Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4822/06.0TVLSB
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: OLIVEIRA ROCHA
Descritores: DIREITO À IMAGEM
DIREITO À INTIMIDADE
DIREITO À VIDA PRIVADA
EMPRESAS DE COMUNICAÇÃO SOCIAL
LEGITIMIDADE
COLISÃO DE DIREITOS
CÓDIGO DEONTOLÓGICO DO JORNALISTA
INDEMNIZAÇÃO
DANO NÃO PATRIMONIAL
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 12/17/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA QUANTO À RÉ CC E NEGADA A REVISTA QUANTO AO RÉ BB
Sumário :

1. Em acção cível para ressarcimento dos danos provocados por factos cometidos através da imprensa, os responsáveis, de acordo com o nº 2 do art. 29º da Lei 2/99, e 13 de Janeiro, são, para além do autor do escrito ou imagem, a empresa jornalística e não o director do periódico ou o seu substituto legal, mesmo que se prove que tiveram conhecimento prévio da publicação do escrito ou imagem em causa.
2. A expressão «empresas de comunicação social» utiliza-se para referir, sinteticamente, as pessoas singulares ou colectivas (qualquer que seja a sua forma ou tipo) que exercem, em nome e por conta própria e de um modo organizado, uma actividade de recolha, tratamento e divulgação de informações destinadas ao público, através da imprensa, do cinema, da televisão e de outros meios análogos.
3. Por aplicação do disposto no citado art. 335º do C. Civil, há que entender que a liberdade de expressão não possa (e não deva) atentar contra os direitos à reserva da intimidade da vida privada e à imagem, salvo quando estiver em causa um interesse público que se sobreponha àqueles e a divulgação seja feita de forma a não exceder o necessário a tal divulgação.
4. O jornalista deve relatar os factos com rigor e exactidão e interpretá-los com honestidade.
5. O dano constitui a razão de ser do instituto da responsabilidade civil, seja ela contratual, seja extracontratual.

Ora, também se perfila como igualmente relevante o princípio da salvaguarda do bom nome e reputação individuais, à imagem e reserva da vida privada e familiar - art. 26°, n°1, da mesma LF.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

1.
AA intentou acção, sob a forma ordinária, contra BB e CC, pedindo a condenação solidária destes no pagamento da quantia de 40.000,00 euros, a título de indemnização por danos morais.
Alega, em síntese, que, na edição nº 1405 da «Nova Gente», foi publicada uma reportagem com manchete na capa sob o título: «DD e AA - Juntos no Algarve - O Romance surpresa deste Verão». As fotografias da autora e de DD foram tiradas a grande distância, dissimulando o autor das mesmas a sua presença, e nem a autora nem o DD deram autorização para a sua feitura e divulgação. As fotografias são acompanhadas de legendas, desenvolvendo a ideia de que a autora e DD manteriam uma relação amorosa. As fotografias e reportagem não estão assinadas. O 1º réu era, à época, proprietário da «Nova Gente» e o 2º réu é jornalista e era, também à época, o director da revista, que teve conhecimento da publicação das fotografias e da reportagem.

Os réus contestaram, dizendo que se contiveram no direito de informar, sendo, de qualquer modo, exagerado o valor peticionado.

Saneado, instruído e julgado o processo, foi proferida sentença, que condenou os réus a pagarem à autora, solidariamente, a quantia de 4.000 €.

Inconformados, tanto a autora com os réus recorreram para o Tribunal da Relação de Lisboa, que julgou improcedente o recurso de apelação interposto pelos réus e parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pela autora, revogando a sentença na parte em que fixou o valor da indemnização em 4.000,00 € e, em sua substituição, fixou o mesmo em 12.000,00 €, valor em cujo pagamento condenou os réus, solidariamente, pelos danos não patrimoniais causados à autora.

Irresignados, os réus pedem revista.

