Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
154/22.5T8CSC.L1.S1
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: JOSÉ EDUARDO SAPATEIRO
Descritores: COMPENSAÇÃO
ALTERAÇÃO DO HORÁRIO DE TRABALHO
REDUÇÃO
DESPACHO
CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO
INTERPRETAÇÃO
FORÇA VINCULATIVA
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 02/08/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário :

I - A partir da forma como o litígio dos autos se mostra estruturado, cabia ao trabalhador alegar e provar os factos respeitantes ao pagamento da referida “compensação por redução do horário de trabalho” entre novembro de 1999 e junho de 2005, à interrupção do dito pagamento a partir de julho de 2005 em diante e ao título jurídico-laboral que lhe conferiu e confere ainda tal direito a esse recebimento, ao passo que ao empregador cabia alegar e provar os factos extintivos de tal direito do Autor, desde essa mesma data.


II - Não nos encontramos, por um lado, face a uma prestação creditícia de cariz laboral que tenha a natureza retributiva em sentido estrito exigida pela nossa doutrina e jurisprudência e que, nessa medida, permita fazer funcionar o princípio da irredutibilidade da retribuição, como também não nos parece possível [nem talvez sequer necessário] qualificar juridicamente o dito despacho da recorrente, do ponto de vista do exercício do seu poder de direção e de regulamentação das condições de trabalho do recorrido e dos demais trabalhadores em idênticas circunstâncias, dado não se mostrarem alegados e demonstrados os factos pertinentes a uma certa e segura categorização jurídica de tal ato unilateral do Conselho de Administração da Ré.


III - O que antes se deixou afirmado, não retira qualquer relevância probatória e força jurídica ao documento em questão, assim como não reduz ou anula os efeitos produzidos por tal Despacho do CA da Ré na relação de trabalho aqui em presença.


IV - Nada obrigava, no caso dos autos, a empregadora a emitir aquele Despacho, dado as prestações nele referidas, de que os trabalhadores afetados pela redução do período normal de trabalho de 40 para 39 horas poderiam deixar de usufruir, não se acharem abarcadas pelo princípio da irredutibilidade da retribuição e que, no final do ano do ano de 1999, se achava consagrado na alínea c) do número 1 do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 49408 de 24/11/1969.


V - Tratou-se de um ato unilateral e voluntário da Ré, que ainda se mantém em vigor e que visou e visa beneficiar os trabalhadores abrangidos pelo âmbito de aplicação do mesmo e que teve como escopo fundamental conservar idêntico, em termos quantitativos, o valor global da remuneração média normalmente auferida pelos mesmos, tendo a empregadora se autovinculado jurídica e contratualmente através do mesmo, em relação a todos os trabalhadores que dele podiam [melhor dizendo, deviam] usufruir. .


VI - É esta a ideia chave ou a trave-mestra que pauta e justifica o despacho em causa, tendo a interpretação jurídica de todo o seu texto de ser sempre enformada e dirigida a cumprir tal finalidade.


VII - Cabendo à Ré alegar e demonstrar os factos extintivos do direito à perceção daquela prestação, por terem deixado de vigorar as razões que até aí fundaram a sua liquidação, a mesma não logrou satisfazer tais ónus, pois os únicos factos dados como assentes – os aludidos acordo, mudança de funções e alteração de horários de trabalho – são manifestamente insuficientes para aferir da correto e objetivo cumprimento do dito despacho por parte da recorrente.


VIII - A mera remissão para o teor dos recibos de vencimento do Autor respeitantes aos anos de 2000 a maio de 2005 e de junho de 2005 em diante não substitui a necessária alegação dos factos concretos comprovativos do respeito, nesse segundo período temporal, dos pressupostos que estiveram na origem de tal Despacho, nem tais documentos esclarecem, em si e só por si, por força da mera indicação dos créditos laborais pagos mensalmente ao recorrido e dos respetivos montantes, que a situação remuneratória global do aqui trabalhador era idêntica ou mais favorável do que a vivida até à data em que a compensação que está em causa nos autos deixou de lhe ser liquidada.

Decisão Texto Integral:

RECURSO DE REVISTA N.º 154/22.5T8CSC.L1.S1 (4.ª Secção)


Recorrente: CTT – CORREIOS DE PORTUGAL, S.A.


Recorrido: AA


(Processo n.º 154/22.5T8CSC – Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste - Juízo do Trabalho de ... [Juiz ...])


ACORDAM NESTE SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


I – RELATÓRIO


AA, com os sinais de identificação dos autos propôs, no dia 13 de janeiro de 2022, a presente ação declarativa com processo comum, contra CTT – CORREIOS DE PORTUGAL, S.A., que se mostra devidamente identificada nos autos, onde, em síntese, pede a condenação da Ré no pagamento:


- Das diferenças no subsídio de férias e no subsídio de Natal resultantes da inclusão dos valores médios que recebeu a título de abono para falhas, subsídio de trabalho suplementar e subsídio de trabalho noturno, subsídio de compensação por horário incómodo, subsídio de compensação especial, diuturnidades, subsídio de compensação por redução de horário de trabalho, subsídio de compensação especial de distribuição e abono de viagem, calculadas pelos doze meses anteriores, que totalizam a quantia de € 30.732,39 (trinta mil setecentos e trinta e dois euros e trinta e nove cêntimos);


- Das diferenças vincendas acrescidas dos respetivos juros das quantias em dívida, calculados à taxa legal em vigor para cada ano, acrescendo e reportados às quantias supra mencionadas e a vencer desde as datas em que cada verba deveria ter sido posta à sua disposição, contabilizados até integral e efetivo pagamento.


- Das quantias que deixou de auferir relativas ao Complemento de Redução de Horário de Trabalho de Julho de 2005 em diante, em montante que, à data da propositura da ação, calculou em € 18.817,44 (dezoito mil e oitocentos euros);


- Dos juros moratórios correspondentes.


*


Em 11 de Fevereiro de 2022, realizou-se Audiência de Partes, sem que as partes tivessem chegado a acordo.


A Ré contestou, tendo invocado:


- a exceção perentória de prescrição dos juros de mora referentes aos cinco anos anteriores, sendo que nesse particular defendeu que apenas devem ser contabilizados juros desde o trânsito em julgado da decisão;


- a exceção perentória de pagamento, referindo ter efetuado, com o subsídio de férias e de Natal e a retribuição de férias, o pagamento dos valores atinentes à retribuição base, diuturnidades, diuturnidade especial e a respetiva regularização em 2006.


