Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
62/13.0TBVCD.P1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: ABRANTES GERALDES
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL
PRESSUPOSTOS
NEXO DE CAUSALIDADE
Data do Acordão: 03/22/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DOS DIREITOS / PROVAS – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / RESPONSABILIDADE POR FACTOS ILÍCITOS.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 342.º, 486.º E 493.º, N.º 1.
Sumário :
I. A responsabilidade civil, em qualquer das suas modalidades, implica a prova de um nexo de causalidade entre o evento e os danos.

II. Esse nexo de causalidade não pode ser estabelecido em relação à situação clínica da lesada se da matéria de facto fixada pelas instâncias resulta que foi considerada “não provada” a questão de facto em que precisamente se inquiria se tal situação era decorrência do evento ocorrido.

Decisão Texto Integral:

I - AA intentou a presente ação declarativa comum de condenação contra BB, SGPS, SA, pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de € 42.777,00, a título de indemnização por perda de ganho, da quantia de e 3.283,20, a título de indemnização por danos não patrimoniais (quantum doloris) e da quantia de e 485,00, a título de compensação por despesas médicas e medicamentosas que suportou.

Alegou, para tanto, em suma, que no dia 5-2-011, pelas 20h, no Supermercado “CC”, EN-…, Vila …, foi atingida na cabeça por um cavalete que se encontrava encostado e se desequilibrou depois de ser atingido por um cesto-carrinho de compras conduzido por um outro cliente do mesmo estabelecimento.

Descreveu os episódios de assistência médica a que teve de acorrer e alegou que, desde então, vem sendo acometida por fortes dores de cabeça que lhe provocam desequilíbrio, a impedem de se locomover e a obrigam a recorrer a serviços clínicos. Alegou, ainda, que desde então não consegue desenvolver qualquer atividade.

A R. contestou invocando a sua ilegitimidade passiva e impugnando os factos alegados.

Respondeu a A. deduzindo o incidente de intervenção provocada de CC -Distribuição Alimentar, SA.

Admitida a intervenção da chamada, veio esta requerer a intervenção de DD, SA, para a qual transferira a sua responsabilidade civil emergente da sua atividade comercial.

Contestou, ainda, a ação alegando a sua irresponsabilidade pelo sinistro ocorrido uma vez que foi causado por terceiro, concluindo pela sua absolvição do pedido.

Admitida a intervenção principal da DD para intervir como associada da R., a mesma contestou impugnando os factos alegados e apelando, em caso de condenação, à dedução da franquia estabelecida no contrato de seguro.

Foi proferido despacho saneador que julgou a R. BB, SGPS, SA, parte ilegítima.

Foi proferida sentença que julgou a ação improcedente, em suma, por ter concluído que o acidente ocorreu por culpa de terceiro e não por incumprimento de quaisquer regras de segurança ou deveres de vigilância da R. CC.

A A. apelou e a Relação, depois de modificar um segmento da matéria de facto, considerou que existiam os pressupostos da responsabilidade civil, mas por falta de nexo de causalidade entre as queixas apresentadas pela A. e o evento, condenou as RR. apenas na quantia de € 250,00.

A A. interpôs recurso de revista em que se insurge contra a improcedência praticamente total do pedido de indemnização.

Houve contra-alegações.

Cumpre decidir.


II - Factos apurados:

1. A A. é casada, tem como habilitações literárias, o 4º ano de escolaridade e frequentou curso de formação profissional.

2. Exerce as funções de dona de casa e no exercício das mesmas deslocava-se a vários estabelecimentos comerciais para aprovisionar a sua despensa de produtos alimentares.

3. Esta rotina era feita com muita regularidade, pelo menos, até ao ano de 2011 sendo cliente habitual do supermercado da cadeia do CC, situado na EN-…, em Vila ….

4. No dia 5-2-11, pelas das 20:00 h a A. deslocou-se àquele supermercado do CC para comprar os produtos alimentares que necessitava.

5. No interior do mesmo, dirigiu-se ao balcão do talho, onde aguardou a sua vez para ser atendida, dado existirem algumas pessoas à sua frente.

6. Enquanto a A. aguardava pela sua vez de ser atendida, sentiu uma pancada na cabeça que lhe seria desferida por um cavalete que se encontrava perto da mesma.

