevantes no quadro do litígio - os concernentes ao pedido, à causa de pedir e às excepções - assim se distinguindo da mera argumentação tendente à sua sustentação.
5. O autor que na acção exerce pretenso direito de crédito decorrente de um contrato de empreitada tem o ónus de prova do preço convencionado por ele alegado na petição inicial.
6. A falta de prova pelo empreiteiro do elemento preço não implica, só por si, a improcedência da acção, porque o quantitativo do seu direito de crédito, face ao dono da obra, ainda é susceptível de ser apurado no incidente de liquidação subsequente à sentença condenatória
7. O conceito de obra constante da norma que caracteriza o contrato de empreitada é susceptível de significar o resultado material envolvente da construção, da reparação, da modificação e da demolição de uma coisa.
8. Não tendo o autor provado que entre o conhecimento pelos réus dos defeitos da obra e a sua notificação da contestação-reconvenção pelos últimos apresentada decorrera mais de um ano, a excepção peremptória de caducidade que invocou não pode proceder.
9. Ignorando-se, três anos depois da conclusão da obra, a causa de o fumo ser expelido pelo fogão da sala, de as portas descaírem e de o estore não estar funcional - se resultam ou não de vício de construção ou erro de execução imputáveis ao empreiteiro - não pode concluir-se no sentido de resultarem do seu cumprimento defeituoso. *

* Sumário elaborado pelo Relator.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



I
"AA" intentou, no dia 22 de Março de 2000, contra BB e CC, acção declarativa de condenação, com processo sumário, pedindo a sua condenação a pagar-lhe 1 787 920$ e juros à taxa legal desde a citação, com fundamento na omissão do pagamento do preço decorrente de um contrato de empreitada de construção de uma moradia.
Foi-lhe concedido, por despacho proferido no dia 20 de Dezembro de 2000, o apoio judiciário na modalidade de patrocínio judiciário, e nomeado para o efeito o advogado DD.
Por despacho proferido no dia 9 de Fevereiro de 2001, foi concedido aos réus o apoio judiciário nas modalidades de pagamento de honorários ao patrono escolhido e de dispensa de pagamento da taxa de justiça e demais encargos com o processo.
Na contestação, os réus afirmaram ter pago ao autor o preço convencionado para a obra e, em reconvenção, com fundamento na não conclusão dos trabalhos e em defeitos de construção, pediram a condenação do autor na respectiva reparação ou a pagar-lhe 1 700 000$ e juros com vista à conclusão dos trabalhos e à eliminação dos defeitos, e o que se liquidasse em execução de sentença relativamente aos encargos decorrentes da impossibilidade de utilização da casa durante o período necessário para o efeito.
Na réplica, o autor afirmou que o excesso do preço convencionado resultou dos trabalhos excedentes convencionados com os réus, que estes aceitaram a obra sem reserva, ter feito toda a obra que convencionou e que, a existirem defeitos na construção, o direito à sua reparação havia caducado, e pediu a condenação dos réus a indemnizá-lo por litigância de má fé.
Na tréplica, os réus afirmaram terem comunicado ao reconvindo a não execução dos trabalhos e os defeitos da obra que surgiram a partir de Fevereiro de 2000, e que, por isso, exerceram os seus direitos nos prazos legais.
Foi considerado o valor da causa no montante de 3 776 920$ e o processo passou a seguir a forma comum ordinária.
Realizado o julgamento, foi proferida sentença no dia 18 de Novembro de 2005, por via da qual os réus foram condenados a pagar ao autor o montante a determinar nos termos do artigo 1429º do Código de Processo Civil quanto ao fornecimento e colocação do esquentador, de janelas em alumínio com vidros e fornecimento e colocação de peitoris em mármore, e o último a corrigir e eliminar os defeitos indicados.
Interpôs o autor recurso de apelação, e a Relação, por acórdão proferido no dia 21 de Junho de 2006, negou provimento ao recurso.