Alegou ainda que a compensação por redução de horário de trabalho foi uma prestação de cariz transitório cuja manutenção dependia da permanência nas funções em que o trabalhador se encontrava e no horário que, por redução, determinou a supressão de parcelas retributivas que aquela visava compensar.


Concluiu pela falta de natureza retributiva das diversas prestações e subsídios que o Autor alega deverem compor a respetiva retribuição.


***


Foi fixado, em 27 de abril de 2022 e em sede de Despacho Saneador, o valor da causa em € 49.550,23.


***


Realizou-se, no dia 17 de maio de 2022, Audiência Final, tendo sido, em 2 de Agosto de 2022, proferida sentença com o seguinte dispositivo:


«Em face do exposto, decide-se julgar a ação parcialmente procedente, por parcialmente provada, e em consequência:


A. Condenar a Ré CTT – CORREIOS DE PORTUGAL, S.A. a pagar ao Autor AA a quantia de 5.180,69 € (cinco mil, cento e oitenta euros e sessenta e nove cêntimos), a título de diferenciais de subsídio de férias, retribuição de férias e subsídio de Natal, acrescido de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, desde o vencimento de cada uma das citadas prestações até integral pagamento;


B. Condenar a Ré CTT – CORREIOS DE PORTUGAL, S.A. a integrar no subsídio de férias e na retribuição de férias do Autor AA a média dos últimos 12 meses das parcelas retributivas auferidas pelo Autor em, pelo menos, 11 meses do ano, a liquidar oportunamente;


C. Absolver a Ré CTT – CORREIOS DE PORTUGAL, S.A. do demais peticionado;


D. Condenar Ré e Autor nas custas da ação, na proporção, respetivamente de 20% e 80%.


Registe e notifique.»


***


Em 10 de Outubro de 2022, o Autor recorreu de tal sentença proferida pelo tribunal da 1.ª instância, tendo, para o efeito, apresentado as correspondentes alegações, a que a Ré respondeu com as inerentes contra-alegações, tendo tal recurso de Apelação sido oportunamente admitido pelo juiz titular do processo e subido ao Tribunal da Relação de Lisboa onde, depois de seguir a sua normal tramitação, foi objeto, com data de 28/06/2023, de acórdão prolatado por esse tribunal da 2.ª instância, que, em síntese, decidiu o dito recurso nos termos seguintes:


“Em face do exposto, acorda-se em :


- Aditar um ponto n.º 24 à matéria de facto com a seguinte redação:


24 – O Autor manteve a categoria profissional de CRT pelo menos desde Janeiro de 1992 até Dezembro de 2021.


- Julgar o recurso parcialmente procedente e em consequência condenar a Ré a pagar ao Autor as quantias que o mesmo deixou de auferir relativas ao Complemento de Redução de Horário de Trabalho de Julho de 2005 em diante, com o inerente reflexo no subsídio de férias, em montante a liquidar em incidente próprio.


Custas pelo recorrente e recorrida na proporção de vencido, contando-se as da pretensão respeitante ao Complemento de Redução de Horário de Trabalho de Julho de 2005 em diante, em partes iguais, fazendo-se oportuno rateio de acordo com a sucumbência no incidente adequado.


Notifique.


DN (processado e revisto pelo relator).”


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A Ré CTT – CORREIOS DE PORTUGAL, S.A., inconformada com tal acórdão veio interpor recurso do mesmo para este Supremo Tribunal de Justiça, que foi admitido por despacho judicial de 23/11/2023, como de Revista, a subir de imediato, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.


*


A recorrente apresentou alegações de recurso, onde, formulou as seguintes conclusões:


“Conclusões:


1. Resultam do DE que criou a Compensação por Redução de Horário de Trabalho não só os critérios que estavam subjacentes à sua atribuição – alteração do PNT de 40h para 39h e eventual perda de alguns subsídios (pequeno-almoço, horário incómodo, horário descontínuo e trabalho noturno) por virtude desta redução de PNT – como, também, as condições em que os trabalhadores perderiam o direito a esta compensação (ponto 16 dos factos provados por remissão para o ponto 4 do D.........).


2. Que sentido faria a Empresa continuar a pagar aos trabalhadores uma Compensação por Redução de Horário de trabalho, nos termos constantes do D........., se os mesmos mudavam de horário a seu pedido ou por acordo? Ou se mudassem para um horário a que correspondesse a atribuição de um desses subsídios (como aconteceu no caso do Recorrido após 2005)?


3. Mesmo que não houvesse esta redução de PNT de 40h para 39h, isto é, se o PNT se tivesse mantido nas 40h semanais, caso os trabalhadores mudassem de horário de trabalho para um outro que não lhes desse direito aos subsídios que estão em causa - pequeno-almoço, horário incómodo, horário descontínuo e trabalho noturno – também deixariam de os receber, e não haveria qualquer diminuição (ilícita) de retribuição. Os critérios e condições de atribuição daqueles subsídios deixariam de se verificar com a mudança de horário de trabalho pelo que o trabalhador deixaria de ter direito de os receber!


4. O Recorrido deu o seu acordo à transferência e aceitou as funções de Reguista e as condições inerentes à sua transferência (factos 17 e 18), bem sabendo que iria ter funções e horários diferentes (factos 19 e 20).


5. O D......... instituiu uma medida transitória de caráter excecional, visando evitar que, por força da negociada diminuição do PNT semanal e, necessariamente, da alteração dos horários de trabalho, os trabalhadores vissem reduzido o nível médio da remuneração global, pela diminuição dos adicionais associados aos horários praticados imediatamente antes da redução do PNT (preâmbulo e ponto 1 do DE): o subsídio de pequeno-almoço e a compensação por horário incómodo, a compensação por horário descontínuo e a remuneração por trabalho noturno (cfr. Informação Laboral de 13-01-2000, quanto aos dois últimos).