Concluíram a alegação do recurso pela seguinte forma:
Não se conformam os réus com o acórdão recorrido, pois que os penalizam a triplicar, relativamente à sentença proferida em 1.a Instância, da qual recorreram;
É a Impala - Serviços Editoriais, S.A., anteriormente denominada Impala - Sociedade Editorial, S.A., que se dedica à edição e comercialização de revistas, de entre as quais a "Nova Gente";
O Mº Juiz a quo fez uma errada aplicação da Lei de Imprensa, ao condenar os réus;
Na Lei de Imprensa, o director não é civilmente responsável, mas sim a empresa jornalística com o autor;
O réu BB não é uma empresa jornalística;
O réu CC é um mero assalariado da Impala - Serviços Editoriais, S.A;
Nos termos da Lei de Imprensa, a empresa jornalística é responsável pelas decisões tomadas pelo director que elegeu, havendo, assim, uma culpa in eligendo;
Quem lucra com a publicação dos artigos é a empresa jornalística e não o director da revista, nem tão pouco o seu proprietário, até porque, no caso em apreço, o primeiro é assalariado, sendo que ambos recebem o mesmo montante, quer as vendas aumentem ou diminuam;
Parece-nos, salvo o devido respeito, que o Mº Juiz a quo vem tentar "emendar a mão" da autora, pois que a mesma não demandou a empresa jornalística, nem o autor do texto ou imagem, mas sim o proprietário e o director;
A Lei de Imprensa contém um preceito próprio que afasta a responsabilidade do director e do proprietário;
Salvo melhor opinião, o Mº Juiz a quo confundiu os regimes da responsabilidade em matérias de imprensa;
Ao tratar-se da liberdade de imprensa e do seu âmbito, lê-se em Liberdade de Imprensa e Vida Privada, Dr. Ricardo Leite Pinto, ROA, Ano 54, 60: «Preferimos, pois, a expressão de Enrique Ruiz Vadillo, quando este fala em "direito de todos a uma informação objectiva, não verdadeira ( ... ), mas, em todo o caso, de boa fé, para procurar sempre a verdade, e este direito compreende também o de rectificação e réplica»;
«O que tanto monta dizer que não existe uma hierarquia constitucionalmente fundada entre os dois direitos. A liberdade de imprensa não é mais do que a intimidade da vida privada, nem esta tem valor superior àquela».
Ao tratar-se dos bens jurídicos incluídos no âmbito de protecção do direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar, lê-se no mesmo artigo: «Com efeito o "muro da vida privada" é mais baixo, por exemplo, em relação a certas categorias de pessoas, como as apelidadas vedetas ou os titulares de cargos políticos»;
Vulgares dores e incómodos, indisposições e arrelias comuns não conferem direito à indemnização por danos morais;
A autora sentiu, por força dos factos dos autos, e apenas, em face da matéria provada na sentença: - incómodo e embaraço; incómodo, chatice, zanga e fúria; embaraço, incómodo e indignação; embaraço e incómodo no contacto diário; receio de se gerar um juizo de maledicência;
Trata-se de juízos de valor, sentidos pela própria, os quais, em face da prova produzida, não se demonstrou que tivessem sido revelados à autora por manifestações de terceiros;
As fotos foram tiradas em local público (praia) e de acesso do público;
Os próprios termos usados na resposta à matéria de facto mostram que à autora foram causados meros incómodos e aborrecimentos, sem que, repete-se, tivessem sido despertados à autora por manifestações de terceiros;
A imputação de um romance entre duas pessoas não materializa uma noção de desprimor ou menosprezo por essas pessoas;
A autora sofreu meros incómodos pela publicação dos autos, sendo que apenas os danos merecem a tutela jurídica;
O valor pedido a título de danos morais, tal como se fixou na sentença, sempre foi indevido pelos réus, mas, ainda que assim não se entendesse, seria exagerado;
No entanto, no acórdão recorrido, mantém-se a fundamentação de facto da 1a Instância, tendo apenas os Venerandos Desembargadores resolvido triplicar o montante, abstendo-se de verificar os vícios de legitimidade existentes desde o inicio;
Por erro de interpretação, violaram a sentença e o acórdão recorridos o disposto nos artigos 496°, nº1 e 483°, nº1, ambos do Código Civil.

Nas contra-alegações, a autora sustenta que a invocada ilegitimidade é uma questão nova, não podendo, por isso, ser objecto do recurso.
Em qualquer caso, não é a IMPALA - pelo menos, à época - que é dona da revista NOVA GENTE, mas sim BB.
Quanto ao mais, pronunciam-se pela manutenção do acórdão recorrido.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