Interpôs o apelante recurso de revista, formulando, em síntese, as seguintes conclusões de alegação:
- é contraditório dar como provado haver fumos que escurecem tectos e paredes, três portas a arrastar e um estore não funcional não dados a conhecer ao recorrente e este não se haver comprometido a corrigir tais defeitos e a decidir a sua condenação a repará-los porque reconheceu que o faria, quando se deu como provado que o não reconheceu;
- deve declarar-se a nulidade do acórdão, por virtude de o seu fundamento estar em oposição com a decisão dos pontos de facto 21º,23º,25º, 15º, 17º,18º, 19º e 20º, tendo-se violado o artigo 668º, nº 1, alíneas c) e d), do Código de Processo Civil;
- não tem o ónus de prova do valor da empreitada, tendo sido incorrectamente aplicado o princípio do artigo 342º, nº 2, do Código Civil quanto ao quesito primeiro da base instrutória;
- provou o preço da empreitada por via de prova testemunhal e documental, pelo que a Relação devia declarar o quesito primeiro provado, nos temos do artigo 342º, nº 1, do Código Civil;
- deve ser alterada a resposta ao quesito primeiro, condenados os recorridos a pagar-lhe a diferença entre 7 485 000$ - preço convencionado - e 6 500 000$ - preço recebido, com juros desde a data da sentença e absolvido o recorrente do pedido de realização das obras de correcção dos defeitos.

Responderam os recorridos, em síntese de conclusão:
- o recurso, atenta a matéria de facto sobre que incide, face ao disposto no artigo 712º, nº 6, do Código de Processo Civil, não é admissível;
- o acórdão não violou qualquer norma de direito substantivo ou adjectivo, tendo feito correcta interpretação e aplicação dos princípios e regras de distribuição do ónus da prova;
- não houve erro de julgamento nem de apreciação da prova, deve manter-se a matéria de facto e não há nulidade no acórdão por omissão ou excesso de pronúncia;
- deve o recurso ser rejeitado liminarmente ou negar-se-lhe provimento.


II
É a seguinte a factualidade declarada provada no acórdão recorrido:
1. O autor dedica-se à actividade industrial de construção civil e obras públicas com carácter habitual e fim lucrativo, e, em meados de Novembro de 1995, aquele e os réus declararam que o primeiro construiria para os últimos, por preço não apurado, uma casa de habitação, sita em ..., Carrazedo, Amares, de rés-do-chão e primeiro andar e acabamentos no rés-do-chão, ficando o resto em grosso, e estes entregaram àquele 6 500 000$.
2. Além do mencionado sob 1, o autor e os réus declararam acordar na realização pelo primeiro de trabalhos extra de fornecimento e colocação de janelas de alumínio com vidros e no fornecimento e colocação de peitoris em mármore no primeiro andar.
3. Como trabalho extra, o autor procedeu ao fornecimento e colocação na casa de habitação mencionada sob 1, de um esquentador, e as obras foram concluídas em 1997.
4. A sacada do rés-do-chão encontra-se em massame de betão, o autor não aplicou os toalheiros na casa de banho do rés-do-chão, o soco em volta da casa encontra-se em betão tosco - sem acabamento - e uma das faces da parede que constitui o balcão encontra-se em argamassa de cimento.
5. Os réus comunicaram ao autor que uma das faces da parede que constitui o balcão se encontrava em argamassa de cimento, e ele comprometeu-se a conclui-la.
6. Os fumos provenientes do fogão de sala originaram o escurecimento dos tectos, paredes da sala e hall do rés-do-chão, três portas interiores estão a raspar no chão e o estore da janela da sala comum do rés-do-chão encontra-se sem funcionalidade.
7. O corrimão de acesso ao rés-do-chão encontra-se desprendido, os réus comunicaram esse facto ao autor e este e comprometeu-se a corrigir esse defeito.

