Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07B2677
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Descritores: EXECUÇÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA
EXEQUATUR
REVELIA
RÉU REVEL
CITAÇÃO
CERTIDÃO
Nº do Documento: SJ200710180026777
Data do Acordão: 10/18/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Sumário : 1. Nos termos do disposto no nº 1 do artigo 45º, conjugado com o nº 2 do artigo 44º do Regulamento (CE) nº 44/2001, do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000, não pode ser declarada executória uma sentença condenatória, proferida à revelia e sem qualquer intervenção do réu no processo, por um tribunal alemão, contra um cidadão, também alemão, mas residente em Portugal, se o acto que iniciou a instância, ou equivalente, não lhe tiver sido notificado em tempo útil e de modo a permitir-lhe apresentar a sua defesa;
2. Trata-se, aliás, de uma condição cujo preenchimento se pode verificar através da certidão prevista no artigo 54º, conjugado com o anexo V, do Regulamento, e que deve ser apresentada quando se requer a declaração de executoriedade (artigo 53º, nº 2, do mesmo Regulamento;
3. A falta de apresentação dessa certidão não preclude a possibilidade de demonstração do preenchimento dos requisitos necessários à obtenção da declaração de executoriedade; o tribunal de recurso – como, no caso, fez a Relação de Lisboa – pode fixar um prazo para a sua junção, aceitar documentos equivalentes ou, se considerar que tem os elementos suficientes, dispensá-los, nos termos previstos no nº 1 do artigo 55º do Regulamento;
4. No caso, foi junta a referida certidão; é, todavia, omissa quanto à indicação da data da citação ou notificação do acto que iniciou a instância; também não está demonstrado que o requerido, podendo ter recorrido da decisão, o não fez (nº 2 do artigo 34º); e a recorrente já informou o tribunal de que, para além dos documentos já untos aos autos, não há mais nenhum que possa requerer ao tribunal alemão.
5. Não dispondo o Supremo Tribunal de Justiça de elementos para se julgar “suficientemente esclarecido”, como se prevê no nº 1 do artigo 55º, nem sendo viável convidar a recorrente, de novo, a juntar documentos que provem o preenchimento do requisito em falta, não pode o mesmo Tribunal declarar a executoriedade pretendida pela requerente.
Decisão Texto Integral: Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça:

1. Em 26 de Abril de 2005, Empresa-A, sociedade comercial de direito alemão, requereu, ao abrigo do disposto nos artigos 38º e seguintes do Regulamento (CE) nº 44/2001, do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000, no Tribunal Judicial da Comarca do Funchal, a “aposição de fórmula executória em sentença estrangeira” proferida pelo Tribunal de 1ª Instância de Halle, Alemanha, que condenou à revelia AA, residente no Funchal e ora requerido, a pagar-lhe a quantia de € 133.577,50, acrescida de juros, e ainda o montante de € 203,58, por outras despesas.
Com a petição juntou certidão da sentença condenatória (a fls. 8 e 9), com a indicação de que se trata “de uma decisão executória provisória” e de que “o prazo de oposição é fixado em duas semanas” e, segundo afirmou, “certidão referida nos artigos 54º e 58º do Regulamento” (fls. 12 e 13). Juntou as correspondentes traduções (utilizar-se-ão, de aqui em diante, os termos constantes das traduções certificadas juntas aos autos).
Por decisão de 7 de Junho seguinte, de fls. 49, foi declarada a executoriedade requerida, “tendo em conta que não se verificam quaisquer dos fundamentos de recurso ou revogação previstos nos artigos 34º e 35 do Regulamento”.
"AA" recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa, nos termos dos nºs 1e 2 artigo 43º do mesmo Regulamento. Invocou viver em Portugal desde Julho de 2002 e nunca ter sido citado para aquela acção, da qual só teve conhecimento quando foi citado nos presentes autos; não pôde, pois, exercer o seu direito de defesa. Assim, deve em seu entender ser negado o exequatur requerido, em consequência do disposto no nº 2 do artigo 34º do Regulamento.
