Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2952/19.8T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: NUNO PINTO OLIVEIRA
Descritores: CONTRATO DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
CLÁUSULA DE EXCLUSIVIDADE
DIREITO À RETRIBUIÇÃO
DENÚNCIA
PROPRIETÁRIO
BEM IMÓVEL
CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA
NEGOCIAÇÕES PRELIMINARES
Data do Acordão: 04/22/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
Em contratos de mediação imobiliária com cláusula de exclusividade, a empresa terá direito à remuneração acordada nos casos em que o negócio visado não se concretize por causa imputável ao cliente proprietário do bem imóvel.
Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I. — RELATÓRIO

1. Worldwidexl, Lda., demandou AA e BB pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de € 42.066,00, à qual acrescem juros de mora, à taxa legal (comercial), desde a citação até integral pagamento.

2. Os Réus contestaram, defendendo-se por impugnação e requerendo a condenação da Autora como litigante de má fé.

3. A Autora respondeu, alegando não ter litigado de má fé.

4. O Tribunal de 1.ª instância julgou a acção improcedente, absolvendo os Réus do pedido.

5. Inconformada, a Autora interpôs recurso de apelação.

6. Os Réus contra-alegaram, pugnando pela confirmação da sentença recorrida.

7. O Tribunal da Relação de Lisboa julgou procedente o recurso.

8. O dispositivo do acórdão recorrido é do seguinte teor:

Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação procedente e, consequentemente, revogando-se a sentença, condenam-se os réus a pagar à autora a quantia objecto do pedido, i. é, € 42.066,00, acrescido dos juros de mora, à taxa legal prevista para os juros comerciais, desde a citação até integral pagamento.

9. Inconformados, os Réus interpuseram recurso de revista.

10. Finalizaram a sua alegação com as seguintes conclusões:

A) O douto Acórdão recorrido merece censura no segmento Decisório com condenação dos Réus no pedido porque desatende a factos de relevo no contexto do desenvolvimento dos contactos entre Recorrente e Recorrida;

B) Nomeadamente não compaginou a minuta do Contrato-Promessa enviado pela Recorrida em 27-X-18 com as condições do escrito, constantes do ponto 3. dos factos assentes;

C) Como também não a compaginou com o desenvolvimento posterior do diálogo entre Recorrente e Recorridos;

D) Como também não a compaginou com o conjunto de documentação que nessa mesma data a Recorrida fez chegar dos Recorrentes, mormente a alteração do próprio contrato de mediação imobiliária no que se referia à comissão, facto não aceite pelos Recorrentes;

E) Com efeito para se poder considerar que a minuta de CPCV enviada pela Recorrida na data de 27-X-18 consubstanciava a conclusão/perfeição do negócio, o mesmo deveria conter as condições que os Promitentes-compradores estavam prontos para assumir, e se obrigavam a cumprir.

F) Devendo ser inequívoca a sua predisposição e capacidade para cumprimento do clausulado no CPCV, uma vez que o Contrato não fica concluído enquanto as Partes não houverem acordado em todas as cláusulas sobre as quais qualquer delas tenha julgado necessário o acordo (art.º 232º do C.C.);

G) O que se verificou ao longo do diálogo entre Recorrentes e Recorrida foi que, p. ex., o contrato-promessa não continha uma informação/condição relevante para a realização do contrato definitivo, que era o recurso ao crédito para habitação.

Tal condição determinaria prazos para a conclusão daquele, além de o sujeitar ao aleatório da concessão ou não de crédito, o que deveria ter sido salvaguardado no contrato-promessa;

H) Por outro lado a comunicação de 27-X-18 da Recorrida continha condições não propostas pelos Recorrentes - prorrogação do prazo para realização da escritura e pagamento do reforço do sinal -, que foi expressamente rejeitado pelos Recorrentes;

I) Assim quanto ao negócio que a mediação imobiliária visava, o mesmo não estava nem concluído nem perfeito, além de que a Recorrida pretendeu também alterar a comissão que constituía a sua remuneração pela prestação de serviços no âmbito do Contrato de Mediação Imobiliária, o que sempre comprometeria, aquele já comprometido contrato;

