Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06S895
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: VASQUES DINIS
Descritores: SUCUMBÊNCIA
RECURSO
Nº do Documento: SJ200607130008954
Data do Acordão: 07/13/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NÃO TOMAR CONHECIMENTO DO RECURSO.
Sumário : Se a parte demandada, tendo pugnado, nas instâncias, pela absolvição do pedido, ou de um dos pedidos, sofre condenação de valor superior a metade da alçada do tribunal que proferiu a decisão, e interpõe recurso, em cuja alegação se conforma com o sentido da decisão, discordando, apenas, do quantum da condenação, o valor da sucumbência a atender, para efeito de admissibilidade do recurso, é o da diferença entre o montante fixado na decisão recorrida e o que pretende seja fixado na decisão do recurso.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I

1. Nesta acção especial emergente de acidente de trabalho, intentada, no Tribunal do Trabalho da Guarda, por AA contra "Empresa-A" e "Empresa-B", foi proferida sentença em que se decidiu condenar ambas as Rés a pagarem ao Autor:
- A pensão anual e vitalícia no montante de € 7 095,07, a partir de 3 de Janeiro de 2002, sendo € 6 376,22 a cargo da Seguradora e € 718, 85 a cargo da Entidade Patronal;
- No mês de Dezembro de cada ano, uma prestação de valor igual ao montante do duodécimo da pensão anual a que o sinistrado tiver direito nesse mês, na proporção das responsabilidades das co-Rés;
- Uma prestação suplementar, por o sinistrado carecer de terceira pessoa, a partir de 3 de Janeiro de 2002, no montante de € 1 773,77, cabendo € 1 144,52 à Seguradora e € 629,25 à Entidade Patronal;
- O montante total de € 17 269,76, correspondente a incapacidades temporárias ocorridas no período entre 19 de Fevereiro de 1999 e 2 de Janeiro de 2002, sendo € 16 843,87 da responsabilidade da Seguradora e € 425, 89 da responsabilidade da Entidade Patronal; e
- As despesas tratamento de fisioterapia, assegurando também o transporte, nos termos das suas responsabilidades expressas na sentença.
2. A Ré Seguradora apelou da sentença sustentando:
- A descaracterização do acidente;
- A actuação culposa da Entidade Patronal, em violação de regras de segurança, da qual decorreria a responsabilização agravada da co-Ré e a responsabilização, apenas, subsidiária da recorrente;
- A errada repartição de responsabilidades, em função do valor da retribuição efectivamente auferida pelo sinistrado e do valor declarado para efeito de seguro;
- Não estar a responsabilidade da Prestação Suplementar, por assistência constante de terceira pessoa, contemplada no contrato de seguro;
- Não terem sido consideradas as verbas pagas pela Seguradora, a título de pensão provisória;
- Não poder ser proferida condenação no pagamento das despesas relativas ao tratamento de fisioterapia, por não estarem liquidados os respectivos valores.
3. O Tribunal da Relação de Coimbra, concedendo parcial provimento ao recurso, decidiu condenar:
a) Ambas as Rés a pagarem ao Autor:
- A pensão anual e vitalícia no montante de € 6 802,20, em duodécimos, com inicio de vencimento reportado a 3 de Janeiro de 2002, dia imediato ao da alta, cabendo à Ré Seguradora € 3 487,94 e à Ré Patronal € 3 314,26, acrescida de um duodécimo suplementar, em Dezembro de cada ano;
- A Prestação Suplementar, por assistência constante de terceira pessoa, no montante de € 2 206,12/ano, cabendo à Ré Seguradora a quota-parte de € 1.131,22 e a Ré Patronal a importância de € 1 074,90;
- As indemnizações relativas aos definidos períodos de Incapacidades Temporárias, em função das correspondentes responsabilidades;
- Os juros devidos pelas indemnizações e pensões em atraso, vencidos de acordo com o n.º 4 da Base XVI da Lei n.º 2 127, de 3 de Agosto de 1965;
b) Ambas as Rés, a suportarem, na respectiva proporção, as despesas pela prestação de eventuais serviços de fisioterapia e correspondentes transportes; e
c) A Ré Patronal, a reembolsar a co-Ré Seguradora de todas as importâncias adiantadas relativas à pensão provisória e outros eventuais encargos que hajam excedido a sua quota-parte de responsabilidade.
4. Do acórdão da Relação interpôs a Ré Seguradora o presente recurso de revista, formulando na respectiva alegação, constante do requerimento de interposição, as conclusões assim redigidas:

