Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
291/12.4TTLRA.C1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO LEONES DANTAS
Descritores: RECURSO DE APELAÇÃO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
CONCLUSÕES
PRAZO DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO
Data do Acordão: 11/26/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO RELATIVA À MATÉRIA DE FACTO.
Doutrina:
- ALBERTO DOS REIS, “Código de Processo Civil” Anotado, Volume V. Coimbra Editora, 1981, p. 359.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 639.º, 640.º, 684.º, N.º3, 685.º-A, N.º3.
CÓDIGO DE PROCESSO DO TRABALHO (CPT): - ARTIGO 80.º,N.º3.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 5 DE FEVEREIRO DE 2004, PROCESSO N.º 03B4145, EM WWW.DGSI.PT
-DE 4 DE MARÇO DE 2015, PROCESSO N.º 2180/09.0TTLSB.L1.S2, EM WWW.DGSI.PT
-DE 16 DE MARÇO DE 2011, PROCESSO N.º 263/1999.P1.S1, E OS DEMAIS QUE ALI SÃO CITADOS, EM WWW.DGSI.PT
-DE 1 DE OUTUBRO DE 2015, PROCESSO N.º 824/11.3TTLRS.L1.S1, EM WWW.DGSI.PT
Sumário :

1 – As exigências decorrentes dos n.ºs 1 e 2 do artigo 640.º do Código de Processo Civil têm por objeto as alegações no seu todo, não visando apenas as conclusões que, nos casos em que o recurso tenha por objeto matéria de facto, deverão respeitar também o n.º 1 do artigo 639.º do mesmo código.

2 − Não se exige, assim, ao recorrente, no recurso de apelação, quando impugna o julgamento da matéria de facto, que reproduza exaustivamente o alegado na fundamentação das alegações.

3 – Nas conclusões do recurso de apelação em que impugne matéria de facto deve o recorrente respeitar, relativamente a essa matéria, o disposto no n.º 1 do artigo 639.º do Código de Processo Civil, afirmando a sua pretensão no sentido da alteração da matéria de facto e concretizando os pontos que pretende ver alterados.

4 – Interposto recurso de apelação, visando, para além do mais, a impugnação da matéria de facto fixada na decisão recorrida, no prazo a que se refere o n.º 3 do artigo 80.º do Código de Processo do Trabalho, demonstradas na fundamentação das alegações e nas conclusões respetivas as razões subjacentes a essa interposição, o eventual não cumprimento integral das exigências formais das conclusões, previstas no artigo 640.º do mesmo código, não retira a tempestividade ao recurso interposto, pelo que o Tribunal sempre terá de conhecer da parte restante do respetivo objeto.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:


I

 AA instaurou contra BB, LDA, a presente ação emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum, pedindo que:

- Seja a Ré condenada a reconhecer que o Autor pratica um horário de trabalho por turnos, sendo-lhe devido subsídio de turno e, em consequência, condenada a pagar ao Autor o valor de € 18.148,50, a título de subsídios de turno devidos desde maio de 2004 até 9 de março de 2012, bem como todas as quantias vincendas devidas a este título;

- Seja a Ré condenada a reconhecer que a sanção aplicada ao Autor foi abusiva e, em consequência, condenada a pagar-lhe a correspondente indemnização, no valor de € 11.100,00 ou, a não se entender assim, e sem conceder, a repor no salário do Autor a quantia que foi ilicitamente descontada, no valor de € 1.100,00.

Invocou, como fundamento da sua pretensão, que a partir de maio de 2004, inclusive, a Ré, unilateralmente, deixou de pagar ao Autor o subsídio de turno, contrariamente ao estipulado pelo CCT aplicável e que lhe aplicou a sanção disciplinar de suspensão do trabalho, com perda de retribuição e antiguidade, pelo período de 30 dias, sanção que considera abusiva.

A ação prosseguiu seus termos vindo a ser decidida por sentença de que integra o seguinte dispositivo: «Pelo exposto o Tribunal decide o seguinte:

a) condenar a ré a reconhecer que o autor pratica um horário de trabalho por turnos, sendo-lhe devido subsídio de turno

b) e, em consequência, condenada a pagar ao autor, a esse título, o montante relativo à proporção de 15% sobre a remuneração base devida em cada ano desde maio de 2004 até efetivo cumprimento, devido 14 vezes ao ano;

c) condenar a ré a reconhecer que a sanção aplicada ao autor foi abusiva e, em consequência, condenada a pagar-lhe a correspondente indemnização, no valor de € 11.100,00

d) tido acrescido de juros de mora desde a citação até integral pagamento.

Custas pela ré.

Valor da ação: € 30.000,01.»

