Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3/05.9TYLSB.P1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: FONSECA RAMOS
Descritores: MARCA
DIREITO DE NOMINAÇÃO
PRÉDIOS
CENTRO COMERCIAL
CONCORRÊNCIA DESLEAL
PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE
IMITAÇÃO
ACTOS DE CONFUSÃO
MARCA DE GRANDE PRESTÍGIO
MARCA NOTÓRIA
ABUSO DE DIREITO
RESPONSABILIDADE CIVIL
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 07/13/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA EM PARTE
Área Temática: DIREITO DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL
Doutrina: - Alberto Francisco Ribeiro de Almeida, in “Marca de Prestígio, Marca Notória e Acordo Adpic/Rrips”, “Direito Industrial”, Vol. VI. págs. 65 a 82.
- Amâncio Ferreira, in “Manual dos Recursos em Processo Civil” – pág.217.
- António Corte-Real Cruz, in “O Conteúdo e Extensão do Direito à Marca: a Marca de Grande Prestígio” – Direito Industrial, vol. I, pág.99.
- Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, vol. I, 7ª edição, pág. 536.
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- Pupo Correia, in “Direito Comercial-Direito da Empresa – 10ª edição, pág. 305.
Legislação Nacional: CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC) - ARTIGOS 383.º,Nº 4; 674.º -B, N°1; ARTIGOS 722.º,Nº 2, E 729.º, Nº 2; ARTIGO 1º DO CÓDIGO DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL (CPI) DE 2003; ARTIGOS 317.º, 260.º DO CPI DE 1995, ARTIGOS 222.º, 242.º, 243.º E 245.º DO CPI DE 2003; N.º 1 AL. A) DO ARTIGO 223.º DO CPI 1995; N.º1 AL. A) DO ARTIGO 223°; ARTIGOS 2.º E 230.º DO CÓDIGO COMERCIAL(CCOM); CÓDIGO CIVIL (CC) - ARTIGOS 334º,483º, Nº1, 484º, 487º, Nº2, 562°, 563º, 564.º, N.º 2, 762.º ,N.º 2.
Jurisprudência Nacional: - ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, DE 10.3.1998, IN BMJ475-635, E DE 20.6.2006, IN CJSTJ, 2006, II, 9, E .
Sumário : I) - A imitação ou a confundibilidade entre marcas pressupõem, um “confronto”, de modo a que se possa concluir, ou não, sobre se os produtos que as marcas assinalam são idênticos ou afins, ou despertam, pela semelhança dos seus elementos, a possibilidade de associação a outros produtos ou marcas já existentes no mercado.

II) – Esse confronto não demanda, da parte do consumidor, especiais qualidades de perspicácia, subtileza ou atenção, já que, no frenético universo do consumo, o padrão é o do consumidor médio, razoavelmente informado, mas não particularmente atento às especificidades próprias das marcas.

III) – Daí que, no juízo a fazer acerca da imitação, se deva ter em conta uma impressão de conjunto e não de pormenor das marcas ou produtos, sendo relevantes os elementos que, essencialmente, as distinguem por serem os dominantes.

IV) -É assim o critério do consumidor médio, o relevante, para diante dos elementos gráficos, fonéticos ou figurativos (sobretudo nas marcas mistas) de certo produto de uma marca, poder ou não, ter a percepção de que pode confundir essa com aqueloutra, ou associá-la a uma já existente, não sendo de exigir que, se tivesse a possibilitar de as confrontar, logo as suas dúvidas pudessem ser dissipadas.

V) - A distinguibilidade das marcas nominativas relaciona-se primordialmente com o seu aspecto fonético e gráfico e deve ser apreendida por um consumidor abstracto do produto a que a marca se destina e não à massa dos consumidores; na sociedade de consumo não é ousado afirmar que cada cidadão é um consumidor, daí que o critério de diferenciação das marcas não deve fazer apelo ao consumidor concreto.

VI) – Assim, o que há que indagar no caso dos autos é se um comprador de uma fracção autónoma do prédio da 1ª Autora, ao ouvir ou ler o nome “Dolce Vita”, o associa de imediato à marca das Rés ou aos produtos que colocam no mercado.

VII) – Visando a nominação a comercialização de um produto – um edifício constituído em regime de propriedade horizontal – e tendo o nome sido atribuído pelas AA. no estrito âmbito da sua actividade comercial, como comerciantes que são, estamos perante acto de comércio subjectivo, pese embora não se deva considerar um acto absoluto mercantil a nominação, já que ela não é um acto típico, antes devendo considerar-se em função da especificidade do caso, um acto de comércio acessório ou por conexão, face à sua ligação a uma actividade indiscutivelmente comercial. A nominação é, no caso, um acto de comércio por conexão subjectiva.

VIII) – É consensual entre os tratadistas que a marca, que é um dos sinais distintivos de mercadorias ou produtos – dominada pelos princípios da novidade e da especialidade – tem, além da essencial função distintiva, uma função de garantia da qualidade dos produtos ou serviços e uma função acessória mas não menos importante – a função publicitária, sobretudo como meio de difusão entre os consumidores sabido que é que a publicidade atinge todas as classes sociais logo uma variedade incontável de perfis de consumidores.

IX) No mercado da concorrência a protecção das marcas não pode levar a um extremo tal que cerceie a competição, valor caro à livre iniciativa e à propriedade privada, erigidas até que estão em direitos fundamentais, daí que a afinidade dever relacionar-se com o mercado relevante dos produtos com virtual afinidade; no universo dos negócios a concorrência é um valor salutar essencial às empresas e aos consumidores, pelo que um excessivo rigor no sentido de proibir a mais leve afinidade não pode ser aceite, sob pena de constranger o livre e salutar funcionamento da concorrência.

X) - Tratando-se de marca mista – que integra elementos figurativos ou nominativos ou uns e outros – o sinal distintivo deve ser apreendido em relação aos elementos prevalentes do conjunto, pelo consumidor médio, pelo público em geral, e não pelo consumidor conhecedor do mercado.

XI) – Cotejando os regimes jurídicos da marca notória e da marca de prestígio avulta o facto de a marca notória estar sujeita ao princípio da especialidade, como resulta do fundamento da recusa de registo da marca ter como fundamento a aplicação “a produtos ou serviços idênticos ou afins e com ela possa confundir-se ou se, dessa aplicação, for possível estabelecer uma associação com o titular da marca notória”. Sendo a marca de prestígio aquele princípio não se aplica, o uso da marca é absolutamente proibido.

XII) -A marca de prestígio é mais que uma marca notória, gozando de maior protecção legal, não valendo quanto a ela o princípio da especialidade e, por isso, deve ser conhecida não só do público interessado nos produtos marcados, mas também do público em geral, que ante o nome da marca a associa, sem hesitar, a elevados padrões de qualidade dos produtos ou dos serviços que se distinguem dos seus competidores; a simples alusão à marca implica a intuição fulgurante da sua identificação e inquestionável qualidade, mesmo que sob ela sejam comercializados diversos produtos.

XIII) – Ao invés do que sucede com legislações estrangeiras, em Portugal não existem definidos quaisquer critérios, sequer quantitativos, para aferir se uma marca é ou não de prestígio no universo dos consumidores.

XIV) – Não são pertinentes ao conceito indeterminado de marca de prestígio considerações gradativas, ou seja, saber se uma certa marca tem ou não um super-prestígio, que poderia ser de exigir nuns casos e não noutros, o que introduziria mais incerteza. O prestígio das marcas ou dos produtos não é um bem imaterial imutável, os negócios têm as suas contingências, tal como as marcas, sobretudo em tempos em que a crise financeira e económica atingem os consumidores e muitas empresas à dimensão mundial.

XV) – A marca “Dolce Vita”, que designa “Centros Comerciais” da 1ª Ré, pese embora os grandes investimentos nestes realizados, a sua dimensão e publicidade maciça de que são objecto, não é marca de prestígio, sendo antes uma marca notória, pelo que quanto a ela vale o princípio da especialidade, daí considerar-se que a nominação do edifício da 1ª Autora com o mesmo nome não exprime uso da marca das Rés, temos de concluir que não existe risco de associação ou confusão e logo não há ilicitude.

XVI) – Não são confundíveis o nome de um imóvel que, apenas existe em Lisboa, e uma cadeia de centros comercias existentes em várias cidades portuguesas incluindo a capital, tendo em comum o nome “Dolce Vita”, que é marca das recorridas que integram o Grupo Amorim.

XVII) – O que releva é que a memória de uma marca possa induzir em erro acerca da originalidade da outra, que agora se conhece pela primeira vez; se a reminiscência da primeira levar o consumidor a pensar que não está perante uma marca nova, existe e está verificado o risco que a lei pretende evitar – de confusão ou associação – a exprimir na conceitualização legal, apropriação ou imitação da marca.

XVIII) – Não estando em causa o bom-nome das AA. importaria provar, para que se pudesse considerar a existência de dano não patrimonial – arts. 496º, nº1, e 484º do Código Civil – que a actuação das RR. tivesse atingido danosamente o prestígio e a imagem que têm perante a sua clientela e fornecedores, mas apenas se provou que “as pessoas que representam as Autoras ficaram abatidas com as situações referidas nas respostas aos artigos 7.° e 17.° da base instrutória”.

XIX) – Porque juridicamente as sociedades não se confundem com as pessoas que integram os órgãos societários e tendo sido essas pessoas que, alegadamente, teriam sofrido com a actuação das RR. ao proibirem o uso da expressão Dolce Vita e ao obstarem à realização de publicidade usando esse nome, não se pode considerar terem as recorrentes sofrido qualquer dano não patrimonial indemnizável.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


AA- A...,D...& F..., L.da, e;

BB-B...C...,Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda, ambas com sede em Lisboa, intentaram, em 20.12.2004, pelo Tribunal de Comércio de Lisboa, acção declarativa de condenação com processo ordinário, contra:

- CC- A...Imobiliária, SGPS, S.A;

- DD-E... U... Investimentos Imobiliários, S.A., e;

- EE-E... C... Serviços de Telemática, S.A.

As Autoras formularam pedidos de:

- declaração de nulidade do registo da marca e logótipo registados em nome das RR;
- declaração de abstenção de condutas abusivas por parte destas;
- a sua condenação por prejuízos causados e a reparação de danos morais.

Para tanto, e em síntese, alegaram que a primeira Autora se dedica à construção, comercialização e venda de edifícios para habitação e comércio na cidade de Lisboa.

Nessa esteira, as Autoras compraram dois lotes de terreno e neles construíram dois edifícios na chamada “Alta de Lisboa” Lumiar.

Logo após a sua aquisição, encomendaram os respectivos projectos de arquitectura passando os mencionados lotes a serem apelidados de “Dolce Farniente” e “Dolce Vita”.

Em Setembro de 2004 as Autoras iniciaram uma campanha publicitária para venda do edifício “Dolce Vita” nos Jornais Diário de Noticias, Expresso e Público.

Sucede que tal campanha foi interrompida com a notificação ordenada pelas Rés à Segunda Autora, empresa de mediação imobiliária, e aos referidos meios de comunicação, no sentido de conseguirem a suspensão de toda a publicidade que vinham efectuando para venda do edifício.

Por causa de tal notificação as Autoras não têm conseguido fazer a publicidade contratada para o efeito com os referidos jornais, visto que as últimas publicações se reportam a datas entre 22 de Outubro de 2004 e 11 de Novembro de 2004.

Ademais, invocaram a ocorrência de abuso de direito das Rés ao se arrogarem da titularidade de direitos absolutos da marca “Dolce Vita”, visto que a referida marca se mostra limitada pela sua natureza e função jurídica específica de sinal distintivo dos produtos e/ou serviços a que se destina e que se mostram consagrados no seu registo.

Assim, uma vez que o nome “Dolce Vita” utilizado no prédio das Autoras consiste apenas no nome identificativo de um bem e já não numa marca ou sinal distintivo de produtos ou serviços de mercado, também daqui não deverá advir qualquer concorrência com os serviços a que respeita a marca registada da Primeira Ré.

De outro prisma, sustentaram também as Autoras a nulidade da Marca Nacional n.° ..., uma vez que a referida marca, enquanto caracterizada pela expressão “centros comerciais”, não poderá assinalar outros serviços, como por exemplo: “snack-bar; self-service (…)”. Daí que o referido registo seja nulo de acordo com os artigos 265° e 239°, al. I), do Código de Propriedade Industrial.

Por outro lado, referiram também a nulidade do Logótipo n.° ..., porquanto não é “hábil à referenciação da 3.ª Ré no mercado”, visto que não se compreende como o nome Dolce Vita possa referenciar uma empresa cuja firma é “EE-E... C... - Serviços de Telemática, S.A.” e a sua actividade é a prestação de serviços de telemática.

Ademais, este logótipo é caracterizado pelo mesmo sinal – a Insígnia da 2.ª Ré – que identifica um estabelecimento pertencente a outra entidade cuja actividade é distinta da desenvolvida pela titular do logótipo.

Assim, verifica-se a violação do disposto na al. a) do n.° 1 do artigo 33° e do disposto nos artigos 285°, aplicável ao logótipo por força do disposto no artigo 304°, todos do Código de Propriedade Industrial, com a consequência da nulidade e ainda por indução do público em erro sobre a identidade a referenciar, o que também é censurado pelos artigos 239°, al. I), a que faz referência o disposto na alínea b) do n.° 2 do artigo 298° do mesmo diploma.

Ora, as Autoras têm legitimidade para pedir as referidas declarações de nulidade uma vez que tal direito lhes foi abusivamente oposto pelas Rés.

Ademais, a actuação concertada das Rés está a impedir a venda do edifício por parte das Autoras, o que lhes tem acarretado graves prejuízos comerciais, os quais computam até à entrada da petição em juízo de €51.708,16, para a Primeira, e de €123.410,30 para a Segunda Autora.

A que acrescem os danos morais sofridos pela afectação da sua imagem comercial, os quais importam na quantia de €10.000,00 para cada uma das Autoras.

Regularmente citadas (fls. 128 e segs.), as Rés contestaram nos termos de fls. 186, onde, para além do mais, sustentaram a incompetência do Tribunal de Comércio de Lisboa.

De outro prisma, sustentaram que o Grupo A... criou a CC-A... Imobiliária, SGPS, SA, que intervém na área de negócio de imobiliário, a qual actualmente detém a totalidade das participações sociais de diversas empresas, entre as quais as das Rés DD-E... U... e EE-E... C... .

Sucede que a Ré A... é titular do registo da marca nacional ... “A... Imobiliária DOLCE VITA CENTROS COMERCIAIS”, requerido em 24 de Abril de 2002 e concedido por despacho de 26 de Julho de 2004, sendo esta Marca destinada a assinalar os serviços das classes 35, 36 e 43 da Lista de Classificações das Marcas de Nice.

Ora, a Ré Espaço Urbano é titular da insígnia de estabelecimento “DOLCE VITA CENTRO COMERCIAL”, e a Ré Em Comunidade é titular do registo de logótipo “DOLCE VITA”.

Assim, tendo por base as pretensões das Autoras, sustentaram as Rés que não há dúvidas sobre a dimensão e reconhecimento da Marca DOLCE VITA Centros Comerciais por parte da população.

De outro vector, referiram que face à miríade de serviços existentes nos centros comerciais inexiste qualquer possibilidade de o público em geral se mostrar confundido com a marca em questão.

Por outro lado, e na referência à nulidade do Logótipo n.° ..., defenderam que o único requisito legalmente imposto quanto a tal temática é o da susceptibilidade de representação gráfica do sinal ou sinais que o constituem.

Daí que não deva ser procedente a alegação de que o Logótipo ter-se-ia de compreender no objecto social da Ré EE-“E... C...”.

Já no que respeita ao abuso de direito as Rés alegaram que as Autoras usaram livremente o nome titulado por si e que por via disso limitaram-se a impedir o seu uso por terceiros, faculdade que lhes é reconhecida por lei.

Por último, e no que se reporta aos danos alegados, importa atentar que caso tenham existido danos para as Autoras os mesmos derivaram exclusivamente das Demandantes pelo facto de não terem procedido atempadamente ao respectivo registo das marcas que pensavam usar na comercialização dos seus imóveis.

As Rés ainda deduziram reconvenção nos termos e com os fundamentos de fls. 215. Pretendem, agora, que as Reconvindas sejam impedidas de modo definitivo de continuar a usar um nome que, de direito, não é seu e que sejam condenadas em sede de execução de sentença pelos prejuízos resultantes da utilização ilegítima do nome “Dolce Vita”.

Terminam pedindo:

“Nestes termos, e nos mais de direito aplicável, deverá a presente acção ser considerada improcedente por não provada, com as demais consequências legais.
Deve ainda a Reconvenção, nos mesmos termos, ser julgada provada e totalmente procedente, sendo por via dela as Reconvindas condenadas a (i) não continuar a utilizar o nome “Dolce Vita” e (ii) indemnizar as Reconvintes em indemnização a ser liquidada em sede de execução de sentença pelos prejuízos resultantes para as Reconvintes da utilização ilegítima do nome “Dolce Vita”.

A fls. 233, decidiu-se no sentido de considerar a existência da excepção dilatória de incompetência relativa territorial do Tribunal de Comércio de Lisboa e atribuir a respectiva competência ao Tribunal de Santa Maria da Feira.

A fls. 245, as Autoras suscitaram a questão da falta do cumprimento do direito ao contraditório relativamente à invocação da ocorrência da incompetência territorial.

As Autoras replicaram de acordo com o expresso a fls. 251, alegando, além do mais, que os factos invocados em sede de contestação pelas Rés representam o exercício de um direito para além dos seus limites legais, visto que o nome de um edifício não é um objecto possível de um registo e que o acto de “nominar” tais construções cai na esfera da liberdade.

Ademais, a marca destina-se a distinguir e a caracterizar séries e não unidades. Ora, o edifício “Dolce Vita” é uma unidade, nem o mesmo comporta qualquer série de produtos.

Por outro lado, sendo a A... Imobiliária “Dolce Vida” Centros Comerciais expressamente ligada a centros comerciais não poderá ter ligação ou relação ao edifício de habitação das Autoras. Por outra via, o direito exclusivo sobre a marca só se refere a marcas idênticas ou semelhantes em ramo de negócios idêntico ou afim, o que manifestamente não é o caso do nome do edifício das Autoras, visto tratar-se do nome de um imóvel.