J) Nem a assinatura do documento referido em três dos factos assentes pode conduzir à renúncia/denúncia do contrato de mediação a que ambos os Recorrentes haviam procedido, na medida em que a mesma não teve sequência tal como foi proposto pelo Recorrente marido;

L) Só um contrato promessa com o envolvimento dos outorgantes e condições previamente claras e aceites, que fosse recusado pelos Vendedores, seria impeditivo do negócio definitivo e constituiria obrigação destes pagarem a comissão de mediação;

M) Porém não foi o que aconteceu, in casu;

N) Os Recorrentes manifestaram disposição para um contrato tal como definido no documento 3 dos factos assentes e estas condições não foram aceites nem concretizadas, nem pelos Recorrentes nem pelos Promitentes-compradores;

O) Não tendo sido criadas as condições para a conclusão/perfeição do negócio projetado; e como tal não se verifica a obrigação de pagamento decorrentes do nº 1 do art.º 19º da Lei 15/2013 de 08 de fevereiro, nem a exceção do nº 2 da mesma disposição legal;

P) Pelo que o douto Acórdão revidendo ofende esta disposição legal, como ofende, como ofende o art.º 232º, do C.C. e os artigos 234º e 236º do mesmo código.

Assim deve ser revogado e substituído por outro que mantenha o decidido em 1ª Instância COMO É LEGAL E JUSTO.

11. A Autora contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso.

12. Finalizou a sua contra-alegação com as seguintes conclusões:

a) O douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, não merece censura, pois atendeu aos factos dados por assentes e interpretou os mesmos de forma correta na aplicação do direito.

b) A minuta de contrato promessa de compra e venda enviada pela autora aos réus em 27/10/2018, continha as alterações pretendidas por estes últimos, designadamente quanto ao valor do negócio, sinal, prazo para o reforço de sinal, perda do direito ao sinal pelo incumprimento, condições impostas pelos vendedores para a concretização do negócio.

c) O Tribunal da Relação de Lisboa fez uma análise correta do desenvolvimento dos factos, apreciando toda a prova existente nos autos, designadamente, os depoimentos transcritos para o recurso de apelação em conjunto com a documentação existente.

d) A minuta de contrato promessa de compra e venda enviada pela autora aos réus em 27/10/2018, continha as condições impostas pelos recorrentes para a conclusão do negócio.

e) O recurso ao crédito à habitação, não é condição relevante para a conclusão do contrato promessa de compra e venda, pois se os promitentes compradores não cumprissem com alguma cláusula contratual, sofreriam a penalidade (perda de sinal) prevista.

f) O anexo à comunicação enviada pela autora aos réus por correio eletrónico em 27/10/2018 (minuta do contrato promessa) continha as condições propostas pelos recorrentes em 16/10/2018 e por estes inscritas no documento denominado de “proposta de compra – modelo 2”.

g) A autora/recorrida logrou obter pelo seu trabalho um interessado em adquirir o imóvel, o qual só não concluiu o negócio, ou seja, não outorgou a escritura de compra e venda porque os réus/recorrentes desistiram do negócio, após aceitar o mesmo.

h) Na adenda ao contrato de mediação celebrado, enviada aos réus em 27/10/2018, esta inscreveu que o mencionado contrato de mediação imobiliária iria renovar-se por mais 180 dias, em 30/10/2018, sendo que as partes acordam que o contrato só se renovará por esse prazo caso se concretize a venda do imóvel a CC e mulher DD, pelo valor de € 570.000.00.

i) A autora transmitiu aos réus em 16/11/18, que os compradores continuavam interessados na aquisição do imóvel, que, apesar do acordo com a agente EE, a mediadora aceitava receber uma comissão de 6%, em consonância com o contrato de mediação.