1. No caso vertente as lesões descritas no auto de exame médico determinaram uma IPP de 70%;

2. Daí que, para cálculo da Prestação Suplementar, se deva trazer à colação o n.º 1 da Base XVIII da LAT;

3. Tendo presente que, nos termos desta disposição legal, a vitima terá direito a 25% do montante da pensão fixada;

4. Resulta que a quota-parte que cabe à ora recorrente pagar (que é de 51,28%) será de € 871,98;

5. Decidindo de modo diferente, o Acórdão recorrido não respeitou o n.º 1 da Base XVIII da LAT;

6. Pelo que deve ser, nessa parte, revogado, tendo em vista a correcção do valor da quota-parte a liquidar pela Seguradora, com as legais consequências.

Na contra-alegação o Autor suscitou a inadmissibilidade da revista, por não se mostrar verificada uma das condições impostas pelo n.º 1 do artigo 678.º do Código de Processo Civil, nos termos do qual só é admissível recurso se a decisão impugnada for desfavorável para o recorrente em valor superior a metade da alçada do tribunal de que se recorre.

No mesmo sentido se pronunciou o Exmo. Magistrado do Ministério Público, neste Supremo Tribunal, em parecer que, notificado às partes, não mereceu qualquer resposta.

Corridos os vistos, cumpre decidir.

II

1. O artigo 678.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (1) faz depender admissibilidade de recurso ordinário da verificação cumulativa de dois requisitos: - 1) que a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre; 2) que a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade da alçada do tribunal que proferiu a decisão.

O segundo requisito, valor da sucumbência, reporta-se ao montante do prejuízo que a decisão recorrida importa para o recorrente, aferido pelo teor da alegação do recurso e pela pretensão nele formulada, equivalendo, pois, ao valor do recurso, traduzido na utilidade económica que, através dele, se pretende obter.

Assim, se a parte, tendo pugnado, nas instâncias, pela absolvição do pedido, ou um dos pedidos, sofre condenação de valor superior a metade da alçada do tribunal que proferiu a decisão, e interpõe recurso, em cuja alegação se conforma com o sentido da decisão, discordando, apenas, do quantum da condenação, o valor da sucumbência a atender, para efeito de admissibilidade do recurso, é o da diferença entre o montante fixado na decisão recorrida e o que pretende seja fixado na decisão do recurso - é essa diferença que consubstancia a medida do que na decisão a recorrente passou a considerar que lhe foi desfavorável, posto que, no restante, não impugnado, porque convencida, aceitando a decisão, o ter ficado vencida se tornou irrelevante.

Compreende-se que assim seja, pois, subjacente à exigência da medida da sucumbência encontra-se a repercussão económica da decisão recorrida para a parte vencida, na perspectiva desta, que pode, no requerimento de interposição do recurso, restringi-lo a qualquer dos segmentos decisórios da decisão impugnada e, nas conclusões da alegação, restringir o objecto inicial do recurso, sendo que os efeitos do julgado, na parte não recorrida, não podem ser prejudicados pela decisão do recurso (2).

E é a dimensão do valor do objecto do recurso que justifica ou exclui o conhecimento pelos tribunais superiores, sabido que as razões de política legislativa que determinaram a introdução da regra de sucumbência se prendem com a necessidade de "não sobrecarregar os tribunais superiores com a eventual reapreciação de todas as decisões proferidas por tribunais inferiores - sob pena de o número daqueles ter de ser equivalente ao dos tribunais de 1.ª instância e com a consequente dispersão das tendências jurisprudenciais" (3).

Importa, pois, à luz das precedentes considerações, determinar qual o valor da sucumbência em causa no presente recurso.

2. O único pedido formulado pela recorrente na revista refere-se ao valor da quota-parte da prestação suplementar em que foi condenada, que pretende seja fixado em € 871,98, sendo que o acórdão recorrido a fixou em € 1 131,22, do que resulta a diferença é de € 259,24.

Estabelece o n.º 1 do artigo 120.º do Código de Processo do Trabalho que, nos processos de acidentes de trabalho, tratando-se de pensões, o valor da causa é igual ao da soma das reservas matemáticas correspondentes a cada uma delas.

Esta norma vale, igualmente, para a determinação do valor da sucumbência, o que significa que tal valor, em caso de a sentença ser desfavorável a uma das partes relativamente ao montante da pensão, é igual ao das reservas matemáticas correspondentes à diferença entre a pensão fixada e a pretendida.