III
As questões essenciais decidendas são as de saber se deve ou não ser alterada a decisão da matéria de facto, se o recorrente deve ser absolvido da condenação na realização de obras, e se os recorridos devem ser condenados a pagar àquele € 4 913,15 e juros moratórios desde a sentença.
Tendo em conta o conteúdo do acórdão recorrido e das conclusões de alegação do recorrente e dos recorridos, a resposta às referidas questões pressupõe a análise da seguinte problemática:
- efeitos do julgado na parte não recorrida;
- deve ou não ser alterada a decisão da matéria de facto?
- está ou não o acórdão recorrido afectado de nulidade?
- infringiu ou não a Relação as regras de distribuição do ónus de prova?
- natureza e efeitos do contrato celebrado entre o recorrente e os recorridos;
- a falta de prova do preço relativo ao mencionado contrato implica a improcedência do pedido formulado pelo recorrente com base nele?
- caducou ou não o direito dos recorridos à reparação das anomalias mencionadas sob II 6?
- têm ou não os recorridos direito a impor ao recorrente a reparação das referidas anomalias?

Vejamos de per se, cada uma das referidas sub-questões.

1.
Comecemos pelos efeitos do julgado na parte não recorrida.
Os efeitos do julgado, na parte não recorrida, não podem ser prejudicados pela decisão do recurso nem pela anulação do processo (artigo 684º, nº 4, do Código de Processo Civil).
Os recorridos não impugnaram a sentença proferida no tribunal da 1ª instância na parte que os condenou a pagar ao recorrente o valor dos trabalhos relativos ao fornecimento e colocação do esquentador, de janelas de alumínio com vidros e fornecimento e colocação de peitoris em mármore a determinar nos termos do artigo 1429º do Código de Processo Civil.
O recorrente também não impugnou a aludida sentença nem na parte em que o recorrente a reparar os defeitos relativos à face da parte que constitui o balcão e ao corrimão de acesso ao rés-do-chão da casa.
Além disso, não impugnaram os recorridos, relativamente à reconvenção, a parte da sentença que julgou não terem direito a exigir do recorrente o pagamento de € 9 921,10 com vista à própria reparação dos defeitos.
Por isso, os referidos segmentos decisórios não podem ser afectados pela decisão a proferir no recurso de revista em causa.

2.
Atentemos agora na questão de saber se deve ou não ser alterada a decisão da matéria de facto.
No quesito primeiro da base instrutória foi perguntado se o preço da empreitada foi de 7 485 500$, e a reposta foi provado apenas que o autor e os réus acordaram um preço não apurado.
Na motivação foi referido que os depoimentos foram insuficientes para corroborar o documento não assinado pelos réus e apresentado pelo autor no âmbito da acção.
O recorrente impugnou essa decisão para a Relação, esta manteve-a e aquele alegou que a resposta àquele quesito devia ser provado sem qualquer restrição.
O regime geral nesta matéria é o de que, salvo casos excepcionais legalmente previstos, este Tribunal apenas conhece de matéria de direito (artigo 26º do Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, aprovada pela Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro -LOFTJ).
Nessa conformidade, como tribunal de revista, a regra é a de que este Tribunal aplica definitivamente aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido o regime jurídico que julgue adequado (artigo 729º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
Excepcionalmente, pode apreciar o erro na apreciação das provas e ou na fixação dos factos materiais da causa cometido pela Relação se houver ofensa de disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou fixe a força probatória de determinado meio de prova (artigos 722º, n.º 2 e 729º, n.º 2, do Código Civil).
Assim, só pode conhecer do juízo de prova formado pela Relação sobre a matéria de facto quando ela tenha dado como provado algum facto sem produção da prova por força da lei indispensável para demonstrar a sua existência ou quando ocorrer desrespeito das normas reguladoras da força probatória dos meios de prova admitidos no ordenamento jurídico.
Por isso, o erro na apreciação das provas e a consequente fixação dos factos materiais da causa, isto é, a decisão da matéria de facto baseada nos meios de prova livremente apreciáveis pelo julgador, como é o caso da prova testemunhal ou pericial, excede o âmbito do recurso de revista (artigo 655º, nº 1, do Código de Processo Civil).
Ora como a decisão da matéria de facto proferida pela Relação se baseou em meios de prova livremente apreciáveis pelo julgador - documento escrito não assinado pelos recorridos e testemunhas - não pode este Tribunal sindicá-la neste recurso.