j) Perante estes factos, afigura-se como correta a interpretação e aplicação dos artigos 233º e 236º ambos do CC, pois a forma como o réu em 16/11/18 aceitou a proposta que lhe foi dirigida (quanto ao valor do negócio) modificando de forma precisa o seu conteúdo, apresentando uma verdadeira contraproposta, a qual foi aceite pelo cliente angariado pela autora e inscrita na minuta do contrato promessa de compra e venda.

k) Assim, a carta enviada pelos réus à autora, em 27/10/18 e rececionada por esta em 30/10/18, reiterando a denúncia e que pretendem pôr fim à relação contratual/desistência da venda, esbarra com a aceitação da proposta de venda do imóvel pelo preço e condições acordadas quanto à forma de pagamento (iniciada, em 16/10/18 e consumada, em 27/10/18).

l) A venda não teve lugar, por ter sido inviabilizada pelos réus que, com fundamento na desistência/denúncia, não subscreveram o contrato-promessa e, por maioria de razão, não outorgaram a escritura, sem que tenha sido apurada qualquer atitude culposa da autora que tivesse determinado a não efetivação do negócio.

m)O desentendimento dos réus em vender a casa (demonstrado pela ré no seu depoimento de parte) após terem apresentado uma contraproposta, a qual foi aceite pelos compradores, por um comprador que a autora obteve, revela cumprimento por parte da autora/recorrida que apenas foi interrompida pelos próprios réus/recorrentes que tornou inviável, por parte da autora o cumprimento da mediação.

n) No caso concreto verificou-se o resultado visado pelo contrato de mediação, isto é, a autora logrou obter pelo seu trabalho um interessado em adquirir o imóvel, o qual só não concluiu o negócio, ou seja, não outorgou a escritura de compra e venda porque os réus desistiram do negócio, após lhe ter sido transmitido que as suas condições forma aceites e inscritas no contrato-promessa.

o) Posto isto, entende a recorrente que cumpriu a sua prestação contratual, pelo que in casu tem direito à remuneração acordada, uma vez que arranjou comprador para o imóvel dos réus, pelo valor pretendido, tendo encetado as diligências com vista à celebração do contrato definitivo, que só não veio a ocorrer porque os réus cônjuges se desentenderam relativamente à venda da casa.

p) Cujo direito à remuneração do mediador existe mesmo que não se concretize o negócio, desde que a não concretização se deva a causa imputável ao cliente (nº 2 do artigo 19º da Lei n.º 15/2013, de 8 de Fevereiro (regime jurídico da atividade de mediação imobiliária.

q) Razão pela qual, deve esse tribunal superior interferir de forma a manter a legalidade e justiça do caso concreto, mantendo a decisão proferida.

Nestes termos, e com o Douto suprimento de V. Exas. deverá o presente recurso improceder, por não provado e, em consequência deve ser mantida a decisão proferida nos autos de apelação que condenou os réus do pedido.

Assim fazendo V. Ex.ª, Venerandos Juízes Conselheiros, a costumada JUSTIÇA!

13. Como o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente (cf. arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608.º, n.º 2, por remissão do art. 663.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), a questão a decidir, in casu, é a seguinte — se é devida à empresa a remuneração acordada pelo facto de o negócio visado no contrato de mediação só não se ter concretizado por causa imputável ao cliente proprietário do bem imóvel.

II. — FUNDAMENTAÇÃO

    OS FACTOS

14. O acórdão recorrido deu como provados os factos seguintes:

1 - Em 19 ou 30-IV-18, autora e réus assinaram o "CONTRATO DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA" junto a fls. 42 (cujo teor se dá aqui por reproduzido).

2 - Em 8-X-18, os réus enviaram à autora - que a recebeu em 10-X18 (fls. 30v) -, a carta junta a fls. 8v (cujo teor se dá aqui por reproduzido).