Ademais, visto que o logótipo é um sinal distintivo da empresa, o mesmo ter-se-á que reportar a uma empresa comercial na sua actividade e negócios.

Ora, uma vez que o logótipo se refere a uma empresa de informática e visto que os sinais distintivos são marcados pela especialidade não haverá nenhum risco de confusão, porquanto as realidades objecto dos sinais e do nome não estão ambas no mercado.

A fls. 261, as Autoras pretenderam alterar a ordem de apreciação dos pedidos formulados na petição de forma a, em primeiro lugar, se declarar que a oposição das RR. ao uso do nome “Dolce Vita” do edifício cuja venda das respectivas fracções as AA. estão a promover, está para além dos limites legais que lhe são conferidos pelos respectivos direitos de marca, insígnia e logótipo, e que tal conduta constitui um facto ilícito lesivo dos interesses das AA. e gerador de responsabilidade civil quanto ao pagamento dos prejuízos e danos peticionados, devendo, em consequência disso, ser condenadas a abster-se de tais condutas lesivas dos interesses da AA e, ou, quando tal se não entenda, dever ser decretada a nulidade do registo da marca nacional n.° ... registada em nome de CC- A... Imobiliária SGPS, SA, e do logótipo n.º ... registado em nome deEE- “E... C...-Serviço de Telemática, S.A.”, ordenando-se o cancelamento do mesmo ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial.

Por seu turno, as Rés treplicaram de acordo com o avançado a fls. 304. Em tal peça fizeram, sobretudo, apelo ao facto de se estar na presença de dois produtos negociados no mesmo sector de actividade – o imobiliário.

A fls. 320 as Autoras suscitaram a irregularidade do processado relativamente ao conhecimento da excepção dilatória da (in)competência do Tribunal de Comércio de Lisboa.
Por outro lado, e segundo as mesmas, para além das Rés terem aceite a alteração dos pedidos, pugnaram pela litigância de má-fé.

As Rés apresentaram o requerimento de fls. 325 em resposta ao acima alegado.

Já a fls. 332 as Autoras vieram requerer a certificação do estado dos Autos para efeitos de participação ao Conselho Superior da Magistratura e pedido de indemnização pelos danos sofridos.

Procedeu-se à elaboração do despacho saneador, tal como retratado a fls. 338.

Em tal despacho decidiu-se a alegada nulidade decorrente da violação do princípio do contraditório (improcedente); da ilegalidade do quarto articulado (improcedente); e a alteração da ordem de apreciação dos pedidos formulados na petição inicial (não admitida).

De outro prisma, admitiu-se o pedido reconvencional deduzido e procedeu-se à selecção da matéria de facto assente e a provar.

As partes ofereceram as suas provas e deduziram reclamações à selecção da matéria de facto.

A fls. 652 vieram as Autoras formular ampliação do pedido, nos termos e com os fundamentos ali constantes.

Terminam pedindo que: “Nestes termos se requer a V. Exa. que seja deferido o aumento do pedido, como requerido, ficando a sua liquidação para execução de sentença, uma vez que só pode ser determinado após a cessação da causa dos danos pedidos”.

A fls. 796 conheceu-se a ampliação de pedido formulada, tendo-se decidido pela sua não admissão.

***

Foi proferida sentença que julgou totalmente improcedente, a acção, absolvendo as RR. dos pedidos contra elas formulados e, quanto ao pedido reconvencional, julgou-o parcialmente procedente e, em consequência, condenou as Recorrentes/Reconvindas a não continuarem a utilizar o nome “Dolce Vita” e absolveu-as do restante peticionado.

***

Inconformadas, as Autoras, interpuseram recurso de apelação para o Tribunal da Relação do Porto que, por Acórdão de 5.1.2010 – fls. 1384 a 1445 –, julgou a apelação improcedente e manteve a sentença recorrida.

***

De novo inconformadas as AA. recorreram para este Supremo Tribunal de Justiça e, alegando, formularam as seguintes conclusões:

a) O acórdão recorrido é nulo por omissão de conhecimento da questão prévia, suscitada na Apelação, uma vez que as Recorrentes foram absolvidas das imputações de carácter criminal ou delitual, por sentença transitada em julgado em 11.01.2009, proferida pela M.ma Juíza da 2ª Secção do 1° Juízo da Pequena Instância Criminal de Lisboa, no Proc° 747/05.5ECLSB, que apreciou a queixa-crime das Recorridas sobre a mesma matéria de facto discutida na acção (aliás junta aos autos pelas Recorridas na providência cautelar), e o acórdão em recurso, validando o decidido em 1ª instância, fundamentou-se erradamente na qualificação da alegada natureza delitual de tais actos, como crime de usurpação de marca, decidindo-se pela improcedência da acção, quando a decisão justa devia ser a condenação das Recorridas nos pedidos — art. 712°, nº3, do Código de Processo Civil.

b) A sentença acima mencionada apreciou a mesma matéria de facto e decidiu em sentido oposto ao acórdão da Relação do Porto, apresentado pelas Recorridas com as alegações da apelação e cuja argumentação foi usada no acórdão recorrido e na 1ª instância, fls. 33 da sentença, sobre a pretensa protecção especial da notoriedade ou prestígio da marca, predicados inexistentes (à data da entrada da acção em juízo, tinha aberto apenas o Centro Comercial Doce Vita, Douro em Vila Real) e não invocados, pois na contestação/reconvenção as Recorridas defenderam-se e apoiaram-se, apenas e exclusivamente, na notoriedade ou prestígio (entenda-se força) do “GRUPO A...”, como corporação económica e financeira.

c) A liberdade ou o direito constitucional de atribuir nomes às coisas ou a edifícios – direito de nominar – é o fundamento da inexistência do ilícito criminal de concorrência desleal ou do crime de usurpação de marca ou de contrafacção, imitação e uso ilegal de marca, p.p. no art. 323°, alínea a) do Código da Propriedade Industrial, injustamente imputados às Recorrentes pelas Recorridas, erro de apreciação em que se fundou a sentença proferida em 1a instância e o acórdão recorrido.

d) Está provado por documentos autênticos – AA) dos factos assentes – facto que o acórdão recorrido e o juiz da causa omitiram na apreciação da prova e na sentença, que, pela descrição predial ..., desde 02.03.1999, o Edifício Dolce Vita se encontra descrito na ...a Conservatória do Registo Predial de Lisboa, corresponde ao prédio urbano, inscrito na matriz sob o art. ...° da freguesia do Lumiar, constituído em regime de propriedade horizontal, pela inscrição F-..., e se destina exclusivamente a habitação, composto de 55 andares habitacionais, (como o Dolce Farniente).

e) Da prova produzida – AA) dos factos assentes e quesitos 1°, 2° e 3° e documentos apresentados com a petição – resulta que a atribuição e uso do nome ao Edifício DOLCE VITA por parte da Recorrente, construtora, se iniciou m 1999, foi indicado na carta de encomenda da maqueta do edifício e na enviada ao arquitecto responsável pelo projecto ao tempo já elaborado (datadas de 11.02.2002), portanto, é muito anterior ao registo da marca “A... Imobiliária DOLCE VITA CENTROS COMERCIAIS que foi concedida por despacho de 26.06 2004 — N) dos factos assentes.

f) A mesma factualidade – anterioridade da atribuição e uso do nome Edifício DOLCE VITA – foi tida por provada e apreciada na sentença proferida no processo de contra-ordenação levantado pelo INPI, por denúncia das Rés, que reconheceu não existir fundamento de facto ou de direito quanto ao crime de concorrência desleal, que fora imputado às Recorrentes (vide conclusões a) e b)). Por isso,

g) É intelectualmente impossível enquadrar a prática dos factos que as Recorridas imputaram às Recorrentes na previsão legal dos crimes p.p. nos arts. 317°, alínea a), 323°, alínea a) e 331º do Código da Propriedade Industrial, uma vez que “O registo da marca nacional n.° ... — “A... Imobiliária DOLCE VITA CENTROS COMERCIAIS” — foi requerido pela Autora “CC- A...Imobiliária, SGPS, S.A.” a 24 de Abril de 2002 e apenas concedido por despacho datado de 26 de Julho de 2004” — N), em data posterior como alegado nas Conclusões d), e) e f).

h) Era impossível, à data da propositura da acção, em 21.12.2004, e segundo os parâmetros da lei e da doutrina, considerar tal marca com os requisitos da notoriedade ou da protecção especial de prestígio que lhe são atribuídos no acórdão recorrido (tinham aberto apenas o Centro Comercial Doce Vita, Douro em Vila Real e as Recorridas alegaram exclusivamente o prestígio e notoriedade do Grupo A...), pois o conhecimento da marca e o prestígio provam-se por factos e não por meras afirmações ou conceitos, como os referidos no acórdão e na sentença da 1ª instância, o que constitui uma nulidade de fundamentação — arts 653°, n°5, e 668°, n°1, a) (1ª parte).

I) O acórdão recorrido fundamenta-se numa mera ficção jurídica de um suposto prestígio e/ou notoriedade da marca (sem qualquer referência ou apreciação dos outros sinais distintivos usados e invocados pelas Recorridas - logótipo e insígnia, o que constitui causa de nulidade), quando as Recorridas não alegaram qualquer matéria de facto relativa a prestígio e notoriedade da marca e sinais de que são titulares, e a marca apenas foi inscrita no registo após o mencionado despacho de concessão, e ainda lhes competia ter alegado “todas as circunstâncias que permitam determinar a notoriedade (ou o prestígio da marca), em particular as informações relativas aos factores que permitam inferir se a marca é, ou não, notória, tais como: o grau de conhecimento ou reconhecimento de uma marca, o qual pode ser determinado por meio de inquérito junto dos consumidores dos produtos, ou dos utilizadores dos serviços assinalados pela marca; a duração, o âmbito e a área geográfica da marca factores que são importantes para determinar se a marca é notoriamente conhecida do sector do público a que respeita; o número de registos obtidos no mundo inteiro....; um outro factor... é o valor que lhe está associado, para a determinação do qual existe um grande número de métodos”, in José Mota Maia, em anotação aos arts. 241° e 242° do CPI págs. 428 e 431, ed. Almedina, 2005.

j) O acórdão recorrido e a sentença sustentam-se numa errónea ficção, segundo a qual o uso do nome “Dolce Vita” num edifício construído na Alta de Lisboa é qualificado como uma marca de facto, não registada, quando a atribuição de nomes a edifícios para construção e venda no mercado imobiliário, ou para habitação própria, é corrente e usual na construção civil, o que afasta a qualificação de tal uso ou costume como de usurpação ou atribuição de marca aos edifícios a que, por regra, os nomes são dados pelos construtores, nome que não podia ser registado como sinal distintivo de comércio — conclusões k), 1) e m).

k) A escolha de nomes para nominar edifícios destinados ao mercado de habitação constitui “um acto meramente civil e não pode ser tido como acto comercial ou como acto de comércio”, embora praticado na actividade comercial.

l) Mesmo que “os nomes se repitam, não há infracção, porque não há nenhum exclusivo desses nomes, mas pura liberdade de aposição”, enquanto que “os sinais distintivos do comércio têm a função de distinguir elementos da vida de negócios e evitar que o público seja induzido em erro”, pelo que “a marca caracteriza séries e... nunca poderia ter por objecto o nome dum edifício”.

m) O nome do edifício DOLCE VITA “não viola a marca “A... Imobiliária Dolce Vita Centros Comerciais”, por conter o elemento ostensivo “centros comerciais” e conferir à titular o direito a distinguir em exclusivo “serviços de “gestão e exploração de centros comerciais, arrendamento de espaço comerciais”.

n) “A marca de prestígio pressupõe o conhecimento generalizado por parte da população, numa percentagem que a prática alemã fixa em 80%”.

o) “A empresa A... não alega que a marca seja de prestígio e com razão, porque o conhecimento do elemento Dolce Vita é restrito, mesmo nas poucas localidades onde funciona um centro dessa empresa, pelo que “a invocação de aproveitamento do prestígio do nome é de todo irrelevante, porque mesmo que se verificasse não haveria nada que o proibisse”.

p) “A invocação de concorrência desleal, com fundamento na confusão, é infundada”, conforme foi reconhecido no acórdão da Relação do Porto sobre o âmbito das providências e na sentença proferida no processo de contra-ordenação levantado pelo INP1, sentença conforme supra alegado.

q) “O Direito Industrial não dá propriedade, porque só se refere à vida de negócios e é dominado pelo princípio da especialidade”.

r) “A marca de prestígio não dá propriedade, porque elimina a exigência de especialidade, mas continua a operar só na vida de negócios e apenas exclui o uso da marca como marca”.

s) Provou-se que com a sua actuação – al. E) e 1) e arts. 6°, 7°, 8°, 9°, 11° e 12° da base instrutória – o Grupo A... impediu os jornais de fazer publicidade à campanha das Recorrentes para a venda dos andares do Edifício Dolce Vita.

t) É absurdo considerar-se a escolha e atribuição de nome a um edifício como acto de comércio ou qualificar-se tal acto de vontade (na sua vertente de afirmação da liberdade individual e de expressão) como de natureza comercial, devendo a contrario do art. 2° e parágrafo 3° do art. 230º do Código Comercial considerar-se como acto de natureza civil.

u) Os direitos industriais, por estes serem especiais e de carácter exclusivo, não são oponíveis erga omnes, muito menos como direitos ilimitados, pois esbarram nos limites dos direitos, liberdades e garantias constitucionalmente protegidos para todos os cidadãos, prevalecendo a primazia destes direitos como gerais e universais sobre os direitos industriais, no seu confronto, conforme alegado nas Conclusões q) e r).

v) Não há sustentação constitucional, por não ser óbvio, para a afirmação contida no acórdão em recurso de que “o pedido reconvencional tem obviamente subjacente, desde logo, a titularidade da conhecida e prestigiada marca a que corresponde um direito exclusivo e oponível erga omnes por parte das Recorridas/Reconvintes”. Além disso,

w) Faltou fazer a demonstração dos pressupostos de tal afirmação, que assentou num errado preconceito sobre a natureza dos direitos em confronto (vide conclusões a) a j)), omissão que se verificou na sentença da 1a instância e no acórdão recorrido.

x) O “Grupo A...”, ao defender a apropriação de nomes, palavras e expressões, limita o uso da liberdade de nominar os bens que produzimos, para defender a política de penetração em áreas de mercado que pretende explorar e dominar, excluindo qualquer concorrência mesmo em áreas de negócio próximas daquelas em que se pretende implantar, como é o caso da rede de centros comerciais em que agora se iniciou.

y) Deve aplicar-se a primazia dos direitos, liberdades e garantias constitucionais como componentes do direito real de propriedade invocado pelas Recorrentes sobre os direitos industriais das Recorridas, meros sinais distintivos de “operadores económicos” e dos “bens que são oferecidos”, sinais qualificados de direitos intelectuais, de natureza especial, com a carga exclusiva de tendência monopolista anotada.

z) O direito de propriedade do Edifício Dolce Vita, enquanto direito real não pode ser limitado pelos direitos industriais de carácter exclusivo, invocados pelas Recorridas, como direitos intelectuais e não de propriedade, por serem de natureza subjectiva, limitados no tempo, pois tal invocação ofende e viola de forma injustificada “a liberdade de adquirir bens” como direito de construir e nominar o Edifício Dolce Vita, “a liberdade de usar e fruir dos bens de que se é proprietário”, “a liberdade de os transmitir”, entenda-se colocá-los no mercado e “o direito de não ser privado deles”, ou seja, do uso do nome do edifício, como integrantes do direito de propriedade, “por natureza análoga aos «direitos, liberdades e garantias», compartilhando por isso do respectivo regime específico (cfr. art. 17°)”, seguindo a tese de Gomes Canotilho e Vital Moreira, ou viola o mesmo direito das Recorrentes enquanto “manifestação da função social da propriedade”, como de realização “do direito de habitação», uma vez que a construção do Edifício Dolce Vita contribui para a concretização do art. 1° da Constituição que programa a construção de uma sociedade livre, justa e solidária”, na interpretação defendida pelo Senhor. Professor Doutor José de Oliveira Ascensão — in XXV Anos de Jurisprudência Constitucional Portuguesa, Coimbra Editora, 2009, pág. 300-418.

aa) Os juízos de valor sobre as questões abordadas na apreciação da matéria de facto pelo M.mo Juiz “a quo” e as teses vertidas no acórdão em recurso acolhendo a posição das Rés, “Grupo A...”, naquilo que têm de impeditivo ao livre exercício das actividades das Recorrentes no acesso ao mercado, devem improceder por violação dos arts. 17°, 26°, 27°, 37°, 38°, 42°, 61° e 62° da Constituição da República Portuguesa e 47°, 48°, 79°, 81° e 157° do C. Civil, quanto ao direito ao nome, à palavra, à liberdade de expressão, ao direito de nominar a construção do Edifício Dolce Vita e ao uso do nome na venda dos andares no mercado da habitação, como componentes do direito de propriedade invocado.

bb) Deste modo, o acórdão recorrido é nulo por omissão de conhecimento das conclusões aa), bb), cc), dd), ee), ff), gg), hh), ii), jj), II), mn), 00), pp), qq), rr), ss), tt), ddd), eee), fff), e ggg) formuladas na apelação e não especificação dos fundamentos de facto que justificam o decidido — arts 668°, n° 1, b) e d), por força do preceituado nos arts 722° e 712° do Código de Processo Civil.

cc) Os factos alegados e provados, nas respostas aos arts. 24°, 25°, 26°, 28°, 31°, 32°, 33°, 34°, 35° e 37° da base instrutória não podem ser tidos em consideração para a boa decisão da causa, pois são posteriores à data da propositura da acção e não devem relevar para a apreciação da questão de fundo da causa.

dd) A sentença e acórdão recorridos omitiram a apreciação das questões de facto e a matéria de direito, relativas à questão de fundo, limitando-se a aduzir argumentos sem aplicação ao caso dos autos, violando os princípios lógico-dedutivos e da experiência de vida que devem nortear o julgador na apreciação dos factos e aplicação da lei – arts 653°, 660° n°s 1 e 2, 663°, n° 1 e 665°do Código de Processo Civil.