6. Dada a natureza excecional e transitória da CRHT, dispõe o ponto 4 do D......... que os trabalhadores perderão a compensação quando deixarem de prestar trabalho nos termos que determinaram a respetiva atribuição; mudarem para um horário a que corresponda um desses subsídios (ou seja, passarem a cumprir um HT que conferisse direito a algum dos abonos que compusessem a sua CRHT) ou mudarem para outro horário a pedido ou por acordo (o que incluía mudanças de HT decorrentes de alterações de local de trabalho).


7. A cessação do pagamento da CRHT ocorre aquando de posterior alteração, por acordo, das condições contratuais iniciais, não havendo, por isso, violação do princípio da irredutibilidade da retribuição.


8. Por ter, por acordo, alterado o seu horário é que o Recorrido deixou de ter direito a receber o complemento em causa. Esta diferença de horários foi o que justificou a cessação do pagamento da Compensação por Redução do Horário de Trabalho (CRHT), no cumprimento do disposto no ponto 4 do D..........


9. Com a alteração de horário operada em Abril de 2005 o Recorrido passou a receber subsídios que se encontravam abrangidos pela rúbrica CRHT pelo que não fazia sentido nenhum a Recorrente pagar ao Recorrido em duplicado.


10. Pelo que foi legítima a extinção do pagamento da CRHT ao Recorrido.


Nestes termos e nos melhores de Direito, que V. Exas. doutamente suprirão, deverá ser admitida e julgada procedente, por provada, a presente Revista, com a consequente revogação do Acórdão recorrido e manutenção da decisão de 1.ª instância como é de inteira JUSTIÇA!”


*


O Autor apresentou contra-alegações dentro do prazo legal, na sequência da notificação que para esse efeito lhe foi feita, tendo formulado as seguintes conclusões:


«I. O presente Recurso tem por objeto a matéria do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que julgou procedente o pedido formulado pelo Recorrido referente às quantias que deixou de auferir relativas ao Suplemento de Redução de Horário de Trabalho (doravante designado abreviadamente por CRHT).


II. Visou o referido complemento, após a redução do horário semanal de trabalho para as 39h, evitar uma grande quebra salarial com a diminuição dos complementos associados aos horários praticados antes da referida redução, nomeadamente aqueles associados ao exercício de funções às 6h da manhã como o subsídio de pequeno-almoço, de compensação por horário incómodo e a remuneração por trabalho noturno.


III. Sucede que as alegações de recurso apresentadas pela recorrente enfermam de inúmeros vícios.


IV. As alegações, assim como as conclusões, não apresentam quais as normas violadas, desrespeitando por esta via o disposto no artigo 639.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, vício que desde já se invoca para os devidos e legais efeitos.


V. As alegações apresentadas, não indicam, tout court, a espécie, o efeito e o modo de subida do recurso interposto, vício que igualmente se invoca para os devidos e legais efeitos por incumprimento do preceituado no n.º 1 do artigo 637.º do Código de Processo Civil.


VI. Acresce que não é indicado o valor de recurso e da sucumbência, que representa a utilidade económica do pedido e que, por essa, coloca em causa o cumprimento do disposto no n.º 1 do artigo 629.º do Código de Processo Civil, principalmente tendo em consideração que a sentença proferida em primeira instância transitou quanto aos pedidos formulados pelo Autor relativos a diferenciais de subsídio de férias, retribuição de férias e subsídio de Natal, acrescido dos respetivos juros de mora vencidos e vincendos, razão pela qual se invoca adicionalmente o presente vício.


VII. A base da alegação da recorrente assenta no Despacho D......... que regula o CRHT como causa de perda da compensação:


- Mudar para um horário a que corresponda um desses subsídios – não é o caso, porque, tal como alegamos, o horário continuou o mesmo dos restantes carteiros com a atualização para as 39h, sofrendo variações de vez em quando, mas que já aconteciam antes e que eram contabilizadas quando lhe dava direito a alguma das componentes do CHRT.


- Mudar para outro horário a pedido ou por acordo – uma vez que não há novo horário e também nunca houve qualquer acordo feito nesse sentido, sendo unilateralmente impostas as alterações posteriores, formais, que se realizaram.


VIII. No entanto não se verifica qualquer das situações ali previstas.


IX. Sendo que também não se verifica nenhuma causa que exclua a aplicação do princípio da irredutibilidade da remuneração, uma vez que perduram as condições em que assentou a atribuição do referido complemento.


X. A consideração que aqui se faz tem evidentemente por base, com carácter reforçado, o facto, entretanto dado como provado, que o aqui recorrido é, e sempre foi, integrado na categoria profissional de carteiro.


XI. A sua flutuação para funções de reguista não implicaram, conforme demonstrado, qualquer alteração na categoria profissional ou respetivos direitos associados. A recorrente de facto alegou, sem conseguir provar, que as circunstâncias desta promoção haviam consubstanciado benefícios financeiros para o autor.


XII. E a verdade é que tal prova era impossível. O Autor, aqui recorrido, juntou todos os seus recibos de vencimento e consta factualmente do processo que nunca foi conferido qualquer subsídio de pequeno-almoço, compensação por horário incómodo, compensação por horário descontínuo ou remuneração por trabalho noturno, ou qualquer outra forma de compensação remuneratória.


XIII. O Tribunal a quo remata este assunto, afirmando eficazmente que “(…) não temos por assente nem líquido a conclusão a que a sentença aportou de que o Autor gozou de uma retribuição mais favorável nalguns anos, sendo certo que mesmo a ser assim tal implica que o não foi noutros com a consequente diminuição salarial”.


XIV. Prossegue o Acórdão recorrido, concluindo que “(…) não está demonstrado que a partir de 2005, com a nova alteração dos seus horários, tenha sido aumentado o nível médio da remuneração global do Autor (anteriormente reduzido com a supressão dos subsídios) de modo a poder considerar-se compensada a supressão do Complemento por Redução de Horário de Trabalho”.


XV. A recorrente pretende, pelo presente recurso, alterar matéria de facto já transitada, evidenciando que o enquadramento legal dos factos provados e o respetivo silogismo não merecem reparos, sendo indubitável que a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a solidificar o entendimento citado pela decisão recorrida, designadamente quando indica que “Atento o disposto no artigo 129.º, n.º 1, alínea d), do Código do Trabalho, salvo as exceções previstas no mesmo diploma, ou em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho, não é licita a diminuição da retribuição devida ao trabalhador, nem por decisão unilateral do empregador, nem mesmo por acordo”.