3 - Em 16-X-18, após visita ao imóvel, a autora apresentou aos réus a "Proposta de Compra — Modelo 2" junta a fls. 31v e 43 (cujo teor se dá aqui por reproduzido) — tendo o 1° réu assinado sob o texto: "Após reflexão, a minha decisão é a seguinte: ACEITO OS 570.000€. ACEITO CPCV C/20.000€ SENDO QUE O REFORÇO DE 50.000€ TERÁ QUE SER ATÉ 90 DIAS, SE PRETENDEREM O REFORÇO A 120 DIAS, ENTÃO ASSINAMOS CPCV C/30.000€ ACEITAMOS QUE A ESCRITURA SE REALIZE ATÉ 180 DIAS A CONTAR DA DATA DO REFORÇO. NÃO ACEITO QUE VALOR DO CPCV SEJA DEVOLVIDO CASO O NEGÓCIO NÃO SE VENHA A CONCRETIZAR." (fls 32, e 43v).

4 - Em 27-X-18, a autora enviou ao 1° réu a 'mensagem' junta a fls. 10 a 13v (cujo teor se dá aqui por reproduzido)

5 - Em 27-X-18, os réus enviaram à autora — que a recebeu em 30-X18 (fls. 31) -, a carta junta a fls. 14 (cujo teor se dá aqui por reproduzido).

6 - Em 16-XI-18, a autora enviou aos réus a carta junta a fls. 14v a 15v (cujo teor se dá aqui por reproduzido).

7 - Em 22-XI-18, os réus enviaram à autora a carta junta a fls. 16v-17 (cujo teor se dá aqui por reproduzido).

    O DIREITO

15. O art. 19.º da Lei n.º 15/2013, de 8 de Fevereiro [1], é do seguinte teor:

1. — A remuneração da empresa é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação ou, se tiver sido celebrado contrato-promessa e no contrato de mediação imobiliária estiver prevista uma remuneração à empresa nessa fase, é a mesma devida logo que tal celebração ocorra.

2. — É igualmente devida à empresa a remuneração acordada nos casos em que o negócio visado no contrato de mediação tenha sido celebrado em regime de exclusividade e não se concretize por causa imputável ao cliente proprietário ou arrendatário trespassante do bem imóvel.

3. — Quando o cliente for um potencial comprador ou arrendatário, a empresa, desde que tal resulte expressamente do respetivo contrato de mediação imobiliária, pode cobrar quantias a título de adiantamento por conta da remuneração acordada, devendo as mesmas ser devolvidas ao cliente caso o negócio não se concretize.

4. O direito da empresa à remuneração cujo pagamento caiba ao cliente proprietário de imóvel objeto de contrato de mediação não é afastado pelo exercício de direito legal de preferência sobre o dito imóvel.

5. — O disposto nos números anteriores aplica-se apenas a contratos sujeitos à lei portuguesa.

16. O conteúdo das obrigações do cliente e da empresa é substancialmente distinto, consoante o contrato de mediação seja um contrato de mediação simples ou um contrato de mediação qualificado pela cláusula de exclusividade prevista no art. 16.º, n.º 2, alínea g), da Lei n.º 15/2013, de 8 de Fevereiro [2].

17. Enquanto em contratos de mediação simples a empresa não tem necessariamente uma obrigação, em contratos de mediação qualificados pela cláusula de exclusividade tem necessariamente a obrigação de diligenciar no sentido de conseguir interessado na realização do negócio visado [3]. Enquanto em contratos de mediação simples o cliente tem uma obrigação de remuneração em um único caso — no caso de conclusão de um contrato definitivo eficaz entre o cliente e o destinatário, por causa do exercício da actividade de mediação, ou no caso de conclusão de um contrato-promessa eficaz entre o cliente e o destinatário, por causa do exercício da actividade de mediação [4] —, nos contratos de mediação qualificados pela cláusula de exclusividade o cliente tem uma obrigação de remuneração da empresa em três hipóteses: em primeiro lugar, na hipótese de ter sido concluído um negócio eficaz entre o cliente e o destinatário, por causa do exercício da actividade da empresa de mediação [5]; em segundo lugar, na hipótese de o negócio visado só não ter sido concluído por causa imputável ao cliente e, em terceiro lugar, na hipótese de não cumprimento da obrigação de exclusividade [6].