Porque a prestação suplementar, a que se refere a Base XVIII da Lei n.º 2 127, de 3 de Agosto, tem carácter anual e vitalício, como a pensão (de que é suplemento), o critério para a determinação do valor processual que lhe corresponde tem de ser o mesmo.

O acidente a que os autos se reportam ocorreu em 10 de Fevereiro de 1999, o processo foi instaurado em 23 de Fevereiro de 2000, e o Autor/sinistrado, que nasceu a 24 de Abril de 1941 (4), teve alta em 2 de Janeiro de 2002.

A Tabela I anexa à Portaria n.º 760/85, de 4 de Outubro, que regula o cálculo das provisões matemáticas das pensões de acidentes de trabalho, estabelece a taxa de 11,219 (5), a incidir sobre o valor da pensão anual, para pensionistas sinistrados com 61 anos de idade.

Sendo essa a idade do sinistrado, correspondente ao aniversário mais próximo da data a partir da qual passou a ser devida aquela prestação anual, o valor da sucumbência é de € 2 908,41 (€ 259,24 x 11,219), que traduz a utilidade económica em causa no recurso.

A alçada dos tribunais da Relação, em matéria cível, à data da instauração do processo, era de Esc.: 3 000 000$00 (6) equivalente a € 14 963,94 (7)

O valor da sucumbência para a Ré, ora recorrente, face ao acórdão da Relação, sendo de € 2 908,41 - equivalente a Esc.: 583 084$00 -, é, pois, inferior a metade da alçada do tribunal recorrido, do montante de € 7 481,97 - equivalente a Esc.: 1 500 000$00.

Não tendo sido invocada qualquer das situações excepcionais, previstas nos n.os 2 a 4 e 6 do artigo 678.º do Código de Processo Civil, o recurso de revista é, portanto, inadmissível.

A decisão que admite o recurso não vincula o tribunal superior (8) e o despacho do relator sobre a admissibilidade é, também, provisório, não formando caso julgado, por ser modificável pela conferência, quer por iniciativa do relator, dos seus adjuntos e das próprias partes (9).

Assim, embora o recurso tenha sido admitido na 2.ª instância, e, preliminarmente, neste Supremo, pelo relator, não existe obstáculo legal a que seja proferido acórdão a julgar findo o mesmo, se, porventura, dele não dever conhecer-se, por inadmissível, como é o caso, sendo certo que a recorrente teve oportunidade de se pronunciar sobre a questão após a notificação do parecer do Ministério Público, o que dispensa a diligência a que se refere o n.º 2 do artigo 702.º do Código de Processo Civil.

Por isso, há que julgar procedente a questão prévia suscitada pelo Autor/recorrido - atitude sufragada pelo Ministério Público - e declarar inadmissível o recurso interposto pela Ré Seguradora, o que obsta à apreciação do respectivo objecto.

III

Em face do exposto, decide-se não admitir a revista.

Custas do recurso a cargo da Ré, atendendo-se ao supra referido valor da sucumbência de € 2 908,41.

Lisboa, 13 de Julho de 2006
Vasques Diniz
Fernandes Cadilha
Mário Pereira
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(1) Aplicável por força do disposto no artigo 1.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo do Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 480/99, de 9 de Novembro, em vigor desde 1 de Janeiro de 2000.
(2) Artigo 684.º, n.os 2, 3 e 4, do Código de Processo Civil.
(3) Carlos Lopes do Rêgo, Estudos sobre a Jurisprudência Constitucional (Acesso ao Direito e aos Tribunais), Aequitas - Editorial Notícias, Lisboa, 1993, p. 83.
(4) Certidão de fls. 57.
(5) Considera-se não ser aplicável ao caso a Portaria n.º 11/2000, de 13 de Janeiro - que aprovou "as bases técnicas aplicáveis ao cálculo do capital de remição das pensões de acidentes de trabalho e aos valores de caucionamento das pensões de acidentes de trabalho a que as entidades empregadoras tenham sido condenadas ou a que se tenham obrigado por acordo homologado, bem como, em anexo, as respectivas tabelas práticas" -, em cujo anexo se estabelece a taxa de 11,006, para pensionistas de 61 anos de idade.
(6) Artigo 24.º, n.º 1, da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, na redacção original.
(7) Conforme veio a ser estabelecido pelo artigo 3.º do Anexo ao Decreto-Lei n.º 323/2001, de 17 de Dezembro de 2001.
(8) Artigo 687.º, n.º 4, do Código de Processo Civil.
(9) Artigos. 700.º a 708.º, "ex vi" do artigo 726.º, todos do Código de Processo Civil.