XVI. Acrescendo que o Acórdão recorrido conclui que “(…) se a intenção – e bem – foi a de evitar uma violação do princípio da irredutibilidade da retribuição, a nosso ver, não faz sentido que em contra mão se estabeleça que os trabalhadores abrangidos pela perda que se intentou equilibrar perdem tal compensação automaticamente se mudarem para outro horário a pedido ou por acordo, a menos que a diminuição nesse horário se mostre no mínimo compensada”.


XVII. Mutatis mutandis, não existe enquadramento que permita conclusão diversa, salvo se pretendermos nesta fase introduzir factos contrários aos que se encontram dados como provados, de forma estabilizada, na presente instância.


XVIII. Dada a sublinhada impossibilidade de configurar uma solução jurídica diferente da apresentada pelo Tribunal recorrido, a recorrente procurou então, com leveza, alterar a seu bel-prazer os elementos críticos.


XIX. Em suma, com a informação existente, era necessário que fosse demonstrada a efetiva alteração de horário, coadjuvada com a compensação da perda do pagamento da Compensação por Redução do Horário de Trabalho por outros subsídios, por forma a evitar uma duplicação de valores.


XX. Decide então a recorrente terminar as suas conclusões afirmando o seguinte:


8. Por ter, por acordo, alterado o seu horário é que o Recorrido deixou de ter direito a receber o complemento em causa. Esta diferença de horários foi o que justificou a cessação do pagamento da Compensação por Redução do Horário de Trabalho (CRHT), no cumprimento do disposto no ponto 4 do D..........


9. Com a alteração de horário operada em Abril de 2005 o Recorrido passou a receber subsídios que se encontravam abrangidos pela rúbrica CRHT pelo que não fazia sentido nenhum a Recorrente pagar ao Recorrido em duplicado.


XXI. A recorrente ignorou que o ponto 20. dos factos dados como provados refere que “Desde a sua transferência, em 2005, que tem horários diferentes dos horários dos carteiros, de forma não concretamente apurada.”


XXII. Assim como sucedeu com o ponto 23., relativo aos recibos de vencimento juntos pelo recorrente, com o ponto 24, já referido relativo à manutenção da categoria profissional e ainda como consta do ponto 22., relativo à manutenção do local de trabalho


XXIII. De facto, a alteração de funções atribuídas ao recorrido não tem o condão de justificar a retirada da Compensação por Redução do Horário de Trabalho, seja porque tal alteração se revela insignificante, na perspetiva pretendida pela recorrente, seja porque não foi assegurada a sua substituição por qualquer outra compensação ou subsídio, contrariamente ao que insistentemente vem sendo alegado, sem qualquer base probatória ou concretização fáctica nos autos.


XXIV. Assim, mais uma vez, entendemos, contrariamente ao Tribunal a quo, que é ilícito o corte abrupto e unilateral do CRHT.


Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas. mui doutamente suprirão, não deverá ser dado provimento ao presente recurso, mantendo-se inalterado o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa.»


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O ilustre Procurador Geral Adjunto colocado junto deste Supremo Tribunal de Justiça proferiu, ao abrigo do número 3 do artigo 87.º do Código de Processo do trabalho, Parecer com data de 14/12/2023 e que vai no seguinte sentido: «Somos, assim, de parecer que o recurso interposto pela recorrente deverá ser considerado procedente, revogando-se o douto acórdão recorrido.»

***


Tendo as partes sido notificadas do teor de tal Parecer, veio o Autor responder-lhe dentro do prazo legal de 10 dias, tendo o mesmo discordado da sua conclusão e reiterado as suas alegações recursórias.


Cumpre apreciar e decidir em Conferência.


II – OS FACTOS


Os tribunais da 1.ª e 2.ª instâncias consideraram provados os seguintes factos:


«1. O Autor foi admitido para trabalhar sob a autoridade e direção da Ré, em 31-12-1991;


2. O Autor é associado do SNTCT desde Julho de 1994;


3. Exerce funções no Centro de Distribuição Postal sito na Rua ..., em ...;


4. A categoria profissional do Autor é a de carteiro;


5. A compensação especial/diuturnidade especial é o valor atribuído à assinatura de telefone da residência do Autor;


6. O abono para falhas constitui uma compensação por despesas efetivas ou potenciais decorrentes da necessidade de repor faltas de dinheiro em caixa, destinando-se a compensar lapsos/erros nos recebimentos/pagamentos, visando compensação de gastos ou eventuais prejuízos que ocorram durante o tempo de trabalho, sendo pago por cada dia de exercício de tais funções;


7. O abono para falhas é calculado em função do volume de fundos movimentados e das horas de balcão;


8. O abono de viagem e marcha auto destina-se a cobrir custos de viagem ou deslocação, para quando os trabalhadores, por necessidade de serviço, tenham de se deslocar em transporte próprio e é pago em função dos quilómetros, consistindo numa percentagem do preço médio do litro de gasolina, consoante o tipo de veículo;


9. O abono Km é um montante que a Ré paga aos trabalhadores e tem a ver com despesas (km) efetuados pelo trabalhador na sua viatura própria ao serviço da Ré, servindo para compensar o desgaste da viatura própria do trabalhador;


10. A percentagem das prestações identificadas em 8. e 9. é calculada de forma a cobrir, para além do custo do combustível, o desgaste/amortização do valor do veículo, o seguro, o imposto de circulação e a manutenção;


11. O subsídio familiar é uma prestação social, em função da idade dos filhos menores, cujo valor era suportado pela Ré em substituição do Estado/Segurança Social, funcionando como mero intermediário no seu pagamento;


12. As ajudas de custo correspondem a montantes que a Ré dá aos seus trabalhadores por conta de despesas efetuadas por si efetuadas em prol da Empresa ou pagamento de valores por conta das deslocações em serviço distarem de uma distância razoável da sua residência de trabalho podendo implicar dormir fora;


13. A Compensação por Redução do Horário do Trabalho (CRHT) foi criada pelo D........., de 02-12-99, no âmbito do processo de redução do período normal de trabalho semanal máximo, de 40h para 39h semanais;