Inconformada com esta decisão a Ré BB, LDA, apelou da mesma para o Tribunal da Relação de Coimbra, suscitando, para além do mais, a reapreciação da matéria de facto dada como provada e apresentando o recurso, na extensão do prazo prevista no n.º 5 do artigo 638.º do Código de Processo Civil, integrando nas alegações apresentadas as seguintes conclusões:
«1. A Meritíssima Juiz do Tribunal a quo não apreciou devidamente as provas produzidas em sede de julgamento, verificando-se erro na apreciação das provas;
2. Os concretos meios probatórios, nomeadamente a prova por confissão e a prova testemunhal produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, impunham decisão diversa da recorrida;
3. A prova documental constante dos autos impunha igualmente decisão distinta da recorrida;
4. Face ao depoimento das testemunhas CC, DD, EE e FF, devia ter dado como provados os seguintes factos:
a. o Recorrido não acordou individualmente o horário de trabalho com a Recorrente;
b. o Recorrido não aceita as ordens da Ré, no sentido de praticar o seguinte horário de trabalho: entrada às 08h15 e saída às 17h15, com intervalo de uma hora, para almoço, das 12h45 às 13h45;
c. o facto de ter sido proposto ao Recorrido exercer funções na programação, não implica uma modificação substancial na sua posição, quer porque, enquanto operador de máquinas CNC também programa, quer porque era o trabalhador mais experiente na programação;
d. o Recorrido aceitou exercer funções na programação, apenas não aceitando a alteração do horário de trabalho;
5. Face ao depoimento das testemunhas, não deviam ter sido considerados provados os factos constantes na douta sentença sob as alíneas A, E, F, L, M, N, O, G, I, J, P, Q, R, S, T, U, V, W, Y, ZZ, AA, BB e CC;
6. Os concretos pontos de facto a que alude em 4) e 5) das presentes Conclusões, foram, assim, incorretamente julgados;
7. A douta sentença viola igualmente a lei, designadamente os artigos 217.º, n.º 1, 334.º, 342.º e ss. e 376.º, todos do Código Civil; e os artigos 98.º, 128.º, 217.º, 328.º, 331.º e 337.º, todos do Código do Trabalho;
8. O Recorrido não acordou individualmente um horário com a Recorrente, aliás, como decorre da documentação junta aos autos, designadamente do contrato de trabalho, do depoimento das testemunhas e do depoimento de parte do Recorrido;
9. O contrato de trabalho celebrado com o Recorrido não refere qualquer horário de trabalho. Sendo que o contrato de trabalho constitui um documento particular - não impugnado pelas partes -, com força probatória plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, nos termos do disposto no artigo 376.º do Código Civil.
10. Efetivamente, o Recorrido confessou que no dia em que iniciou funções (7 de setembro de 1993) lhe foi proposto pelo gerente da Recorrente que o seu horário fosse praticado entre as 8h15 e as 17h15 - o que acordou, tendo tudo sido tratado verbalmente.
11. Ainda de acordo com o depoimento de parte do Recorrido, este confessou que, no início do contrato de trabalho, praticou o referido horário das 8h15 às 17h15.
12. Pelo que podemos entender que a haver um horário de trabalho individualmente acordado, então, foi precisamente aquele que o Recorrido se recusa a cumprir: das 8h15 às 17h15.
13. Durante a vigência do contrato de trabalho, o Recorrido sempre praticou vários horários de trabalho.
14. É também o próprio Recorrido que o confessa, quer aquando da sua inquirição em sede de processo disciplinar junto a estes autos, quer em sede de depoimento de parte.
15. Ainda que se considerasse haver um horário de trabalho individualmente acordado – o que só por mera hipótese de raciocínio se admite – sempre se dirá que o facto de terem sido praticados vários horários de trabalho na vigência da relação laboral revogaria tacitamente tal acordo.
16. Estaríamos, então, perante a revogação tácita do acordo de horário de trabalho, nos termos previstos no artigo 217.º, n.º 1, do Código Civil
17. Para que considerasse existir um horário de trabalho individualmente acordado, era necessário que o Recorrido tivesse alegado e provado, que apenas celebrou o contrato de trabalho pelo facto de ter acordado um determinado horário de trabalho – o que não fez.
18. O Recorrido não alegou e, muito menos, provou a essencialidade para si, aquando da celebração do contrato de trabalho, do acordo de um determinado horário.
19. Pelo que atua com manifesto abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium. Vide artigo 334.º do Código Civil.
20. Ao ter decidido como decidiu a Meritíssima Juiz violou as regras gerais respeitantes ao ónus da prova, designadamente as previstas nos artigos 342.º e ss. do Código Civil.
21. Não havendo um horário de trabalho individualmente acordado, a Recorrente podia alterar validamente o horário de trabalho do Recorrido, sendo inaplicável o n.º 2 do artigo 217.º do Código do Trabalho.
22. Não faz sentido que a Meritíssima Juiz do Tribunal a quo considere que tal alteração de funções implica modificação substancial do trabalhador, já que é o próprio trabalhador que a aceita e di-lo de forma expressa, seja em sede de depoimento de parte, seja em sede de declarações proferidas no processo disciplinar.
23. O trabalhador só não aceita a alteração de horário.
24. O Recorrido desobedeceu, e desobedece, às ordens da Recorrente, designadamente às referentes à alteração do seu horário de trabalho;
25. O Recorrido violou – e viola - os deveres legal e contratualmente impostos ao trabalhador, nomeadamente dos seguintes: dever de “respeitar e tratar o empregador, os superiores hierárquicos, os companheiros de trabalho (…) com urbanidade e probidade”, previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 128.º do Código do Trabalho; dever de “comparecer ao serviço com assiduidade e pontualidade”, previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 128.º do Código do Trabalho; dever de “realizar o trabalho com zelo e diligência”, previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 128.º do Código do Trabalho; dever de “cumprir as ordens e instruções do empregador respeitantes a execução ou disciplina no trabalho (…)”, previsto na alínea e) do n.º 1 do artigo 128.º do Código de Trabalho;
26. O processo disciplinar instaurado contra o Recorrido, bem como a sanção nele aplicada, é lícito;
27. A sanção não é abusiva;
28. Pelo que os créditos constituídos no âmbito do contrato de trabalho que vigorou entre 15 de setembro de 1993 e 19 de dezembro de 1999, caso existissem - o que só por mera hipótese de raciocínio se admite - estariam extintos, por prescrição, por força do estatuído no artigo 337.º do CT;
29. Não é devida qualquer quantia a título de subsídio de turno.»

Na resposta às alegações da recorrente, o recorrido, a fls. 451 e ss., suscitou a questão da rejeição do recurso, invocando o incumprimento das exigências decorrentes do artigo 640.º do Código de Processo Civil, no que se refere ao recurso em matéria de facto, questão prévia a que o recorrente respondeu, conforme se alcança de fls. 462 e 463.

Remetido o processo ao Tribunal da Relação de Coimbra, foi suscitada a questão prévia da intempestividade do recurso - despacho de fls. 478 -, tendo-se aberto o contraditório sobre essa questão.

Por acórdão de 21 de maio de 2015, foi decidido «rejeitar o requerimento de interposição da apelação, por extemporâneo».