Contra-alegou a requerente. Em especial, interessa agora referir que, na sequência do despacho de fls. 142, veio esclarecer que, no processo que correu termos no tribunal alemão, “a citação [do requerido] foi pública e não pessoal, como (…), por lapso, alegou”. E juntou:
– a fls. 149 e 150, cópia de um documento intitulado “Procedimento de notificação pública artigo 186º do ZPO (Código de Processo Civil Alemão)”, que refere terem sido “entregues às entidades judiciais para efeitos de notificação pública ao Senhor AA, Bürgergartenstr. 8, 06618 Naumburg (de momento com paradeiro desconhecido)”, “certidão de despacho de autorização da notificação pública do dia 21.11.2002” e “cópia da petição inicial do dia 01.10.2002”, e que “os documentos podem ser vistos na secretaria da 4. Secção Cível, sala 182”, do Tribunal de 1ª Instância de Halle; por fim, o documento adverte ainda de que a não comparência poderá ter efeitos prejudiciais;
– a fls. 152 e 153, cópia de um documento intitulado como o anterior e que acrescenta ter sido entregue “para efeitos de notificação pública” ao réu “despacho de sentença do julgamento realizado à revelia do réu no dia 28.01.2003”, que igualmente pode ser consultado no mesmo local;
– a fls. 155 e 156, tradução de parte dos artigos 276 e 331 da Lei de Processo Civil Alemã.
A fls. 159, foi proferido despacho a determinar à requerente que juntasse certidão comprovativa da citação do réu na acção que correu no Tribunal de Halle, considerando que os documentos até então juntos, nem eram certidões, nem comprovavam a realização da citação.
A requerente juntou certidões dos documentos atrás referidos.

2. Por acórdão de 8 de Fevereiro de 2007, de fls. 173, foi concedido provimento ao agravo. Após ter observado que, segundo o disposto no nº 1 do artigo 45º do Regulamento nº 44/2001, “o tribunal onde foi interposto recurso ao abrigo dos artºs 43 ou 44 apenas recusará ou revogará a declaração de executoriedade por um dos motivos especificados nos artºs 34 e 35, não havendo nunca revisão de mérito”, a Relação negou o exequatur, com base no nº 2 do citado artigo 34º, pelas seguintes razões:
“ O que interessa é a notificação ou a comunicação ao requerido revel do acto que iniciou a instância (cfr. artº 34, nº 2 do REG 44/01).
(…) Tudo indica que o Tribunal de Halle desconhecia o paradeiro do ora recorrente, daí ter ordenado a sua notificação pública, ordem essa que se encontra certificada nos autos.
O que não está certificado minimamente nos autos é o próprio acto de citação (ou de notificação pública) e este tem de conter como resulta do ZPO alemão para além do mais o prazo para contestar e as consequências da sua não contestação. Apesar das insistências o recorrido requerente não juntou a certidão de citação em conformidade com o que acima decorre do ora recorrente”.
Sobre a interpretação do artigo 34º, nº 2 do Regulamento nº 44/2001, a Relação transcreveu um acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades de 14 de Dezembro de 2006 que declarou que “O artigo 34º, nº 2, do Regulamento (CE) nº 44/2001 do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial deve ser interpretado no sentido de que o requerido só tem a «possibilidade» de interpor recurso de uma decisão condenatória proferida à revelia se tiver efectivamente conhecimento do seu conteúdo, através de comunicação ou notificação efectuada em tempo útil para lhe permitir defender-se no tribunal do estado de origem.
Ora, concluiu a Relação, (…) não se sabe quando foi feita e em que termos foi feita a citação do ora recorrente para a acção que correu termos na Alemanha. Tais elementos são essenciais à concessão do exequatur e a sua junção aos autos constitui ónus da Sociedade requerente pois só com a sua junção será possível aferir da existência do próprio acto que iniciou a instância.