3.
Vejamos agora se o acórdão recorrido está ou não afectado da nulidade invocada pelo recorrente.
O recorrente alegou a nulidade do acórdão por omissão de pronúncia e contradição entre os fundamentos e a decisão.
Considerou existir a primeira das referidas nulidades por virtude de o acórdão não se haver pronunciado sobre se ele soube dos defeitos, se se comprometeu a repará-los, se é responsável pela sua reparação, por se não tratar de mera argumentação, mas sim de uma questão.
Atribuiu a segunda das referidas nulidades à circunstância de o fundamento do acórdão estar em oposição com a decisão em relação aos pontos de facto 21º,23º,25º e 15º, 17º,18º, 19º e 20º.
E acrescentou ser contraditório dar como provado haver fumos que escurecem tectos e paredes, três portas a arrastar e um estore não funcional que lhe não foram comunicados, não se haver comprometido à sua reparação, e decidir a sua condenação a repará-los porque reconheceu que o faria.
O acórdão da Relação é nulo, além do mais, quando os fundamentos estejam em contradição com a decisão (artigos 668º, nº 1, alínea c) e 716º, nº 1, do Código de Processo Civil).
Assim, os fundamentos de facto e de direito utilizados no acórdão da Relação devem ser harmónicos com a pertinente conclusão ou decisão, corolário do princípio de que as decisões judiciais em geral devem ser fundamentadas de facto e de direito.
Com efeito, o referido requisito não se verifica caso ocorra contradição entre os fundamentos de facto e de direito e a decisão nos quais assenta.
Todavia, o erro de interpretação dos factos e ou do direito ou na aplicação deste constitui erro de julgamento, e não o referido vício, certo que ele só ocorre quando os fundamentos de facto e ou de direito invocados no acórdão conduzirem logicamente ao resultado oposto àquele que integra o respectivo segmento decisório.
Não há contradição entre pontos da matéria de facto indicados pelo recorrente e se a houvesse era insusceptível, só por si, de implicar a nulidade a que alude a alínea c) do nº 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil.
O acórdão da Relação também é nulo quando deixe de se pronunciar sobre questões de que devia conhecer (artigos 668º, nº 1, alínea d), e 716º, nº 1, do Código de Processo Civil).
O juiz deve, com efeito, resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (artigo 660º, nº 2, do Código de Processo Civil).
Importa, porém, ter em linha de conta que uma coisa são os argumentos ou as razões de facto e ou de direito e outra, essencialmente diversa, as questões de facto ou de direito.
As questões a que se reporta a alínea d) do nº 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil são os pontos de facto e ou de direito relevantes no quadro do litígio, ou seja, os concernentes ao pedido, à causa de pedir e às excepções.
Julgada procedente a nulidade decorrente de omissão de pronúncia pela Relação, se for caso disso, impõe-se a baixa do processo a fim de aquele Tribunal operar a reforma do acórdão (artigo 731º, nº 2, do Código de Processo Civil).
A Relação, concordando com a fundamentação jurídica da sentença recorrida, manteve-a sob a justificação de não haver erro na apreciação da prova nem contradição entre os fundamentos e a decisão
Não resulta do acórdão recorrido qualquer contradição lógica entre os fundamentos de facto e a decisão, pelo que não ocorre a nulidade a que se reporta o artigo 668º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Civil.
Na realidade, ao afirmar a nulidade do acórdão por contradição entre os fundamentos de facto e a decisão, o que o recorrente pretende significar é a existência de erro de julgamento.
Mantendo a parte decisória da sentença recorrida, não considerando o alegado pelo recorrente uma questão, mas mera argumentação, a Relação conheceu desse modo da matéria, pelo que não incorreu na nulidade a que se reporta o artigo 668º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil.