Irresignada com esta decisão veio a Ré, louvando-se do disposto nos artigos 641.º, n.º 6 e 643.º do Código de Processo Civil, reclamar, tendo apresentado as seguintes conclusões:
«1. O recurso de apelação deve ser admitido, porquanto a Recorrente cumpriu o ónus que sobre si impende previsto no artigo 640.° do CPC;
2. Analisando a alegação da Recorrente conclui-se que esta cumpriu o ónus de impugnação da decisão da matéria de facto, desde logo, porque indicou de forma clara os concretos pontos da matéria de facto que considerou incorretamente julgados. E fê-lo, quer no corpo das alegações, quer nas conclusões, dando cumprimento ao disposto no artigo 640.°, n.º 1, alínea a) do CPC;
3. A Recorrente, em obediência ao que estabelece o artigo 640.°, n.º 1, alínea b) do CPC, indicou ainda os concretos meios probatórios que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida. E, novamente, fê-lo, em sede de corpo de alegações e nas conclusões;
4. A Recorrente também cumpriu o disposto no artigo 640.°, n.º 1, alínea c) do CPC, já que mencionou a decisão que, no seu entender, devia ser proferida sobre as questões de facto impugnadas;
5. Quanto à exigência a que alude especificamente o n.º 2 do artigo 640.° do CPC, a Recorrente indicou, o início e termo de cada depoimento, de forma individualizada, em relação a cada um dos depoimentos. Sendo [que] transcreveu ainda todos os depoimentos que entendeu relevantes e nos quais fundou a impugnação à matéria de facto, no corpo da sua alegação;
6. O ónus de impugnação da decisão da matéria de facto visa delimitar e fundamentar a impugnação da decisão da matéria de facto. Sendo que tal delimitação e fundamentação consta de forma clara nas alegações e conclusões do recurso de apelação;
7. Ainda que assim não se entenda e se se considerar que a recorrente não cumpriu, nos termos devidos, o disposto no artigo 640.° do CPC, não estaremos perante a total falta de impugnação da decisão de facto proferida pelo Tribunal de 1.ª instância, mas antes perante uma deficiente impugnação de tal matéria;
8. Nesse caso, uma vez que a Recorrente aproveitou o prazo de 10 dias para a impugnação da matéria de facto, não se está perante um recurso intempestivo gerador da inadmissibilidade do recurso, mas apenas perante uma impugnação que, na parte atinente à matéria de facto, será objeto de rejeição;
9. Para o efeito da admissão do recurso e, nomeadamente, para efeito de contagem do prazo, que se altera consoante o recurso se restrinja à matéria de direito ou se alargue à matéria de facto, não importa saber se o recorrente alega bem ou mal, cumprindo ou deixando de cumprir as normas atinentes ao formalismo adequado. O que releva é o alvo visado pelo recurso: o recorrente, bem ou mal, impugnou a matéria de facto, tendo para o efeito requerido cópia da prova gravada; tanto basta para que o prazo para a interposição de recurso se alongue para os 30 dias;
10. A tempestividade na apresentação das alegações não é correlativa do cumprimento do ónus de alegação e fundamentação na impugnação da decisão de facto. Pelo que há que considerar tempestivas as alegações da Recorrente independentemente da questão da mesma ter (in)cumprido o disposto no are 640.° do CPC;
11. Deveria a Recorrente ter sido convidada a aperfeiçoar as alegações, em obediência ao princípio da cooperação processual.»

Termina pedindo a admissão do recurso de apelação interposto.

Sobre a reclamação apresentada recaiu despacho do Exmº Desembargador Relator do seguinte teor: «Fls. 506 e ss.

Uma vez que não estamos perante a não de admissão de recurso de revista para o STJ não há lugar à reclamação prevista no artigo 643.º do CPC.

Contudo, e ao abrigo do disposto no art. 193º, n.º 3 do CPC convola-se tal reclamação em recurso de revista, o qual, apesar de se nos oferecer dúvidas, dado que o acórdão não conheceu do mérito da causa, nem pôs termo ao processo com a absolvição da instância do Réu – cfr. n.º 1 do artº 643º do CPC, se admite com subida imediata e nos próprios autos e com efeito devolutivo».

Por despacho do relator, datado de 12 de outubro de 2015, não impugnado, foi decidido admitir o recurso de revista «interposto pela Ré a fls. 506 e seguintes, nos termos do despacho do Exmº Desembargador Relator proferido a fls. 539».

Neste Tribunal o Exmº Procurador-Geral adjunto proferiu parecer, nos termos do n.º 3 do artigo 87.º do Código de Processo de Trabalho pronunciando-se no sentido da confirmação do acórdão recorrido.

Sabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, nos termos do disposto nos artigos 635.º, n.º 3, e 639.º do Código de Processo Civil, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, está em causa na presente revista saber:
a) - Se a recorrente cumpriu as exigências formais estabelecidas nos artigos 639.º e 640.º do Código de Processo Civil para que o Tribunal da Relação conhecesse do recurso em matéria de facto interposto;
b) - Se os vícios imputados na decisão recorrida às conclusões da apelação, no que se refere ao conhecimento da matéria de facto, privam o recorrente do direito à extensão do prazo para a interposição do recurso previsto no n.º 3 do artigo 80.º do Código de Processo do Trabalho.


II


1 - A 1ª instância deu como provada a seguinte factualidade:

«A) O autor foi admitido ao serviço da empresa ré em 15 de setembro de 1993, para trabalhar sob as suas ordens, direção e fiscalização.

B) A ré é uma empresa que se dedica à conceção de moldes metálicos para fabricação de peças em aço.

C) A categoria profissional do autor é fresador de 1º.

D) O autor aufere de vencimento-base o montante de € 1.100,00.

E) O autor vem praticando o seguinte horário, de 2ª a 6ª feira com alternância semanal com outros trabalhadores da equipa de CNC: a) entrada às 7 horas e saída às 15 horas; b) entrada às 15 horas e saída às 23 horas.

F) Até abril de 2004, inclusive, a ré pagou ao autor o respetivo subsídio de turno.

G) A partir de maio de 2004, inclusive, a ré deixou de pagar ao autor o subsídio de turno.