2.
Estão provados os seguintes factos:
Na edição nº 1405, publicada a 20 de Agosto de 2003, a Revista «Nova Gente» publicou uma reportagem, que mereceu manchete na capa e desenvolvimento nas páginas 66 e 67, sob o título «DD e AA - Juntos no Algarve -­ O Romance surpresa deste Verão», com as fotografias que aqui se mostram impressas, cfr. doc. de fls. 11 a 33, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
A reportagem das páginas 66 e 67 é apresentada sob o título «AA e DD - Novo Romance em tempo de férias» cfr. doc. de fls. 12 e 13.
As fotografias da página 66, sob o título «Algarve de Cenário a novo par romântico», são acompanhadas das seguintes legendas: «É bem visível a cumplicidade entre AA e DD na última semana de férias juntos» e «Pessoas que vivem na região não têm dúvidas: os actores não escondem o carinho que sentem um pelo outro».
Na reportagem, é destacado o seguinte: «O namoro do Verão, escondido a sete chaves, foi descoberto pela Nova Gente no Algarve. O casalinho - surpresa trata-se de DD, apresentador do Passo a Palavra, na RTP 1, e AA, actriz. Em dias quentes de praia, o novo par mediático mostrou uma enorme cumplicidade e muito carinho um pelo outro» cfr. doc. de fls. 12.
Também é destacado o seguinte: «DD e AA vivem, com discrição, dias de felicidade» cfr. cit. doc. de fls. 13.
Na reportagem, é desenvolvida a ideia com o seguinte texto: « (...) Em animados dias de praia da Cancela Velha, DD e AA são vistos a trocar beijos discretos, carícias e a conversar com grande intimidade, como um qualquer casal em início de namoro.
Pessoas que vivem na região confirmam o romance. "Eles vivem juntos aqui. Abraçam-se e não escondem o carinho mútuo", disse um empregado de mesa. Alguns barqueiros também confirmam que DD e AA mantêm algo para além de uma simples amizade. "Eles vêm juntos para a praia. Dá para perceber que estão a ter um caso". A prova mais viva do romance, segundo uma das vizinhas de DD, é o facto da AA passar algumas noites na casa algarvia do apresentador. "Ele está com as filhas e com a AA" garantiu - cfr. cit. doc. de fls. 12 e 13.
A revista reconhece, a certa altura do texto da reportagem, que: «A actriz manteve sempre a sua vida longe das páginas das revistas», cfr. cit. doc. de fls. 13.
A fotografia da capa, em forma circular, recortada num quadrado, foi feita para induzir a ideia da visão por binóculo, com o propósito de aguçar a curiosidade dos leitores mais sensíveis e permeáveis a este tipo de notícia.
Todas as fotografias da autora e do actor DD, quer as da capa, quer as das páginas 66 e 67, foram tiradas a grande distância do alvo, com recurso a poderosas teleobjectivas, não permitindo aos visados, nem às pessoas que estavam nas imediações, aperceberem-se de que estavam a ser fotografados.
O autor das fotografias dissimulou propositadamente a sua presença, de maneira a que a autora e o actor DD não dessem conta de que estavam a ser fotografados.
Tais fotografias foram obtidas na praia, enquanto a autora e o actor DD conversavam, despreocupadamente, durante as suas férias.
Nem a autora, nem o actor DD, deram autorização para a feitura e divulgação das fotografias, de que só tiveram conhecimento com a publicação da revista em causa.
A perspectiva de que as fotografias são tiradas, expondo, em grande plano, as pernas e as nádegas desta, enquanto a mesma falaria ao ouvido do actor, causaram à autora incómodo e algum embaraço.
A autora, por regra, mantém recato relativamente à sua vida privada, tentando salvaguardar, na medida do possível, a sua imagem e privacidade, bem como as das pessoas das suas relações.
A salvaguarda da sua imagem e privacidade e das pessoas das suas relações são valores que a autora reputa de fundamentais.
A autora esforçou-se por manter a sua vida pessoal longe das páginas das revistas, ao longo de 20 anos de carreira pública, só permitindo, em casos muito excepcionais, que as páginas das revistas se referissem a aspectos da sua vida pessoal, com o seu consentimento prévio.
Em virtude da publicação das referidas fotografias e de todo o conteúdo da reportagem em geral, a autora sentiu-se incomodada, chateada, zangada e furiosa.
A autora sempre pautou a sua vida pessoal pela discrição e recato, embora sejam reconhecidos alguns relacionamentos amorosos estáveis que a autora manteve.
Ao deparar-se com estas fotografias e reportagem, a autora sentiu algum embaraço, incómodo e indignação.
A autora sentiu algum embaraço e incómodo no contacto diário com as pessoas, desde colegas de profissão, conhecidos e até à pessoa anónima com quem se cruza na rua.
A autora sentiu receio de, desta forma, se gerar em relação à sua pessoa um juízo de maledicência decorrente da intimidade revelada e de exibir tal intimidade numa revista.
Os autores das fotografias e da reportagem sabiam que, com a sua publicação, utilizavam a imagem da autora e referiam-se à intimidade da sua vida privada.
A «Nova Gente» é uma revista de grande divulgação nacional, com tiragem de cerca de 180.000 exemplares, cuja capa é habitualmente exposta, com grande visibilidade, nos escaparates dos postos de venda de imprensa.
As fotografias e reportagem em apreço tiveram uma enorme divulgação entre a população portuguesa.
As fotografias e a reportagem foram publicadas na revista «Nova Gente» sem que a direcção da revista se tenha oposto aos títulos, legendas e destaques assinalados.
A autora é uma actriz com grande notoriedade, reconhecida pelo seu talento e mérito profissional.
A autora tem um curso de formação de actores do Conservatório Nacional e desenvolve, há mais de 20 anos, a sua actividade artística no teatro, cinema e televisão.
O 1° réu era, à época, o dono da «Nova Gente».
O 1° réu é um dos principais donos do Grupo «Impala», que é um dos mais importantes e lucrativos grupos da comunicação social portuguesa.
O 2° réu era director da Revista «Nova Gente» e não se opôs à publicação das fotografias e reportagem em causa.