7. O cavalete – estrutura em aço tubular – e que se encontrava encostado a uma coluna perto do placard de publicidade, foi atingido na sua base por um cesto-carrinho que era conduzido por um cliente, provocando o desequilíbrio do cavalete que tombaria em cima da cabeça da A.

8. O cavalete encontrava-se encostado a um pilar, tendo a sua base afastada da base desse pilar entre 30 e 35 cm., e o seu topo encostado ao próprio pilar.

9. Um outro cliente do supermercado, embateu com o seu cesto de compras no referido cavalete, fazendo com que este tombasse para cima da A.

10. A A., que se encontrava de costas para o cavalete, não poderia prever que o mesmo lhe caísse em cima da cabeça.

11. Em consequência da queda do cavalete na cabeça da A., esta viria a ser socorrida por um dos clientes que se encontravam naquele estabelecimento comercial assim como por empregados do mesmo.

12. Em consequência da queda do cavalete a A. sentiu dores na cabeça.

13. Foi chamada a ambulância que a transportou para o Centro Hospitalar de …, onde chegou cerca das 20:32 h daquele dia, manifestando dor no couro cabeludo e HX de perda de conhecimento após ter levado com um placard publicitário.

14. A A. após ter sofrido a queda de um cavalete de publicidade sobre a cabeça, foi transportada pelo INEM para a Unidade Hospitalar da …/Vila … onde ficou em observações.

15. Permaneceu naquele Hospital para observações até ao dia seguinte, tendo-lhe sido dada alta cerca das 14:42h, tendo-lhe sido diagnosticado traumatismo da cabeça, face e pescoço.

16. No dia 11-2-11, foi obrigada a deslocar-se às urgências daquele Hospital pelas 8:41 h, queixando-se de tonturas há dias e manifestava tonturas desde o dia 5-2, e no dia 11/2 apresentava náuseas sem vómitos, e motivação no pescoço muito dolorosa. Teve alta nesse dia.

17. No dia 22-2-11, como tivesse cefaleias muito fortes, a A. deslocou-se novamente à urgência do Hospital da …, pelas 9:18h, tendo-lhe sido feito um TAC cerebral, por recomendação de neurologista, dado manifestar com regularidade fortes dores de cabeça.

18. Foi medicada e após contacto com médico neurologista, foi acordado o envio da A. para o Hospital EE, dado manter-se a dor de cabeça occipital, dor cervical esquerda e tonturas em posição ortostática, regressando a A. no mesmo dia ao Hospital da ….

19. Já anteriormente, e como a dor era muito persistente, no dia 18-2-11 pelas 11.50 h sensivelmente a A., deslocou-se às urgências do Centro Hospitalar da …, manifestando cefaleia forte, em resultado de um traumatismo com um placard, episódio esse ocorrido há 15 dias.

20. Decorria o mês de Agosto quando a A. se socorreu novamente da urgência do Centro Hospitalar de …/V e Vila …, manifestando/cefaleias parietais mais intensas à esquerda, com parestesias tipo ardência.

21. Desde o dia do sinistro que a A. manifesta um grande desequilíbrio na locomoção, ficando impedida de se deslocar de bicicleta para fazer as suas compras ou deslocar-se a outros estabelecimentos, porque não consegue manter o equilíbrio corporal.

22. Foi afetada na locomoção quando anda a pé. Muitas vezes sente desequilíbrios e quase cai.

23. As dores de cabeça passaram a ser de uma intensidade tal que a A. sente necessidade de descansar todos os dias, após o almoço.

24. Sente dores onde lhe caiu o cavalete, “parece que tem uma ferida nessa localização”.

25. Por esse motivo, passou a ser seguida em consulta da dor no Hospital de Vila …, desde princípios do 2º semestre de 2012, pelo menos.

26. Em consequência das dores que sente desde o sinistro supra relatado, a A., com o desespero sentido, viu-se compelida a ser seguida também em clínicas privadas, designadamente na Clinica FF, onde foi vista no dia 23-2-11 pelo neurologista e pagou a importância de 60,00 €.