O ora recorrente não logrou trazer aos autos esse elemento, pelo que se terá se concluir que o acto que iniciou a instância não foi sequer comunicado ao ora recorrente.
(…) Tudo visto, acorda-se em conceder provimento ao agravo e consequentemente, revogar-se a sentença recorrida, não sendo, assim, concedida a executoriedade à decisão proferida em 28/01 pelo Tribunal de 1ª Instância de Halle, Alemanha.”

3. A requerente veio então recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça, recurso que foi admitido como agravo em 2ª Instância, limitado a questões de direito e com efeito suspensivo.
Nas alegações que apresentou, a recorrente formulou as seguintes conclusões:
«I – Encontra-se documentalmente provado que (1) O Tribunal de 1ª. instância de Halle, Alemanha, proferiu aos 28/01/2003 a sentença à revelia certificada a fls.8/9; (2) A fls. 11 encontra-se apostilhada segundo a Convenção de Haia de 1961 a certidão autenticada aos 5/5/2004 pelo presidente do tribunal de 1ª Instância de Halle da sentença supra referida; (3) A f1s.149 encontra-se um documento com a designação "Anexo 1" (procedimento de notificação pública – citação – ao abrigo do artigo 186 do ZPO); (4) A fls.152 encontra-se um documento com a designação "Anexo 2" (procedimento de notificação pública – notificação da sentença – ao abrigo do artigo 186 do ZPO e 5) A fls.164 encontra-se um documento com a designação "Execução da notificação em público § 186 ZPO";
II – O Regulamento (CE) nº 44/2001, do Conselho, de 22.12.2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões, em matéria civil e comercial (publicado no J.O.C., nº L 12, de 16.01.2001), veio criar um instrumento normativo de direito comunitário que permitiu a unificação, no âmbito da sua aplicação, das normas de conflito de jurisdição em matéria civil e comercial, bem assim a simplificação das formalidades com vista ao reconhecimento e execução, rápidos e simples, das decisões proferidas sobre essas matérias.

III – No caso sub judice, está em causa a exequibilidade de uma sentença proferida por um tribunal de um Estado-Membro, Alemanha, na noção que nos é concedida na conformidade do art. 32° do Regulamento aludido, tratando-se de um preceito que parte do princípio da confiança mútua entre jurisdições dos Estados-Membros, possibilitando a livre circulação das decisões judiciais.
IV – Conforme resulta do ponto 3. do Capítulo II - Fundamentação de Facto do douto Acórdão proferido pelo tribunal a quo resulta que foram entregues no dia 26 de Novembro de 2002 com efeito de notificação em público para o Senhor AA: a) Uma certidão da decisão sobre a autorização da notificação em público de 21 de Novembro de 2002, e b) Uma cópia da instauração do processo de 1 de Outubro de 2002, com o fim de expô-las na porta do tribunal para o prazo de 1 mês, sendo que os documentos podem ser consultados na sede da Secção Cível nº 4, gabinete nº 182 do referido tribunal Alemão.
V – A citação foi efectuada de acordo com as disposições legais alemãs, tendo sido o Agravado devidamente citado no processo que correu no tribunal de origem, tendo-lhe sido dada oportunidade de organizar e apresentar pontualmente a sua defesa, daí o conteúdo da alínea b) supra referida.
VI – O esquema gizado pela lei alemã tendo em vista obter a notificação dos actos é muito completo e eficaz, protegendo de modo adequado os direitos da parte.
VII – A alínea a) do documento identificado em IV dirá respeito ao despacho judicial emitido pelo tribunal de 1a Instância de Halle ordenando a notificação pública do Agravado a qual originou a citação por notificação pública que se encontra junta aos autos e dada como provada conforme resulta do ponto 3. do Capítulo 11 – Fundamentação de Facto do douto Acórdão proferido pelo tribunal a quo.
VIII – O documento em questão é, nos termos da lei processual alemã, o documento que efectivamente constitui a execução da notificação (citação) em público.