3. O Direito.
Delimitado que está pelas conclusões da alegação o objecto do recurso, a menos que se trate de matéria de conhecimento oficioso não decidida por sentença transitada em julgado, as questões a apreciar são as seguintes:
Os réus são parte ilegítima, pois quem deveria ter sido demandado era a empresa jornalística e o autor do texto ou imagem?
A não se entender assim, os réus não podem ser condenados, visto que a autora não sofreu qualquer dano?

Nas contra-alegações, como se referiu, a autora defende que a invocada ilegitimidade é uma questão nova, não podendo, por isso, ser objecto do recurso.
É verdade que, do específico ponto de vista da instância recursiva, tem-se por certo que, como é jurisprudência uniforme, sendo os recursos meios de impugnação das decisões judiciais, destinados à reapreciação ou reponderação das matérias anteriormente sujeitas à apreciação do tribunal a quo e não meios de renovação da causa através da apresentação de novos fundamentos de sustentação do pedido (matéria não anteriormente alegada) ou formulação de pedidos diferentes (não antes formulados), ou seja, visando os recursos apenas a modificação das decisões relativas a questões apreciadas pelo tribunal recorrido (confirmando-as, revogando-as ou anulando-as) e não criar decisões sobre matéria nova, salvo em sede de matéria indisponível, a novidade de uma questão, relativamente à anteriormente proposta e apreciada pelo tribunal recorrido, tem inerente a consequência de encontrar vedada a respectiva apreciação pelo Tribunal ad quem (art. 676º CPC).

Mas não é o que sucede quanto a esta questão.
Com a entrada em vigor da actual versão do CPC, dada pelos DL. nºs 329-A/95, de 12.5 e 180/96, de 25.9, o Assento do STJ de 1.2.63 deixou de ter aplicação, pelo que a declaração genérica, feita no saneador, sobre a legitimidade das partes, não faz caso julgado formal (v. art. 510º, nº 3, do CPC).
O que nos mostra o despacho saneador é que o tribunal apenas se pronunciou genericamente sobre a legitimidade das partes, considerando-as legítimas.

Sendo assim, e constituindo a ilegitimidade uma excepção dilatória, de conhecimento oficioso (arts. 494º, al. e) e 495º, do CPC), não está este Tribunal impedido de se pronunciar sobre esta matéria.

Dispõe o nº 2 do art. 29º da Lei 2/99, e 13 de Janeiro, que aprovou a Lei de Imprensa:
“No caso de escrito ou imagem inseridos numa publicação periódica com conhecimento e sem oposição do director ou seu substituto legal, as empresas jornalísticas são solidariamente responsáveis com o autor pelos danos que tiverem causado”.
O que significa que, ao contrário do que é entendimento comum, em acção cível para ressarcimento dos danos provocados por factos cometidos através da imprensa, os responsáveis, de acordo com o nº 2 deste artigo, são, para além do autor do escrito ou imagem, a empresa jornalística e não o director do periódico ou o seu substituto legal, mesmo que se prove que tiveram conhecimento prévio da publicação do escrito ou imagem em causa (cfr. A Nova Lei de Imprensa de J. M. Coutinho Ribeiro, pag. 47, nota 2).
O que vale por dizer que a razão está do lado dos recorrentes no que tange ao réu CC.