H) Acresce que, em junho de 2011, foi instaurado ao autor um processo disciplinar, o qual se iniciou com inquérito prévio no âmbito do qual foi o autor inquirido em 16 de junho de 2011.

I) No dia 26 de abril de 2011 havia sido proposto ao autor pelo seu superior hierárquico – GG –, por ordens da gerência, que passasse a exercer as funções de programador e que, no caso de aceitar, teria de passar a cumprir o horário das 8h15m às 12h45m e das 13h45m às 17h15m.

J) Tal proposta foi-lhe apresentada em reunião onde também estiveram presentes o DD e o FF.

K) As funções de programador consistem em fazer programas no computador para a máquina onde os trabalhadores estão operar, numa sala autónoma.

L) O autor respondeu que ia pensar.

M) Passados dois dias, o autor respondeu ao seu superior hierárquico, referindo que aceitaria ser programador, desde que o seu horário de trabalho não fosse alterado e se mantivesse o que até então praticava.

N) Nesse dia foi-lhe apresentado um papel para assinar no qual declarava que não tinha aceite a alteração de horário de trabalho, o que não assinou.

O) Passado algum tempo, o diretor financeiro da ré, Dr CC, entregou um outro papel ao autor para assinar, nomeadamente uma carta datada de 28 de abril de 2011, na qual a ré o informava que a partir de 6 de maio de 2011 deveria passar a exercer o horário das 08h15m às 17h15m, com intervalo para almoço das 12h45m às 13h45m.

P) A entidade patronal deu ordens expressas ao autor para a partir daquela data exercer este horário e pretendeu que o autor assinasse a carta que lhe foi apresentada, o que este recusou porque não concordava integralmente com o seu conteúdo.

Q) No dia seguinte entrou de férias que terminavam no dia 4 de maio.

R) Durante as férias ficou de baixa por problemas de coluna, o que durou até ao dia 23 de maio, apresentando-se ao serviço no dia 24 de maio, no horário de trabalho que sempre havia praticado: das 15.00 horas às 23.00horas nessa semana, horário esse que cumpriu.

S) No dia 25 de maio foi-lhe entregue um documento que determinava a sua suspensão preventiva.

T) Por escrito, carta datada de 9 de maio de 2011, através da sua advogada, o autor havia dado conhecimento à sua entidade patronal que iria fazer denúncia à ACT, o que fez.

U) Em 12 de julho de 2011, foi-lhe enviada a nota de culpa.

V) Foi proferida, em sequência, decisão que aplicou ao autor a sanção disciplinar de suspensão do trabalho, com perda de retribuição e antiguidade, pelo período de 30 dias.

W) Quando confrontado com a possibilidade de passar a exercer as funções de programador o autor referiu logo que, embora concordasse com a alteração de categoria profissional e, consequentemente, com uma alteração de funções, não concordava com a alteração do seu horário de trabalho.

X) O autor é sócio do Sindicato das Indústrias Transformadoras, Energia e Atividades do Ambiente (SITE) sob o nº 5392.

Y) Entre a data de setembro de 1993 até 19 de dezembro de 1999, o autor cumpriu sempre o horário das 08.15h às 17.15h.

Z) Desde finais de 1999 até 22 de fevereiro de 2011 o autor cumpriu os seguintes horários com alternância semanal e rotativa com os outros trabalhadores da equipa de CNC: das 6.00h às 14.00h ou das 14.00h às 22.00h.

AA) Auferindo subsídio de turno.

BB) Em maio de 2004, durante cerca de 15 dias, por alegada falta de trabalho, o autor e os seus colegas começaram a praticar o horário das 8.15h às 17.15h

CC) Em junho de 2004 a ré passou a pagar ao autor um prémio que acrescia ao salário base e que correspondia ao pagamento de horas extra, inicialmente variável e que depois passou a ser fixo para garantir a disponibilidade dos trabalhadores aos fins-‑de‑semana.»

2 - A decisão recorrida fundamentou-se no seguinte:

«Analisando as conclusões da alegação de recurso, verifica-se que a Ré-apelante pretende atacar a matéria de facto dada como provada na 1ª instância, com base no depoimento das testemunhas que indica.

A matéria de facto deve ser alterada pela Relação “se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa- artº 662º, nº 1, do Novo CPC.

(…)

Nas conclusões do presente recurso, fundamentando-se a discordância em depoimentos que foram gravados, a recorrente, embora identifique as testemunhas em cujas declarações baseia essa discordância, não opera a identificação precisa e separada dos depoimentos, ou, na fórmula legal, não indica com exatidão as passagens da gravação em que se funda, embora proceda à respetiva transcrição.

Como se diz no Ac. da Rel. do Porto de 13/1/2014, in www.dgsi.pt, a exigência prevista naquela al. a) do nº 2 do artº 640º (correspondente ao artº 685º-B do anterior código) não é um mero capricho legal, ela visa que a Relação, de forma rápida, identifique as passagens dos depoimentos e, desse modo, que sejam evitadas impugnações de facto de caráter mais genérico, imponderado, precipitado e infundamentado.

E a apelante não deu cumprimento a esse ónus de indicar nas conclusões, com exatidão, as passagens da gravação.

Sobre esta problemática, e refletindo o entendimento uniforme desta secção social, pronunciou-se o recente Ac. desta Relação de 12/03/2015, proc. 554/13.1TTLRA.C1 (relator Jorge Loureiro, e subscrito pelos aqui relator e 1º adjunto), nos seguintes termos:

 “Por outro lado, como ensina Abrantes Geraldes (Recursos no Novo Código do Processo Civil, 2013, pp. 128 e 129), pretendendo o recorrente a modificação da decisão da 1ª instância e dirigindo ele uma pretensão a um Tribunal que não intermediou a produção da prova, é antes compreensível “(…) uma maior exigência (…), sem possibilidade de paliativos (…)”, importando “(…) observar ainda que as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor.  Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da auto – responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo”.