ee) O despacho de apreciação da matéria de facto e a sentença, erradamente, deram por provados factos não alegados pelas Rés — transformando o número de “visitas” ou entradas no Centro Comercial de Vila Real (o único aberto à data da entrada a acção em juízo) e no “Dolce Vita Coimbra” em “clientes”, indo ao ponto de se afirmar que este “franqueou as portas a pelo menos 10 milhões de clientes” — quesitos 31° e 32°.

ff) O art. 29° da base instrutória (Cinema Monumental, em Lisboa) foi dado por provado, com ausência de referência aos depoimentos das testemunhas das Recorrentes e documentos apresentados, o que constitui nulidade por falta de ponderação (ou omissão de conhecimento) da contraprova produzida, segundo o principio processual da aquisição da prova, quando, perante tal documentação e o princípio da experiência comum de vida impunha, a resposta ou o esclarecimento deveria ser “que não é conhecido por tal denominação, em Lisboa e que só recentemente passou a usar a marca das Rés”.

gg) Não se provou que “a população conhece a marca” assim como a insígnia e logótipo aludidos, associados às Recorridas e, consequentemente, ao “Grupo A...” resposta restritiva ao art. 36° da B.I.

hh) As Recorridas não alegaram quaisquer prejuízos decorrentes da publicidade que as Recorrentes vinham fazendo na campanha de promoção de venda do Edifício Dolce Vita, pois que “confundem a pretensa violação do direito com o elemento autónomo do prejuízo”, nem seria “prejuízo a vantagem que a empresa construtora retira do nome Dolce Vita, porque não se faz à custa de qualquer sacrifício imposto ao grupo A... .”

ii) Após a recusa provisória do registo da marca fundada em confundibilidade com uma outra registada para serviços, a marca comunitária n° ... — “Dolce Vita Villas Ltd”, (marca mista) a assinalar «serviços de agências imobiliárias, incluindo avaliações de bens imobiliários, administração e gestão de imóveis, aluguer e compra de bens imobiliários, na classe 36B e registada desde 26 de Junho de 2003, a Ré “A...” alterou a lista dos serviços da classe 36a de “negócios estudo e elaboração de projectos de investimento imobiliário (sem relação com a condução de negócios), administração de imóveis, arrendamento de bens imobiliários” para “gestão e exploração de centros comerciais, arrendamentos de espaços comerciais” - alíneas O, P e Q) dos Factos Assentes.
jj) “Ao inverter agora a posição, a empresa A... incorre em comportamento contraditório”, pois que a designação do edifício “nunca poderia representar violação da marca destinada a serviços de gestão e exploração de centros comerciais”.

kk) As Recorridas invocaram apenas a notoriedade e o prestígio do “Grupo A...”, de que se serviram para conseguir o objectivo da proibição da publicidade para a venda de andares de um edifício destinado exclusivamente a habitação, perante a comunicação social — jornais — onde era publicitada a venda dos andares do edifício em causa, o que deve ser qualificado de uso anormal do processo e leva à improcedência da reconvenção — art. 665° do Código de Processo Civil.

ll) Quando não se entenda existir ausência de direito que suporte as posições do Grupo A... quanto à invocação dos direitos industriais em causa, deve a mesma invocação ser considerada abusiva, ilegal e ilegítima, incorrendo nas sanções do abuso de direito na modalidade de “venire contra factum proprium”, porquanto,

mm) As Recorridas não podem em juízo sustentar tese e posição oposta à que defenderam no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (segundo a teoria da distância) para conseguirem o registo definitivo da marca, como consta das alíneas M) a R) dos factos assentes, pois que o fim social e económico dos direitos das Recorrentes e das Recorridas são diferentes e não são coincidentes, por ser maior a distância relativamente ao nome dado a um edifício segundo os usos do mercado na construção civil que se destina a ser vendido no mercado da habitação.

nn) As Recorridas invocaram e pretendem opor a marca com o conteúdo do registo que lhes fora recusado pelo INPI, sabendo que existe, como por elas declarado perante o INPI, “perfeita diferenciação dos serviços de agenciamento imobiliário habitacional” e que o interesse público protegido pelo registo não permite que seja oposto à venda das fracções habitacionais do edifício DOLCE VITA, pois os direitos das Recorrentes situam-se em plano diferente daquele para que existem os direitos industriais das Recorridas.

00) 0 procedimento do Grupo A... é destituído de qualquer valor ético- moral e, por isso, reprovado pelo abuso de direito, pois as Recorridas litigam contra o sentido do “factum proprium” e do interesse público, que elas próprias inscreveram no registo da Propriedade Industrial.

pp) As Recorridas, concertadamente, na posição que defenderam como “Grupo A...”, pretendem destruir uma concorrente séria no mercado de habitação, média alta, com a qual competem no meio imobiliário de Lisboa, mas cuja actividade não se desenvolve no sector de actividade comercial a que respeita a marca registada que opuseram às Recorrentes (vide arts. 18º, 19°, 24° (Grupo A...) 20º e 22° da B1).

qq) É “contra a consciência jurídica” ou “as regras morais aceites pelo sentido ético prevalente na consciência social dominante” (in M. de Andrade) a invocação pelas Rés, “integradas no grupo empresarial A..., presente nos mais distintos sectores, imobiliário, turismo, financeiro, recursos naturais e cortiça (art. 23° da Bl), dos direitos industriais da marca A... Imobiliária Centros Comerciais Dolce Vita, logótipo e insígnia (al. M) a R), S) e T), para proibir a campanha publicitária de promoção das vendas dos andares, destinados a habitação, do Edifício denominado Dolce Vita (al. E), K) e 7° a 11º da BI), construído na Alta de Lisboa (al. A), B), C), X) e 1° a 7º da BI) e, com tal actuação, impedir uma concorrente no sector imobiliário em Lisboa (18° e 19 da BI), de publicitar a venda dos andares, provocando-lhe prejuízos graves e comprometendo os prazos de pagamento do empréstimo bancário contraído no Banco de Crédito Imobiliário (pertencente ao Grupo A...) e provocando os danos mencionados nos arts. 15° a 22° da Bl.

rr) A consequência do abuso de direito é a invalidade da invocação ilegal, ilegítima, ilícita e imoral dos direitos industriais das Recorridas contra as Recorrentes, quanto à atribuição e uso do nome do Edifício DOLCE VITA na campanha publicitária que aquelas impediram, como ficou provado na acção, factos geradores da responsabilidade civil e do dever de indemnizar as Recorrentes pelos prejuízos sofridos e provados nos autos. Quando se entenda que a questão de fundo não pode ser apreciada por insuficiência da matéria de facto apurada nas instâncias:

ss) Deve essa última instância “sindicar a matéria de facto fixada pela Relação” por mau uso ou uso insuficiente dos poderes conferidos pelo art. 712° do Código Processo Civil ou por se verificar alguma das hipóteses contempladas no art. 722° do mesmo Código, conforme a orientação jurisprudencial citada e ordenar a baixa do processo à Relação para conhecimento dos fundamentos do pedido de reapreciação dos factos levados a julgamento na 1ª instância.

tt) As Recorrentes, ao procederem “à transcrição dos depoimentos gravados”, não careciam “de referenciar os depoimentos ao assinalado na acta”, cumprindo desse modo “o ónus alegatório prescrito no art. 690°-A do Código de Processo Civil”, considerando-se cumpridas integralmente as exigências contidas nos n°s 1, alíneas a) e b) e n° 2 do preceito citado, por ter impugnado, “ponto por ponto, toda a decisão da matéria da facto”, pelo que a Relação estava vinculada ao conhecimento da reapreciação da prova produzida em julgamento na 1ª instância, como é jurisprudência uniforme desse Tribunal.

uu) Por tudo isto e além do mais, mostra-se violado o disposto nos arts. 653°, 2 e 5, 660°, n°s 1 e 2, 663°, n°1 e 665°, 668°, n° 1, d) (segunda parte) do Código de Processo Civil e arts. 483°, 562°, 563° e 564°, n°2, do C. Civil.

vv) Por isso, deverão as Recorridas ser condenadas a indemnizar as Recorrentes de todos os prejuízos que causaram, já apurados em julgamento, incluindo os danos morais pedidos, cujo montante, face à gravidade da afronta, é exíguo, e nos que vierem a ser liquidados em execução de sentença.

ww) Deve, em consequência, revogar-se o acórdão recorrido e a sentença por forma a serem julgados procedentes por provados os pedidos formulados pelas Recorrentes, neles se condenando as Recorridas, julgando-se improcedente a reconvenção e dela se absolvendo as Recorrentes, tudo com custas a cargo daquelas.
Nota — As citações, entre comas na motivação das alegações e conclusões, foram extraídas do Parecer do Exmo. Sr. Professor Doutor José de Oliveira Ascensão, junto aos autos, em julgamento, na providência cautelar.

Nestes termos e nos mais de direito, dando provimento ao recurso e condenando as Recorridas nos pedidos formulados pelas Recorrentes e absolvendo as Recorrentes da reconvenção, se fará, Justiça.

As Rés contra-alegaram, pugnando pela confirmação do Acórdão.

***

Colhidos os vistos legais cumpre decidir, tendo em conta que a Relação considerou provados os seguintes factos:

A) A autora “AA-A..., D... & F..., L.da” dedica-se à construção, comercialização e venda de edifícios para habitação e comércio, em especial em Lisboa (A).

B) No âmbito de tal actividade, comprou dois lotes de terreno na chamada “Alta de Lisboa”, freguesia do Lumiar, e neles construiu dois edifícios (B).

C) Tais edifícios foram denominados de “Dolce Farniente” e de “DolceVita” (C).

D) A autora “BB-B... C..., Sociedade de Mediação Imobiliária, L.da” é uma empresa de mediação imobiliária, encarregue das vendas das fracções autónomas que constituem os edifícios referidos nas alíneas A) a C) – (D).

E) A 27 de Setembro de 2004, a ré “CC- A...Imobiliária, SGPS, S.A.” enviou à autora BB-“B... C...” a carta junta a fls. 58 dos autos principais e a fls. 365 do apenso B, solicitando, “na qualidade de titular de um exclusivo sobre a expressão “Dolce Vita” decorrente do registo da marca nacional n.° ... “Dolce Vita” –”, a imediata cessação do uso de tal “marca na publicidade do empreendimento imobiliário” (E).

F) A 27 de Setembro de 2004, a ré DD-“E... U..., Investimentos Imobiliários, S.A.” enviou à requerente/requerida BB-“B... C... - Sociedade de Mediação Imobiliária, L.da” a carta junta a fls. 59 dos autos principais e a fls. 366 do apenso B, solicitando, “na qualidade de titular de um uso exclusivo sobre a expressão “Dolce Vita” decorrente do registo da insígnia de estabelecimento n.° ... – “Dolce Vita”, a imediata cessação do uso de tal “marca na publicidade do empreendimento imobiliário” (F).

G) A 11 de Outubro de 2004, a autora BB-“B... C...” enviou à “A... – Espaço Urbano – Investimentos Imobiliários, S. A.” a carta junta a fls. 62 dos autos principais, cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido (G).

H) A 25 de Outubro de 2004, as rés enviaram à autora “BB-B... C...” o fax junto a fls. 54 a 56 dos autos principais, cujo conteúdo se dá aqui por inteiramente reproduzido, através do qual solicitaram, nomeadamente, a suspensão e abstenção imediatas da identificação do empreendimento imobiliário em causa pela expressão “Dolce Vita” e de novas publicações de anúncios contendo referências a tal expressão (H).

I) Idêntica solicitação foi efectuada pelas rés aos jornais “Diário de Notícias”, “Expresso” e “Público” (I).

J) Em resposta à solicitação descrita na alínea E), a autora “BB-B...C...,Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda.” enviou a carta junta a fls. 57 dos autos principais, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido (J).

K) Em consequência dos factos referidos nas alíneas R) a I), a publicidade foi interrompida pelos jornais mencionados (L).

L) As autoras enviaram a carta junta a fls. 111 dos autos principais, datada de 24 de Novembro de 2004, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido (M).

M) O registo da marca nacional n.° ... – “A... Imobiliária DOLCE VITA CENTROS COMERCIAIS” – foi requerido pela autora “CC- A...Imobiliária, SGPS, S.A.” a 24 de Abril de 2002 e concedido por despacho datado de 26 de Julho de 2004 (N).

N) Tal marca destina-se a assinalar serviços das classes 35.ª (gestão de negócios comerciais; administração comercial; promoção de vendas para terceiros; serviços de publicidade; organização de feiras e exposições com carácter comercial), 36.ª (gestão c exploração de centros comerciais, arrendamento de espaços comerciais) e 43.ª (serviços de restauração, de snack-bar, de self-service, de cafetaria e de catering), da lista de classificação das Marcas de Nice (O).

O) O Instituto Nacional da Propriedade Industrial recusou provisoriamente o registo da marca nacional n.° ..., a 14 de Julho de 2003, com fundamento na susceptibilidade de confusão com a marca comunitária n.° ... – “Dolce Vita Villas Ltd” (marca mista) – destinada a assinalar “serviços de agências imobiliárias, incluindo avaliações de bens imobiliários, administração e gestão de imóveis, aluguer e compra e venda de bens imobiliários, na classe 36.ª, e registada desde 26 de Junho de 2003 (P).

P) A ré “CC- A...Imobiliária, SGPS, S.A.” alterou a lista dos serviços da classe 36.ª, de “negócios imobiliários; estudo e elaboração de projectos de investimento imobiliário (sem relação com a condução de negócios); administração de imóveis; arrendamento de bens imobiliários” para “gestão e exploração de centros comerciais, arrendamento de espaços comerciais” (Q).

Q) O registo da marca nacional n.° ... foi recusado definitivamente a 14 de Outubro de 2003 (R).

R) A ré “CC- A...Imobiliária, SGPS, S.A.” requereu a revogação do despacho de recusa definitiva, nos termos de fls. 43 a 56 do apenso A, em termos que se dão aqui por reproduzidos, alegando, designadamente, “atente-se que a marca comunitária considerada obstativa está directamente vocacionada para os serviços de agenciamento imobiliário no sector habitacional (e serviços relacionados)” – artigo 15.°; “pelo contrário, a marca registanda destina-se a serviços de gestão e exploração de centros comerciais (e serviços relacionados)...” – artigo 17.°; “trata-se, como é óbvio, de um sector de negócio muito específico – o dos centros comerciais – bem conhecido e identificado pelo público consumidor” – artigo 18.°; “ora, a consideração dessa alteração na lista de serviços da marca registanda, constante do processo, apenas poderia conduzir à conclusão da perfeita diferenciação dos serviços de agenciamento imobiliário habitacional e dos serviços de gestão e exploração de centros comerciais” – artigo 19.°, “a requerente continua a entender que o sinal nominativo “DOLCE VITA” é insusceptível de ser confundido facilmente com a marca comunitária obstativa artigo 22.°; “sublinhe-se também que, na marca comunitária reproduzida, a designação “Villas” (que surge até em destaque) acaba também por permitir ao consumidor associar o sinal ao sector habitacional, bem distinto do sector comercial, em concreto dos centros comerciais, agora expressamente mencionados na composição da marca registanda” – artigo 28° (S).

S) O registo da insígnia de estabelecimento n.° 13.985 – “Dolce Vita Centro Comercial” – foi requerido pela ré “DD-E... U... Investimentos Imobiliários, S.A.” a 22 de Janeiro de 2004 e concedido por despacho datado de 2 de Agosto de 2004 (T).

T) O registo do logótipo n.° 5.462 – “Dolce Vita” – foi requerido pela ré “EE-E... C... Serviços de Telemática, S.A.” a 25 de Setembro de 2003 e concedido por despacho datado de 2 de Agosto de 2004 (U).

U) A ré “CC- A...Imobiliária, SGPS, S.A.” encontra-se matriculada na 1.ª Conservatória do Registo Comercial de Santa Maria da Feira, com o número 03280/910514, com o objecto gestão de participações sociais de outras sociedades como forma indirecta de exercício de actividades económicas (V).

V) A ré “Em Comunidade – Serviços de Telemática, S.A.” encontra-se matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, com o número 10.931/2002.04.09, com o objecto desenho, desenvolvimento, implantação, manutenção e promoção de serviços e aplicações telemáticas (de telecomunicações e informáticas), incluindo actividades de venda de produtos e serviços através dos canais telemáticos, actividades de acesso, actividades de produção, distribuição e exibição de conteúdos próprios ou alheios e actividades de comércio electrónico, assim como a prestação a terceiros de serviços de apoio, consultaria e outros serviços similares relacionados com as tecnologias, o desenvolvimento de actividades publicitárias (X).

W) A ré “Espaço Urbano – Investimentos Imobiliários, S.A.” encontra-se matriculada na 1.ª Conservatória do Registo Comercial de Santa Maria da Feira, com o número 05950/990326, com o objecto arrendamento de imóveis próprios, por ela adquiridos ou construídos, sua revenda e prestação de serviços conexos (Z).

X) Encontra-se descrito na 7.ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa, freguesia do Lumiar, com o número 1975/19990302, um prédio urbano, denominado “Edifício Dolce Vita”, constituído em propriedade horizontal através da inscrição F-2 (AA).

Y) A autora “AA-A..., D... & F..., L.da.”, logo após a compra referida na alínea B), encomendou os projectos ao gabinete de arquitectura “Miguel Esteves, Arquitectura, L.da.”, passando os edifícios a construir a ser denominados de “Dolce Farniente” e “Dolce Vila” (1. ° da bi).

Z) Para a compra dos lotes e para a construção dos edifícios mencionados, a autora “AA-A..., D... & F..., L.da.” pediu financiamentos bancários, nos quais se referiam aqueles nomes (2.° da bi).

AA) A construção do edifício denominado “Dolce Vita” foi acordada com a “Engil, S.A.”, a qual publicitou tal facto no respectivo jornal (3.° da bi).

BB) Durante o ano de 2003 a autora “BB-B... C...” promoveu uma campanha publicitária para venda do prédio denominado “Dolce Farniente” na imprensa, com anúncios (4.° da bi).

CC) Em Setembro de 2004, a autora “BB-B... C...” iniciou uma campanha publicitária para venda do prédio denominado “Dolce Vita” nos jornais “Diário de Noticias”, “Expresso” e “Publico” (5. °da bi).