27. No dia 2-3-11, foi vista novamente pelo neurologista daquela Clínica, tendo pago a quantia de 60,00 €.

28. No dia 18-3-11, voltou à consulta de neurologia daquela Clínica e pagou pela consulta, a quantia de 60,00 €.

29. A A. frequentou a consulta do psiquiatra, Dr. GG, em Vila … e pagou pela primeira consulta, a quantia de 70,00 €.

30. A 11-3-11, voltou ao ortopedista após ter consultado o mesmo, no dia 23-2-12 na Clínica FF, despendendo em cada consulta a quantia de 50,00 €.

31. O neurologista HH prescreveu à A. uma embalagem de Vastarel, tendo esta pago na farmácia a importância de 3,80 €.

32. Levou a cabo na Clínica de Santa Casa da Misericórdia de Vila …, exames médicos à coluna cervical, com 2 incidências e RX na coluna vertical, no que despendeu a quantia de 30,00 €.

33. Na clínica Nossa Srª da Guia o neurologista prescreveu ADT comprimidos, de 10 mg no que a A. despendeu a importância de 0,98 €.

34. Também à A. foi prescrito MELOXICAN DORTEX, tendo gasto a importância de 10,64 €.

35. Em deslocações a A. despendeu a quantia de 16,60 €,

36. O neurologista concluiu que as cefaleias hemi-cranianas esquerdas, tipo aperto, acrescidas de vertigens quando realiza movimentos cefálicos rápidos associados a náuseas e vómitos, constituem o traumatismo de que a A. sofre desde Fevereiro de 2011.

37. Na consulta de psiquiatria a A. manifestou cefaleia na região corporal esquerda, tristeza, desânimo, impossibilidade de se deslocar de bicicleta, fobia aos supermercados, complicação nas tarefas domésticas, concluindo o médico que a mesma padece de perturbações de adaptação de índole depressiva prolongada, e pelo profundo sofrimento que apresenta deverá ser englobado no/CAP X; II 2.23- GRAU III- Perturbações com acentuada modificação dos poderes de atividade diária (0,20-0,39) -0,30- Trinta por Cento.

38. A R. é uma sociedade que se dedica ao comércio e a importação de produtos alimentares e de consumo doméstico.

39. Foi celebrado entre BB, SGPS, SA, a que a R. pertence, e a DD um contrato de seguro titulado pela apólice nº A1…0 mediante o qual foi transferida para a seguradora, a sua responsabilidade civil extracontratual emergente da sua atividade comercial.

40. Nos termos e condições particulares do referido contrato, ficou convencionado que, por cada sinistro participado, a CC suportaria uma franquia de € 5.000,00, ficando a seguradora contratualmente obrigada a pagar uma indemnização que exceda aquela franquia.

41. A R. participou o alegado acidente à sua mediadora de seguros.

42. À data do acidente dos autos a empresa BB, SGPS, SA, e todas as empresas que façam parte do Grupo BB em Portugal, nomeadamente a CC, Distribuição Alimentar, SA, haviam transferido até ao limite de € 2.500.000,00 para a ora R. a sua responsabilidade civil extracontratual emergente da sua atividade comercial e/ou industrial, nos termos do contrato de seguro titulado pela apólice n.º A03…2.

43. Nos termos e condições particulares do contrato de seguro acima mencionado, convencionou-se que, por cada sinistro participado, a segurada da ora R. suportaria uma franquia de € 5.000,00 por cada sinistro participado ficando a ora R. contratualmente obrigada a pagar uma indemnização que exceda aquela franquia.


III – Decidindo:

1. A Relação, contrariando a sentença da 1ª instância, concluiu que a matéria de facto apurada revelava uma situação suscetível de responsabilizar a Interveniente CC, SA, na medida em que o acidente ocorreu no interior de um estabelecimento comercial que a mesma explorava, sendo indiferente que a queda do cavalete de publicidade que atingiu a A. tivesse sido provocada por um embate de um cesto-carrinho de um outro cliente.

Para o efeito o evento foi inserido no quadro de violação do dever genérico de prevenção do perigo ou dever de segurança do tráfego, associado à previsão do art. 493º, nº 1, do CC, a respeito do dever de vigilância, e à norma do art. 486º sobre omissões.