14. Com a Compensação por Redução do Horário do Trabalho, a Ré visou evitar que, por força da negociada diminuição do período normal de trabalho semanal e da consequente alteração dos horários de trabalho, os trabalhadores vissem reduzido o nível médio da remuneração global, pela diminuição dos adicionais associados aos horários praticados imediatamente antes da redução do período normal de trabalho: o subsídio de pequeno-almoço e a compensação por horário incómodo, a compensação por horário descontínuo e a remuneração por trabalho noturno;


15. Eram abrangidos os trabalhadores que, pelo menos nos 6 meses anteriores a Outubro de 1999, tivessem auferido alguns subsídios (de pequeno-almoço, compensação por horário incómodo, compensação por horário descontínuo, e horário noturno) associados aos horários praticados, com vista a dissolver os efeitos da perda de rendimentos;


16. O ponto 4 do D......... estabelece o seguinte: «Os trabalhadores perderão a compensação quando deixarem de prestar trabalho nos termos que determinaram a respetiva atribuição:


a) Mudarem para um horário a que corresponda um desses subsídios;


b) Mudarem para outro horário a pedido ou por acordo;»


17. O Autor foi transferido por mútuo acordo em 20-04-2005, quando desempenhava as funções de carteiro distribuidor no centro de distribuição postal de ..., para os serviços centrais do PRO (Processos);


18. O trabalhador foi convidado para as funções de Reguista e aceitou as condições da transferência, sabendo que iria ter funções e horários de trabalho diferentes;


19. O Autor exerceu funções de carteiro distribuidor no centro de distribuição postal de ..., com o horário 6h12–11h/12h-15h;


20. Desde a sua transferência, em 2005, que tem horários diferentes dos horários dos carteiros, de forma não concretamente apurada;


21. A sua atividade passou a ser de efetuar as Réguas (sequência dos itinerários do carteiro, ponto de distribuição a ponto de distribuição, de acordo com o itinerário que cada carteiro percorre) dos carteiros nos centros de distribuição postal do País;


22. O Autor continuou a ter como local de trabalho o centro de distribuição postal de ... apenas por conveniência de serviço, uma vez que a atividade de Reguista é predominantemente externa e em vários centros de distribuição postal;


23. A Ré pagou ao Autor os montantes que constam dos recibos de vencimento constantes dos autos, que se dão por integralmente reproduzidos, atenta a respetiva extensão.


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24 – O Autor manteve a categoria profissional de CRT pelo menos desde Janeiro de 1992 até Dezembro de 2021.[Facto aditado pelo Tribunal da Relação de Lisboa].


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Mais se consignou que «não se provaram quaisquer outros factos com relevo para a decisão da causa, designadamente que:


A. A compensação especial/diuturnidade especial tem por objetivo compensar os trabalhadores pelo seu comportamento e assiduidade;


B. As pequenas deslocações e grandes deslocações correspondem a montantes que a Ré dá aos seus trabalhadores por conta de despesas efetuadas por si efetuadas em prol da Empresa ou pagamento de valores por conta das deslocações em serviço distarem de uma distância razoável da sua residência de trabalho podendo, por vezes, implicar dormir fora».


***


III – OS FACTOS E O DIREITO


É pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, nos termos do disposto nos artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e 679.º, 639.º e 635.º, n.º 4, todos do Novo Código de Processo Civil, salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608.º n.º 2 do NCPC).


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A – REGIME ADJECTIVO E SUBSTANTIVO APLICÁVEIS


Importa, antes de mais, definir o regime processual aplicável aos autos dos quais depende o presente recurso de revista, atendendo à circunstância da instância da ação declarativa com processo comum laboral ter sido intentada no dia 13 de Janeiro de 2022, com a apresentação, pelo Autor, da Petição Inicial, ou seja, muito depois das alterações introduzidas pela Lei n.º 107/2019, datada de 4/9/2019 e que começou a produzir efeitos em 9/10/2019.


Tal ação, para efeitos de aplicação supletiva do regime adjetivo comum, foi instaurada depois da entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil, que ocorreu no dia 1/9/2013.


Será, portanto e essencialmente, com os regimes legais decorrentes da atual redação do Código do Processo do Trabalho e do Novo Código de Processo Civil como pano de fundo adjetivo, que iremos apreciar as diversas questões suscitadas neste recurso de Revista.


Também se irá considerar, em termos de custas devidas no processo, o Regulamento das Custas Processuais, que entrou em vigor no dia 20 de Abril de 2009 e se aplica a processos instaurados após essa data.


Importa, finalmente, atentar na circunstância dos factos que se discutem no quadro destes autos recursórios terem ocorrido sucessivamente na vigência da LCT e legislação complementar e dos Códigos de Trabalho de 2003 e 2009, que, como se sabe, entraram respetivamente em vigor em 1/12/2003 e 17/02/2009, sendo, portanto, os regimes deles decorrentes que aqui irá ser chamado à colação em função da factualidade a considerar e consoante as normas que se revelarem necessárias à apreciação e julgamento do objeto do presente recurso de Revista.


B – QUESTÃO PRÉVIA – VÍCIOS DO RECURSO DE REVISTA


O Autor nas suas contra-alegações recursórias vem imputar às alegações de recurso da Ré CTT os seguintes vícios:


«III. Sucede que as alegações de recurso apresentadas pela recorrente enfermam de inúmeros vícios.


IV. As alegações, assim como as conclusões, não apresentam quais as normas violadas, desrespeitando por esta via o disposto no artigo 639.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, vício que desde já se invoca para os devidos e legais efeitos.


V. As alegações apresentadas, não indicam, tout court, a espécie, o efeito e o modo de subida do recurso interposto, vício que igualmente se invoca para os devidos e legais efeitos por incumprimento do preceituado no n.º 1 do artigo 637.º do Código de Processo Civil.


VI. Acresce que não é indicado o valor de recurso e da sucumbência, que representa a utilidade económica do pedido e que, por essa, coloca em causa o cumprimento do disposto no n.º 1 do artigo 629.º do Código de Processo Civil, principalmente tendo em consideração que a sentença proferida em primeira instância transitou quanto aos pedidos formulados pelo Autor relativos a diferenciais de subsídio de férias, retribuição de férias e subsídio de Natal, acrescido dos respetivos juros de mora vencidos e vincendos, razão pela qual se invoca adicionalmente o presente vício.»