4.
Atentemos agora na sub-questão de saber se a Relação infringiu ou não as regras de distribuição do ónus de prova.
A Relação manteve a sentença do tribunal da 1ª instância no sentido de que ao recorrente incumbia a prova do preço relativo ao contrato celebrado com os recorridos.
O recorrente exerceu na acção, no confronto com os recorridos, um pretenso direito de crédito decorrente da realização de trabalhos no âmbito de um contrato designado de empreitada, e tal exercício, dependia, como é natural, da determinação do preço convencionado.
A lei estabelece que àquele que invocar um direito cabe provar os respectivos factos constitutivos integrantes das normas substantivas que o concedem (artigo 342º, nº 1, do Código Civil).
Assim, quem tinha, nos termos da lei, que provar o quantitativo do preço convencionado era o recorrente, sendo que, ao invés do que alegou, tal não é excluído pela dificuldade probatória.
Por isso, ao considerar que ao recorrente incumbia provar essa circunstância, não infringiu, antes cumpriu, o referido normativo relativo à distribuição do ónus da prova.

5.
Vejamos agora a natureza e efeitos do contrato celebrado entre o recorrente e os recorridos.
A lei prescreve ser contrato de empreitada aquele pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra, mediante um preço, a realizar certa obra (artigo 1207º do Código Civil).
Trata-se de um contrato sinalagmático, oneroso, comutativo e consensual, porque dele emergem, por um lado, obrigações recíprocas e interdependentes, a de realizar a obra e a de pagar o preço.
E, por outro, o esforço económico é suportado pelas duas partes e há vantagens correlativas para ambas, essas vantagens são conhecidas das partes no momento do ajuste e a validade das concernentes declarações negociais depende de mero consenso das partes outorgantes.
O vocábulo obra tem o significado de resultado material, abrangendo a construção, a reparação, a modificação, e mesmo a demolição de uma coisa.
Tendo em conta a factualidade mencionada sob II 1, o recorrente e os recorridos celebraram um contrato de empreitada, dele resultando para o primeiro a obrigação de realizar a obra nos termos convencionados, e para os últimos a obrigação de pagamento do preço.
O normal é as partes convencionarem o preço relativo à obra, que deve ser pago, não havendo cláusula ou uso em contrário, no acto da sua aceitação (artigo 1211º do Código Civil).
É aplicável à determinação do preço, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 883º do Código Civil (artigo 1211º, nº 1, do Código Civil).
Assim, segundo o referido artigo, por um lado, não estando o preço fixado por entidade pública e as partes o não determinarem nem convencionarem o modo de o determinar, vale como preço contratual o que o empreiteiro normalmente praticar à data da conclusão do contrato.
E, por outro, na falta de preço normalmente praticado pelo empreiteiro à data da conclusão do contrato, o do mercado nesse momento e no lugar em que o empreiteiro deva cumprir, ou na insuficiência dessas regras, o determinado pelo tribunal segundo juízos de equidade.
Assim, a fixação inicial do preço da obra não se revela essencial à caracterização do contrato de empreitada.
O dono da obra pode exigir ao empreiteiro alterações ao plano convencionado, desde que o seu valor não exceda a quinta parte do preço estipulado e não haja modificação da natureza da obra (artigo 1216º, n.º 1, do Código Civil).
Mas o empreiteiro tem o direito a um aumento do preço estipulado, correspondente ao acréscimo da despesa e trabalho e a um prolongamento do prazo para a execução da obra (artigo 1216º, n.º 2, do Código Civil).
Os contratos devem ser pontualmente cumpridos no quadro dos princípios da boa fé envolvente de ambos os contraentes (artigos 406º, n.º 1, e 762º, n.º 2, do Código Civil).
O devedor em geral cumpre a obrigação quando, de boa fé, realiza a prestação a que está vinculado, e não a cumpre quando a não realiza (artigo 762º do Código Civil).
O empreiteiro deve executar a obra em conformidade com o que foi convencionado, sem vícios que excluam ou reduzam o seu valor ou a aptidão para o respectivo uso ordinário ou previsto no contrato (artigo 1208º do Código Civil).
O dono da obra deve verificar, antes de a aceitar, se ela se encontra na condições convencionadas e sem vícios, no prazo usual ou, na falta de uso, em tempo razoável após o empreiteiro o colocar em condições de a poder fazer, o seu resultado deve ser ao último comunicado, sendo que a falta de verificação ou da comunicação importa aceitação da mesma (artigo 1218º, nºs 1,2,4 e 5,do Código Civil).
O empreiteiro não responde pelos defeitos da obra se o dono a aceitar sem reserva, com conhecimento deles, presumindo-se conhecidos os aparentes, independentemente da referida verificação (artigo 1219º do Código Civil).
O dono da obra deve, sob pena de caducidade dos direitos conferidos pelos artigos 1220º a 1225º, denunciar ao empreiteiro os defeitos no prazo de trinta dias seguintes ao seu descobrimento, equivalendo à denúncia o seu reconhecimento pelo último (artigo 1220º do Código Civil).
Se os defeitos puderem ser suprimidos, o dono da obra tem direito a exigir do empreiteiro a sua eliminação, salvo se as despesas forem desproporcionadas em relação aos defeitos (artigo 1221º do Código Civil).
O direito à eliminação dos defeitos caduca se não for exercido no prazo de um ano a contar da recusa da aceitação da obra ou da aceitação desta com reserva, sem prejuízo da caducidade do direito de denúncia a que acima se fez referência (artigo 1224º, nº 1, do Código Civil).
Todavia, se os defeitos eram desconhecidos do dono da obra, e esta foi por aquele aceite, o prazo de caducidade conta-se a partir da denúncia, mas aqueles direitos não podem ser exercidos depois de decorrerem dois anos sobre a entrega da obra (artigo 1224º, nº 2, do Código Civil).
Sem prejuízo do disposto nos artigos 1219º a 1224º, se a empreitada tiver por objecto a construção de edifício de longa duração e, em cinco anos, a contar da entrega, a obra, por vício do solo ou da construção ou por erro na execução dos trabalhos, apresentar defeitos, estes devem ser denunciados no prazo de um ano, e exigida a sua reparação no prazo de um ano a contar da denúncia, sob pena de caducidade (artigo 1225º, nºs 1 e 3, do Código Civil).