IX – Para além dos documentos que se encontram juntos aos autos, não existe mais nenhum que o Agravante possa requerer ao tribunal, pois o procedimento dos tribunais alemães é o que se encontra descrito no caso sub judice: 1.° Certidão de decisão sobre a autorização da notificação em público, e 2º Execução da notificação em público e afixação na porta do tribunal, disponibilizando os documentos para consulta.
X – O Agravado foi citado no processo que correu no tribunal de origem aos 26 dias do mês de Novembro de 2002 e por notificação pública.
XI – O tribunal de 1ª Instância de Halle nunca teria procedido ao julgamento e proferido a sentença, caso a citação pública não tivesse sido cumprida.
XII – Um dos pilares essenciais em que assenta o Regulamento (CE) n044/200 I do Conselho de 22 de Dezembro de 2000, é o da confiança recíproca entre os juízes dos tribunais dos países comunitários;
XIII – A regularidade da comunicação exigida pelo artigo 34° nº 2 do Regulamento, deve ser apreciada perante o direito interno do estado de origem e as convenções internacionais nele vigentes;
XIV – Tendo em consideração a prova documentalmente produzida, bem como a confiança recíproca entre os juízes dos tribunais dos países comunitários a decisão recorrida não fez a correcta interpretação da lei aplicável ao caso sub judice

Contra-alegando, o recorrido pronunciou-se no sentido da negação de provimento ao recurso, concluindo nestes termos:
“a) Os documentos juntos pela ora Agravante, apenas certificam a ordem judicial para a notificação pública do Réu;
b) Não se sabe quando foi feita e em que termos foi feita a citação do ora Agravado;
c) A prova de que foi efectuada a notificação do Agravado é um ónus que impende sobre a Agravante;
d) O Agravado não teve efectivo conhecimento do conteúdo da sentença emanada pelo tribunal de origem, facto que impede o reconhecimento da sentença, nos termos do art. 34°, nº 2 do Regulamento (CE) nº 44/2001.
e) A criação de um instrumento normativo de direito comunitário que permitiu a unificação, no âmbito da sua aplicação, das normas de conflito de jurisdição em matéria civil e comercial, bem assim a simplificação das formalidades com vista ao reconhecimento e execução, rápidos e simples, das decisões proferidas sobre essas matérias como é o Regulamento (CE) nº 44/2001 – não pode constituir um atropelo aos direitos e garantias processuais dos cidadãos.”

4. Encontra-se definitivamente provada a seguinte matéria de facto:
a) Em 28 de Janeiro de 2003, foi proferida sentença pelo Tribunal de 1ª Instância de Halle, Alemanha, que condenou AA no pagamento de € 133.577,50, com juros à taxa básica, acrescida de 5%, desde 1 de Junho de 2002, e ainda na quantia de € 203,58 a Empresa-A (cfr. fls. 8 e 9);
b) O processo, cuja petição inicial tem a data de 1 de Outubro de 2002, decorreu sem intervenção do réu, cujo paradeiro era desconhecido (cfr. fls. 149, 152, 164);
c) Foi autorizada, por despacho de 21 de Novembro de 2002, a citação de AA mediante o formalismo da “notificação pública” (fls. 149, 152, 164);
d) Para esse efeito, foram entregues às autoridades judiciais alemãs certidão desse despacho, com indicação do local onde os documentos relativos ao processo podiam ser consultados e a informação de que a não comparência podia ter efeitos prejudiciais, bem como cópia da petição inicial (fl. 149);
e) Foi entregue às mesmas entidades cópia da sentença de 28 de Janeiro de 2003, para efeitos de “afixação na porta do tribunal pelo período de um mês”(fl. 164);
f) O réu foi citado no presente processo por carta registada com aviso de recepção, com carimbo postal de 20 de Dezembro de 2005 (não é legível a data da assinatura do aviso de recepção), enviada para a Rua Pedro José Ornelas, nº ..., Casa ..., Santa Luzia, Funchal (cfr. fl.71);
g) Em 31 de Julho de 2002, o réu e BB celebraram um contrato de arrendamento, para habitação do primeiro, de uma fracção autónoma nos Apartamentos Encosta dos ..., Bloco ..., freguesia de S. Martinho, Funchal (cfr.fls. 92 e 93);
h) Em 1 de Agosto de 2002, o réu e Empresa-B – Construções, Lda., celebraram, pelo prazo de nove meses, um contrato de trabalho a termo, a desenvolver na Região Autónoma da Madeira (cfr. fl. 95);
i) A 15 de Janeiro de 2003, Empresa-B preencheu, para efeitos de IRS, uma declaração no sentido de que, durante o ano de 2002, tinha pago ao réu a remuneração ilíquida de € 3.741,00 e efectuado descontos a título de taxa social única, retenção na fonte, sindicato e imposto de selo (cfr. fls. 96 e 97);
j) A 29 de Outubro de 2002 o réu requisitou à Cabo Madeirense telefone para a sua residência, referida na alínea e) (cfr. fls. 98).