O mesmo não se passa, porém, relativamente ao réu BB.
De facto, vem provado que este réu era, à época, o dono da «Nova Gente», sendo irrelevante a alegação que fazem os recorrentes no sentido de que este réu não é uma empresa jornalística.
Sem necessidade de entrar aqui no debate sobre o conceito de empresa - a expressão empresa é utilizada pela lei com diversos significados, que podem reconduzir-se a três principais: empresa-pessoa, empresa-objecto e empresa-actividade -, dir-se-á que se utiliza a expressão «empresas de comunicação social» para referir, sinteticamente, as pessoas singulares ou colectivas (qualquer que seja a sua forma ou tipo) que exercem, em nome e por conta própria e de um modo organizado, uma actividade de recolha, tratamento e divulgação de informações destinadas ao público, através da imprensa, do cinema, da televisão e de outros meios análogos (v. Luís Brito Correia, in Direito da Comunicação Social, Vol. I, pags. 239 e 240).
Era o que sucedia com o 1º réu, como decorre da factualidade assente, pelo que, nesta parte, as conclusões do recurso terão, necessariamente, de improceder.

Na 2ª questão está em causa saber se a reportagem publicada na edição nº 1405, de 20 de Agosto de 2003, da Revista «Nova Gente», que mereceu manchete na capa e desenvolvimento nas páginas 66 e 67, sob o título «DD e AA - Juntos no Algarve - ­O Romance surpresa deste Verão», com as fotografias que aqui se mostram impressas, viola o direito à imagem, à intimidade e à defesa da vida privada da autora e, em caso afirmativo, determinar o valor indemnizatório correspondente aos danos não patrimoniais por ela sofridos.

As alegações do recurso e respectivas conclusões em nada põem em crise a bondade da decisão da 2ª instância quanto a esta questão, que é correcta e devidamente fundamentada, pelo que bem se poderia, usando da faculdade remissiva prevista no nº 5 do art. 713º do C.P.Civil, remeter para os fundamentos da decisão impugnada.

No entanto, e sem pretender dizer algo de muito diferente, permita-se-nos aduzir mais alguns argumentos em abono da tese consagrada no acórdão recorrido.

Os recorrentes fazem assentar a sua discordância relativamente ao acórdão impugnado nos seguintes fundamentos:
- A liberdade de imprensa não é mais do que a intimidade da vida privada, nem esta tem valor superior àquela.
- O "muro da vida privada" é mais baixo em relação a certas categorias de pessoas, como as apelidadas vedetas ou os titulares de cargos políticos.
- Vulgares dores e incómodos, indisposições e arrelias comuns não conferem direito à indemnização por danos morais.

O princípio fundamental a respeitar nos casos de colisão de direitos está formulado no art. 335º do C.Civil e, embora este diploma legal seja uma lei ordinária, que não se sobrepõe à Constituição, este preceito consagra um princípio, que a doutrina tem acolhido como princípio geral de direito.
Assim, a lei, incluindo a constitucional, deve ser encarada como uma unidade, devem ser respeitados todos os direitos nela consagrados.
“Quando isso não seja possível, deve seguir-se o princípio da concordância prática, isto é, devem procurar-se soluções concretas que harmonizem, na medida do possível, os preceitos divergentes e que distribuam de modo proporcional os custos do conflito.
Sendo os direitos iguais ou da mesma espécie, deve cada um dos titulares ceder um pouco da sua liberdade para que o outro goze igualmente a dele.
Se os direitos forem desiguais ou de espécie diferente, prevalece o superior” (ob. cit. de Luís Brito Correia, pag. 574).
Ou, como ensina Pessoa Jorge (Pressupostos da Responsabilidade Civil, pág. 201), no nº 2, do art. 335º do C.Civil “estabelece-se, na hipótese de colisão de direitos desiguais ou de espécie diferente, a prevalência do que se considerar superior, a definir em concreto”.
Contudo, mesmo o direito inferior deve ser respeitado até onde for possível e apenas deve ser limitado na exacta proporção em que isso é exigido pela tutela razoável do conjunto principal de interesses.