A R. não interpôs recurso, nem sequer subordinado, sendo o objeto do recurso que foi interposto pela A. integrado exclusivamente pela matéria respeitante à dimensão dos danos que poderão ser considerados para efeitos de concessão de indemnização.

Com efeito, apesar de a Relação concluir pela imputação desse incidente à Interveniente CC, SA, na perspetiva de que era ela quem explorava o estabelecimento de acesso ao público e que deveria garantir a segurança dos clientes em geral, apenas a condenou no pagamento da quantia de € 250,00.

Para o efeito a Relação contou, como não poderia deixar de ser, com todos os factos provados e também com os não provados.

Com efeito, sendo verdade que a A. foi atingida pelo referido cavalete, para que fossem atendidos todos os danos que a A. invoca e todas as queixas que apresenta, era necessário que se apurasse a existência de um nexo de causalidade relativamente àquele evento. Perante a falta desse nexo de causalidade a Relação foi levada a concluir – e bem – que não poderia conceder à A. a indemnização que a mesma pretendia.


2. Vejamos os factos essenciais:

- Enquanto a A. aguardava pela sua vez de ser atendida, sentiu uma pancada na cabeça que lhe seria desferida por um cavalete que se encontrava perto da mesma.

- O cavalete – estrutura em aço tubular – e que se encontrava encostado a uma coluna perto do placard de publicidade, foi atingido na sua base por um cesto-carrinho que era conduzido por um cliente, provocando o desequilíbrio do cavalete que tombaria em cima da cabeça da A.

- O cavalete encontrava-se encostado a um pilar, tendo a sua base afastada da base desse pilar entre 30 e 35 cm., e o seu topo encostado ao próprio pilar.

- Um outro cliente do supermercado, embateu com o seu cesto de compras no referido cavalete, fazendo com que este tombasse para cima da A.

- A A., que se encontrava de costas para o cavalete, não poderia prever que o mesmo lhe caísse em cima da cabeça.

- Em consequência da queda do cavalete na cabeça da A., esta viria a ser socorrida por um dos clientes que se encontrava naquele estabelecimento comercial, assim como por empregados do mesmo.

- Em consequência da queda do cavalete a A. sentiu dores na cabeça.

- Foi chamada a ambulância que a transportou para o Centro Hospitalar de …, onde chegou cerca das 20.32 h daquele dia, manifestando dor no couro cabeludo e HX de perda de conhecimento após ter levado com o placard publicitário.

- A A., após ter sofrido a queda de um cavalete de publicidade sobre a cabeça, foi transportada pelo INEM para a Unidade Hospitalar da …/ Vila … onde ficou em observações e onde permaneceu para observações até ao dia seguinte, tendo-lhe sido dada alta cerca das 14.42h e diagnosticado traumatismo da cabeça, face e pescoço.

Estes são os factos essenciais que servem para integrar a responsabilidade civil da Interveniente CC, SA, na medida em que o evento ocorrido nas suas instalações provocou uma lesão corporal na A. que implicou a sua deslocação ao Hospital, tendo-lhe provocado dores de cabeça.


3. Mas naturalmente que estes factos são muito singelos para retratar as queixas da A., relativamente à qual se apurou ainda que:

- No dia 11-2-11, deslocou-se às urgências daquele Hospital, queixando-se de tonturas há dias e que manifestava tonturas desde o dia do acidente, e no dia 11/2 apresentava náuseas sem vómitos e motivação no pescoço muito dolorosa, tendo tido alta nesse mesmo dia.

- No dia 18-2-11, como a dor era muito persistente, a A., deslocou-se às urgências do Centro Hospitalar da …, manifestando cefaleia forte, em resultado de um traumatismo com um placard, episódio esse ocorrido há 15 dias.

- No dia 22-2-11, como tivesse cefaleias muito fortes, deslocou-se novamente à urgência do Hospital da …, tendo-lhe sido feito um TAC cerebral, por recomendação de neurologista, dado manifestar com regularidade fortes dores de cabeça.

- Foi medicada e, após contacto com médico neurologista, foi acordado o envio da A. para o Hospital EE, dado manter-se a dor de cabeça occipital, dor cervical esquerda e tonturas em posição ortostática, regressando a A. no mesmo dia ao Hospital da ….