6.
Atentemos agora sobre se falta de prova do preço relativo ao mencionado contrato implica ou não improcedência do pedido formulado pelo recorrente com base nele.
O recorrente accionou os recorridos, além do mais, a fim de haver deles a quantia correspondente a € 4 913, 15, equivalente ao diferencial entre o preço convencionado no âmbito do contrato de empreitada, no montante correspondente a € 37 335, 02, e a quantia que lhe foi paga pelos recorridos correspondente a € 32 421,86.
Mas o recorrente, a propósito do preço relativo ao mencionado contrato de empreitada apenas provou que ele e os recorridos acordaram em relação ao mesmo em preço não apurado.
Assim, sabe-se que o recorrente e os recorridos celebraram um contrato de empreitada com convenção de preço, que não foi apurado, e que os últimos entregaram ao primeiro, a título de pagamento, determinada quantia.
Com esse fundamento, as instâncias absolveram os recorridos do referido pedido por virtude de o recorrente não haver provado ser o valor por ele recebido dos primeiros inferior ao preço convencionado no contrato de empreitada.
Como no caso espécie foi convencionado preço relativo ao contrato de empreitada em causa, tal como foi considerado nas instâncias, queda inaplicável o disposto nos artigos 883º, nº 1 e 1 211º, nº 1, do Código Civil.
Todavia, a situação de facto em análise configura-se como incerteza sobre o quantitativo do direito de crédito do recorrente no confronto dos recorridos, enquadrável no nº 2 do artigo 661º do Código de Processo Civil.
Resulta do mencionado normativo que se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o tribunal condenará no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte em que já seja líquida (artigo 661º, nº 2, do Código de
Processo Civil).
Ao referir-se à inexistência de elementos para fixar a quantidade, a lei não distingue entre os casos em que são ou não formulados pedidos genéricos a que se reporta o artigo 471º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Civil.
Ora, onde a lei não distingue, também ao intérprete não é legítimo distinguir, salvo se houver ponderosas razões de sistema que o imponham, ressalva que não ocorre no caso vertente.
É, pois, pressuposto da remessa para o incidente de liquidação a que se fez referência a inexistência de elementos necessários à quantificação em causa, independentemente de ela haver ou não resultado do fracasso da prova.
Por isso, a mera falta de prova na acção declarativa do objecto ou da quantidade não implica decisão de absolvição do pedido, antes justificando a condenação no que se liquidar no incidente acima referido.
Face à data da sentença proferida no tribunal da 1ª instância, a liquidação deve ocorrer no incidente a implementar no próprio processo da acção declarativa (artigo 21º, nº 3, do Decreto-Lei nº 38/2003, de 8 de Março, e 378º, nº 2, do Código de Processo Civil).