A apreciação da questão que ora nos ocupa tem de fazer-se dentro do âmbito da chamada “liberdade de imprensa”, enquanto valor constitucionalmente protegido, e dos seus limites face a valores igualmente merecedores de tutela do direito.
Nenhumas dúvidas existem quanto à dignidade constitucional do princípio fundamental da liberdade de expressão e do direito de informação (“liberdade de informar”, “de se informar” e “de ser informado”).
Neste sentido, podem ser convocados os princípios plasmados no art. 19° da Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 10-12-48 e no art. 10°, n°1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, de 4-11-50, (integradas no direito interno “ex-vi” do art. 8º da CRP) e com consagração constitucional - arts. 37°, n°s 1 e 2, e 38°, n°s 1 e 2 - Título II - Direitos, Liberdades e Garantias -, da CRP.
Todos têm o direito de exprimir e de divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o de informar, de se informar e de ser informado, sem impedimentos nem discriminações, sendo certo que a todas as pessoas, singulares ou colectivas, é assegurado, em condições de igualdade e eficácia, o direito de resposta e de rectificação, bem como o direito a indemnização pelos danos sofridos (art. 37º).

Por isso, os direitos em colisão com a liberdade de expressão só podem prevalecer sobre esta na medida em que a própria Constituição os acolha e valorize.
Ora, também se perfila como igualmente relevante o princípio da salvaguarda do bom nome e reputação individuais, à imagem e reserva da vida privada e familiar - art. 26°, n°1, da mesma LF.
Neste sentido, prescreve o art. 70° do C. Civil que “a lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral”, encontrando-se esta tutela geral de personalidade integrada por direitos como, por exemplo, o direito à vida, à integridade física, à liberdade, ao bom nome, à honra, à reserva da sua vida íntima e familiar, à saúde, à intimidade, à inviolabilidade do domicílio e da correspondência, ao repouso e ao descanso.

Consideraram as instâncias que tanto o texto da reportagem como a sua ilustração fotográfica tipificavam, por parte da revista Nova Gente, uma situação de nítida violação dos direitos de personalidade da autora: o direito à reserva da intimidade da vida privada e o direito à imagem (arts. 79º, nº 1, e 80º, nºs 1 e 2, do C.Civil.

Os dois direitos em causa são direitos fundamentais de personalidade, protegidos civilmente, mas também, e desde logo, reconhecidos como tal na Constituição, que os autonomizou no capítulo da Parte I, consagrado aos Direitos, Liberdades e Garantias Pessoais.
“O serem direitos fundamentais de personalidade não significa outra coisa senão que toda e qualquer pessoa - pobre ou rica, famosa ou desconhecida, sábia ou ignorante - pelo simples facto de o ser, é sua titular”.
“Impõem-se, por definição, ao respeito de todas as pessoas, sendo, nesse sentido, direitos absolutos” (cfr. Ac. do STJ, de 14.6.2005, in www.dgsi.pt – Rel. Cons. Nuno Cameira).
São direitos inatos, absolutos, inalienáveis e irrenunciáveis, “dada a sua essencialidade relativamente à pessoa, da qual constituem o núcleo mais profundo” (Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4ª edição, por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, pág. 215).
Podem, no entanto, ocorrer - é o exemplo dos presentes autos - situações em que aqueles dois direitos entrem em conflito ou colisão.
Nessa eventualidade, e por aplicação do disposto no citado art. 335º do C. Civil, há que entender que a liberdade de expressão não possa (e não deva) atentar contra os direitos à reserva da intimidade da vida privada e à imagem, salvo quando estiver em causa um interesse público que se sobreponha àqueles e a divulgação seja feita de forma a não exceder o necessário a tal divulgação (v. Ac do STJ, de 26-9-00, in CJ, Tomo III, pág. 42).

A autora é uma actriz com grande notoriedade, reconhecida pelo seu talento e mérito profissional, o que a torna, naturalmente, conhecida em toda a parte e, em consequência disso, alvo da curiosidade, por vezes mórbida, de um grande número de pessoas.
Por essa razão, como é referido no citado aresto de 14.6.2005, é obrigada a “pagar, quer queira, quer não, o preço da fama que granjeou. As coisas são assim, assim se passam, e o tribunal não pode alhear-se delas, sob pena de proferir uma decisão desfasada da realidade, ou que da realidade só vê uma faceta. Simplesmente, “pagar” o preço da fama, ser uma figura pública, não significa ter que renunciar antecipadamente aos direitos de personalidade, abdicando deles na totalidade e sujeitando-se à invasão e devassa da privacidade em toda e qualquer circunstância”.