DD) Em consequência dos factos referidos nas alíneas E) a I), a publicidade foi interrompida pelos jornais mencionados e tal aconteceu durante a segunda semana de Novembro de 2004, sendo que em 17 e 18 de Março de 2005 e em 15 de Outubro de 2005 os jornais “Público” e “Expresso”, respectivamente retomaram a publicidade (6.° da bi).

EE) A interrupção de publicidade referida em K) e na resposta ao artigo 6.° da base instrutória contribuiu para dificultar a venda de apartamentos do prédio denominado “Dolce Vita” (7.° da bi).

FF) A autora “BB-B... C...” investiu na respectiva Campanha publicitária, no plano de imprensa previsto até 19 de Março de 2005, a quantia de 92.083,30 euros (8.° da bi).

GG) Contratou a publicidade com uma agência da especialidade, o que lhe custou a quantia de 17.327,00 Euros (9.° da bi).

HH) Com o desenrolar da campanha publicitária e até ao facto mencionado na alínea K), foram vendidos dois andares (10.º da bi).

II) O plano de publicidade interrompido, previa a venda de quatro andares por mês, o que permitiria uma receita de 1.300.000,00 Euros em cada mês (11.° da bi).

JJ) As autoras, sem a publicidade aludida e em conjugação com a conjuntura de recessão económica, não conseguirão continuar o programado ritmo de vendas (12.° da bi).

KK) Desde o facto referido na alínea K), não tem havido visitas ao prédio, nem procura do mesmo para compra de andares (13.° da bi).

LL) A margem de comercialização ou comissão de venda contratada com a autora “BB-B... C...” é de 3% sobre o preço de cada apartamento do prédio, o qual tem o valor comercial de 17.000.000,00 Euros (14.° da bi).

MM) A autora “BB-B... C...” suporta um custo mensal em concreto não apurado com a equipa de vendas afecta ao prédio (l5° da bi).

NN) A autora “AA-A...,D... & F...”, por conta de empréstimo bancário que contraiu, paga uma quantia diária não concretamente apurada a título de juros (16.° da bi).

OO) A dificuldade de venda de apartamentos referida na resposta ao artigo 7.° da base instrutória vai comprometer os prazos de pagamento do empréstimo bancário (17.° da bi).

PP) As autoras, no exercício das respectivas actividades, pautam-se por critérios de gestão de elevado grau de exigência e responsabilidade, sendo consideradas no mercado (18.° da bi).

QQ) Têm construído e vendido diversos prédios em Lisboa, deixando o seu nome e prestígio ligados aos mesmos (19.° da bi).

RR) Dois desses prédios são mencionados no mercado imobiliário como de referência em Lisboa, na década de 90 (village Montalegre e Gaivotas do Tejo) (20.° da bi).

SS) As pessoas que representam as Autoras ficaram abatidas com as situações referidas nas respostas aos artigos 7.° e 17.° da base instrutória (22.° da bi).

TT) As rés integram o grupo empresarial denominado “Grupo A...”, o qual está presente nos mais distintos sectores, como sejam os do imobiliário, turismo, financeiro, recursos naturais e cortiça (23.° da bi).

UU) A ré “A...” tem vindo a desenvolver uma aposta no segmento do chamado retail, através do lançamento de uma rede de centros comerciais com a Marca Dolce Vita (24.° da bi)

W) Nessa rede de centros comerciais, a Ré tem vindo a apostar na excelência e diversificação da oferta de lojas, serviços, lazer e restauração, estando presente em várias cidades do país (25.° da bi).

WW) A Marca Dolce Vita procura transmitir alegria, emoção e prazer nos espaços a que está associada, sendo o respectivo slogan “Todos os dias são dias Dolce Vita” (26.° da bi).

XX) Em 2002, a ré “A...” abriu o remodelado centro comercial “Dolce Vita Miraflores”, em Lisboa, inaugurado a 16 de Outubro, o qual recebeu o “Prémio do Melhor Empreendimento do Ano” na categoria “Reabilitação Urbana” (27.° da bi).

YY) (...) tendo vindo a desenvolver esforços no sentido de proporcionar aos moradores da região de Lisboa não só um espaço comercial, mas também uma solução de lazer e animação cultural (28.° da bi).

ZZ) No mesmo ano, a ré “A...” adquiriu o centro comercial em Lisboa, o qual se passou a denominar “Dolce Vita Monumental” (29.° da bi).

AAA) A 17 de Outubro de 2004, a ré “A...” inaugurou em Vila Real, o “Dolce Vita Douro”, com 131 lojas, estacionamento coberto, um hipermercado “Jumbo” e 7 salas de cinema “Lusomundo”, investindo 70 milhões de euros e criando 1.110 postos de trabalho naquela região, sendo, assim, o maior investimento privado alguma vez realizado no interior Norte do País (30.°da bi).

BBB) Em Janeiro de 2005, o “Dolce Vita Douro” comemorou a visita do “cliente l milhão” (31.° da bi).

CCC) E aquando da contestação a ré “A...” tinha previstas as aberturas do “Dolce Vita Coimbra”, do “Dolce Vita Douro” e do “Dolce Vita Tejo” e que entretanto já ocorreram as aberturas do “Dolce Vita Coimbra” e do “Dolce Vita Porto” (32.° da bi).

DDD) A 25 de Janeiro de 2005, a ré “A...” entregou as chaves aos operadores do Centro Comercial “Dolce Vita Coimbra”, tendo, a três meses da sua inauguração, atingido 95% da sua comercialização (33.°).

EEE) (...) representando um investimento de 100 milhões de Euros, com 115 lojas, 2.700 lugares de estacionamento, 10 milhões de visitantes por ano e criando 1.300 postos de trabalho (34.° da bi).

FFF) O Centro Comercial “Dolce Vita Porto”, contíguo ao estádio do Futebol Clube do Porto, representa um investimento de 100 milhões de Euros e incluirá, para além do primeiro hipermercado do Porto, 130 lojas e 2.200 lugares de estacionamento (35.° da bi).

GGG) Existe a marca “Dolce Vita Centros Comerciais”, assim como a insígnia e o logótipo referidos nas alíneas S) e T) dos factos assentes (36.° da bi).

HHH) A publicidade da marca “Dolce Vita” tem sido acompanhada pela expansão do número de centros comerciais (37.° da bi).

III) É prática corrente na construção civil atribuir nomes a edifícios destinados a venda no mercado por andares (41.º da bi).

JJJ) A Ré Em Comunidade - Serviços de Telemática, S.A. com sede na Rua General Firmino Miguel, n.°5 -11.° andar A, Lisboa, requerente do registo de logótipo n.° 5.462 “Dolce Vita” declarou que não se opõe ao uso e registo da insígnia de estabelecimento n.° 13.985 “Dolce Vita”, em nome de Espaço Urbano – Investimentos Imobiliários, S.A. (doc. de fls. 120, de acordo com o preceituado no artigo 659°, nº3, do Código de Processo Civil).

Fundamentação:

Sendo pelo teor das conclusões das alegações do recorrente que, em regra, se delimita o objecto do recurso – afora as questões de conhecimento oficioso – importa saber se:

- a decisão enferma de nulidade por ter omitido pronúncia sobre a questão prévia suscitada na apelação, relacionada com a qualificação jurídico criminal da actuação imputada às recorridas em queixa-crime, onde estava em causa a mesma matéria de facto.

- é ainda nulo pelo facto de ter omitido pronúncia em relação às conclusões aludidas em bb) das alegações da revista e não especificação dos fundamentos da decisão;

- a Relação teve em conta factos posteriores à data da propositura da acção;

- a Relação apreciou erradamente matéria de facto – quesitos, 29º, 31º, 32º e 36º;

- as Autoras estão impedidas de usar na denominação “Dolce Vita” de um edifício habitacional sito em Lisboa, por tal marca ser propriedade das Rés;

- a marca da Ré deve ser considerada uma marca de prestígio;

- a pretensão das RR. exprime abuso de direito tendo em conta os argumentos que usaram quando lhes foi recusada o registo da marca;

- a pretensão das Rés viola direitos constitucionais da AA., mormente, o de “nominar” o edifício que a 1ª Autora construiu.

Vejamos.

A censura feita ao Acórdão por vícios de natureza processual não é merecida.

Desde logo, e no que respeita à “questão prévia”, não se vislumbra qual o objectivo das recorrentes.

Relativamente à decisão proferida no processo contra-ordenacional e na sentença proferida em processo crime, que as recorrentes relacionam também com a decisão cautelar, importa dizer que o Tribunal na acção não estava vinculado à prova produzida no processo cautelar – art.383º,nº4, do Código de Processo Civil.

Por outro lado, a decisão absolutória proferida em processo-crime, com fundamento em não ter praticado os factos que eram imputados ao arguido, constitui “em quaisquer acções de natureza civil”, simples presunção legal da inexistência desses factos, ilidível mediante prova em contrário – art. 674º-B, nº1, do Código de Processo Civil.

No que respeita ao julgamento da matéria de facto, importa ter em conta que o Supremo Tribunal de Justiça, como Tribunal de revista, só excepcionalmente conhece da matéria de facto na estrita previsão dos arts. 722º,nº2, e 729º, nº2, do Código de Processo Civil.

Como ensina Amâncio Ferreira, in “Manual dos Recursos em Processo Civil” – pág. 217:
“Tanto na apreciação do recurso de revista como no de agravo, o Supremo Tribunal de Justiça só conhece de questões de direito (art. 26° da LOFTJ).
Não controla a matéria de facto nem revoga por erro no seu apuramento; compete-lhe antes fiscalizar a aplicação do direito aos factos seleccionados pelos tribunais de primeira e segunda instâncias (arts. 722°, nº2, 729°, nºs l e 2 e 755°, nº2).
Daí dizer-se que o Supremo Tribunal de Justiça é um tribunal de revista e não um tribunal de 3ª instância (art. 210°, nº5 da C.R.P.)”.

Assim, é manifesto que, quanto ao erro na apreciação das provas e na fixação dos factos, não pode este Supremo Tribunal – que só decide, em regra, questões de direito – apreciar tal matéria, por não poder ser objecto do recurso de revista.

As questões suscitadas pelas recorrentes não convocam a aplicação do regime excepcional previsto no art. 722º, nº2, do Código de Processo Civil – que legitima a alteração da matéria de facto no contexto do recurso de revista, apenas quando exista ofensa duma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto e ofensa de preceito expresso de lei que fixe a força de determinado meio de prova.

Quanto ao facto do Acórdão não ter apreciado todas as conclusões da apelação, importa dizer que o Tribunal tem que apreciar as questões colocadas e que constituem objecto do recurso (para lá das que são de conhecimento oficioso), não tendo que apreciar os argumentos aduzidos em apoio das questões que lhe compete decidir.

Ademais, as questões versadas nas conclusões das alegações, cuja omissão as recorrentes acusam – relacionam-se com o mérito do recurso e, no essencial, foram apreciadas e decididas, pelo que não existe nulidade do Acórdão por omissão de pronúncia.

No que se refere à reapreciação da matéria de facto.

Pese embora as recorrentes não terem cumprido rigorosamente o preceituado nos art. 690º-A e 522º-C, nº2, do Código de Processo Civil (transcreveram indevidamente os depoimentos das testemunhas), a Relação não obstante, reapreciou a matéria de facto posta em crise na apelação e fundamentou a decisão de a manter inalterada.

Quanto ao mérito do recurso – a questão substantiva – no essencial as recorrentes pretendem discutir questões relacionadas com a proibição decretada no Acórdão de usar a denominação “Dolce Vita”, por ser considerada marca registada e de prestígio das Rés e, portanto, de seu uso exclusivo.

Como resulta dos autos a 1ª Autora dedica-se à construção, comercialização e venda de edifícios para habitação e comércio, em especial em Lisboa, tendo na alta da cidade construído dois edifícios, apelidando um de “Dolce Farniente” e outro de “Dolce Vita”.

A 2ª Autora é uma empresa de mediação mobiliária incumbida pela construtora da venda das fracções autónomas que constituem aqueles edifícios.

Em Setembro de 2004, a Autora “BB-B... C...” iniciou uma campanha publicitária para venda do prédio denominado “Dolce Vita”, nos jornais “Diário de Notícias”, “Expresso” e “Público”.

A 27 de Setembro de 2004, a Ré “CC- A...Imobiliária, SGPS, S.A.”, enviou à Autora “BB-B... C...” a carta junta a fls. 58 dos autos principais e a fls. 365 do apenso B, solicitando, “na qualidade de titular de um exclusivo sobre a expressão “Dolce Vita” decorrente do registo da marca qualidade de titular de um exclusivo sobre a expressão “Dolce Vita decorrente do registo da marca nacional n.° ... “Dolce Vita”, a imediata cessação do uso de tal “marca da publicidade do empreendimento imobiliário”.

A 27 de Setembro de 2004, a Ré “Espaço Urbano, Investimentos Imobiliários, S.A.” enviou à “BB-B... C...-Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda” a carta junta a fls. 59 dos autos principais e a fls. 366 do apenso B, solicitando, “na qualidade de titular de um uso exclusivo sobre a expressão “Dolce Vita” decorrente do registo da insígnia de estabelecimento n° 13.985 – “Dolce Vita”, a imediata cessação do uso de tal “marca na publicidade do empreendimento imobiliário”.

Idêntica solicitação foi efectuada pelas Rés aos jornais “Diário de Notícias”, e “Público”.

Em consequência dos factos referidos a publicidade foi interrompida pelos jornais mencionados.

O registo da marca nacional nº... – “A... Imobiliária. DOLCE VITA. CENTROS COMERCIAIS” – foi requerido pela autora “CC- A...Imobiliária, SGPS, S.A.” a 24 de Abril de 2002 e concedido por despacho datado de 26 de Julho de 2004 (N).

Tal marca destina-se a assinalar serviços das classes 35.ª (gestão de negócios comerciais; administração comercial; promoção de vendas para terceiros; serviços de publicidade; organização de feiras e exposições com carácter comercial), 36.ª (gestão c exploração de centros comerciais, arrendamento de espaços comerciais) e 43.ª (serviços de restauração, de snack-bar, de self-service, de cafetaria e de catering), da lista de classificação das Marcas de Nice.

O Instituto Nacional da Propriedade Industrial recusou provisoriamente o registo da marca nacional n.°..., a 14 de Julho de 2003, com fundamento na susceptibilidade de confusão com a marca comunitária n.° ... – “Dolce Vita Villas Ltd” (marca mista) – destinada a assinalar “serviços de agências imobiliárias, incluindo avaliações de bens imobiliários, administração e gestão de imóveis, aluguer e compra e venda de bens imobiliários, na classe 36.ª, e registada desde 26 de Junho de 2003.

A Ré “CC- A...Imobiliária, SGPS, S.A.” alterou a lista dos serviços da classe 36.ª de “negócios imobiliários; estudo e elaboração de projectos de investimento imobiliário (sem relação com a condução de negócios); administração de imóveis; arrendamento de bens imobiliários” para “gestão e exploração de centros comerciais, arrendamento de espaços comerciais”.

A Ré “A... Imobiliária, SGPS S.A.” encontra-se matriculada na 1ª Conservatória do Registo Comercial de Santa Maria da Feira com o número 03280/910514, com o objecto gestão de participações sociais de outras sociedades como forma indirecta de exercício de actividades económicas.

Encontra-se descrito na 7ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa, freguesia do Lumiar, com o número 1975/19990302, um prédio urbano, denominado “Edifício Dolce Vita”, constituído em propriedade horizontal através da inscrição F-2.

Vistos por ora estes elementos factuais, importa saber se a 1ª Autora ao apelidar um dos edifícios construídos de “Dolce Vita” usurpa a marca da Ré.

O Acórdão da Relação, sucintamente, considerou ser acto de comércio o uso daquele nome e que a marca registada da Ré é uma marca de prestígio pelo que existe um direito exclusivo e oponível erga omnes que legitima a sua pretensão de proibição daquele nome para identificar o imóvel.

Por outro lado, considerou inexistir abuso do direito na actuação das recorridas.

Importa, antes de prosseguirmos, dizer que, quer as recorrentes, quer as recorridas juntaram aos autos (nos prévios procedimentos cautelares cruzados) doutos Pareceres de eminentes Professores de Direito, de sentido diametralmente oposto.

As Rés, que integram o “Grupo A...”, invocam direitos industriais de marca, insígnia e logótipo, destacando o elemento “Dolce Vita”, para se oporem ao seu uso pela Autora na “nominação” (para usar a expressão usada no Parecer que ampara a sua tese) do Edifício.

Consta provado – item 41 da BI – “que é prática corrente na construção civil atribuir nomes a edifícios destinados ao mercado de habitação”.

A Autora que já denominara um dos edifícios por si construídos de “Dolce Farniente”, quiçá na lógica apelativa e hedonística associada às sociedades de consumo onde o bem estar e a aparência através de sinais de prosperidade ou requinte, sobretudo, em períodos de pujança económica, apodou o outro edifício de “Dolce Vita”, desde o momento em que contratou a empreitada de construção e fez registar esse imóvel com essa denominação na Conservatória do Registo Predial.

Importa dizer que nenhuma das Autoras registou a marca “Dolce Vita”.

As Autoras identificam o prédio por aquele nome na publicidade destinada à venda das fracções nos media antes referidos, campanha a que se opuseram as Rés, quer directamente intimando as AA. para não usarem a designação “Dolce Vita”, quer directamente junto dos jornais, invocando direitos exclusivos de marca, insígnia e logótipo.

No seu art. 1º o Código da Propriedade Industrial de 2003 estatui – “A propriedade industrial desempenha a função de garantir a lealdade da concorrência, pela atribuição de direitos privativos sobre os diversos processos técnicos de produção e desenvolvimento da riqueza”.

A lealdade da concorrência implica, desde logo, a adopção de práticas comerciais honestas, uma vez que a propriedade industrial deve, de certa forma, considerar-se expressão da propriedade intelectual, já que abrange elementos de cariz imaterial, que integram o estabelecimento comercial com as suas marcas, invenções, patentes, modelos, desenhos industriais, logótipos, etc.

Daí que a preservação e não infracção dos sinais distintivos do comércio constitua um dos núcleos mais importantes do carácter incorpóreo sobre que incidem muitos dos direitos de propriedade industrial.