5. Como se sabe, segundo dispõe o Regulamento nº 44/2001 já citado, as decisões proferidas num tribunal de um Estado-Membro abrangido pelo Regulamento, como é a Alemanha, podem ser executadas noutro Estado-Membro, como é o caso de Portugal, “depois de nele terem sido declaradas executórias, a requerimento de qualquer parte interessada” (nº 1 do artigo 38º do Regulamento). Tem essa qualidade, manifestamente, a requerente Empresa-A, uma vez que obteve a sentença condenatória já descrita.
O requerimento foi entregue no tribunal determinado segundo o disposto no artigo 39º, tribunal que, como se viu, declarou a executoriedade requerida, sem contraditório prévio, nos termos previstos no artigo 41º, preceito que, neste ponto, manteve o regime previsto no artigo 34º da Convenção de Bruxelas de 27 de Setembro de 1968, por manifestas razões de eficácia (cfr., a propósito, o acórdão nº 522/2000 do Tribunal Constitucional, disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
Interposto recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, após observância do contraditório (cfr. nº 3 do artigo 43º), foi revogada a sentença recorrida; e dessa decisão recorreu o requerente para o Supremo Tribunal de Justiça.
Cumpre, assim, começar por determinar qual a amplitude com que o Supremo Tribunal de Justiça pode julgar o presente recurso.
Por um lado, sabe-se já que lhe não cabe apreciar questões de facto. Note-se, aliás, que nem à Relação cabia, como expressamente resulta do artigo 44º do Regulamento, conjugado com o seu anexo IV; e sabe-se, ainda, que o Supremo Tribunal de Justiça apenas pode recusar a declaração de executoriedade “por um dos motivos especificados nos artigos 34º e 35º” do Regulamento, não lhe cabendo em qualquer caso proceder à “revisão de mérito” da sentença em causa (artigo 45º).
Por outro, interessa agora ter particularmente em conta o motivo que justificou a negação da concessão de executoriedade por parte do tribunal recorrido: a Relação considerou não estar preenchido o requisito previsto no nº 2 do artigo 34º, preceito (aplicável, como se viu, por força do nº 1 do artigo 45º) do qual resulta que não pode ser concedida a executoriedade “se o acto que iniciou a instância, ou acto equivalente, não tiver sido comunicado ou notificado ao requerido revel, em tempo útil e de modo a permitir-lhe a defesa (…)”.