- No mês de Agosto a A. socorreu-se novamente da urgência do Centro Hospitalar de P/V e Vila …, manifestando/cefaleias parietais mais intensas à esquerda, com parestesias tipo ardência.


4. Aparentemente o acidente que ocorreu ainda teria alguma relação com os factos acima referidos e também com os adiante enunciados.

Afinal provou-se que:

- Desde o dia do sinistro, A. manifesta um grande desequilíbrio na locomoção, ficando impedida de se deslocar de bicicleta para fazer as suas compras ou deslocar-se a outros estabelecimentos, porque não consegue manter o equilíbrio corporal.

- Foi afetada na locomoção quando anda a pé; muitas vezes sente desequilíbrios e quase cai.

- As dores de cabeça passaram a ser de uma intensidade tal que a A. sente necessidade de descansar todos os dias, após o almoço.

- Sente dores onde lhe caiu o cavalete e “parece que tem uma ferida nessa localização”.

- Por esse motivo, passou a ser seguida em consulta da dor no Hospital de Vila …, desde princípios do 2º semestre de 2012, pelo menos.

Mas trata-se de uma conclusão precipitada se ponderarmos, como não pode ser dispensado, que a prova do nexo de causalidade entre estes factos e o evento foi objeto de questionamento específico, tendo as instâncias concluído considerado não provado que tais factos, que agora correspondem aos pontos 16. a 37., tenham sido consequência da queda do cavalete na cabeça da A.


5. Efetivamente, em relação à matéria de facto que estava controvertida, as instâncias consideraram que não se apuraram os seguintes factos (seguindo a negrito os mais relevantes):

“…

3. O cavalete estava fechado e apresentava pouco equilíbrio.

4. Em consequência da queda do cavalete na cabeça da A., esta viria a desmaiar.

5. Os factos (que agora correspondem aos pontos 16. a 37.) são consequência da queda do cavalete na cabeça da A.

6. Por ordem médica, levou a cabo um TC do Crânio, em que se verificou a existência de traumatismo devido a queda do cavalete sobre a região parietal esquerda.

7. O cavalete de publicidade não se encontrava instalado em condições de segurança que permitisse a livre circulação dos utentes daquele supermercado.

8. Antes do sinistro, a A. era saudável.

9. Em consequência da queda do cavalete a A. passou noites em claro com as dores que sentia.

10. Foi obrigada a socorrer-se não apenas do Serviço Nacional de Saúde, como também dos serviços da Clínica Privada, socorrendo-se para o efeito de um empréstimo junto de terceiros que a habilitasse a poder ser socorrida, perante as fortíssimas dores que tinha.

11. Apresenta uma forte necessidade de descansar após o almoço, porque sente que tem “ uma ferida” ficando inibida de praticar qualquer atividade.

12. Os filhos e ou o marido são muitas vezes obrigados a acabar as refeições porque a senhora com as dores que ainda tem, vê-se obrigada a repousar.

13. Anteriormente, a A. além das tarefas domésticas tinha disponibilidade de acompanhar os filhos mais novos nas suas atividades escolares.

14. A A. esteve internada, tem feito inúmeros exames médicos, vendo-se obrigada a deslocações regulares a diversos institutos/ hospitais”.


6. Merece especial destaque a resposta negativa dada ao aludido ponto 5., atenta a sua direta ligação com os demais factos que serviriam para revelar a existência de uma relação de causalidade entre as queixas que a A. apresenta e o evento.

Considerando a sua especial pertinência para a compreensão do caso, e ainda que a este Supremo não caiba a tarefa de sindicar a decisão da matéria de facto sustentada em meios de prova sujeitos a livre apreciação das instâncias, cremos ser de toda a relevância reproduzir o extrato do acórdão recorrido que, por seu lado, reproduziu parte da motivação da sentença, na parte referente à decisão da matéria de facto provada e não provada, onde se trata especificamente deste ponto.

“…

É certo que a A. sofreu traumatismo na cabeça, face e pescoço. Foi conduzida ao Hospital, manifestando dor no couro cabeludo e referindo perda de conhecimento, mas sem que se tenha provado que tenha chegado a desmaiar (item 4 dos factos não provados) e ficou sob observação até cerca das 15 h. do dia seguinte. Provou-se ainda que efetivamente sofreu dores na cabeça (item 38).