7.
Vejamos agora se caducou ou não o direito dos recorridos à reparação das anomalias mencionadas sob II 6.
A este propósito apenas está assente que o recorrente entregou a obra aos recorridos em 1997, que a acção foi proposta no dia 22 de Março de 2000, que os recorridos, no dia 11 de Janeiro de 2001, em reconvenção, da qual o primeiro foi notificado no dia 19 de Março seguinte, pediram a condenação dele a repará-las.
Ignoram-se as datas em que as referidas anomalias se manifestaram e os recorridos delas conheceram, e, ao invés do afirmado pelo recorrente, não está provado que os primeiros não lhas comunicaram.
Nas instâncias, considerou-se não poder concluir-se no sentido de que tais anomalias eram contemporâneos da conclusão das obras, serem compatíveis com essa conclusão e que se tratava de ocorrências que se vão verificando ao longo do tempo.
Ora, considerando que as referidas anomalias ocorreram em edifício por sua natureza destinado a longa duração, num quadro quinquenal a contar da data da entrega da obra, o prazo de caducidade da sua denúncia é de um ano a contar da data do seu conhecimento pelo dono da obra e o prazo de caducidade do exercício do direito de reparação de um ano a contar da data da mencionada denúncia (artigo 1225º, nºs 1 e 3, do Código Civil).
Os recorridos, por via de reconvenção, no confronto do recorrente, denunciaram as referidas anomalias e exigiram a sua eliminação no prazo de cinco anos a que a lei se reporta.
A prova dos factos integrantes da excepção peremptória de caducidade incumbia ao recorrente, na medida em que o direito de eliminação foi invocado no seu confronto (artigos 342º, nº 2, do Código Civil e 487º, nº 2, do Código de Processo Civil).
Ora como o recorrente não logrou provar que entre o conhecimento pelos recorridos das mencionadas anomalias e a sua notificação da acção reconvencional decorreu mais de um ano, a conclusão é no sentido de que se não pode considerar verificada a referida excepção peremptória de caducidade.

8.
Atentemos agora na sub-questão de saber se os recorridos têm ou não direito a exigir do recorrente a reparação das referidas anomalias.
O recorrente questionou a sua obrigação de reparação daquelas anomalias por virtude de desconhecer a sua origem.
Conforme resulta de II 6, elas consubstanciam-se em os fumos provenientes do fogão de sala haverem originado o escurecimento dos tectos, paredes da sala e hall do rés-do-chão, em três portas interiores estarem a raspar no chão e o estore da janela da sala comum do rés-do-chão não estar funcional.
Na realidade, ignoram-se as causas por que os fumos foram expelidos pelo fogão da sala, por que as portas descaíram e por que não está funcional o estore da janela, ou seja, se essas anomalias resultam ou não de vício de construção ou erro de execução imputáveis ao recorrente.
Assim, não revelam os factos provados estar-se, nesta parte, perante incumprimento defeituoso do contrato de empreitada por banda do recorrente que implique a sua obrigação de reparação.
Em consequência, nesta vertente, não pode manter-se o conteúdo do acórdão recorrido.