Ora trata-se precisamente de uma condição cujo preenchimento se pode verificar através da certidão prevista no artigo 54º do Regulamento. Da análise do “formulário uniforme constante do anexo V” ao presente regulamento decorre que uma das indicações que o tribunal que proferiu a sentença deve fornecer nessa certidão é a “data da citação ou notificação do acto que determinou o início da instância, no caso de a decisão ter sido proferida à revelia”, como foi o caso. Trata-se de uma manifestação evidente de uma preocupação presente no regime – globalmente menos exigente do que o constante do texto da Convenção de Bruxelas, e expressa nos considerandos que o explicam – do Regulamento nº 44/2001 e que é a da garantia, naturalmente na medida do possível, do princípio do contraditório e da efectividade do direito de defesa, como se pode comprovar em diversas disposições (cfr., a título de exemplo, para além do nº 2 do artigo 34º já indicado, o nº 2 do artigo 26º, ou os nºs 3, 4 e 5 do artigo 43º).
Note-se, aliás, que está em causa um dos pontos em que o Regulamento nº 44/2001, tomando em consideração as dificuldades verificadas no âmbito da Convenção de Bruxelas, o veio alterar (artigos 27, nº 2 e 34º; cfr. a este propósito, para além do acórdão do Tribunal de Justiça referido no acórdão recorrido e já citado, os diversos acórdãos proferidos por aquele Tribunal em http:curia.europa.eu/common/recdoc/repertoire_jurisp/bull_conv/data/E-27_02.htm).
Com efeito, o Regulamento nº 44/2001, por um lado, deixou de prever que a irregularidade da comunicação ou notificação do “acto que determinou o início da instância ou acto equivalente” ao requerido revel, ainda que efectuada em tempo útil, justificasse a recusa de declaração de executoriedade; por outro, esclareceu que, ainda que nem tenha ocorrido tal comunicação, o exequatur deve ser concedido se o requerido revel tiver disposto da possibilidade de recorrer da decisão, mesmo que o não tenha feito.

6. É certo que a falta de apresentação da certidão a que se refere o artigo 54º quando se requer a declaração de executoriedade (cfr. nº 2 do artigo 53º) não preclude a possibilidade de demonstração do preenchimento dos requisitos a que a mesma se refere. Nos termos do artigo 55º, o tribunal de recurso – como, aliás, fez a Relação de Lisboa, pelo despacho de fls. 159 – pode, não só fixar um prazo para a sua junção, como “aceitar documentos equivalentes, ou, se se julgar suficientemente esclarecid[o], dispensá-los”.
Sucede, no caso, que a certidão prevista no artigo 54º do Regulamento foi junta aos autos, como se viu; mas é omissa quanto à« indicação da “data da citação ou notificação do acto que determinou o início da instância, no caso de a decisão ter sido proferida à revelia”; sucede, ainda, que não está de forma alguma demonstrado que “o requerido não” interpôs “recurso contra a decisão embora tendo a possibilidade de o fazer”, alternativa admitida pelo nº 2 do artigo 34º do Regulamento para o caso de a sentença ter sido proferida à revelia, como se viu já. E sucede, ainda, que a própria recorrente informa, nas alegações apresentadas no presente recurso, que “para além dos documentos que se encontram juntos aos autos, não existe mais nenhum que a Agravante possa requerer ao tribunal, pois o procedimento dos tribunais alemães é o que se encontra descrito (…)”.
Não sendo assim viável convidar a recorrente a juntar documentos que demonstrem o preenchimento do requisito em causa, nem dispondo o Supremo Tribunal de Justiça de elementos para “se julgar suficientemente esclarecid[o] quanto a que “o acto que iniciou a instância, ou acto equivalente”, foi “comunicado ou notificado ao requerido revel, em tempo útil e de modo a permitir-lhe a defesa”, ou de que este teve possibilidade de recorrer e não o fez, não resta a este Tribunal senão confirmar o acórdão recorrido, não concedendo, portanto, executoriedade à sentença proferida em 28 de Janeiro de 2003 pelo Tribunal de 1ª Instância de Halle, Alemanha, na acção instaurada por Empresa-A contra AA.

7. Nestes termos, nega-se provimento ao agravo, confirmando-se o acórdão recorrido.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 18 de Outubro de 2007

Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (Relator)
Salvador da Costa
Ferreira de Sousa