18. Em concreto, o contrato de mediação concluído entre a Autora e os Réus era um contrato de mediação com cláusula de exclusividade simples. O negócio visado pelo exercício da mediação não chegou a ser concluído — e, como o negócio visado pelo exercício da mediação não tenha chegado a ser concluído, o problema está em averiguar se o negócio só não se concretizou “por causa imputável ao cliente proprietário… do bem imóvel”.

19. Entre os casos em que o negócio visado só não foi concluído por causa imputável ao cliente encontra-se os casos previstos nos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Dezembro de 2013 — processo n.º 135/11.4TVPRT.G1.S1 — e de 19 de Junho de 2019 — processo n.º 7439/16.8T8STB.E1.S1.

20. O primeiro — ainda no domínio do Decreto-Lei n.º 211/2004, de 3 de Agosto —  pronunciou-se sobre uma situação em que a empresa de mediação tinha contribuído “de forma decisiva para a conclusão do negócio visado”, por ter intervindo nas reuniões entre o cliente e o destinatário, por ter apresentado minutas dos contratos e por ter influído na conclusão de contrato-promessa.

21. O Supremo Tribunal de Justiça decidiu que a remuneração era devida, ainda que o contrato-prometido não tivesse sido concluído, “por razões apenas imputáveis ao cliente”.

22. O segundo — já no domínio da Lei n.º 15/2013 — pronunciou-se sobre uma situação em que a empresa de mediação tinha cumprido a sua obrigação, por ter angariado, no período de vigência do contrato, “pessoa genuinamente interessada na aquisição dos imóveis nas condições — designadamente de preço — pretendidas e aceites pela cliente”.

23. O Supremo Tribunal de Justiça decidiu que a remuneração era devida, ainda que o contrato-prometido não tivesse sido concluído — o cliente tinha comunicado à empresa que deixara de estar interessada na venda, inviabilizando a concretização do negócio visado.

24. O caso sub judice é semelhante ao caso apreciado e decidido pelo acórdão de 19 de Junho de 2019 — processo n.º 7439/16.8T8STB.E1.S1.

25. Em primeiro lugar, a declaração de denúncia do contrato de mediação imobiliária emitida pelos Réus em 8 de Outubro de 2018 [7] tornar-se-ia eficaz no termo do contrato, em 30 de Outubro de 2018 — e os factos determinantes do direito da empresa à remuneração são anteriores ao termo do contrato.

26. Em todo o caso, sempre seria de aplicar ao caso o critério enunciado no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Julho de 2016 — processo n.º 130250/13.7YIPRT.L1.S1 —:

I. — Deve ter-se por tacitamente renovado o contrato de mediação imobiliária quando ocorreu uma manutenção, ao nível prático-económico, da relação de mediação, durante cerca de 6 anos, sendo o seu prosseguimento conhecido e consentido por ambos os contraentes, e implicando que a A./mediadora tivesse efectivamente continuado a prestar serviços próprios da sua actividade à R., traduzidos na publicitação, mediação e finalização das vendas dos lotes originariamente previstos no contrato celebrado por escrito, cooperando ainda com a A. nessa sua actuação prática, trocando correspondência e facultando-lhe elementos para agilizar a negociação das ditas fracções.

II. — Quer se tenha a exigência de forma escrita para a renovação do contrato de mediação imobiliária, no termo do prazo originariamente estipulado, como legal ou meramente convencional, não há obstáculo à referida renovação tácita, inferida dos comportamentos concludentes atrás referidos – que, por um lado, sempre implicariam o afastamento da presunção contida no nº 1 do art. 223º do CC; e, por outro, assentando o comportamento concludente da R. em documentos escritos, juntos aos autos, o carácter formal da declaração não impedia que a mesma se pudesse ter por tacitamente emitida.