O mencionado artigo 317º do CPI refere, não taxativamente, actos que constituem concorrência desleal:

a) Os actos susceptíveis de criar confusão com a empresa, o estabelecimento, os produtos ou os serviços dos concorrentes, qualquer que seja o meio empregue.
[…]”

Os tratadistas consideram existir várias modalidades de actos de concorrência desleal: actos de confusão, actos de apropriação, actos de descrédito e actos de desorganização aos quais acresce ainda, para alguns, a concorrência parasitária.

No caso em análise está em causa a prática de actos de confusão – ou indutores de confundibilidade, a partir de sinais distintivos que as recorridas se arrogam proprietárias.

O art. 317º do actual CPI, em confronto com o art. 260º do CPI de 1995, tendo em conta a eliminação da referência ao “dolo específico”, revela uma mudança de paradigma: o ilícito de concorrência desleal deixou de ser qualificado como crime, para passar a constituir ilícito de mera ordenação social.

Pressuposto elementar da concorrência desleal é a existência de acto de concorrência.

No estudo “Concorrência Desleal e Direito do Consumidor”, da autoria do Dr. Jorge Patrício Paul, na “Revista da Ordem dos Advogados”, 2005, Ano 65 -Vol. l – Junho de 2005, pode ler-se:

“O acto de concorrência é aquele que é idóneo a atribuir, em termos de clientela, posições vantajosas no mercado…A concorrência não é susceptível de ser definida em abstracto e só pode ser apreciada em concreto, pois o que interessa saber é se a actividade de um agente económico atinge ou não a actividade de outro, através da disputa da mesma clientela…O conceito de concorrência é, pois, um conceito relativo, que não pode ser aprioristicamente definido mas apenas casuisticamente apreciado, tendo em conta a actuação concreta dos diversos agentes económicos e a realidade da vida económica actual...No próprio conceito de acto de concorrência está ínsita a sua susceptibilidade de causar prejuízos a terceiros, ainda que tais prejuízos possam efectivamente não ocorrer…o acto de concorrência, para verdadeiramente o ser, tem como seu elemento conatural, implícito na própria noção, o perigo de dano, ou seja, a sua idoneidade ou aptidão para provocar danos a terceiros”.

A marca é um sinal de representação visual destinado, essencialmente, a distinguir a origem dos produtos ou serviços, não podendo confundir o destinatário do processo de comunicação – o consumidor.

A marca é, pois, um sinal distintivo de produtos ou serviços, visando individualizá-los, não só para assegurar clientela, como para proteger o consumidor do risco de confusão ou associação com marcas concorrentes.

Acerca do risco de associação o Professor Coutinho de Abreu, in “Boletim da Faculdade de Direito”, Vol. LXXIII, 1997, pág.145, em estudo sobre as “Marcas (Noções, Espécies, Funções, Princípios Constituintes)” escreve:

“ […] O risco de confusão deve ser entendido em sentido lato, de modo a abarcar tanto o risco de confusão em sentido estrito ou próprio como o risco de associação.
Verifica-se o primeiro quando os consumidores podem ser induzidos a tomar uma marca por outra e, consequentemente, um produto por outro (os consumidores crêem erroneamente tratar-se da mesma marca e do mesmo produto).
Verifica-se o segundo quando os consumidores, distinguindo embora os sinais, ligam um ao outro e, em consequência, um produto ao outro (crêem erroneamente tratar-se de marcas e produtos imputáveis a sujeitos com relações de coligação ou licença, ou tratar-se de marcas comunicando análogas qualidades dos produtos)”.

O Professor Oliveira Ascensão, in “Concorrência Desleal” – edição de Março de 2002 – págs. 422/423 – relativamente ao art. 260º a) do revogado CPI de 1995 que, tal como o § 1º do Código de 1940 considerava que a concorrência desleal se manifesta “qualquer que seja o meio empregue” (expressão igual à da al. a) do art. 317º do vigente CPI), acerca dos conceitos de confusão e imitação, no âmbito de lesão dos interesses dos concorrentes (e não de consumidores) escreve:

“A imitação é um grande princípio da vida social, que permite que as inovações vantajosas se expandam rapidamente. É natural que as empresas de ponta, capazes de maior inovação, tragam os progressos na vida empresarial e que esses progressos se generalizem subsequentemente.
A concorrência exige evolução incessante, e não a multiplicação de monopólios que estancam a expansão das práticas e permitem ganhos parasitários […].
Há que ter bem presente que a grande directriz que encontrámos nesse domínio não foi a do repúdio da cópia ou da imitação, mas reacção contra o risco de confusão.
E apenas por trazer (e se trouxer) este risco que o acto de cópia é rejeitado…é necessário que a confusão actue no espírito do público de maneira a fazê-lo tomar um operador ou os seus produtos ou serviços por outros.
Só assim funciona no sentido de uma eventual deslocação de clientela…O que é importante acentuar é que há um certo grau, mesmo de confundibilidade, que é socialmente adequado.
Todos os operadores económicos se imitam.
Toda a imitação traz alguma confusão.
Mas esta só é repelida como concorrência desleal se atingir um certo grau de intolerabilidade.
Temos aqui uma das mais importantes manifestações do princípio, atrás enunciado, de que a liberdade de concorrência prima sobre a concorrência desleal...
É necessário assegurar essa liberdade perante a ameaça da multiplicação dos entraves.
Por isso, um certo nível de confundibilidade é ainda admissível – ou se quisermos, é ainda compatível com as normas e usos honestos.” (1) (destaque e sublinhados nossos).

Para defesa da lealdade da concorrência e dos interesses comerciais das empresas a lei dispensa protecção a direitos privativos de propriedade industrial, integrantes do estabelecimento comercial, “como as invenções, os modelos de utilidade, os modelos e desenhos industriais, as marcas, o nome e a insígnia do estabelecimento, as recompensas, os logótipos, e as denominações de origem, entre outros”.(2)

O titular da marca goza do direito de se opor a que outrem a use sem o seu consentimento, bem como pode impedir o uso de marca que possa ser confundida ou associada àquela que lhe pertence, semelhança essa que pode ser gráfica, fonética ou figurativa.

Em relação às marcas existe, pois, um dever de não adoptar denominações, sejam elas de que espécies forem, susceptíveis de confundibilidade pelo consumidor comum.

Estão em causa salutares regras da concorrência empresarial, a par da protecção dos consumidores, num mundo em que a oferta atinge uma inimaginável variedade, tornando, paradoxalmente, por isso, mais difícil o estabelecimento de padrões ou elementos diferenciadores.

Nas expressivas palavras de Pinto Coelho, in “Lições de Direito Comercial” pág. 396:
Sendo “a imitação a mais perigosa das fraudes, o imitador pretende aproveitar-se ilicitamente do crédito e da notoriedade de uma marca de outrem, mas para poder defender-se, não a reproduz perfeitamente, limita-se a imitá-la para poder sempre alegar que a sua marca é diferente daquela de que se diz ser a imitação”.

A imitação ou a confundibilidade pressupõem, um “confronto”, de modo a que se possa concluir, ou não, sobre se os produtos que as marcas assinalam são idênticos ou afins, ou despertam, pela semelhança dos seus elementos, a possibilidade de associação a outros produtos ou marcas já existentes no mercado.

Esse confronto não demanda, da parte do consumidor, especiais qualidades de perspicácia, subtileza ou atenção, já que, no frenético universo do consumo, o padrão é o do consumidor médio, razoavelmente informado, mas não particularmente atento às especificidades próprias das marcas.

Daí que, no juízo a fazer acerca da imitação, se deva ter em conta uma impressão de conjunto e não de pormenor das marcas ou produtos, sendo relevantes os elementos que, essencialmente, as distinguem por serem os dominantes.

É assim o critério do consumidor médio, o relevante, para diante dos elementos gráficos, fonéticos ou figurativos (sobretudo nas marcas mistas) de certo produto de uma marca, poder ou não, ter a percepção de que pode confundir essa com aqueloutra, ou associá-la a uma já existente, não sendo de exigir que, se tivesse a possibilitar de as confrontar, logo as suas dúvidas pudessem ser dissipadas.

“A marca é um sinal utilizado por um empresário para distinguir os produtos sobre quais incide a sua actividade económica. É, portanto um sinal distintivo dos produtos, aposto nestes ou pela empresa que os produz, ou pela que os comercializa, numa fase intermédia do circuito económico. Note-se que o termo “produtos” deve ser hoje entendido numa acepção ampla, abrangendo quer os produtos corpóreos, usualmente referidos como produtos ou mercadorias, quer os de carácter incorpóreo, ou seja, os serviços.” – Professor Pupo Correia, obra citada, pág. 341.

O art. 222º do CPI estatui:

1. A marca pode ser constituída por um sinal ou conjunto de sinais susceptíveis de representação gráfica, nomeadamente palavras, incluindo nomes de pessoas, desenhos, letras, números, sons, a forma do produto ou da respectiva embalagem, desde que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas.
2 – A marca pode, igualmente, ser constituída por frases publicitárias para os produtos ou serviços a que respeitem, desde que possuam carácter distintivo, independentemente da protecção que lhe seja reconhecida pelos direitos de autor.”

Decorre do nº1 a) do art. 223º que não podem ser incluídas na previsão do art. 222º “as marcas desprovidas de qualquer carácter distintivo”, exige-se que em qualquer das formas que assumir tenha um aptidão individualizadora, distintiva, que permita a diferenciação de produtos ou serviços.

Importa reter, como adverte Carlos Olavo, in “Propriedade Industrial”, 2005, pág.82 – que a apreciação desse carácter distintivo da marca deve ter em conta “por um lado…os produtos e serviços a que se destina”, e, por outro, em relação a “percepção que dela tem o público relevante, normalmente informado e razoavelmente atento e advertido”.

Na ponderação desse juízo de confundibilidade há que atender aos vários tipos de marcas.

Como ensina Luís Couto Gonçalves, in “Direito das Marcas”, pág. 136, existem três tipos de marcas:

“Marcas nominativas. Entre estas as sugestivas e arbitrárias (com significado conceptual) e as de fantasia (carentes de significado); marcas gráficas. Este grupo abrange as puramente gráficas, as quais se limitam a evocar a imagem do sinal utilizado, as figurativas, as quais suscitam não só uma imagem visual, mas também um determinado conceito concreto e as que evocam por generalização um conceito abstracto; marcas mistas. Este tipo de marcas combina elementos nominativos e gráficos”.

O mesmo tratadista, em nota de rodapé, cita a lição de Bedarride segundo o qual “a imitação deve ser apreciada mais pelas semelhanças que resultem do conjunto dos elementos que constituem a marca do que pelas dissemelhanças que poderiam oferecer os diversos elementos constituídos isolada e separadamente”.

No caso em apreço trata-se de marca mista.

Marcas nominativas são as que integram um sinal ou um conjunto de sinais nominativos, estando essencialmente em causa um determinado fonema” – Carlos Olavo, “Propriedade Industrial-Noções Fundamentais”, pág. 23.

A distinguibilidade das marcas nominativas relaciona-se primordialmente com o seu aspecto fonético e gráfico e deve ser apreendida por um consumidor abstracto do produto a que a marca se destina e não à massa dos consumidores; na sociedade de consumo não é ousado afirmar que cada cidadão é um consumidor, daí que o critério de diferenciação das marcas não deve fazer apelo ao consumidor concreto.

Assim, o que há que indagar no caso dos autos é se um comprador de uma fracção autónoma do prédio da 1ª Autora, ao ouvir ou ler o nome “Dolce Vita”, o associa (3). Distinguem-se habitualmente dois tipos de actuações que podem induzir ao risco de confusão: a contrafacção (ou usurpação) e a imitação. Designamos por contrafacção as situações de simples reprodução da marca para os mesmos produtos ou serviços. Para estas hipóteses o risco de confusão é um dado adquirido, não carece de qualquer demonstração. Na imitação, o infractor concebeu um sinal semelhante à marca para os mesmos produtos ou serviços ou então utiliza a mesma marca para produtos ou serviços similares, em qualquer dos casos dando causa a um risco de confusão.” de imediato à marca das Rés ou aos produtos que colocam no mercado.

Se os associar existe violação da marca das Rés.

Antes de mais, importa saber se a nominação do edifício feita pela 1ª Autora é um acto meramente civil ou acto de comércio.

Retenhamos que aquela se dedica à construção e venda de imóveis – é esse o seu escopo societário – e que a 2ª Ré, como mediadora, procura vender as fracções autónomas desse edifício.

Será que a atribuição de nome ao edifico – como é usual na construção civil – no caso se pode considerar um mero direito de cariz não comercial?

Com o devido respeito, entendemos que não se pode considerar que tal nominação visa fins estranhos ao comércio das AA; se o nome fosse, por exemplo, atribuído em função da deliberação dos condóminos das fracções autónomas que integram o edifício destinado como é à habitação, não teríamos dúvidas em considerar o carácter não comercial da nominação.

Mas, tratando-se de um prédio que a 1ª Autora, uma sociedade comercial, construiu e pretende vender através da 2ª Autora, que se dedica à mediação mobiliária, estamos perante um acto de comércio, ainda que se possa dizer que é um direito de qualquer proprietário atribuir um nome à sua habitação, seja ela uma moradia, ou uma fracção autónoma.

Sem dúvida que as AA. são comerciantes natos por serem sociedades comerciais – art. 230º do Código Comercial – pelo que a nominação é um acto de comércio.

O art. 2º do C. Comercial prevê:

“Serão considerados actos de comércio todos aqueles que se acharem especialmente regulados neste Código, e, além deles, todos os contratos e obrigações dos comerciantes, que não forem de natureza exclusivamente civil, se o contrário do próprio acto não resultar”.
“Pela 2ª parte do art. 2º do Código Comercial, são também considerados como actos de comércio “todos os contratos e obrigações dos comerciantes que não forem de natureza exclusivamente civil, se o contrário do próprio acto não resultar”.
Trata-se, pois, daqueles actos que são comerciais, não pelo factor objectivo da lei em que são regulados, mas sim pelo elemento subjectivo consistente em serem praticados pelos comerciantes”. Pupo Correia – “Direito Comercial-Direito da Empresa” – 10ª edição revista, págs. 413/414.

O mesmo autor mais adiante – pág. 417 – afirma:

“São actos de comércio objectivos os que são regulados na lei comercial em razão do seu conteúdo ou circunstâncias.
E são actos subjectivos aqueles a que a lei atribui comercialidade pela circunstância de serem praticados por comerciantes, com base na presunção de serem tais actos conexos com a actividade comercial dos seus autores”.

Visando a nominação a comercialização de um produto – um edifício constituído em regime de propriedade horizontal – e tendo o nome sido atribuído pelas AA. no estrito âmbito da sua actividade comercial, como comerciantes que são, estamos perante acto de comércio subjectivo, pese embora não se deva considerar um acto absoluto mercantil a nominação, já que ela não é um acto típico, antes devendo considerar-se em função da especificidade do caso, um acto de comércio acessório ou por conexão, face à sua ligação a uma actividade indiscutivelmente comercial.

A nominação é, no caso, um acto de comércio por conexão subjectiva.

Não obstante esta consideração poder-se-á afirmar que a marca registada das Rés foi usurpada pelas AA?

O art. 245º do CPI fornece o conceito de imitação ou usurpação.

“1. A marca registada considera-se imitada ou usurpada por outra no todo ou em parte, quando, cumulativamente: a) A marca registada tiver prioridade; b) Sejam ambas destinadas a assinalar produtos ou serviços idênticos ou afins; c) Tenham tal semelhança gráfica, figurativa, fonética ou outra que induza facilmente o consumidor em erro ou confusão, ou que compreenda um risco e associação marca anteriormente registada, de forma que o consumidor não as possa distinguir senão depois de exame atento ou confronto.

2 — Para os efeitos da alínea b) do nº1:

a) Produtos e serviços que estejam inseridos na mesma classe da classificação de Nice podem não ser considerados afins:
b) Produtos e serviços que não estejam inseridos na mesma classe da classificação de Nice podem ser considerados afins.
3 -Considera-se imitação ou usurpação parcial de marca o uso de certa denominação de fantasia que faça parte de marca alheia anteriormente registada”.

O Professor Luís Couto Gonçalves, in “Manual de Direito Industrial” – 2ª edição – 2008 – págs. 274 e 277, acerca da afinidade dos produtos ou serviços, ensina;

“Na definição do conceito a jurisprudência tem sido praticamente unânime em realçar o facto de os produtos ou serviços serem concorrentes no mercado tendo a mesma utilidade e fim.
Este critério jurisprudencial que define a afinidade segundo o destino dos produtos ou serviços não sendo incorrecto não coloca o problema no seu devido lugar.
[…] Do que se trata não é de encontrar a afinidade entre produtos e serviços, entre si, isoladamente, e sem um fim em vista, mas, antes, a de encontrar a afinidade entre produtos e serviços marcados, isto é, não desligados da finalidade e essencial da marca, que é a finalidade distintiva.
Para a apreciação desta afinidade, assim entendida, concorrem uma série de factores entre os quais sobressaem os factores referidos pela jurisprudência. Só que estes valerão enquanto e na medida em que possam indicar razoavelmente uma mesma origem dos produtos e serviços confrontados.
Do que se trata não é de distinguir económica ou, sequer, de um modo juridicamente abrangente produtos ou serviços, mas, apenas, o de distinguir produtos e serviços no âmbito do direito de marcas. Para além do critério da finalidade e utilidade dos produtos e serviços a doutrina refere ainda o critério da natureza (estrutura e características) dos produtos e serviços e o critério dos circuitos e hábitos de distribuição dos produtos e serviços […]. Há casos, porém, em que o risco de afinidade aumenta. Referimo-nos aos casos em que possa mediar uma relação de substituição, complementaridade, acessoriedade ou derivação entre os produtos ou serviços ou, mesmo, entre produtos e serviços.
Por último, mais uma nota para deixar claro o facto de a susceptibilidade confusão, a que se referem os arts. 239. °, n.°1, al. a) e 245. °, n.°1, al. c) se reportar aos sinais distintivos e não aos produtos ou serviços a que se destinam.
Afinidade não significa confundibilidade. Produtos não confundíveis (exterior ou estruturalmente considerados) podem ser produtos afins”.