O relator do recurso de Apelação no Tribunal da Relação de Lisboa, face à arguição de tais vícios, proferiu então um despacho judicial datado de 2/11/2023, onde convidou a Ré recorrente a vir indicar, no prazo de 5, dias, as normas jurídicas violadas sob pena de rejeição do recurso, assim como o efeito e modo de subida do recurso, bem como, finalmente, o valor da sucumbência, o que a mesma veio fazer por requerimento de 13/11/2023, com o seguinte teor, na parte que para aqui releva:


«valor da sucumbência


No artigo 108.º da PI o Autor indica, para este pedido (retirada do CRHT), um valor de € 18.817,44, relativo ao período compreendido entre Julho de 2005 e a data de entrada da ação.


Sem prejuízo de a aqui Recorrente não aceitar os valores/contas apresentados pelo mesmo, sempre deverá ser este o valor a levar em consideração para efeitos de sucumbência (sendo certo que após a entrada da ação e a presente data, a ser dado provimento ao pedido do Autor, continuou a vencer-se este subsídio pelo que, nesta data, o valor até será superior)


- do efeito e modo de subida do recurso


Nos termos e para os efeitos dos artigos 637.º, n.º 1, 675.º e 676.º NCPC, o presente recurso tem efeito devolutivo e sobe nos próprios autos.


- das normas jurídicas violadas


Entende a Recorrente que o Acórdão em crise faz uma errada e não fundamentada aplicação do direito, nomeadamente errada aplicação do artigo 129.º, n.º 1, alínea d) do CT ao caso em apreço.».


Face a tal Requerimento da recorrente, mostraram-se sanados os vícios imputados pelo recorrido às suas alegações, encontrando-se, nessa medida, ultrapassada esta primeira problemática, de cariz preliminar e formal, suscitada pelo Autor nas suas contra-alegações de recurso.


C – OBJETO DA PRESENTE REVISTA


A única questão de índole substantiva que se discute neste recurso de revista é se é devido o pagamento ao Autor do Complemento de Redução de Horário de Trabalho desde Julho de 2015 em diante.


D – FUNDAMENTAÇÃO DA SENTENÇA DA 1.ª INSTÂNCIA


A sentença do Juízo do Trabalho de ... não reconheceu o direito do Autor a receber o dito Complemento de Redução de Horário de Trabalho, nos moldes constantes da sua argumentação que agora se reproduz:


«Da irredutibilidade da retribuição e o subsídio de compensação por redução de horário de trabalho


O Autor peticiona, ainda, o pagamento das quantias que deixou de auferir, a título de subsídio de compensação por redução de horário de trabalho, de Julho de 2005 em diante, estribando o seu pedido no princípio da irredutibilidade da retribuição.


O princípio da irredutibilidade da retribuição encontra-se previsto no art.º 129.º, n.º 1, al. d), estabelecendo a proibição de o empregador «diminuir a retribuição, salvo nos casos previstos neste Código ou em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho».


Importa entender o que, neste caso, se entende por diminuir a retribuição ou, por outras palavras, descortinar qual o sentido e alcance do princípio da irredutibilidade da retribuição, com interesse para o caso vertente.


No caso dos autos, é de constatar que já anteriormente se concluiu pela natureza retributiva, em função da causa, natureza, regularidade e periodicidade do citado subsídio de compensação por redução do horário de trabalho, não logrando a Ré ilidir a presunção legal.


Cotejando a matéria de facto provada, verifica-se que a instituição do subsídio em apreço visou, na sequência de um processo de redução do período normal de trabalho semanal de 40 horas para 39 horas, evitar que os trabalhadores ficassem prejudicados pelo facto de passarem a auferir um valor global de retribuição inferior, no caso de serem suprimidas parcelas retributivas por efeito de tal redução.


Deste modo, o intento da Ré foi evitar um prejuízo para os trabalhadores que, permanecendo em idêntico posto de trabalho e funções, vissem, por efeito da redução do horário de trabalho, reduzida a sua retribuição, por efeito da eliminação de prestações atinentes à hora de trabalho em que se materializasse a redução de horário de trabalho.


Por conseguinte, na lógica da Ré, a manutenção do subsídio em causa somente se justificaria caso o trabalhador permanecesse a desempenhar funções em condições idênticas às que desempenhava antes da instituição do mesmo, porquanto apenas nesse pressuposto se conservaria a teleologia ínsita à sua criação.


Justamente nesse sentido se compreende o estabelecimento da regra que os trabalhadores deixariam de ter direito a compensação quando deixassem de prestar trabalho «nos termos que determinaram a respetiva atribuição: a) Mudarem para um horário a que corresponda um desses subsídios; b) Mudarem para outro horário a pedido ou por acordo;».


De molde a aquilatar se assiste razão à Ré ou ao Autor, torna-se necessário precisar que o âmbito da retribuição que goza da garantia da irredutibilidade será, em todos os casos, a retribuição estrita, mas não já, na maioria deles, a retribuição variável que depende do modo específico de execução do trabalho e perante a qual não pode o trabalhador gerar uma indefetível expectativa de estabilidade.


Utilize-se um exemplo para melhor compreensão, como seja a modalidade de prestação de trabalho durante o período noturno, cujo pagamento especial decorre do modo específico como tal trabalho é prestado: a circunstância de ser prestado durante o que legal ou convencionalmente se considera período noturno, a que se associa maior penosidade e prejuízo para o descanso e vida familiar, conduz ao pagamento de uma prestação retributiva que visa compensar as condições de prestação desse mesmo trabalho. (cf. FRANCISCO LIBERAL FERNANDES, O Tempo de Trabalho, p. 217)


Assim, a atividade laboral prestada nessas circunstâncias conduz ao nascimento de um crédito remuneratório específico que corresponde a uma prestação de pagamento de quantia certa, calculada de acordo com o contrato ou com a lei, em valor acrescido ao que resultaria da sua prestação dentro do período normal de trabalho.


Em consequência, é entendimento corrente tratar-se de retribuição que não integra, mesmo que por reiteração, o âmbito do princípio da irredutibilidade da retribuição, dado que está submetido à verificação da circunstância que o caracteriza: a prestação de trabalho em período noturno.