27. Em segundo lugar, deve atender-se aos factos dados como provados sob o n.º 3:

3 - Em 16-X-18, após visita ao imóvel, a autora apresentou aos réus a "Proposta de Compra — Modelo 2" junta a fls. 31v e 43 (cujo teor se dá aqui por reproduzido) — tendo o 1° réu assinado sob o texto: "Após reflexão, a minha decisão é a seguinte: ACEITO OS 570.000€. ACEITO CPCV C/20.000€ SENDO QUE O REFORÇO DE 50.000€ TERÁ QUE SER ATÉ 90 DIAS, SE PRETENDEREM O REFORÇO A 120 DIAS, ENTÃO ASSINAMOS CPCV C/30.000€ ACEITAMOS QUE A ESCRITURA SE REALIZE ATÉ 180 DIAS A CONTAR DA DATA DO REFORÇO. NÃO ACEITO QUE VALOR DO CPCV SEJA DEVOLVIDO CASO O NEGÓCIO NÃO SE VENHA A CONCRETIZAR." (fls 32, e 43v).

4 - Em 27-X-18, a autora enviou ao 1° réu a 'mensagem' junta a fls. 10 a 13v (cujo teor se dá aqui por reproduzido)

 28. O caso está em averiguar se a minuta de contrato-promessa enviado em anexo à mensagem [de correio electrónico] de 27 de Outubro de 2018 preenche ou não as condições enunciadas na declaração de 16 de Outubro de 2018, ou seja, as condições de que o sinal seja de 20 000 euros; de que o reforço do sinal seja de 50 000 euros, de que o reforço do sinal seja pago no prazo de 90 dias a contar da conclusão do contrato-promessa; de que, se os promitentes-compradores quiserem que o reforço do sinal seja pago no prazo de 120 dias, o sinal seja de 30 000 euros; de que o contrato definitivo se realize no prazo de 180 dias a contar da data do reforço do sinal; e de que, no caso de não conclusão do contrato definitivo, o valor do contrato-promessa de compra e venda (= valor do sinal) não seja restituído.

29. A primeira condição enunciada pelo 1.º Réu, agora Recorrente — de que o sinal seja de 20 000 euros consta do n.º 1 da 3.ª cláusula.

30. A segunda e a terceira condições enunciadas pelo 1.º Réu, agora Recorrente, constam do n.º 2 da 3.ª cláusula — de que o reforço do sinal seja de 50 000 euros e de que o reforço do sinal seja pago no prazo de 90 dias a contar da conclusão do contrato-promessa.

31. A quarta condição — de que, se os promitentes-compradores quiserem que o reforço do sinal seja pago no prazo de 120 dias, o sinal seja de 30 000 euros — consta do n.º 2 da 4.ª cláusula.

32. Os Réus, agora Recorrentes, alegam que “… a comunicação de 27-X-18 da Recorrida continha condições não propostas pelos Recorrentes - prorrogação do prazo para realização da escritura e pagamento do reforço do sinal -, que foi expressamente rejeitado pelos Recorrentes” [conclusão H) das alegações de recurso de revista].

 33. Entende-se que não têm razão, pelas razões seguintes:

34. A declaração de 16 de Outubro de 2018 contém a seguinte frase: “SE PRETENDEREM O REFORÇO A 120 DIAS, ENTÃO ASSINAMOS CPCV C/30.000€”.

35. Os termos em que a declaração de 16 de Outubro de 2018 conciliam-se com o teor do n.º 2 da cláusula quarta da minuta de contrato anexa à mensagem de correio electrónico de 27 de Outubro de 2018.

36. Os promitentes-compradores poderiam optar por uma de duas soluções:

I. — por constituírem o sinal de 20 000 euros, reforçarem o sinal no prazo de 90 dias a contar da data da conclusão do contrato-promessa e concluírem o contrato definitivo no prazo de 180 dias a contar do reforço do sinal; II.— por constituírem o sinal de 30 000 euros, reforçarem o sinal no prazo de 120 dias a contar da data da conclusão do contrato-promessa e concluírem o contrato definitivo no praazo de 180 dias a contar do reforço do sinal.

           

37. Optando os promitentes-compradores pela 1.ª solução, o contrato definitivo deveria ser concluído no prazo de 270 dias a contar da conclusão do contrato-promessa; optando pela 2.ª solução, o contrato definitivo deveria ser concluído no prazo de 300 dias a contar da conclusão do contrato-promessa.