É consensual entre os tratadistas que a marca, que é um dos sinais distintivos de mercadorias ou produtos – dominada pelos princípios da novidade e da especialidade – tem, além da essencial função distintiva, uma função de garantia da qualidade dos produtos ou serviços e uma função acessória mas não menos importante – a função publicitária, sobretudo como meio de difusão entre os consumidores sabido que é que a publicidade atinge todas as classes sociais logo uma variedade incontável de perfis de consumidores.

No mercado da concorrência a protecção das marcas não pode levar a um extremo tal que cerceie a competição, valor caro à livre iniciativa e à propriedade privada, erigidas até que estão em direitos fundamentais, daí que a afinidade dever relacionar-se com o mercado relevante dos produtos com virtual afinidade; no universo dos negócios a concorrência é um valor salutar essencial às empresas e aos consumidores, pelo que um excessivo rigor no sentido de proibir a mais leve afinidade não pode ser aceite, sob pena de constranger o livre e salutar funcionamento da concorrência.

Este aspecto carece de ser ponderado, no contexto do risco de confusão ou associação entre sinais, já que o juízo feito pelo consumidor não pode demandar a análise simultânea dos produtos marcados que eventualmente estejam ao seu alcance.

O que releva é que a memória de uma marca possa induzir em erro acerca da originalidade da outra que agora se conhece pela primeira vez, se a reminiscência da primeira levar o consumidor a pensar que não está perante uma marca nova, existe e está verificado o risco que a lei pretende evitar – de confusão ou associação – a exprimir na conceitualização legal, apropriação ou imitação da marca.

Tratando-se de marca mista – que integra elementos figurativos ou nominativos ou uns e outros – o sinal distintivo deve ser apreendido em relação aos elementos prevalentes do conjunto, pelo consumidor médio, pelo público em geral, e não pelo consumidor conhecedor do mercado.

“É preciso considerar que o público geralmente não está a pensar na existência ou não da imitação. Liga um produto, que lhe agradou, a certa marca, de que conserva uma ideia mais ou menos precisa. Deve evitar-se que outro comerciante adopte uma marca que ao olhar distraído do público possa apresentar-se, como sendo a que ele busca” – cfr. Pinto Coelho, in “Lições de Direito Comercial”, 1957, vol. I, pág. 427 e Ferrer Correia, in “Lições de Direito Comercial”, 1965, vol. I, pág. 347).

Dito isto, importa saber se, no caso, existe violação da marca da 1ª recorrida – “A... Imobiliária. Dolce Vita. Centros Comercias”, por parte das Autoras ao apodarem o edifício de “Dolce Vita”.


Provou-se que:

O registo da marca nacional n.° ... – “A... Imobiliária. DOLCE VITA. CENTROS COMERCIAIS” – foi requerido pela autora “CC- A...Imobiliária, SGPS, S.A.” a 24 de Abril de 2002 e concedido por despacho datado de 26 de Julho de 2004 (N).
Tal marca destina-se a assinalar serviços das classes 35.ª (gestão de negócios comerciais; administração comercial; promoção de vendas para terceiros; serviços de publicidade; organização de feiras e exposições com carácter comercial), 36.ª (gestão c exploração de centros comerciais, arrendamento de espaços comerciais) e 43.ª (serviços de restauração, de snack-bar, de self-service, de cafetaria e de catering), da lista de classificação das Marcas de Nice (O).
O Instituto Nacional da Propriedade Industrial recusou provisoriamente o registo da marca nacional n.° ..., a 14 de Julho de 2003, com fundamento na susceptibilidade de confusão com a marca comunitária n.° ... – “Dolce Vita Villas Ltd” (marca mista) – destinada a assinalar “serviços de agências imobiliárias, incluindo avaliações de bens imobiliários, administração e gestão de imóveis, aluguer e compra e venda de bens imobiliários, na classe 36.ª, e registada desde 26 de Junho de 2003 (P)
A ré “CC- A...Imobiliária, SGPS, S.A.” alterou a lista dos serviços da classe 36.ª, de “negócios imobiliários; estudo e elaboração de projectos de investimento imobiliário (sem relação com a condução de negócios); administração de imóveis; arrendamento de bens imobiliários” para “gestão e exploração de centros comerciais, arrendamento de espaços comerciais” (Q).

Ora, tendo em conta que a 1ª Autora se dedica à construção, comercialização e venda de edifícios para habitação e comércio em Lisboa, a eventual afinidade com a Ré poderia reportar-se à “administração de imóveis; arrendamento de bens imobiliários” para “gestão e exploração de centros comerciais, arrendamento de espaços comerciais” – mas não existe semelhança ou proximidade dos domínios comerciais de ambas que leve a considerar que pode existir afinidade.

De notar que a Ré teve que alterar o pedido de registo inicial da marca pretendida, por risco de confusão com a marca monegasca “Dolce Vita Vilas, Ltd”, destinada a assinalar “serviços de agências imobiliárias, incluindo avaliações de bens imobiliários, administração e gestão de imóveis aluguer e compra e venda de bens imobiliários” na classe 36ª.

A Ré CC- A...Imobiliária, SGPS, S.A, teve assim que alterar a lista dos serviços da classe 36ª, de “negócios imobiliários; estudo e elaboração de projectos de investimento imobiliário (sem relação com a condução de negócios); administração de imóveis: arrendamento de bens imobiliários”, para gestão e exploração de centros comerciais, arrendamento de espaços comerciais.

Inexiste identidade ou afinidade entre os produtos ou serviços de uma e de outra e, desde logo, por falta dos requisitos cumulativamente exigidos pelo art. 245º, nº1, b) do CPI; não há por parte das AA. imitação ou usurpação da marca das Rés.

Não foi violado o princípio da especialidade, nem por imitação, nem por risco de associação; quanto a este risco precisaremos que, não obstante o elemento relevante do conjunto da marca da Ré ser “Dolce Vita”, a destacar do nome “A... Imobiliária. DOLCE VITA. CENTROS COMERCIAIS”, como se refere no douto Parecer dado às recorrentes (junto ao processo cautelar – fls.366) (4):

“Ninguém compra porém um apartamento na Alta de Lisboa com nome Dolce Vita por haver uma marca “A... Imobiliária. DOLCE VITA. Centros Comerciais”.
Não calcula que está a comprar um centro comercial, ou uma loja em centro comercial.
Procura uma habitação: não confunde os objectos”.

Discordamos das recorridas quando afirmam – “Para o consumidor médio, tanto as Autoras como as Rés transaccionam fracções de imóveis, o que o levará a considerar que tanto as Autoras como as Rés actuam no mesmo mercado imobiliário”.

Ademais, vendo inicialmente rejeitada a marca com a amplitude pretendida, por existir risco de confusão com a marca de uma sociedade sedeada no Mónaco como consta dos autos – “Dolce Vita Villas” – a Ré no processo de impugnação, pugnando pela admissibilidade do registo tal como requerera, afirmou:

“De facto, atente-se que a marca comunitária considerada obstativa está directamente vocacionada para os serviços de agenciamento imobiliário no sector habitacional (e serviços relacionados). Esse facto é, aliás, imediatamente perceptível na própria composição da marca comunitária, até pelo destaque que é dado ao elemento “Villas”, ou seja habitações.
Pelo contrário, a marca registada destina-se a serviços de gestão e exploração de centros comerciais (e serviços relacionados), o que foi, justamente, objecto da já aludida alteração da lista de serviços no âmbito da classe 36ª.Trata-se, como é óbvio, de um sector de negócio muito específico – o dos centros comerciais – bem conhecido e identificado pelo público consumidor. Ora, a consideração dessa alteração na lista de serviços marca registanda, constante do processo, apenas poderia conduzir à conclusão da diferenciação dos serviços de agenciamento imobiliário habitacional dos serviços de gestão e exploração de centros comerciais.
Sublinhe-se também que, na marca comunitária acima reproduzida, a designação “VILLAS” (que surge até em destaque) acaba também por permitir ao consumidor associar o sinal ao sector habitacional, bem distinto do sector comercial, em concreto dos centros comerciais, agora expressamente mencionados na composição da marca registanda.
Trata-se, pois, como já se afirmou, de um específico ramo de actividade e negócio em distinto dos serviços de agenciamento habitacional da referida marca comunitária”.

Estando em causa, no processo, a mesma fundamental questão, não é curial, para não afirmar ser incompatível com o agir de boa-fé, que as recorridas sustentem ante o caso dos autos, existir risco de confusão com a sua marca, desde logo, por evidenciar que a sua actividade é comercial ligada aos Centros Comerciais.

Será que a marca da Ré pode ser considerada “marca de prestígio”?

Se o for a perspectiva será outra.

As instâncias, quer na acção, quer no processo cautelar, assim decidiram.

Sendo considerada marca de prestígio a das Rés, afastado fica o princípio da especialidade, emergindo inquestionável a absoluta proibição do uso da marca por terceiros.

Importam os normativos dos arts. 241º (marcas notórias) (5) e 242º (marcas de prestígio) do CPI.

Dispõe aquele:

“1. É recusado o registo de marca que, no todo ou em parte essencial, constitua reprodução, imitação ou tradução de outra notoriamente conhecida em Portugal, se for aplicada a produtos ou serviços idênticos ou afins e com ela possa confundir-se ou se, dessa aplicação, for possível estabelecer uma associação com o titular da marca notória.
2. Os interessados na recusa dos registos das marcas a que se refere o número anterior podem intervir no respectivo processo depois de terem efectuado o pedido de registo da marca que dá origem e fundamenta o seu interesse”.

O art. 242º consigna:

“1. Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, o pedido de registo será igualmente recusado se a marca, ainda que destinada a produtos ou serviços sem identidade ou afinidade, constituir tradução, ou for igual ou semelhante, a uma marca anterior que goze de prestígio em Portugal ou na Comunidade Europeia, se for comunitária, e sempre que o uso da marca posterior procure tirar partido indevido do carácter distintivo ou do prestígio da marca, ou possa prejudicá-los.
2. Aplica-se ao n.°1 o disposto no n° 2 do artigo anterior, entendendo-se que, neste caso, o registo da marca deverá ser requerido para os produtos ou serviços que lhe deram prestígio”.

Cotejando os regimes jurídicos da marca notória e da marca de prestígio avulta o facto de a marca notória estar sujeita ao princípio da especialidade, como resulta do fundamento da recusa de registo da marca ter como fundamento a aplicação “a produtos ou serviços idênticos ou afins e com ela possa confundir-se ou se, dessa aplicação, for possível estabelecer uma associação com o titular da marca notória”. Sendo a marca de prestígio aquele princípio não se aplica.

Couto Gonçalves, in “Manual de Direito Industrial” – pág. 304 – escreve:

“A marca notoriamente conhecida é entendida como a marca conhecida de uma grande parte do público consumidor como a que distingue de uma forma imediata um determinado produto ou serviço.
Uma forte corrente doutrinária e jurisprudencial distingue ainda duas hipóteses: se o produto ou o ou serviço for de consumo específico, a marca deve ser conhecida de grande parte do público interessado nesse produto ou serviço.
A marca notoriamente conhecida deve ser notória no país onde se solicita a especial protecção – pois é nele que, obviamente, se haverá de dirimir o conflito entre a marca a registar e a marca notoriamente conhecida – embora não careça de nele ser usada de modo efectivo.”

Sobre a marca de prestígio, na pág. 312, pode ler-se:

“[…] A abertura do sistema à protecção de marcas célebres deve ser o mais exigente possível.
Essa marca deve obedecer a dois apertados requisitos, um quantitativo e outro qualitativo:
1 ° gozar de excepcional notoriedade:
2° gozar de excepcional atracção e-ou satisfação junto dos consumidores.
O primeiro requisito, de natureza quantitativa, significa que a marca deva ser, espontânea, imediata e generalizadamente conhecida do grande público consumidor, e não apenas dos correspondentes meios interessados, como o sinal distintivo de uma determinada espécie de produtos ou serviços.
O conhecimento pode ser limitado ao âmbito de um só país. Esta é a solução mais defensável ante a lógica normativa da DM (que não interfere com o princípio da territorialidade do direito de marca) e do RMC (que alude à marca nacional de prestígio).
O segundo requisito referido, da natureza qualitativa, significa que a marca deva contar ou com um elevado valor simbólico-evocativo junto do público consumidor, não obstante não seja de grande consumo, ou com um elevado grau de satisfação junto do grande público consumidor.
Este último aspecto não significa que os produtos ou serviços, em si, devam ter uma excepcional, sequer, boa qualidade objectiva.
Não é da qualidade de produtos ou serviços que se trata, mas sim do particular significado que a marca representa junto do consumidor médio em ordem à satisfação, bem sucedida, de determinadas necessidades concretas.
Neste sentido deve tratar-se de uma marca que haja penetrado no espírito do consumidor com uma imagem positiva de qualidade dos produtos ou serviços que distingue.
Em conclusão, a marca de prestígio, para além de uma excepcional capacidade distintiva, deve ter uma excepcional capacidade evocativa e-ou uma excepcional aceitação no mercado, num caso e noutro de modo tão intenso que, dificilmente e sempre com o risco de depreciação, se a imagina desligada dos produtos ou serviços que assinala ou ligada, simultaneamente, a outros produtos ou serviços.”. (destaque nosso).

Já as RR., amparadas ao douto Parecer que juntaram, perfilham entendimento diverso, do ponto em que afirmam - “[…] As marcas de prestígio embora devendo ser conhecidas de parte significativa do público interessado não (…) têm de ser super-notórias ou (hoc sensu) célebres (…); o fenómeno é não só quantitativo mas também qualitativo…Para serem de prestígio, as marcas, além de notórias, hão-de ter boa reputação’’…não se exige (…) que as marcas de prestígio sejam conhecidas pela maioria do público interessado’’.

As RR. construíram a sua tese no facto das AA. terem usurpado a marca “Dolce Vita” pelo que, estando então em causa o princípio da especialidade, não ser coerente argumentarem – posto que o não digam ostensivamente – que a sua marca é uma marca de prestígio, pois que se assentassem a sua argumentação aqui, não teriam que esgrimir com a violação daquele princípio que, se precisa de ser invocado para a protecção de marcas notórias, já não quando se trata de marcas de prestígio.

Mas as instâncias pronunciaram-se, afirmando que se tratava de marca de prestígio pelo que estando a questão suscitada no recurso cumpre apreciá-la.

Compreende-se, mau grado dever ser uma protecção excepcional, a consideração da categoria marca de prestígio, porque num mundo globalizado e tendencialmente sem restrições à circulação de bens e serviços, impôs-se a defesa de marcas de elevada reputação, seja a nível comunitário, seja a nível nacional.

São consabidas as vãs tentativas de evitar a contrafacção em massa de marcas de reputação mundial como são, por exemplo, a Rolex, Cartier, Nike, Adidas, Boss, Armani, Ray Ban e muitas outras, nos mais variados domínios.

Desde logo, importa frisar que a marca de prestígio tem de ser mais intensamente conhecida que a marca notória; pode ter-se notoriedade, ser-se conhecido, e não se ter prestígio, é assim com os humanos e também o é com os produtos (passe a ousadia da comparação).

Ao invés do que sucede com legislações estrangeiras, em Portugal não existem definidos quaisquer critérios sequer quantitativos, para aferir se uma marca é ou não de prestígio dentro do universo dos consumidores.

Na Alemanha exige-se uma ampla percentagem de conhecimento da marca pelos consumidores – 75%. – do mercado de referência (6).

Com o devido respeito, não se nos afiguram pertinentes ao conceito indeterminado de marca de prestígio considerações gradativas, ou seja, saber se uma certa marca tem ou não um super-prestígio, que poderia ser de exigir nuns casos e não noutros, o que introduziria mais incerteza.
O prestígio das marcas ou dos produtos não é um bem imaterial, imutável, os negócios têm as suas contingências, tal como as marcas, sobretudo em tempos em que as crises financeiras e económicas atingem os consumidores à dimensão mundial.

Sufragamos o entendimento do Professor Couto Gonçalves quando, essencialmente, afirma:

“ Essa marca (de prestígio) deve obedecer a dois apertados requisitos, um quantitativo e outro qualitativo:
1º gozar de excepcional notoriedade: 2° gozar de excepcional atracção e-ou satisfação junto dos consumidores”.