Prescreve a lei - art. 80º, nº 2, do CC - que a extensão da reserva é definida conforme a natureza do caso e a condição das pessoas. São estes os dois elementos, um objectivo e outro subjectivo, em função dos quais se delimita a protecção do titular do direito. Ora, na situação ajuizada, nada, absolutamente nada, podia justificar a conduta do réu, excepto o consentimento da autora, que não foi dado.
Ao agir como agiu, praticou um facto ilícito, violando frontalmente os direitos de personalidade da autora.
A ilicitude não é de modo algum excluída pela circunstância de a autora ser uma actriz conhecida, uma pessoa famosa, desde logo, e seguindo, ainda, a doutrina do acórdão de 14.6.2005, porque a reportagem publicada e as fotografias impressas não apresentam nenhuma relação directa ou indirecta com a sua profissão, com a sua vida pública, com a sua condição de actriz. Por outro lado, porque, antes disso, ela é uma pessoa, que, como qualquer outra, seja qual for a sua condição, tem o direito de resguardar a privacidade e de preservar a imagem, impedindo a sua exposição e divulgação sem prévio consentimento. Finalmente, como se consigna no acórdão recorrido, “a autora encontrava-se no gozo de férias, qual cidadão anónimo, numa praia, no meio da multidão, exercendo o seu direito ao descanso, privando com o seu círculo de amigos. Estamos no domínio da esfera privada. Também não pode justificar a colheita de imagens, com o facto de a praia ser um local público. Desde logo, em causa não está a imagem enquadrada na de lugares públicos. Com efeito, trata-se de fotografias tiradas a longa distância, em que a autora e o seu acompanhante aparecem destacados do contexto (da multidão da praia) e em primeiro plano. Acresce que a forma como se posicionava a autora e acompanhante, deitados na areia, no meio dos veraneantes, permitia uma maior subtracção a olhares indiscretos, pois que apenas eram acessíveis aos circundantes”.
No caso ajuizado, sucede até que nem mesmo um critério de avaliação muito largo e menos exigente poderia levar à conclusão de que o réu quis informar o público leitor ou noticiar o que quer que fosse, assim exercendo o direito de liberdade de informação.
Basta atentar no título da reportagem «AA e DD - Novo Romance em tempo de férias» e onde é destacado: «O namoro do Verão, escondido a sete chaves, foi descoberto pela Nova Gente no Algarve. O casalinho - surpresa trata-se de DD, apresentador do Passo a Palavra, na RTP 1, e AA, actriz. Em dias quentes de praia, o novo par mediático mostrou uma enorme cumplicidade e muito carinho um pelo outro». «DD e AA vivem, com discrição, dias de felicidade».
Na mesma reportagem, é desenvolvida a ideia com o seguinte texto: « (...) Em animados dias de praia da Cancela Velha, DD e AA são vistos a trocar beijos discretos, carícias e a conversar com grande intimidade, como um qualquer casal em início de namoro.
Por seu turno, as fotografias da página 66, sob o título «Algarve de Cenário a novo par romântico», são acompanhadas das seguintes legendas: «É bem visível a cumplicidade entre AA e DD na última semana de férias juntos» e «Pessoas que vivem na região não têm dúvidas: os actores não escondem o carinho que sentem um pelo outro».

A Lei de Imprensa de 1999 dispõe no seu art. 3º que “A liberdade de imprensa tem como únicos limites os que decorrem da Constituição e da lei, de forma a salvaguardar o rigor e a objectividade da informação, a garantir os direitos ao bom nome, à reserva da intimidade da vida privada, à imagem e à palavra dos cidadãos e a defender o interesse público e a ordem democrática”.
E, segundo o Código Deontológico, o jornalista deve relatar os factos com rigor e exactidão e interpretá-los com honestidade.
Rigor significa exactidão ou precisão na aplicação prática de uma norma. No caso de informações, o rigor significa que a descrição corresponde à realidade: não é falseada, distorcida nem vaga.
Exactidão significa correcção, apreciação justa ou rigorosa, cumprimento rigoroso e diligente dos deveres.
Objectividade é a qualidade de quem descreve as coisas como elas realmente são, sem se deixar influenciar por preferências pessoais.
Isenção é a qualidade de quem descreve as coisas com imparcialidade, com independência, sem se deixar influenciar pelos seu próprios interesses ou dos interesses de terceiros a quem deseja servir (ob. cit. de Brito Correia, pag. 578).