38. O n.º 2 da 4.ª cláusula dá, tão-só, aos promitentes a faculdade de optarem pelo resultado prático da segunda solução — concluírem o contrato definitivo no prazo de 300 dias a contar da conclusão do contrato-promessa, através de um reforço intercalar do sinal de 10000 euros.

39. A quinta condição — de que o contrato definitivo se realize no prazo de 180 dias a contar da data do reforço do sinal — consta do n.º 1 da 4.ª cláusula.

40. A sexta condição —de que, no caso de não conclusão do contrato definitivo, o valor do contrato-promessa de compra e venda (= valor do sinal) não seja restituído —, essa. significava que os Réus não aceitavam que se condicionasse a conclusão do contrato definitivo a circunstâncias pessoais dos promitentes-compradores — como, p. ex., a sua capacidade para cumprir.— e exigiam que se determinasse que a não conclusão do contrato definitivo por causa imputável aos promitentes-compradores tinha como como efeito a atribuição aos promitentes-vendedores do direito de adquirir, de fazerem seu, o sinal.

41. Os Réus, agora Recorrentes, alegam que “[o] que se verificou ao longo do diálogo entre Recorrentes e Recorrida foi que, p. ex., o contrato-promessa não continha uma informação/condição relevante para a realização do contrato definitivo, que era o recurso ao crédito para habitação.

Tal condição determinaria prazos para a conclusão daquele, além de o sujeitar ao aleatório da concessão ou não de crédito, o que deveria ter sido salvaguardado no contrato-promessa”.

42. Ora, o crédito á habitação é uma circunstância exterior ao contrato —caso o contrato-promessa contivesse uma condição, seria relevante, por significar a rejeição da contra-proposta formuladas pelos promitentes-vendedores; caso não a contenha, como não contém, é irrelevante.

43. O efeito pretendido pelos Réus, agora Recorrentes, consta do n.º 1 da 8.ª cláusula, sobre o Incumprimento definitivo por causa imputável aos promitentes compradores.

44. O acórdão recorrido disse-o de forma esclarecedora:

“… apesar da denúncia do contrato por ambos os réus […] para o termo do contrato, que teria lugar, em 30/10/18 certo é que a proposta apresentada pela autora, em 16/10/18, ainda na vigência do contrato de mediação imobiliária, foi aceite pelo réu AA quanto ao valor da venda ainda que, com alterações no que respeitante à forma de pagamento.

E, uma vez que as modificações foram precisas, a atitude do réu demonstra a renúncia da denúncia e equivale a nova proposta, ou seja, a uma contra-proposta.

Nesta ordem de ideias, o e-mail enviado, em 27/10/18, pela autora ao réu, contemplando as modificações pretendidas por este último, equivale/subsume-se à aceitação da proposta”.

45. O facto de os promitentes-compradores terem aceitado as condições constantes da declaração de 16 de Outubro de 2018 tem como consequência que a não conclusão do negócio visado pelo contrato de mediação imobiliária seja imputável aos Réus

46. Os Réus, agora Recorrentes, alegam que “… a Recorrida pretendeu também alterar a comissão que constituía a sua remuneração pela prestação de serviços no âmbito do Contrato de Mediação Imobiliária, o que sempre comprometeria, aquele já comprometido contrato”.

47. Ora, o facto de a Autora, agora Recorrida, ter apresentado uma proposta de alteração do contrato de mediação imobiliária em nada prejudica o preenchimento dos pressupostos do art. 19.º, n.º 2, da Lei n.º 15/2013, de 8 de Fevereiro.

48. Em consequência, deve concluir-se, como concluiu o acórdão recorrido, que “a venda não teve lugar, por ter sido inviabilizada pelos réus que, com fundamento na desistência/denúncia, não subscreveram o contrato-promessa e, por maioria de razão, não outorgaram a escritura, sem que tenha sido apurada qualquer atitude culposa da autora que tivesse determinado a não efectivação do negócio”.