Alberto Francisco Ribeiro de Almeida, em estudo intitulado “Marca de Prestígio, Marca Notória e Acordo Adpic/Rrips”, publicado na revista “Direito Industrial”, Vol. VI, págs. 65 a 82, escreve na pág.69;

“ Mais delicada é a noção de marca de prestígio. Encontramos noções muito exigentes e outras que colocam a marca de prestígio num patamar inferior ao da marca notória. Uns dizem que a marca de (alto) renome [ou de reputação excepcional, de (grande) prestígio, reputação, etc.], deve ser conhecida para além dos círculos comerciais vinculados aos produtos que a marca identifica; é a marca conhecida pelo grande público, pelo público em geral. Deveria ser uma marca com uma distintividade singular, autoridade incontestável, tradição, reiterado e contínuo uso, qualidade e confiança, boa imagem, acentuado magnetismo, extraordinária força atractiva, ampla publicidade, identificação automática e espontânea goodwill elevadíssimo, excelência e confiabilidade dos produtos ou serviços, atingindo diferentes públicos e mercados, etc.
Na mesma linha outros defendem que a marca de alto renome deve ser instantaneamente identificada pelo consumidor, como um flash ou acto reflexo, perceptível em geral e não apenas pelo consumidor alvo do produto ou serviço em causa.
Todavia, não tem sido esta a atitude do Tribunal de Justiça da Comunidade Europeia (TJCE).
Mas convirá desde já e já dizer que “reputação” e “prestígio” são noções que têm circulado juntas. O TJCE tem usado indistintamente estas menções. O legislador, a doutrina e a jurisprudência ainda não se entenderam quanto à terminologia a usar. O CPI português de 1995 utilizava no art. 191.° a designação “marcas de grande prestígio”.
O actual utiliza a expressão “marcas de prestígio” (art. 242.°). A primeira Directiva do Conselho, de 21 de Dezembro de 1988, que harmoniza as legislações dos Estados-membros em matéria de marcas (89/104/CEE), na versão portuguesa, refere-se a marcas que gozem de “prestígio” [vide arts.4-°,n.°3, 4. °, n. °4, alínea a), e 5. °, n. ° 2)]. O Regulamento (CE) N.°40/94 do Conselho, de 29 de Dezembro de 1993, sobre a marca comunitária usa a expressão marca que goze de “prestígio” [vide arts. 8. °, n.º 5, e 9. °, n. ° l, alínea c)].
O TJCE, no acórdão de 14 de Setembro de 1999, General Motors Corporation contra Yplon SA, C375/97, in Colectânea de Jurisprudência, 1-5421, ss., procurou precisar o sentido da expressão “goze de prestígio”. O TJCE reconhece que as diversas versões linguísticas da Directiva 89/104/CEE utilizam expressões que não têm o mesmo significado (por exemplo, “prestígio” em português, “reputation” em inglês, mas “bekannt” em alemão). Todavia, numa tentativa de garantir uma interpretação uniforme do direito comunitário o TJCE opta, essencialmente por um critério quantitativo: “esta cambiante (…) não permite que seja contestada a exigência de um limiar mínimo de conhecimento pelo público da marca anterior”; a marca anterior deve ser “conhecida de parte significativa do público interessado pelos produtos ou serviços abrangidos por essa marca”…

Mais diante – pág. 71 – “Nos termos do referido acórdão uma marca terá prestígio e poderá beneficiar de uma protecção alargada a produtos ou serviços não semelhantes nos termos do art. 5º, nº2, da Directiva n.º 89/104/CEE, de 21 de Dezembro de 1988, relativa à aproximação das legislações dos Estados Membros sobre marcas, quando for conhecida de uma parte significativa do público interessado pelos produtos ou serviços por ela abrangidos. Na verdade, diz o Tribunal, “só no caso de ter um grau suficiente de conhecimento dessa marca é que o público colocado em presença da marca posterior pode, sendo caso disso, mesmo para produtos ou serviços não semelhantes, proceder a uma aproximação entre ambas as marcas e, em consequência, a marca anterior ser afectada”. Por outro lado, basta – para se considerar atingido o grau de conhecimento exigido – que a marca anterior seja conhecida de uma parte significativa do público interessado pelos serviços abrangidos por essa marca (é este o público relevante não o público em geral).
Ou seja, a marca deve gozar de prestígio perante o público interessado na marca – por vezes o grande público, outras vezes um público mais especializado (tudo depende do produto ou serviço comercializado. O Tribunal esclarece que se deve tomar em consideração, na determinação do prestígio, todos os elementos pertinentes, nomeadamente a parte do mercado detida pela marca, a intensidade, a área geográfica e duração da sua utilização, bem como a importância dos investimentos efectuados pelo titular da marca para a promover. O TJCE diz, ainda não se pode exigir que o prestígio exista na totalidade do território do Estado-membro, basta que ele ocorra numa parte substancial deste. A força distintiva da marca mede-se, não tanto pela sua inerente distintividade, mas sim pela distintividade adquirida no mercado, isto é, a sua força na indicação de uma mesma origem empresarial”.

E a fls.73:

“Na tutela ultramerceológica da marca de prestígio pretende-se proteger a marca contra a diluição (aguamento ou “watering”), o “blurring” e o “tarnishment”. A diluição traduz-se no risco de perda da força de associação que os consumidores efectuam entre uma determinada marca e certos produtos ou serviços. Como consequência da força distintiva de uma marca e da sua conexão permanente com certos produtos ou serviços, os consumidores associam de modo automático os produtos ou serviços com a marca em causa. Assim, o uso desse mesmo sinal (ou um similar) na identificação de outros produtos ou serviços é susceptível de reduzir ou quebrar essa conexão. O ”blurring” envolve uma perda do “brilho” da marca ou da sua força distintiva pelo facto de deixar de ser única. Quanto menor for o uso do sinal em produtos diferentes, maior será a sua unicidade ou exclusividade e consequente perigo de diluição. A diluição por “blurring” não implica confusão quanto à origem empresarial dos produtos ou serviços, mas significa que o consumidor efectuará uma associação mental entre a marca (famosa) e outros produtos ou serviços (diferentes dos identificados por aquela marca).
O “tarnishment” implica que possam ser efectuadas associações negativas à marca. A doutrina brasileira denomina de “maculação”.
Começa-se igualmente a referir um terceiro tipo de diluição – o “diminishment”.
Esta forma de diluição, muito próxima do “tarnishment”, verifica-se quando os consumidores podem atribuir características particularmente desfavoráveis à marca e associá-la a produtos de inferior qualidade.
Esta expansão da tutela pretende igualmente responder ao denominado “freeriding” ou aproveitamento indevido (próximo do enriquecimento injusto) da força distintiva ou da reputação (o “goodwill” e o “seling power”) que pertence a outrem e que o titular da marca de prestígio poderia explorar através do “merchandising” ou outros mecanismos.
Não podemos esquecer que um sinal de prestígio goza de um particular magnetismo na decisão de escolha do consumidor. Aquela tutela quer evitar a redução da percepção do público do significado único, singular ou particular da marca”. (sublinhámos).

A longa citação, de que nos penitenciamos, ilustra de modo exuberante a dificuldade interpretativa do conceito “marca de prestígio”, sendo que, inclusivamente o TJCE, parece oscilar entre a preponderância do critério quantitativo, apelando a dados factuais, e o critério qualitativo que faz pender para a vertente do conhecimento da reputação pelo público interessado, sendo que umas vezes esse público é o interessado nos produtos na marca, outras vezes o público em geral.

No caso em concreto, não está envolvida qualquer marca comunitária, mas uma marca nacional que temos de considerar recente (nasceu em 2004), e que o público em geral associará aos denominados Shoppings Centers, sem desde logo a associar, diferenciando-a, dos muitos que existem em Portugal, desde há cerca de duas décadas.

O prestígio em si mesmo é dificilmente mensurável, talvez por isso o Código da Propriedade Industrial de 2003 – DL.36/2003, de 5.3 – deixou de se referir, como o CPI de 1995 o fazia no art. 191°, a designação “marcas de grande prestígio”, o que não significa um abrandamento nos “requisitos” que devem tais marcas.

A marca de prestígio deve ser mais que uma marca notória pois goza de maior protecção legal, não valendo quanto a ela o princípio da especialidade e, por isso, deve ser conhecida não só do público interessado nos produtos marcados, mas também do público em geral, que ante o nome da marca a associa, sem hesitar, a elevados padrões de qualidade dos produtos ou dos serviços que se distinguem dos seus competidores; a simples alusão à marca implica a fulgurante intuição da sua inquestionável qualidade, mesmo que sob ela sejam comercializados produtos diversos.

Em Portugal, e sem desprimor, um Centro Comercial, como o “Dolce Vita”, que, normalmente, engloba lojas comuns a quase todos os de dimensão idêntica – as chamadas lojas âncora – numa estratégia dirigida não a um público-alvo requintadamente conhecedor, mas à grande massa de consumidores (por algum motivo se lhes chama “catedrais do consumo”, ou “grandes superfícies”, que não são apenas os hipermercados), pese embora os grandes investimentos, a sua dimensão e publicidade maciça de que são objecto, não são marcas de prestígio.

À escala do mercado português não serão muitas as marcas de prestígio, sendo inúmeras as marcas notórias.
Discordamos do Acórdão recorrido que, acolhendo a tese das recorridas, para qualificar a marca Dolce Vita Centros Comerciais como marca de prestígio (o que nem sequer foi claramente alegado pelas recorridas, repita-se), se ateve, preponderantemente, a elementos de facto de cariz quantitativo, como se o prestígio pudesse ser aferido por investimentos expressivos e dispendiosos em publicidade ou o número de visitantes fosse muito relevante.
Importaria que, a par dessa componente quantitativa da marca e sobrelevando-a se tivesse feito prova do seu conhecimento indiscutível pelo público em geral, como uma marca de clara individualidade num sector competitivo como é o do grande comércio dos Centros Comerciais que proliferam nas grandes cidades e não só.

Ao concluirmos que a marca em causa não é de prestígio, mas meramente notória, estamos volvidos ao princípio da especialidade e a considerar-se que a nominação do edifício da 1ª Autora não exprime uso da marca das Rés, temos de concluir que não existe risco de associação ou confusão e logo não há ilicitude.

Quem quer que procure o “Centro Comercial Dolce Vita”, mesmo em Lisboa, não é induzido no erro de encontrar o edifício da 1ª Autora destinado a habitação.

Não são confundíveis o nome de um imóvel que, apenas existe em Lisboa, e uma cadeia de Centros Comercias existentes em várias cidades portuguesas incluindo a capital, tendo em comum o nome “Dolce Vita”, que é marca das recorridas que integram o Grupo A....

Sustentam as recorrentes, que as recorridas actuaram com abuso do direito – art. 334º do Código Civil – já que na acção defendem, em contradição, uma tese oposta àquela de que lançaram mão quando pretenderam registar no INPI a sua marca que viram recusada por preexistência de marca comunitária considerada confundível, sustentando as recorridas que “existia perfeita diferenciação dos serviços de agenciamento imobiliário habitacional” – cfr. als. O), P), Q) e R).

Dispõe o art. 334º do Código Civil:

É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.”

O instituto do abuso do direito visa obtemperar a situações em que a invocação ou exercício de um direito que, na normalidade das situações seria justo, na concreta situação da relação jurídica se revela iníquo e fere o sentido de justiça dominante.

Como afirma Ihering, in “A Luta pelo Direito”, “O direito não é uma simples ideia, é uma força viva. Por isso a Justiça sustém numa das mãos a balança com que pesa o direito, enquanto na outra segura a espada por meio da qual o defende. A espada sem balança é a força bruta, a balança sem a espada, é a impotência do direito”.

“O abuso de direito pressupõe a existência da uma contradição entre o modo ou fim com que a titular exerce o direito e o interesse a que o poder nele consubstanciado se encontra adstrito casos em que se excede os limites impostos pela boa fé.” – Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 28.11.96, in CJSTJ, 1996, III, 117.

A parte que abusa do direito, actua a coberto de um poder legal, formal, visando resultados que, clamorosamente, violam os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes, ou pelo fim económico ou social do direito.

Uma das vertentes em que se exprime tal actuação, manifesta-se, quando tal conduta viola o princípio da confiança, revelando um comportamento com que, razoavelmente, não se contava, face à conduta anteriormente assumida e às legítimas expectativas que gerou – “venire contra factum proprium”.

“Há abuso do direito, segundo a concepção objectiva aceite no artigo 334º, sempre que o titular o exerce com manifesto excesso dos limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes, ou pelo fim económico ou social desse direito.
Não é necessária a consciência, por parte do agente, de se excederem com o exercício do direito os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito; basta que, objectivamente, se excedam tais limites”. – “Das Obrigações em Geral”, 7ª edição, pág. 536, Antunes Varela.

Como ensina Fernando Cunha e Sá, in “Abuso do Direito “ – pág. 640:

“O abuso prescinde quer da causação de danos (pode haver um acto abusivo não danoso) quer, quando os haja, qualquer elemento subjectivo, na forma de dolo ou de mera culpa; ora sendo assim, a exigência de culpa requisito da responsabilidade civil por actos abusivos, depende da possibilidade de emitir um juízo de reprovação sobre a conduta do agente, pois nisso mesmo é que consiste a culpa.
Dito por outras palavras, depende da existência de um dever que impenda sobre o titular do direito subjectivo ou da diversa prerrogativa jurídica e que este tenha violado voluntariamente.”.

Para que se possa considerar abusivo o exercício do direito que, alegadamente, afectou as Autoras, importaria demonstrar que as Rés, ao exercerem um seu alegado direito, excederam, manifestamente, clamorosamente, o seu fim social ou económico, ou que, com a sua actuação, violaram sérias expectativas incutidas na contraparte, assim traindo o seu investimento na confiança, violando a regra da boa-fé – art. 762º,nº2, do Código Civil.

O art. 334º do Código Civil, acolhe uma concepção objectiva do abuso do direito, segundo a qual não é necessário que o titular do direito actue com consciência de que excede os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim económico ou social do direito.

A lei considera verificado o abuso, prescindindo dessa intenção, bastando que a actuação do abusante, objectivamente, contrarie aqueles valores.

Como ensina o Professor Antunes Varela, “Direito das Obrigações em Geral”, vol. I, pág. 536:

“Para que o exercício do direito seja abusivo, é preciso que o titular, observando embora a estrutura formal do poder que a lei lhe confere, exceda manifestamente os limites que lhe cumpre observar, em função dos interesses que legitimam a concessão desse poder.
É preciso, como acentuava M. de Andrade, que o direito seja exercido, “em termos clamorosamente ofensivos da justiça”.

No caso em apreço não existe abuso do direito, nem sequer na modalidade de venire contra factum proprium(7), desde logo pelo facto de a actuação das Rés naquele processo de registo da marca não se confrontarem aí com posições jurídicas das recorrentes de todo estranhas à controvérsia de carácter administrativo, razão pela qual, podendo ser objectável a atitude das Rés ao sustentarem agora tese contraditória, com essa actuação não violaram qualquer confiança que pudesse ter sido incutida nas Autoras.

O abuso do direito sanciona a violação do princípio da boa-fé e da confiança inerentes a uma concepção ética do agir nas relações negociais. No caso em apreço não podem as recorrentes invocar a violação dos referidos princípios.

Mas poder-se-á considerar existir abuso do direito na actuação das recorridas ao solicitarem às AA. e aos jornais “Diário de Notícias”, “Expresso” e “Público” que cessassem a campanha publicitária tendo por objecto o edifício denominado “Dolce Vita”, por alegadamente, tal publicidade violar a marca das recorridas?

Os jornais anuíram à pretensão das RR. e interromperam a publicidade.

Todavia, foi ela retomada em 17 e 18 de Março de 2005 e em 15 de Outubro de 2005, pelos jornais “Público” e “Expresso”, respectivamente.

Consta provado – “BB) Durante o ano de 2003 a autora “BB-B... C...” promoveu uma campanha, publicitária para venda do prédio denominado “Dolce Farniente” na imprensa, com anúncios (4.° da bi).
CC) Em Setembro de 2004, a autora “BB-B... C...” iniciou uma campanha publicitária para venda do prédio denominado “Dolce Vita” nos jornais “Diário de Noticias”, “Expresso” e”Público” (5. °da bi).
DD) Em consequência dos factos referidos nas alíneas E) a I), a publicidade foi interrompida pelos jornais mencionados e tal aconteceu durante a segunda semana de Novembro de 2004, sendo que em 17 e 18 de Março de 2005 e em 15 de Outubro de 2005 os jornais “Público” e “Expresso”, respectivamente, retomaram a publicidade (6.° da bi).
EE) A interrupção de publicidade referida em K) na resposta ao artigo 6.° da base instrutória contribuiu para dificultar a venda de apartamentos do prédio denominado “Dolce Vita”(7º da bi)”.

Importa referir que, no que concerne à actuação das AA. em função da “intimação” das RR. para cessarem de fazer publicidade com o nome “Dolce Vita”, não se pode afirmar que tenham agido com abuso do direito. Para que haja abuso do direito tem de haver uma actuação clamorosamente ofensiva da boa-fé e do fim económico ou social do direito, uma actuação que o sentido de justiça reprova. Ora o que releva é que as RR. actuaram na convicção que estavam a exercer um direito de defesa da sua marca.

Ademais as AA. não estavam de modo algum obrigadas a “obedecer” às Rés.

Por outro lado, as Rés aos solicitarem aos jornais a cessação da publicidade interferiram no contrato celebrado entre as AA. e os Jornais que acolhiam essa publicidade.

Os contratos de publicidade em causa tinham efeito meramente obrigacional – art. 406º, nº2, do Código Civil – pelo que não sendo de discutir aqui a eficácia externa das obrigações entre aqueles contraentes emergente dos contratos de publicidade, seria direito das AA. demandar os Jornais por violação do contrato, ainda que determinada pela “pressão” exercida pelas Rés, [não se pode considerar que existiu coação moral – art.255º do Código Civil], mas do que fica dito não resulta que as recorridas tenham agido com abuso do direito.

Do que afirmamos. importa concluir, que, não sendo a marca das recorridas uma marca de prestígio e não existindo risco de confusão ou de associação à sua marca, pela utilização pelas AA. do nome “Dolce Vita” para denominaram o edifício da 1ª Autora, não estão elas inibidas de usar tal denominação para publicitarem a venda das fracções autónomas de tal imóvel, pelo que o pedido reconvencional das RR. adrede formulado não se poderá manter.

Pretendem as AA. ser indemnizadas pelos prejuízos causados pelas Rés.

Como inicialmente dissemos, analisando as conclusões das alegações de revista, não resulta muito claro quais os motivos de censura quanto ao mérito da decisão, mas da alusão aos arts.483º, 562º, 563º e 564º, nº2, do Código Civil resulta que, efectivamente, reclamam das Rés indemnização pelos danos causados.

Na petição inicial, além de outros, pedem que – “as RR. sejam condenadas nos prejuízos que as suas condutas têm causado às AA. e nos que vierem a ser liquidados em execução de sentença e, bem assim a reparar os danos morais com uma indemnização não inferior a € 10.000,00 a cada uma, ou no que vier liquidado em execução de sentença.
Os prejuízos das AA. que se pedem às RR. montam até agora a € 51.701,00 para a 1ª Autora [€ 1.069,44 X 39 dias)] e € 123.410,30 (92.08330+17.327,00 + 4.000,00 + 10.000,00) para a 2ª Autor, acrescidos de juros à taxa legal”.

Os pedidos indemnizatórios radicam na responsabilidade extracontratual das Rés por violação do direito das AA. a usarem a denominação “Dolce Vita”.