9.
Vejamos, finalmente, a síntese da solução para o caso espécie decorrente dos factos provados e da lei.
Não pode ser afectado pela decisão do recurso de revista o segmento condenatório dos recorridos a pagar ao recorrente o valor dos trabalhos relativos ao esquentador, às janelas e aos peitoris destas, a determinar nos termos do artigo 1429º do Código de Processo Civil, nem o segmento declarativo de que os primeiros não tinham direito a exigir do último a quantia correspondente a € 9 921, nem o segmento condenatório do recorrente a reparar os defeitos relativos à face da parte que constitui o balcão e ao corrimão de acesso ao rés-do-chão da casa.
Não há fundamento legal para a alteração da matéria de facto, o acórdão recorrido não está afectado de nulidade e a Relação não infringiu as regras de distribuição do ónus de prova.
falta de prova pelo recorrente do preço convencionado com os recorridos no contrato de empreitada que celebraram não implica a improcedência do pedido do pagamento do preço remanescente, mas a condenação no que se liquidar posteriormente.
A existir o direito dos recorridos à reparação das anomalias mencionadas sob II 6. por parte do recorrente, não teria caducado; mas os factos provados não revelam essa existência.

Procede, por isso, parcialmente, o recurso.
Vencidos são recorridos e o recorrente responsáveis pelo pagamento das custas respectivas, na proporção do vencimento, tendo em conta o valor da acção e da reconvenção e o resultado resultante deste recurso com incidência numa ou noutra vertente, no que concerne ao diferencial pedido pelo último no confronto dos primeiros quanto ao preço convencionado no contrato de empreitada, em partes iguais, sem prejuízo da correcção conforme o resultado do incidente do liquidação (artigo 446º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
Todavia, como os recorridos beneficiam do apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de custas, tendo em conta o disposto nos artigos 15º, alínea a), 37º, nº 1 e 54º, nºs 1 a 3, da Lei nº 30-E/2000, de 20 de Dezembro, e 51º, nº 2, da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, inexiste fundamento legal para que sejam condenado no pagamento das referidas custas.
O advogado DD, nomeado mandatário dos recorridos no quadro do apoio judiciário, na medida em que subscreveu alegações no recurso de revista, tem direito a perceber do Cofre Geral dos Tribunais os honorários previstos na lei.
Considerando a lei ao abrigo da qual o referido causídico prestou o patrocínio forense em causa e o respectivo regulamento, os referidos honorários cifram-se no valor correspondente a duas unidades de conta (nº 2.4.1. da Tabela aprovada pela Portaria nº 150/2002, de 19 de Fevereiro).


IV
Pelo exposto, dando parcial provimento ao recurso, absolve-se o recorrente do pedido formulado pelos recorridos de reparação das deficiências mencionadas sob II 6 e condenam-se os últimos a pagar aos primeiros o quantitativo equivalente à diferença entre o montante do preço por eles convencionado para o contrato de empreitada e a quantia de trinta e dois mil, quatrocentos e vinte e um euros e oitenta e seis cêntimos a liquidar posteriormente, mantendo-se no restante as decisões das instâncias, e condena-se o recorrente provisoriamente no pagamento de metade das custas por referência ao mencionado diferencial sem prejuízo do que vier a resultar do mencionado incidente de liquidação e fixam-se os honorários devido ao Advogado DD no montante de cento e setenta e oito euros.

Lisboa, 23 de Novembro de 2006.
Salvador da Costa
Ferreira de Sousa
Armindo Luís