III. — DECISÃO

Face ao exposto, nega-se provimento ao recurso e confirma-se o acórdão recorrido.

Custas pelos Recorrentes AA e BB.


Lisboa, 22 de Abril de 2021


Nuno Manuel Pinto Oliveira (relator)

José Maria Ferreira Lopes

Manuel Pires Capelo

Nos termos do art. 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1 de Maio, declaro que o presente acórdão tem o voto de conformidade dos Exmos. Senhores Conselheiros José Maria Ferreira Lopes e Manuel Pires Capelo.


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[1] Entretando alterada pelo Decreto-Lei n.º 102/2017, de 23 de Agosto.

[2] Em rigor, dentro das cláusulas de exclusividade, deverá distinguir-se a cláusula de exclusividade simples, em que o cliente se obriga tão-só a não procurar mais nenhuma empresa de mediação, e a cláusula de exclusividade reforçada, em que o cliente se obriga a não procurar um interessado [cf. designadamente António Menezes Cordeiro (com a colaboração de A. Barreto Menezes Cordeiro), Direito comercial, 4.ª ed., Livraria Almedina, Coimbra, 2016, págs. 726-727]. Em caso de dúvida, deverá entender-se que a cláusula de exclusividade é uma cláusula de exclusividade simples: “… deve resultar claramente do contrato que o comitente se abstém de procurar ele próprio o melhor negócio” [cf. Maria de Fátima Ribeiro, “O contrato de mediação e o direito do mediador à remuneração”, in: Revista de direito comercial, ano 1 (2017), págs. 215-252 (esp, nas págs. 248-250)].

[3] Cf. designadamente Higina Castelo, “Contratos de mediação imobiliária”, in: WWW: < https://www.verbojuridico.net/ficheiros/doutrina/comercial/higinacastelo_mediacaoimobiliaria.pdf >, pág. 5, ou Higina Castelo, “Contratos de mediação imobiliária: simples e com exclusividade”, in: Revista de direito comercial, ano 4 (2020), págs. 1401-1461 (1431-1433) — deduzindo o argumento que “[q]uem pretende interessado para um contrato e celebra um contrato de mediação para esse fim, vinculando-se a não celebrar contrato com o mesmo objecto com qualquer outra mediadora, espera que a contraparte desempenhe o seu papel, ou seja, que diligencie por obter interessado no contrato que pretende celebrar”, e completando o argumento com a explicação de que “[u]m contrato de mediação em que a mediadora a nada se obrigasse, mas em que o cliente ficasse impedido de recorrer a outras mediadoras seria um contrato desequilibrado, sendo muito improvável que um contraente razoavelmente esclarecido o celebrasse”.

[4] Cf. art. 19.º, n.º 1, da Lei n.º 15/2013, de 8 de Fevereiro: “A remuneração da empresa é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação ou, se tiver sido celebrado contrato-promessa e no contrato de mediação imobiliária estiver prevista uma remuneração à empresa nessa fase, é a mesma devida logo que tal celebração ocorra”.

[5] Entre os corolários da cláusula de exclusividade, ainda que simples, está a presunção de que o negócio visado foi concluído por causa do exercício da actividade de mediação [vide, na doutrina, António Menezes Cordeiro (com a colaboração de A. Barreto Menezes Cordeiro), Direito comercial, cit., págs. 726-727; ou Maria de Fátima Ribeiro, “O contrato de mediação e o direito do mediador à remuneração”, cit., págs. 250-251, e, na jurisprudência, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Outubro de 2002 — processo n.º 02B2469 —, em que se diz que “[a] existência de um contrato de mediação em regime de exclusividade autoriza a presunção (de facto) de que a actividade da empresa mediadora contribuiu para a aproximação entre o comitente e o terceiro, facilitando o negócio”].

[6] Cf. designadamente Higina Castelo, “Contratos de mediação imobiliária”, cit., págs. 12-13, ou Higina Castelo, “Contratos de mediação imobiliária: simples e com exclusividade”, cit., págs. 1437-1440.

[7] Cf. facto provado sob o n.º 2.