Assim, naquelas situações, como a que ocorre nestes autos, de terem sido gravados os meios probatórios invocados como fundamento do recurso e de ser possível a identificação precisa e separada dos depoimentos, o recorrente tem de indicar, com exatidão, as passagens da gravação em que se funda, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, sem prejuízo da possibilidade de, por si iniciativa, proceder à respetiva transcrição.

Por outras palavras, mesmo que o recorrente o pretenda e concretize a sua pretensão no sentido da transcrição, por sua iniciativa e de cariz facultativo, das passagens da gravação em que se funda, tal não o dispensa da obrigação de proceder à identificação precisa e separada dos depoimentos em que funda a sua discordância, sob a cominação de imediata rejeição do recurso da decisão da matéria de facto.

Neste sentido se pronuncia, na doutrina, Abrantes Geraldes (Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, p. 126), ao sustentar que “A rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da matéria de facto deve verificar-se em alguma das seguintes situações:

 (…)

d) Falta de indicação exata das passagens da gravação em que o recorrente se funda;” – p. 128.

No mesmo sentido se têm pronunciado os nossos tribunais superiores, como facilmente se depreende, apenas a título de exemplo, das seguintes decisões: acórdãos da Relação de Lisboa de 19/11/2014, proferidos no âmbito das apelações 162/13.7TTPDL.C1.L1, 663/12.4TTLSB.L1, 262/11.8TTCSC.L1; acórdão da Relação de Lisboa de 16/9/2014, proferido no âmbito da apelação 496/07.OTBPTS.L1-1; acórdão da Relação de Lisboa de 28/1/2015, proferido no âmbito da apelação 111/2000.1.L1; acórdão da Relação do Porto de 17/11/2014, proferido no âmbito da apelação 177/10.7TBARC.P2; acórdão da Relação de Guimarães de 24/11/2014, proferido no âmbito da apelação 970/10.0TBBGC-A.G1; acórdão da Relação de Évora de 22/12/2012, proferido no âmbito da apelação 1174/09.0TBABT-A.

Finalmente, como decidido no acórdão deste Tribunal da Relação de 3/7/2014, proferido no âmbito da apelação 24/13.8TTCTB.C1, a satisfação da exigência sob apreciação de indicação, com exatidão das passagens da gravação em que o recorrente funda a sua discordância, implica que sejam identificados os minutos e segundos do ficheiro de que constam as passagens fundamento da discordância.

No caso em apreço, lidas as alegações e as conclusões, das mesmas não constam, no sentido supra sustentado, as indicações exatas das passagens da gravação em que a recorrente funda as suas discordâncias, não satisfazendo tal ónus que sobre a recorrente incide a indicação por ela feita, apenas nas alegações, sem o mínimo eco nas conclusões, do dia em que o depoimento foi prestado, bem assim como das horas a que se iniciou e a que terminou a prestação dos depoimentos invocados para sustentação do recurso.

Consequentemente, tal como sustentando por aquele autor (obra citada, pp. 127 e 128) e naquelas decisões supra citadas, o recurso incidindo sobre a matéria de facto deve ser imediatamente rejeitado, sem qualquer possibilidade de qualquer espécie de convite ao aperfeiçoamento tendente a suprir o vício em questão, o que se decide”.

Naquele processo como neste, o que faz a apelante é tão só indicar, apenas no corpo da alegação e em termos de horas, minutos e segundos,  o início e  o termo da totalidade de cada um dos depoimentos, o que não satisfaz os ditames legais

Por outro lado, a gravação estava disponível, como podemos observar no respetivo CD que documenta a gravação, junto ao processo, e dela constam as indicações dos momentos temporais das gravações produzidas.

A indicação deveria ser feita – como é possível fazer e há muito se vem fazendo desde que se procedeu a gravação em sistema digital – por referência aos momentos constantes da gravação. Não é difícil estabelecer essa indicação e esse modo de indicação é há muito praticado -  cfr. Ac. desta Relação proferido no processo 1170/11.8TTLRA.C1, relatado pelo aqui 1º adjunto.

Assim, não é possível admitir qualquer impugnação da decisão relativa à matéria de facto, com o consequente não conhecimento da mesma.

O que acarreta a extemporaneidade do requerimento de recurso, conforme se passa a explicitar, seguindo-‑se aqui de perto o decidido no acórdão deste Relação de 11/09/2014, proc. 552/13.5TTCBR.C1  (relator Azevedo Mendes), no que também constitui entendimento unânime desta secção social.

O prazo de interposição do recurso (de apelação) é de vinte dias - artigo 80º, nº 2, do CPT.

Só se o recurso tiver por objeto a reapreciação da prova gravada é que o prazo em questão é acrescido de dez dias (nº 3).

Como já explanou, não é possível observar que o recurso tenha por objeto a prova gravada.

O requerimento de recurso deu entrada em 05/05/2014.

A notificação da sentença recorrida foi enviada ao Exmº mandatário da Ré - apelante em 21/03/2014, considerando-se o mesmo notificado no dia 24/03/2014.

Assim, o requerimento de recurso deveria ter sido apresentado até 22/4/2014, podendo sê-lo, com o pagamento da multa a que se refere o artº 139º, nº s 5 e 6, do CPC, até 28/04/2014.

Logo, o requerimento deve afigurar-se intempestivo, porque apresentado para além do prazo de 20 dias.

Como só se o recurso tiver por objeto a reapreciação da prova gravada é que o seu prazo é acrescido de 10 dias, a apelante ao pretender beneficiar desse prazo ampliado teria de integrar no recurso conclusões que envolvessem efetivamente a impugnação da decisão da matéria de facto tendo por base depoimentos gravados, nos termos do artº 640º, nºs 1 e 2 do CPC. Caso contrário, teria de sujeitar-se ao prazo-regra (v. António Abrantes Geraldes, “Recursos em Processo Civil, Novo Regime”, p. 118).

No caso, a impugnação de facto não foi deduzida e designadamente na forma tecnicamente atendível. Só então esta “questão” integraria o objeto do recurso. E só nessas circunstâncias a requerente poderia beneficiar da ampliação do prazo prevista no n º3 do artº 80º do CPT.