Nesta senda, conquanto a retribuição por trabalho noturno, desde que verificados os requisitos de periodicidade e de regularidade a que já se aludiu, possa integrar o conceito amplo de retribuição (para a respetiva integração, designadamente, na retribuição e subsídio de férias) certo é que a mesma não se encontra indefinidamente salvaguardada pelo princípio da irredutibilidade da retribuição, de sorte a que compita ao empregador garantir tal pagamento assim que a mesma adquira a qualificação jurídica de retribuição.


É, por isso, entendimento dominante na jurisprudência que o princípio da irredutibilidade da retribuição «não incide sobre a globalidade da retribuição, mas apenas sobre a retribuição estrita, ficando afastadas as parcelas correspondentes a maior esforço ou penosidade do trabalho, a situações de desempenho específicas, como é o caso da isenção de horário de trabalho, ou a maior trabalho». (Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 22-02-2021, Proc. n.º 4463/19.2T8MTS.P1; na mesma linha, Acs. do Supremo Tribunal de Justiça de 20-02-2002, Proc. n.º 01S1967; de 20-11-2003, Proc. n.º 03S2170; de 04-05-2005, Proc. n.º 04S779; de 17-01-2007, Proc. n.º 06S2188; de 22-09-2011, Proc. n.º 913/08.1TTPNF.P1.S1; Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 10-07-2020, Proc. n.º 5227/19.9T8CBR.C1)


Assim, a vinculação do empregador ao pagamento de prestações complementares, como é o caso do pagamento de trabalho suplementar ou noturno, apenas se verificará na medida em que subsistam as circunstâncias que lhes dão causa, não estando o empregador obrigado a manter a prestação de trabalho em período noturno ou que exceda período normal de trabalho, nem a incorporar na retribuição do trabalhador, na sua falta, os valores correspondentes. (cf. ANTÓNIO MONTEIRO FERNANDES, Direito do Trabalho, p. 564)


Deste modo, apesar da «natureza retributiva da remuneração devida por trabalho suplementar prestado regularmente, tal remuneração não se encontra, todavia, submetida ao princípio da irredutibilidade da retribuição. Ela é, assim, apenas devida enquanto perdurar a situação em que assenta o seu fundamento, podendo o empregador suprimi-la quando cesse a situação específica que esteve na base da sua atribuição, isto é, quando cesse a prestação de trabalho suplementar. Neste caso, não está o empregador obrigado a integrar tal prestação na retribuição, podendo, sem que viole o principio da irredutibilidade da retribuição, fazer cessar a prestação de trabalho suplementar e, concomitantemente e por consequência, o pagamento que era devido pela prestação desse trabalho.» (Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 16-11-2015, Proc. n.º 1308/14.3T8PRT.P1)


Transpondo tal linha de raciocínio para a situação sub judice, a criação do subsídio de compensação por redução do horário de trabalho visou conservar o equilíbrio contratual, para que a redução do horário de trabalho não implicasse uma perda acentuada de prestações retributivas complementares que os trabalhadores auferiam no momento imediatamente antecedente e, no caso do Autor, para compensar a perda do complemento de horário incómodo, cujos pressupostos de atribuição foram suprimidos com a redução do horário de trabalho.


Ora, nesta linha, apenas poderia o Autor preservar o direito a tal subsídio na medida em que as suas condições de prestação de trabalho se mantivessem semelhantes, pois que, alterando-se o seu horário (recuperando os subsídios suprimidos por efeito da redução) ou alterando-se as suas funções (designadamente, sendo distinto o modo específico de prestação de trabalho), desapareceria o fundamento da compensação que o subsídio ora reivindicado procurava alcançar, isto é, o de manter intocado um determinado equilíbrio contratual.


Nesta linha, é pela salvaguarda de uma estabilidade do direito à retribuição que «as expectativas legítimas de ganho, no que toca a tais prestações, serão apenas e precisamente aquelas que possam fundar-se, como dissemos, na razão de ser delas e na sua função no equilíbrio contratual entre prestação de trabalho e contrapartida económica.». (ANTÓNIO MONTEIRO FERNANDES, «A noção de retribuição no regime do contrato de trabalho: uma revisão da matéria» in Estudos dedicados ao Professor Doutor Bernardo da Gama Lobo Xavier, p. 310).


Ora, quando o Autor aceita (sendo que a consensualidade ou unilateralidade são irrelevantes no que à irredutibilidade da retribuição diz respeito) a transferência para diferentes tempo e organização do trabalho, são já distintas as condições da prestação de trabalho e, por esse motivo, desaparece a necessidade de se manter uma atribuição patrimonial especificamente instituída para uma realidade que já não se verifica.


Nestes termos, é desde logo errónea a argumentação do Autor quando defende ter continuado a desempenhar as mesmas funções, tal como se extrai da leitura da matéria de facto provada, da qual se alcança, ainda que com a precisão que o acervo probatório permitiu, que foram alterados os horários e funções do Autor.


Ademais, importa salientar que o Autor, com a alteração de funções e organização do tempo de trabalho não só gozou de uma retribuição globalmente mais favorável em alguns anos, como passou a auferir as prestações denominadas pequenas e grandes deslocações que não integravam anteriormente o leque de contrapartidas contratuais.


Assim, com a modificação objetiva, funcional e temporal, da relação jurídico-laboral, extinguiu-se a finalidade compensatória do subsídio reivindicado, dando lugar a novas prestações destinadas a retribuir as novas condições específicas de trabalho do Autor.


Em suma, o princípio da irredutibilidade da retribuição apenas protege, além da retribuição estrita, as atribuições patrimoniais adicionais na medida em que permaneçam os pressupostos que lhes deram origem; em consequência, o Autor, ao mudar de funções e tempo de trabalho, passou a estar adstrito a um novo modo específico da prestação de trabalho, dando origem ao pagamento de diferentes parcelas retributivas e sendo, por isso, lícita a consentânea supressão do subsídio de compensação da redução do horário de trabalho.».


E – ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA


O Tribunal da Relação de Lisboa, chamado a decidir o recurso de Apelação que foi interposto pelo Autor da mencionada sentença final, veio a julgar o mesmo procedente com base na seguinte fundamentação jurídica:


«A segunda questão a apreciar no recurso consiste em saber se , ao contrário do dirimido pelo Tribunal recorrido, deve reputar-se ilícito o corte unilateral do CRHT por parte da Ré.