Todavia, apesar de ter alegado todo uma séria de episódios dolorosos, tonturas, falta de equilíbrio, recurso a assistência hospitalar, em urgência, e assistência médica e medicamentosa, bem como alterações nas suas capacidades (deslocar-se de bicicleta, fazer as suas compras, andar a pé), incorrendo comprovadamente em despesas a tal associadas, o que é também é certo é que não logrou demonstrar – como lhe competia, nos termos do art. 342º, nº 1, do CC – que tudo isso tenha sido consequência da queda do referido cavalete sobre a sua cabeça (item 5 dos factos não provados).

Para se compreender tal solução, é útil ter presente a motivação do tribunal a quo, designadamente o seguinte excerto:

“Foi considerado o relatório de avaliação do dano corporal, junto a fls. 249, 363, 388 e 419, do qual resulta que a data da cura das lesões é fixável em 15-2-11, com 2 dias de incapacidade total e 9 dias de incapacidade parcial, incluindo para o trabalho. Quantum doloris de 2/7, sem sequelas permanentes, ou seja, não há nexo de causalidade entre o evento e as queixas apresentadas pela A.

Com efeito, resulta do historial clínico da A., junto a fls. 264 a 266, 278 a 282, 287 a 350, considerado naquele relatório que em 2003 foi agredida (fls. 264) e desde então tem dores nas costas sem qualquer melhoria “Estou doméstica” “sente-se incapaz de fazer qualquer coisa”; em 2006 (fls. 265) sentia-se pior cada vez que lembra do problema; em 2007 apresentava ansiedade e nervosismo (fls. 352), calor e ardência no pescoço (fls. 353); em 2008 sofria de hipertensão sem complicações (fls. 290), queixas obsessivas compulsivas e problemas de relacionamento (fls. 333), sentia-se doente (fls. 349), medo de estar grávida (fls. 350), foi vista na consulta da dor no Hospital de S. João (fls. 351); em 2009 apresentava queixas de dores no braço esquerdo (fls. 343); em 2010 (fls. 293) apresentava síndrome da coluna cervical, dor no pé tipo faca, ouvia mal do ouvido esquerdo; em 20-1-12 apresentava dor na dorsal esquerda e no cotovelo direito que atribui à agressão ocorrida 10 anos antes; em 2013 (fls. 301) apresentava síndrome do ombro doloroso e cefaleia (fls. 302); em 2014 (fls. 295) apresentava cefaleias, dor na mão esquerda.

Tanto quanto resulta do relatório pericial dos documentos clínicos enviados ao Instituto de Medicina Legal pelo Hospital II a A. vem sendo seguida no Hospital II desde 2007 por “síndroma depressivo reativo a agressão familiar com somatizações frequentes (…) quadro depressivo de evolução prolongada enxertado em perturbação da personalidade com marcados traços de litigância”.

Assim, com fundamento nos meios de prova invocados, atentou-se na natureza subjetiva de todas as queixas da A., com uma localização temporal bem anterior ao acidente dos autos e sem objetivação em lesões atualmente identificáveis.

Note-se, de resto, que apesar das considerações desenvolvidas pela apelante quanto à relevância da prova pericial e à necessidade do acatamento dos respetivos resultados pelo tribunal, o que se verifica é que ela nem chega a impugnar o juízo probatório em relação a qualquer dos factos provados e não provados (com exceção do que supra se decidiu, quanto ao item 43.), nem, sequer especifica em que termos é que o tribunal infirmou o resultado dessa prova. Em concreto, não impugna o juízo do tribunal a quo sobre a inexistência de causalidade entre o sinistro e o historial descrito nos itens 13º a 35º dos factos provados.

E se isso já obstaria a que se devesse intervir sobre tal segmento da decisão da matéria de facto, acresce que, analisado esse relatório do IML, com conclusões a fls. 388 a 390, nem se pode concluir pela razão da exposição recursiva. Com efeito, o que ali se refere é que as queixas da A. já vinham registadas em observações anteriores ao acidente em causa, que não é objetivável qualquer alteração da sua condição psicossomática em razão deste mesmo acidente, inexistindo nexo de causalidade entre as suas queixas e tal evento.