Assim, não restam dúvidas que a dedução do requerimento de interposição do recurso é intempestiva, pelo que não pode conhecer-se do recurso, por extemporâneo.

Na verdade, a extensão do prazo relaciona-se com o maior esforço na análise dos depoimentos gravados e na exposição do recurso dessa análise, o que a recorrente manifestamente não fez.

Como a impugnação de facto não foi deduzida na forma tecnicamente atendível, como dissemos, a requerente não pode beneficiar da ampliação do prazo prevista no nº 3 do artº 80º do CPT.

Assim, como o requerimento de interposição do recurso foi apresentado para além do prazo de 20 dias, a sua interposição tem de considerar-se intempestiva, com a consequência de se não conhecer do recurso, por extemporâneo.»


III

1 – Resulta do disposto no n.º 1 do artigo 639.º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe «ónus de alegar e formular conclusões», que «o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão».

Por sua vez, decorre do n.º 2 do mesmo artigo, que «versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar: a) As normas jurídicas violadas; b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas; c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada».

Do mesmo modo, resulta do n.º 1 do artigo 640.º do mesmo código, sob a epígrafe «Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto», que «quando seja impugnada a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas».

Decorre, por seu turno, do n.º 2 do mesmo artigo, que «no caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na parte respetiva, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes».

Na formulação do n.º 1 do artigo 639.º, as conclusões hão de integrar, de «forma sintética», as razões pelas quais o recorrente «pede a alteração ou anulação da decisão» e, de acordo com o n.º 2 do mesmo artigo, quando o recurso tenha por objeto matéria de direito, as conclusões devem indicar as normas jurídicas violadas, o sentido com que no entender do recorrente «as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas» e «invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que no entender do recorrente deveria ter sido aplicada».

2 - A alegação do recurso é a peça processual em que o recorrente demonstra as razões pelas quais pretende a reapreciação das questões decididas na decisão recorrida e que são o objeto do recurso interposto.

A alegação não se confunde com o requerimento de interposição do recurso e desdobra-‑se basicamente em três partes: a identificação da decisão recorrida, a fundamentação e as conclusões.

Na alegação, o recorrente, depois de identificar a decisão recorrida, desenvolve os fundamentos das críticas que lhe dirige, invocando para o efeito toda a argumentação que corporiza as suas discordâncias.

As conclusões assumem-se como a síntese das razões que estão subjacentes à interposição do recurso e que foram desenvolvidas na fundamentação, existindo autonomia formal e material entre estas duas partes de uma alegação de recurso.

No dizer de ALBERTO DOS REIS, «A palavra conclusões é expressiva. No contexto da alegação o recorrente procura demonstrar esta tese: Que o despacho ou sentença deve ser revogado, no todo ou em parte. É claro que a demonstração desta tese implica a produção de razões ou fundamentos. Pois bem: essas razões ou fundamentos são primeiro expostos, explicados e desenvolvidos no decurso da alegação; hão de ser, depois, resumidos sob a forma de conclusões no final da minuta. É claro que, para serem legítimas e razoáveis, as conclusões devem emergir logicamente do arrazoado feito na alegação. As conclusões são as proposições sintéticas que emanam naturalmente do que se expôs e considerou ao longo da alegação»[1].

As conclusões não são, deste modo, uma reprodução de toda a argumentação desenvolvida na fundamentação do recurso, mas uma síntese dessa argumentação que terá de permitir a identificação clara dos motivos de discordância do recorrente e integrar a formulação do pedido de alteração da decisão recorrida, em conformidade.

A insuficiência daquela parte das alegações pode motivar a intervenção do relator, prevista no n.º 3 do referido artigo 685.º-A do Código de Processo Civil, no sentido do suprimento de elementos que nelas devem ser integrados, ou para superação das deficiências, obscuridades ou complexidade que evidenciem.

As conclusões desempenham na dinâmica do recurso um papel fundamental, não apenas porque sintetizam as razões que estão subjacentes à sua interposição, mas acima de tudo, porque definem o objeto do recurso, conforme decorre do n.º 3 do artigo 684.º do Código de Processo Civil. 

3 - Sobre a relação entre a fundamentação das alegações de recurso e as respetivas conclusões, quando o recurso tenha por objeto a impugnação da matéria de facto, referiu-se no acórdão desta Secção, de 4 de março de 2015, proferido no processo n. Proc. n.º 2180/09.0TTLSB.L1.S2[2] (Revista), o seguinte:

«2.4 – Atento o teor do artigo 685.º- B do Código de Processo Civil pode concluir-se que nada no mesmo permite afirmar que as exigências nele contidas se referem às conclusões das alegações do recurso, na linha da solução que resulta do n.º 2 do artigo 684.º relativamente à matéria de direito.

O artigo concretiza os pontos matéria de facto cuja reapreciação é pretendida pelo recorrente em articulação com os meios de prova que suportam a reapreciação, uma vez que o Tribunal da Relação não vai levar a cabo um novo julgamento de toda a matéria submetida à apreciação do tribunal de 1.ª instância.

Ao exigir-se a concretização dos pontos de facto a alterar e dos meios de prova que permitem pôr em causa o sentido da decisão da primeira instância e justificam a alteração da mesma, o artigo responsabiliza o recorrente, obrigando-o a concretizar a sua discordância, e introduz uma metodologia de trabalho relativamente ao julgamento que se pretende que seja levado a cabo pelo tribunal de recurso.

Trata-se de um conjunto de exigências viradas especificamente para a fundamentação do recurso e que em algumas das suas componentes seriam descabidas nas conclusões.

É certo que, integrando o recurso matéria de facto, esta terá necessariamente de ter expressão nas conclusões das alegações que deverão, por tal motivo, conter os elementos suficientes para que a reapreciação da matéria de facto faça parte do objeto do recurso.

Não pode, contudo, ignorar-se que o âmbito das conclusões neste tipo de recurso está também ele sujeito ao disposto no n.º 1 do artigo 685.º -A, ou seja, há de conter «de forma sintética (…) os fundamentos por que se pede a alteração ou anulação da decisão».