Alegaram nos arts. 43º a 58º, no que respeita a danos patrimoniais:

“Acontece que a actuação concertada das RR. está a impedir a venda do edifício por parte das AA. o que lhes acarreta, desde já, graves prejuízos comerciais. Na verdade, a 2ª Autora investiu nesta campanha publicitária, no Plano de imprensa previsto até 31 de Março, 92.083,30 Euros.
A 2ª Autora contratou a publicidade com uma agência da especialidade, o que lhe custou 17.327,00 Euros. Com o desenrolar da campanha publicitária e até à sua suspensão conseguiram vender 2 andares. De acordo com o plano de publicidade suspenso previa-se a venda de quatro andares por mês. O que permitiria ter uma receita de 1.300.000,00 € em cada mês.
Face à conjuntura de recessão económica publicamente conhecida, sem a publicidade, não conseguirão continuar o programado ritmo de vendas. Desde a suspensão da publicidade, não tem havido visitas ao edifício, nem procura para compra de andares.
Com efeito, a margem de comercialização ou comissão de venda contratada com a 2ª Autora é de 3% sobre o preço de cada fracção do edifício, o qual tem o valor comercial actual de 17.000.000,00 €.
A 2ª Autora está a suportar custos com a equipa de pessoal de vendas, afecta ao imóvel, na ordem de 4.000,00 € por mês.
Acontece que a 1ª Autora, por causa do financiamento pedido ao Banco mencionado paga diariamente um juro de 1.069,44 Euros (5,5% x 7.000.000,00 euros: 360).
A suspensão da publicidade, a manter-se, vai comprometer os prazos do financiamento bancário. Mais compromete a estabilidade financeira da 1ª Autora, podendo arrastá-la para uma crise de desfecho imprevisível, por não ter capitais próprios que possam satisfazer os seus compromissos. Assim, são, por ora, imprevisíveis os prejuízos que possam vir a ter por causa da actuação concertada das RR. que operam em grupo.
Por último, a 1ª Autora fez notificar as RR., para a levantarem a oposição à campanha publicitária de promoção de vendas do edifício por parte da 2ª Autora, junto dos ditos meios de comunicação social, mas não obteve qualquer resposta.
As RR. são responsáveis pela reparação dos custos que as AA. estão a suportar dado que, por causa da actuação concertada, abusiva e ilegítima delas, estão impedidas do exercício normal da sua actividade quanto à venda do imóvel”.

Vejamos:

Sendo considerada ilícita e culposa a actuação voluntária das Rés e se com a sua actuação causaram danos patrimoniais [directos e indirectos] e de natureza não patrimonial, incorrem na obrigação de indemnizar no contexto de responsabilidade civil extracontratual – art. 483º, nº1, do Código Civil.

Importa saber se existe, provado, nexo de causalidade entre a actuação das Rés e aquilo que as AA. considera serem os prejuízos sofridos.

Constituem pressupostos da responsabilidade civil, nos termos dos artigos 483º e 487º, nº2, do Código Civil, a prática de um acto ilícito, a existência de um nexo de causalidade entre este e determinado dano e a imputação do acto ao agente em termos de culpa, apreciada como regra em abstracto, segundo a diligência de um “bom pai de família”. (...) - cfr. inter alia Ac. deste Supremo Tribunal de Justiça, de 10.3.1998, in BMJ475-635.

Dispõe o art. 563.° do Código Civil – “ A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”.

Este normativo consagra a teoria da causalidade adequada na formulação negativa de Ennnecerus Nipperdey.

Como ensina Antunes Varela, in “Direito das Obrigações em Geral”, I Volume, 7ª edição, pág. 885;

“Há que restringir a causa àquela ou àquelas condições que se encontrem para com o resultado numa relação mais estreita, isto é, numa relação tal que seja razoável impor ao agente responsabilidade por esse mesmo resultado, isto é, o agente só responde pelos danos para cuja produção a sua conduta era adequada.
Se o agente produziu a causa donde resultou o dano, sem dúvida que a sua conduta é adequada ao resultado, mesmo que, concomitantemente com a sua conduta, haja a conduta de terceiros a concorrer para esse resultado ou, pelo menos, a não o evitar.
Com efeito “desde que o devedor ou lesante praticou um facto ilícito, e este actuou como condição de certo dano”, justifica-se perfeitamente que o prejuízo (embora devido a caso fortuito ou, em certos termos, à conduta de terceiro) recaia, em princípio, não sobre o titular do interesse atingido, mas sobre quem, agindo ilicitamente, criou a condição do dano”.

Como sentenciou este Supremo Tribunal – Acórdão de 20.6.2006, in CJSTJ, 2006, II, 119:

“I – Tal como decorre da redacção do artigo 563º do Código Civil o nosso sistema jurídico acolheu a doutrina da causalidade adequada, a qual, todavia, não pressupõe a exclusividade de uma causa ou condição.
II – Muito embora tal conceito legal comporte qualquer das formulações da referida teoria – na formulação positiva ou negativa –, vem-se, porém, entendendo que, provindo a lesão de um facto ilícito (contratual ou extracontratual), seja de acolher e seguir a formulação negativa, segundo a qual o facto que actuou como condição do dano só não deverá ser considerado causa adequada do mesmo se, dada a sua natureza geral e em face das regras da experiência comum, se mostrar indiferente para a verificação do dano.
III – Causalidade adequada essa que se refere – e não apenas ao facto ou dano isoladamente considerados – a todo o processo factual que, em concreto, conduziu ao dano.
IV – Muito embora sejam as circunstâncias a definir a adequação da causa, contudo, não se deve perder de vista, por um lado, que para a produção do dano pode haver a colaboração de outros factos, contemporâneos ou não, e, por outro, que a causalidade não tem necessariamente de ser directa e imediata, bastando que a acção condicionante desencadeie outra condição que, directamente, suscita o dano (causalidade indirecta).
V – Sempre que ocorra um concurso de causas adequadas, qualquer dos seus autores é responsável pela reparação de todo o dano.
VI – No nosso ordenamento jurídico o nexo de causalidade apresenta-se com uma dupla função: como pressuposto da responsabilidade e como medida da obrigação de indemnizar.”

Mesmo considerando ter havido ilicitude das Rés na proibição dirigida às AA. de usarem, na publicidade ao Edifício o nome “Dolce Vita”, importa que exista nexo de causalidade entre essa actuação ilícita e culposa (censurável no plano ético-jurídico) e os alegados prejuízos sofridos pela Autora.

Relevam os seguintes factos para apreciação dos alegados danos patrimoniais:

DD) Em consequência dos factos referidos nas alíneas E) a I), a publicidade foi interrompida pelos jornais mencionados e tal aconteceu durante a segunda semana de Novembro de 2004, sendo que em 17 e 18 de Março de 2005 e em 15 de Outubro de 2005 os jornais “Público” e “Expresso”, respectivamente retomaram a publicidade (6.° da bi).

EE) A interrupção de publicidade referida em K) e na resposta ao artigo 6.° da base instrutória contribuiu para dificultar a venda de apartamentos do prédio denominado “Dolce Vita” (7.° da bi).

FF) A autora “BB-B... C...” investiu na respectiva Campanha publicitária, no plano de imprensa previsto até 19 de Março de 2005, a quantia de 92.083,30 euros (8.° da bi).

GG) Contratou a publicidade com uma agência da especialidade, o que lhe custou a quantia de 17.327,00 Euros (9.° da bi).

HH) Com o desenrolar da campanha publicitária e até ao facto mencionado na alínea K), foram vendidos dois andares (10.º da bi).

II) O plano de publicidade interrompido, previa a venda de quatro andares por mês, o que permitiria uma receita de 1.300.000,00 Euros em cada mês (11.° da bi).

JJ) As autoras, sem a publicidade aludida e em conjugação com a conjuntura de recessão económica, não conseguirão continuar o programado ritmo de vendas (12.° da bi).

KK) Desde o facto referido na alínea K), não tem havido visitas ao prédio, nem procura do mesmo para compra de andares (13.° da bi).

LL) A margem de comercialização ou comissão de venda contratada com a autora “BB-B... C...” é de 3% sobre o preço de cada apartamento do prédio, o qual tem o valor comercial de 17.000.000,00 Euros (14.° da bi).

MM) A autora “BB-B... C...” suporta um custo mensal em concreto não apurado com a equipa de vendas afecta ao prédio (l5° da bi).

NN) A autora “AA-A...,D... & F...”, por conta de empréstimo bancário que contraiu, paga uma quantia diária não concretamente apurada a título de juros (16.° da bi).

OO) A dificuldade de venda de apartamentos referida na resposta ao artigo 7.° da base instrutória vai comprometer os prazos de pagamento do empréstimo bancário (17.° da bi)

As recorrentes filiam o pedido de indemnização em alegados danos por terem feito despesas com publicidade e não terem tido as vendas que previam, mesmo admitindo que a actuação das RR. relacionada com a suspensão da publicidade, “contribuiu para dificultar a venda de apartamentos do prédio”.

Os danos alegados pelas recorrentes são hipotéticos, não assentam em factos concretos, mas em suposições.

Não pode considerar-se que, se não tivesse sido suspensa a publicidade, teriam mais interessados na compra e que os negócios, que pretendiam, se tivessem concretizado; por outro lado, as despesas com publicidade e os encargos bancários que alegam são actos inerentes à gestão e investimento e constituíam encargos com que teriam de contar; mesmo com a suspensão e interrupção da publicidade não se demonstrou que as RR., por isso, tivessem deixado de vender os apartamentos.

Não se provaram danos que possam, em termos de nexo de causalidade adequada, ser imputados à actuação das Rés.

Um acto pode ser ilícito e não causar danos; ademais cabia às AA. fazer a prova de tais danos – art. 342º, nº1, do Código Civil – o que não almejaram.

Mesmo que se tivesse provado a existência de danos, mas não o seu “quantum”, poderia o Tribunal relegar para incidente ulterior a sua averiguação – art. 661º, nº2, do Código Civil – mas, no caso, não consideramos que se tenha provado a existência de prejuízos.

Soçobra, destarte, a pretensão indemnizatória em apreço.

Também assim quanto aos danos não patrimoniais.

O art. 484° do Código Civil expressa:

Quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom-nome de qualquer pessoa, singular ou colectiva, responde pelos danos causados.

Do preceito citado decorre uma especial protecção ao direito de que gozam as pessoas colectivas sejam elas associações, fundações ou sociedades.

No fundo trata-se de proteger direitos que poderíamos considerar semelhantes ao direito de personalidade, mesmo sabendo que as pessoas colectivas, atento o princípio da especialidade, se não podem comparar a “indivíduos”, pessoas humanas – cfr. art. 70º, nº1, do Código Civil – não padecem, diríamos, de sofrimento moral em sentido lato.

Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, vol. I, pág. 486, escrevem:

“ Exista ou não, por parte das pessoas singulares ou colectivas, um direito subjectivo ao crédito e ao bom-nome, considera-se expressamente como antijurídica a conduta que ameace lesá-los, nos termos prescritos.
Pouco importa que o facto afirmado ou divulgado corresponda ou não à verdade, contanto que seja susceptível, dadas as circunstâncias do caso, de diminuir a confiança na capacidade e na vontade da pessoa para cumprir as suas obrigações (prejuízo do crédito) ou de abalar o prestígio de que a pessoa goze ou o bom conceito em que seja tida (prejuízo do bom nome) no meio social em que vive ou exerce a sua actividade”.


Menezes Cordeiro, in “Tratado de Direito Civil Português” – Tomo III – 2004, pág. 105, escreve:

“A desonra de uma pessoa colectiva repercute-se sobre as pessoas que lhe sirvam de suporte ou que, para ela, trabalhem ou actuem.
Reacções individuais seriam impensáveis; assim, há que reagir em modo colectivo.
A pessoa colectiva ficará encartada nos direitos competentes, sendo certo que os bens em jogo são, sempre, verdadeiros bens de personalidade, atingidos de modo mediato.
O artigo 484º do Código Civil, sensível à problemática, tutela, com indemnização, a ofensa do crédito ou do bom-nome das pessoas colectivas.
Naturalmente qualquer transposição da tutela de personalidade para pessoas colectivas deve sempre ser feita tendo em conta os fins a que elas se destinem e a natureza da situação envolvida”.

A ofensa ilícita do bom nome, reputação, ou crédito de pessoa colectiva constitui o agente no dever de indemnizar, verificados os requisitos do art. 483º, nº1, do Código Civil – aplicáveis à responsabilidade extracontratual – e, não discriminando a lei entre pessoas colectivas de fim lucrativo (sociedades) ou não lucrativo (mormente, associações e fundações), descabido é considerar que só a violação do direito destas importa ilicitude.

Provou-se:

“PP) As autoras, no exercício das respectivas actividades, pautam-se por critérios de gestão de elevado grau de exigência e responsabilidade, sendo consideradas no mercado (18.° da bi).
QQ) Têm construído e vendido diversos prédios em Lisboa, deixando o seu nome e prestígio ligados aos mesmos (19.° da bi).

RR) Dois desses prédios são mencionados no mercado imobiliário como de referência em Lisboa, na década de 90 (village Montalegre e Gaivotas do Tejo) (20.° da bi).

SS) As pessoas que representam as Autoras ficaram abatidas com as situações referidas nas respostas aos artigos 7.° e 17.° da base instrutória (22.° da bi)”.

Não estando em causa o bom nome das AA. importaria provar, para que se pudesse considerar a existência de dano não patrimonial – arts. 496º, nº1, e 484º do Código Civil – que a actuação das RR. tivesse atingido danosamente o prestígio e a imagem que têm perante a sua clientela e fornecedores, mas apenas se provou que “as pessoas que representam as Autoras ficaram abatidas com as situações referidas nas respostas aos artigos 7.° e 17.° da base instrutória”.

O que está então em causa não é a ofensa ao bom-nome das recorrentes, mas constrangimentos sofridos pelos representantes das sociedades.

Assim sendo, e porque juridicamente as sociedades não se confundem com os seus órgãos, e tendo sido as pessoas que os integram que, alegadamente, teriam sofrido com a actuação das RR. não se pode considerar terem as recorrentes sofrido qualquer dano não patrimonial.

Decisão:

Nestes termos, concede-se parcialmente a revista, revogando-se o Acórdão recorrido, apenas na parte em que, julgando procedente um dos pedidos reconvencionais, condenou as AA. a não continuarem a utilizar o nome “Dolce Vita”.

Custas neste Tribunal e nas instâncias pelas AA. e RR. na proporção de metade.


Supremo Tribunal de Justiça,

Lisboa, 13 de Julho de 2010.

Fonseca Ramos (Relator)
Cardoso de Albuquerque.
Salazar Casanova.
______________________
(1) Não resistimos à tentação de citar o que se lê no Prólogo da obra do eminente Professor – “Na Natureza não há crueldade nem compaixão. Na selva, toda a gazela termina os seus dias nos dentes do leão. Nenhuma morre de morte natural. Mas tudo acontece sem que o leão seja cruel, e sem que tenha também piedade. Os sentimentos são alheios à vida da selva. Na concorrência não há crueldade nem compaixão. Tudo se passa de modo muito semelhante ao da selva. Mata-se e morre-se com inocência. Em relação à vida da selva aperfeiçoou-se espantosamente o engenho, mas há uma idêntica neutralidade em relação a camadas superiores da vida do espírito. Os sentimentos humanos estão tão longe da vida dos negócios como estão da vida da selva…”.
(2) Miguel Pupo Correia, in “Direito Comercial-Direito da Empresa – 10ª edição, pág. 305.
(3) António Corte-Real Cruz, in “O Conteúdo e Extensão do Direito à Marca: a Marca de Grande Prestígio” – Direito Industrial, vol. I, pág.99: -“ O conteúdo do direito à marca não se reconduz pois à tutela de um sinal abstractamente considerado, mas sim dum sinal em correlação com determinados produtos ou serviços concretos. Nisto consiste o chamado princípio da especialidade da marca. Em consequência desse princípio, sobre um mesmo sinal distintivo podem recair dois ou mais direitos de marca pertencentes a titulares distintos desde que cada uma das marcas se destine a produtos ou serviços diferentes, ou seja, desde que esteja afastado qualquer risco de confusão. Distinguem-se habitualmente dois tipos de actuações que podem induzir ao risco de confusão: a contrafacção (ou usurpação) e a imitação. Designamos por contrafacção as situações de simples reprodução da marca para os mesmos produtos ou serviços. Para estas hipóteses o risco de confusão é um dado adquirido, não carece de qualquer demonstração. Na imitação, o infractor concebeu um sinal semelhante à marca para os mesmos produtos ou serviços ou então utiliza a mesma marca para produtos ou serviços similares, em qualquer dos casos dando causa a um risco de confusão.”
(4) Parecer publicado, in “Direito Industrial”, Volume V, 2008, págs. 36 a 68.
(5) O art. 6.°-bis da Convenção União de Paris (CUP) estabeleceu: “1) Os países da União comprometem-se a recusar ou invalidar, quer oficiosamente, se a lei do país o permitir, quer a pedido de quem nisso tiver interesse, o registo e a proibir o uso de marca de fábrica ou de comércio (que constitua reprodução imitação ou tradução, susceptíveis de estabelecer confusão, de uma marca que a autoridade competente do país do registo ou do uso considere que nele é notoriamente conhecida como sendo já marca de uma pessoa a quem a presente Convenção aproveita e utilizada para produtos idênticos ou semelhantes. O mesmo sucederá quando a parte essencial marca constituir reprodução de marca notoriamente conhecida ou imitação susceptível de estabelecer confusão com esta. 2) Deverá ser concedido um prazo mínimo de cinco anos, a contar da data do registo para requerer a anulação do registo de tal marca. Os países da União têm a faculdade de prever um prazo dentro do qual deverá ser requerida a proibição do uso. 3) Não será fixado prazo para requerer a anulação ou a proibição de uso de marcas registadas ou utilizadas de má-fé.”
(6) Cfr. “Direito das Marcas”, de Luís Couto Gonçalves, Almedina 2003, 155.
(7) Como lapidarmente ensina o Professor Menezes Cordeiro, in “Revista da Ordem dos Advogados”, Ano 58, Julho 1998, pág. 964, são quatro os pressupostos da protecção da confiança, ao abrigo da figura do “venire contra factum proprium”:“ (...) 1°- Uma situação de confiança, traduzida na boa fé própria da pessoa que acredite numa conduta alheia (no factum proprium); - 2.° Uma justificação para essa confiança, ou seja, que essa confiança na estabilidade do factum proprium seja plausível e, portanto, sem desacerto dos deveres de indagação razoáveis; 3.° Um investimento de confiança, traduzido no facto de ter havido por parte do confiante o desenvolvimento de uma actividade na base do factum proprium, de tal modo que a destruição dessa actividade (pelo venire) e o regresso à situação anterior se traduzam numa injustiça clara; 4.° Uma imputação da confiança à pessoa atingida pela protecção dada ao confiante, ou seja, que essa confiança (no factum proprium) lhe seja de algum modo recondutível.”