Dos factos supra transcritos vê-se que o intuito que presidiu à publicação não foi, nem o de informar, nem o de, como um mínimo de rigor e objectividade, dar a conhecer aos leitores factos da vida da autora revestidos de interesse público.
O objectivo foi outro, muito claramente.
O réu quis vender o maior número possível de exemplares da revista Nova Gente, aumentando os seus lucros.
Para tanto, serviu-se de imagens do círculo da esfera privada da autora, enquadradas por legendas de teor mais ou menos sensacionalista, cujo efeito, normalmente, é o de excitar a curiosidade do público, induzindo-o a comprar (pelo menos daquele sector do público, que o há, predisposto, à partida, a interessar-se por conhecer pormenores da vida das pessoas ditas "famosas"), como, com toda a propriedade, se pode ler ainda no citado aresto do STJ de 14.6.2005.

O pedido da autora assenta na previsão do art. 483º do C. Civil.
Por força do nº1 deste preceito legal, a responsabilização dos réus só alcança consistência se se verificaram todos os requisitos contidos no mesmo, a saber: o facto, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Ocorre responsabilidade civil sempre que uma pessoa deva reparar o dano causado a outra.
“A função primária da responsabilidade civil é reparadora”.
“…a existência de prejuízos apresenta-se como pressuposto indispensável e, mesmo nos casos em que na graduação da indemnização se atende à gravidade do ilícito, nunca tal graduação vai ao ponto de determinar indemnização superior aos prejuízos sofridos; também esta preocupação de evitar que a indemnização determine um enriquecimento da vítima se encontra no instituto da compensatio lucri cum damno” (Pessoa Jorge, Ensaio Sobre Os Pressupostos Da Responsabilidade Civil, pag. 52).
O dano é, ao cabo e ao resto, a razão de ser do instituto da responsabilidade civil, seja ela contratual, seja extracontratual.
Sem dano não há, pois, responsabilidade.
Os danos morais ou prejuízos de ordem não patrimonial - os únicos que aqui estão em causa - são prejuízos insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens que não integram o património do lesado.

Porque é assim, a obrigação de os ressarcir tem mais uma natureza compensatória do que indemnizatória, sem esquecer, contudo, que não pode deixar de estar presente a vertente sancionatória (Prof. A. Varela, Das Obrigações em Geral, I vol., p. 630, 9a ed.).
O chamado dano de cálculo não serve para aqui. Por isso, a lei lançou mão de uma forma genérica, mandando atender só àqueles danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (art. 496° nº 1 do CC), gravidade que deve ser apreciada objectivamente, como ensina o Prof. A. Varela (obra cit. p. 628).
Por outro lado, a lei remete a fixação do montante indemnizatório por estes danos para juízos de equidade, haja culpa ou dolo (art. 496°, nº 3 do CC), tendo em atenção os factores referidos no art. 494° (grau de culpabilidade do agente, situação económica deste e do lesado e quaisquer outras circunstâncias).
Assim, o julgador deve ter em conta todas as regras de boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida, sem esquecer a natureza mista da reparação, pois visa-se reparar o dano e também punir a conduta. Cumpre aqui, ainda, salientar que a velha distinção feita por M. Andrade entre culpa lata, leve e levíssima (Teoria Geral das Obrigações, 2a ed., p. 341-342) mantém actualidade e tem aqui cabimento (P. Lima e A. Varela, CC Anotado, I, p. 497).
Hoje, não sofre dúvida a indemnização do dano não patrimonial, como claramente resulta do art. 496°. Ponto é que, pela sua gravidade, medida por padrões objectivos, tal dano mereça a tutela do direito.

Os factos dados como assentes neste âmbito constituem, no seu conjunto, muito mais do que meros incómodos sem relevância jurídica: são, na verdadeira acepção da palavra, lesões - e lesões suficientemente graves para merecerem a protecção do direito - de aspectos essenciais dos direitos de personalidade atingidos.
Igualmente o montante da indemnização arbitrado pela Relação se apresenta como justo e equitativo.

4.
Face ao exposto, decide-se:
- Conceder a revista relativamente ao réu CC, revogando, nessa parte, a decisão recorrida e, em consequência, absolvendo-o da instância;
- Negar a revista quanto ao réu BB.

Custas pelo recorrente BB.

Lisboa, 17 de Dezembro de 2009
Oliveira Rocha (Relator)
Oliveira Vasconcelos
Serra Baptista