2.5 - As exigências de natureza formal que devem ser integradas nas conclusões das alegações de recurso quando o mesmo tenha por objeto matéria de facto motivaram algumas tomadas de posição deste Tribunal, nomeadamente, a que foi consagrada no acórdão de 5 de fevereiro de 2004, proferido no processo n.º 03B4145, citada na decisão recorrida.

Pode, contudo, considerar-se que a orientação subjacente a esse acórdão foi já abandonada ao nível da jurisprudência deste Tribunal.

Assim, decidiram em sentido contrário àquela orientação o acórdão proferido no processo n.º 1718/07.2TVLSB.L1.S1, invocado pelo reclamante, mas, para além desse, o acórdão proferido no processo n.º 263/1999.P1.S1, datado de 16 de março de 2011, e os demais que ali são citados.

Referiu-se nesta decisão que «Resta observar que o artigo 690º-A não impõe que as especificações exigidas constem das conclusões das alegações; basta que figurem no corpo respetivo. Neste sentido ver, por exemplo, o acórdão de 21 de abril de 2010, www.dgsi.pt, proc. nº 3473/06.4TJVNF-A.P1.S1 ou já os citados acórdãos de 23 de fevereiro e de 15 de abril de 2010»[3].

Na fundamentação do primeiro daqueles arestos, referiu-se o seguinte:

«O Acórdão recorrido considerou que nas conclusões das alegações a recorrente não deu cumprimento àquele ónus previsto no art. 690º-A, nº1, do Código de Processo Civil, e, por isso, não apreciou a matéria de facto, não procedendo à audição dos indicados depoimentos.

Mas será de sufragar tal entendimento?

Nas alegações, a recorrente expressou os fundamentos da sua discordância acerca do julgamento de facto e de direito, que deveria resumir nas conclusões, de modo a que o tribunal “ad quem” soubesse, de forma precisa, os motivos da discordância – o objeto do recurso – arts. 690º, nºs, 1 e 2, do Código de Processo Civil.

Como ensina o Conselheiro Amâncio Ferreira, in “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 7ª Ed., págs. 172 e 173:

“Expostas pelo recorrente, no corpo da alegação, as razões de facto e de direito da sua discordância com a decisão impugnada, deve ele, face à sua vinculação ao ónus de formular conclusões, terminar a sua minuta pela indicação resumida, através de proposições sintéticas, dos fundamentos, de facto e/ou de direito, por que pede a alteração ou anulação da decisão”.

As conclusões são “proposições sintéticas que emanam naturalmente do que se expôs e considerou ao longo da alegação” – Alberto dos Reis, in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, pág. 359.

Não se exige que o recorrente, nas conclusões, reproduza o que alegou acerca dos requisitos enunciados no art. 690º-A, nº1, a) e b) e nº2, do Código de Processo Civil, o que tornaria as conclusões, as mais das vezes, não numa síntese, mas uma complexa e prolixa enunciação repetida do que afirmara no corpo alegatório.

Mas esta consideração não dispensa o recorrente de fazer alusão àquela questão que pretende ver apreciada, mais não seja pela resumida indicação dos pontos concretos que pretende ver reapreciados, de modo a que ao ler as conclusões das alegações resulte inquestionável que o recorrente pretende impugnar o julgamento da matéria de facto.

Ora, no caso em apreço, a recorrente deu a conhecer ao Tribunal ad quem, de modo inquestionável, que pretendia recorrer da decisão da 1ª Instância no que respeita ao julgamento da matéria de facto (cujos pontos e fundamentos indicou).

As conclusões das alegações devem informar o julgador das questões sobre que versa o recurso, pelo que, só a completa omissão acerca da alusão à impugnação da matéria de facto (que no caso não existe), poderia precludir o conhecimento dessa questão, caso nem sequer tivesse sido insinuada nas conclusões.

Tendo a recorrente na conclusão 1ª afirmado de modo insofismável que pretendia recorrer do julgamento de facto, parece-nos eivada de formalismo a decisão que rejeitou o recurso nessa parte, por considerar que nas conclusões a recorrente omitiu os requisitos a que estava obrigada a alegar para que a questão fosse julgada na Relação.

Nesta perspetiva entendemos que a Relação violou a lei ao não apreciar a prova produzida, nem sequer sendo caso de enfocar a questão na perspetiva do convite para aperfeiçoamento das alegações.»

Em conformidade com aquela fundamentação foi extraído daquele acórdão sumário com o seguinte teor:
«1 – As exigências decorrentes dos n.ºs 1 e 2 do artigo 685.º-B do anterior Código de Processo Civil têm por objeto as alegações no seu todo, não visando apenas as conclusões que, nos casos em que o recurso tenha por objeto matéria de facto, deverão respeitar também o n.º 1 do artigo 685.º-A do mesmo código.
2 − Não se exige, assim, ao recorrente, no recurso de apelação, quando impugna o julgamento da matéria de facto, que reproduza exaustivamente o alegado na fundamentação das alegações.
3 – Nas conclusões do recurso de apelação em que impugne matéria de facto deve o recorrente respeitar, relativamente a essa matéria, o disposto no n.º 1 do artigo 685.º- A do Código de Processo Civil, afirmando a sua pretensão no sentido da alteração da matéria de facto e concretizando os pontos que pretende ver alterados.»

Ainda recentemente esta Secção se voltou a debruçar sobre essa temática no acórdão de 1 de outubro de 2015, proferido no processo n.º 824/11.3TTLRS.L1.S1[4], de que foi extraído o seguinte sumário:
«I – No recurso de apelação em que seja impugnada a decisão da matéria de facto é exigido ao recorrente que concretize os pontos de facto que considera incorretamente julgados, especifique os concretos meios probatórios que imponham uma decisão diversa, relativamente a esses factos, e enuncie a decisão alternativa que propõe.
II - Servindo as conclusões para delimitar o objeto do recurso, devem nelas ser identificados com precisão os pontos de facto que são objeto de impugnação; quanto aos demais requisitos, basta que constem de forma explícita na motivação do recurso.
III - Não existe fundamento legal para rejeitar o recurso de apelação, na parte da impugnação da decisão da matéria de facto, numa situação em que, tendo sido identificados nas conclusões os pontos de facto impugnados, assim como as respostas alternativas propostas pelo recorrente, não foram, contudo, enunciados os fundamentos da impugnação nem indicados os meios probatórios que sustentam uma decisão diferente da que foi proferida pela 1.ª instância, requisitos estes que foram devidamente expostos na motivação.
IV – Com efeito, o ónus a cargo do recorrente consagrado no art. 640º, do Novo CPC, não exige que as especificações referidas no seu nº 1, constem todas das conclusões do recurso, mostrando-‑se cumprido desde que nas conclusões sejam identificados com precisão os pontos de facto que são objeto de impugnação.»