Consequentemente, nada se deve alterar quanto a tal juízo do tribunal recorrido”.


7. Foi, pois, com base na ponderação livre dos meios de prova produzidos que a 1ª instância, sem impugnação efetiva da A. no recurso de apelação, deu aquela resposta tão incisiva e cujos efeitos para a resolução do caso concreto são inultrapassáveis.

Tal resposta e a respetiva fundamentação conferem à decisão da matéria de facto globalmente apreciada uma dimensão diversa daquela que aparentemente resultaria da atendibilidade de segmentos isolados.

Essa dimensão resulta ainda mais evidente quando, em face de uma resposta inequívoca sobre o nexo de causalidade, se nos apresentam alguns factos que não passam de opiniões que foram emitidas por alguns clínicos, mas sem o valor suficiente – que de todo o modo este Supremo não poderia reavaliar, por constituir matéria de facto – para rebater os efeitos que decorrem da resposta decisiva ao facto controvertido sobre o nexo de causalidade.

Provou-se efetivamente que:

- Um neurologista que consultou concluiu que as cefaleias hemi-cranianas esquerdas, tipo aperto, acrescidas de vertigens quando realiza movimentos cefálicos rápidos associados a náuseas e vómitos, constituem o traumatismo de que a A. sofre desde Fevereiro de 2011.

- Na consulta de psiquiatria a A. manifestou cefaleia na região corporal esquerda, tristeza, desânimo, impossibilidade de se deslocar de bicicleta, fobia aos supermercados, complicação nas tarefas domésticas, concluindo o médico que a mesma padece de perturbações de adaptação de índole depressiva prolongada, e pelo profundo sofrimento que apresenta deverá ser englobado no/CAP X; II 2.23- GRAU III- Perturbações com acentuada modificação dos poderes de atividade diária (0,20-0,39) - 0,30 - Trinta por Cento.

Como se disse, apesar destas declarações, as instâncias, laborando a partir de elementos dotados de maior credibilidade do que aqueles que foram emitidos no âmbito de uma relação médico-doente, atribuíram ao relatório pericial um fator de credibilização mais elevado que as levou a negar a existência do referido nexo de causalidade entre o evento e a situação clínica da A.

Neste contexto, não existem elementos que sustentem o alargamento da responsabilidade civil para além do curto segmento dos danos que foram considerados pelas instâncias, já que o nexo de causalidade que se apurou está limitados aos danos que foram considerados pela Relação.


8. Relativamente a estes danos mais circunscritos, não existe motivo algum para alterar o valor da indemnização que foi arbitrada, tanto mais que também não se provou que em consequência da queda do cavalete a A. passou noites em claro com as dores que sentia.

O que de relevante se provou com interesse para o caso está sintetizado no anterior ponto 2. e a partir daí podemos confirmar, como a Relação, que houve um incidente que não foi imputável à A. e que deve ser imputado à Interveniente CC, SA, na medida em que ocorreu no domínio da sua atividade de exploração de estabelecimentos abertos ao público.

Nessa qualidade e com base na argumentação exposta na motivação do acórdão recorrido, a partir dos efeitos decorrentes do dever de prevenção que recaíam sobre a R. Interveniente que desenvolve uma atividade exploração de estabelecimento comercial de supermercado, cabia-lhe proceder à sua organização interna de modo a obviar, além do mais, à queda de elementos instáveis suscetíveis de provocar danos nos clientes que ao mesmo estabelecimento de se deslocam.

Trata-se, aliás, de conclusão que não foi questionada pela referida Interveniente e que, assim, se tem por definitiva.

Do incidente resultaram danos físicos para a A., embora sejam de pequena gravidade aqueles relativamente aos quais se estabeleceu o nexo de causalidade adequada, não permitindo a atribuição de uma indemnização superior à que foi arbitrada pela Relação.


IV – Face ao exposto, acorda-se em negar provimento à revista, confirmando o acórdão recorrido.

Custas a cargo da recorrente.

Notifique.


Lisboa, 22-3-18


Abrantes Geraldes (Relator)

Tomé Gomes

Maria da Graça Trigo