IV

Considerou-se na decisão recorrida que as conclusões das alegações apresentadas pelo recorrente não satisfaziam as exigências legais consignadas nos artigos 639.º e 640.º do Código de Processo Civil e que nesse contexto «não é possível admitir qualquer impugnação da decisão relativa à matéria de facto, com o consequente não conhecimento da mesma», «o que acarreta a extemporaneidade do requerimento de recurso, conforme se passa a explicitar, seguindo-se aqui de perto o decidido no acórdão deste Relação de 11/09/2014, proc. 552/13.5TTCBR.C1 (relator Azevedo Mendes), no que também constitui entendimento unânime desta secção social».

Destaca-se ainda naquela decisão que «só se o recurso tiver por objeto a reapreciação da prova gravada é que o prazo em questão é acrescido de dez dias (n.º 3)», pelo que no caso dos autos «não é possível observar que o recurso tenha por objeto a prova gravada» e como «só se o recurso tiver por objeto a reapreciação da prova gravada é que o seu prazo é acrescido de 10 dias, a apelante ao pretender beneficiar desse prazo ampliado teria de integrar no recurso conclusões que envolvessem efetivamente a impugnação da decisão da matéria de facto tendo por base depoimentos gravados, nos termos do artº 640º, nºs 1 e 2 do CPC», vindo a concluir-se que «no caso, a impugnação de facto não foi deduzida e designadamente na forma tecnicamente atendível. Só então esta “questão” integraria o objeto do recurso. E só nessas circunstâncias a requerente poderia beneficiar da ampliação do prazo prevista no n º 3 do artº 80º do CPT.»

A decisão recorrida confunde duas realidades diversas: por um lado, o alargamento do âmbito da apelação à impugnação da matéria de facto, alargamento esse que justifica a extensão do prazo prevista no n.º 3 do artigo 80.º do Código de Processo do Trabalho, extensão usada pelo recorrente para a interposição do recurso, e, por outro lado, o conhecimento do recurso em matéria de facto, questão que nada tem a ver com a tempestividade do recurso, mas apenas com o conhecimento do respetivo objeto.

No caso dos autos, torna-se líquido que o recorrente, para além do mais, pretendeu impugnar a matéria de facto dada como provada, procurando dar cumprimento às exigências que decorrem dos artigos 639.º e 640.º do Código de Processo Civil.

Na verdade, identificou no corpo das alegações os factos que entendeu como incorretamente fixados pelo tribunal e fê-lo invocando os meios de prova que em seu entender justificariam a alteração pretendida, dando cumprimento às exigências legais que decorrem das normas acima citadas.

Por outro lado, em sede de conclusões das alegações concretizou esses factos e individualizou os meios que permitiam a respetiva alteração, não se podendo afirmar que as conclusões apresentadas desrespeitem as exigências decorrentes das normas acima citadas, tal como as mesmas têm sido lidas pela jurisprudência deste Tribunal, acima referida.

Se o tribunal entendia que não podia conhecer da matéria de facto por incumprimento das exigências decorrentes dos referidos artigos 639.º e 640.º do Código de Processo Civil, o que não se pode afirmar é que o recorrente tenha usado infundadamente o alargamento do prazo, sem que o recurso integre minimamente a impugnação da matéria de facto, pelo que não podia concluir pela intempestividade do recurso interposto.

Assim, mesmo que entendesse que não estavam preenchidos os requisitos legais para conhecer da matéria de facto, sempre teria que considerar o recurso tempestivo e conhecer da parte restante do respetivo objeto, em conformidade com as conclusões das alegações apresentadas.

O invocado incumprimento das exigências legais relativamente à estruturação das conclusões, não retira tempestividade ao recurso, ao contrário do que se decidiu e não dispensaria o tribunal de conhecer da parte restante do respetivo objeto.

Mas a verdade é que, ponderadas as alegações apresentadas, nomeadamente, a individualização dos factos que o recorrente pretende ver alterados, a especificação dos meios de prova que em seu entender avalizam tal alteração, com a transcrição das partes dos depoimentos que o recorrente considera relevantes e que articula com a respetiva localização nos CD, bem como com a valorização que apresenta desses depoimentos, e, ponderada a síntese desses elementos que consta das conclusões, não pode afirmar-se que o Tribunal não podia conhecer do recurso nessa parte, por desrespeito das exigências legais decorrentes dos mencionados artigos 639.º e 640.º do Código de Processo Civil.

Impõe-se, pois, a concessão da revista e a baixa dos autos ao Tribunal da Relação, para que conheça do recurso interposto na plenitude do seu objeto.


V


Em face do exposto, acorda-se em conceder a revista e em revogar a decisão recorrida pelo que se determina a baixa do processo ao Tribunal da Relação para que conheça do recurso de apelação interposto pela Ré BB, LDA.

Custas da revista pelo Autor.

Junta-se sumário do acórdão.

Lisboa, 26 de novembro de 2015

António Leones Dantas (relator)

Melo Lima

Mário Belo Morgado

___________________
[1] Código de Processo Civil Anotado, Volume V. Coimbra Editora, 1981, p. 359.
[2] Disponível nas Bases de Dados Jurídicas da DGSI.
[3] Disponível nas Bases de Dados Jurídicas da DGSI.
[4] Disponível nas Bases Jurídicas da DGSI.