Segundo o recorrente a situação em apreço não preenche qualquer uma das situações previstas no Despacho D......... que regula o CRHT como causa de perda da compensação:


« - Mudar para um horário a que corresponda um desses subsídios – não é o caso, porque, tal como alegamos, o horário continuou o mesmo dos restantes carteiros com a atualização para as 39h, sofrendo variações de vez em quando, mas que já aconteciam antes e que eram contabilizadas quando lhe dava direito a alguma das componentes do CHRT.


- Mudar para outro horário a pedido ou por acordo – uma vez que não há novo horário e também nunca houve qualquer acordo feito nesse sentido, sendo unilateralmente impostas as alterações posteriores, formais, que se realizaram.


Acresce que, a seu ver, também não se verifica nenhuma causa que exclua a aplicação do princípio da irredutibilidade da remuneração, uma vez que perduram as condições em que assentou a atribuição do referido complemento.


[…]


A nosso ver, sendo certo que se concorda com as considerações de direito aduzidas na sentença recorrida o recurso neste particular nem sequer se mostrava dependente da sorte da impugnação factual, a qual já é conhecida.


É que tal como o STJ refere:


«Atento o disposto no artigo 129.º, n.º 1, al. d), do Código do Trabalho, salvo as exceções previstas no mesmo diploma, ou em instrumento de regulamentação coletiva do trabalho, não é lícita a diminuição da retribuição devida ao trabalhador, nem por decisão unilateral do empregador, nem mesmo por acordo.».


Nesse sentido apontam, por exemplo, arestos de:


- 24-01-2018, proferido no processo n.º 2137/15.2T8TMR.E1.S1, N.º Convencional: 4.ª Secção, Relator Conselheiro António Leones Dantas, acessível em www.dgsi.pt;


- 15-02-2023, proferido no processo n.º 2162/19.4T8BRR.L1.S1, N.º Convencional: 4.ª Secção, Relator Domingos José de Morais ,acessível em www.dgsi.pt.


Segundo a matéria apurada de 13 a 23:


“13. A Compensação por Redução do Horário do Trabalho (CRHT) foi criada pelo D........., de 02-12-99, no âmbito do processo de redução do período normal de trabalho semanal máximo, de 40h para 39h semanais;


14. Com a Compensação por Redução do Horário do Trabalho, a Ré visou evitar que, por força da negociada diminuição do período normal de trabalho semanal e da consequente alteração dos horários de trabalho, os trabalhadores vissem reduzido o nível médio da remuneração global, pela diminuição dos adicionais associados aos horários praticados imediatamente antes da redução do período normal de trabalho: o subsídio de pequeno-almoço e a compensação por horário incómodo, a compensação por horário descontínuo e a remuneração por trabalho noturno;


15. Eram abrangidos os trabalhadores que, pelo menos nos 6 meses anteriores a Outubro de 1999, tivessem auferido alguns subsídios (de pequeno-almoço, compensação por horário incómodo, compensação por horário descontínuo, e horário noturno) associados aos horários praticados, com vista a dissolver os efeitos da perda de rendimentos;


16. O ponto 4 do D......... estabelece o seguinte:


«Os trabalhadores perderão a compensação quando deixarem de prestar trabalho nos termos que determinaram a respetiva atribuição:


a) Mudarem para um horário a que corresponda um desses subsídios;


b) Mudarem para outro horário a pedido ou por acordo;»


17. O Autor foi transferido por mútuo acordo em 20-04-2005, quando desempenhava as funções de carteiro distribuidor no centro de distribuição postal de ..., para os serviços centrais do PRO (Processos);


18. O trabalhador foi convidado para as funções de Reguista e aceitou as condições da transferência, sabendo que iria ter funções e horários de trabalho diferentes;


19. O Autor exerceu funções de carteiro distribuidor no centro de distribuição postal de ..., com o horário 6h12–11h/12h-15h;


20. Desde a sua transferência, em 2005, que tem horários diferentes dos horários dos carteiros, de forma não concretamente apurada;


21. A sua atividade passou a ser de efetuar as Réguas (sequência dos itinerários do carteiro, ponto de distribuição a ponto de distribuição, de acordo com o itinerário que cada carteiro percorre) dos carteiros nos centros de distribuição postal do País;


22. O Autor continuou a ter como local de trabalho o centro de distribuição postal de ... apenas por conveniência de serviço, uma vez que a atividade de Reguista é predominantemente externa e em vários centros de distribuição postal;


23. A Ré pagou ao Autor os montantes que constam dos recibos de vencimento constantes dos autos, que se dão por integralmente reproduzidos, atenta a respetiva extensão.”


É que ao estabelecer o constante do ponto 4 do D......... [ ou seja que:


«Os trabalhadores perderão a compensação quando deixarem de prestar trabalho nos termos que determinaram a respetiva atribuição:


a) Mudarem para um horário a que corresponda um desses subsídios;


b) Mudarem para outro horário a pedido ou por acordo;»] a Ré acabou por unilateralmente arranjar uma forma de contrariar a medida que estabeleceu com a Compensação por Redução do Horário do Trabalho, através da qual visou evitar que, por força da negociada diminuição do período normal de trabalho semanal e da consequente alteração dos horários de trabalho, os trabalhadores vissem reduzido o nível médio da remuneração global, pela diminuição dos adicionais associados aos horários praticados imediatamente antes da redução do período normal de trabalho.


Isto é: o subsídio de pequeno-almoço, a compensação por horário incómodo, a compensação por horário descontínuo e a remuneração por trabalho noturno.


Ora se a intenção – e bem – foi a de evitar uma violação do princípio da irredutibilidade da retribuição, a nosso ver, não faz sentido que em contra mão se estabeleça que os trabalhadores abrangidos pela perda que se intentou equilibrar perdem tal compensação automaticamente se mudarem para outro horário a pedido ou por acordo, a menos que a diminuição nesse horário se mostre no mínimo compensada.


Dir-se-á o mesmo em relação à sua perda associada à mudança para um horário a que corresponda um dos subsídios [subsídio de pequeno-almoço, compensação por horário incómodo, compensação por horário descontínuo e remuneração por trabalho noturno] que a Compensação por Redução do Horário do Trabalho se destinou a compensar, suprir, sem que esteja devidamente comprovado que tal alteração contrabalança a perda em causa.


É certo que tal como se refere no aresto do STJ, de 01-03-2018, proferido no processo n.º 606/13.8TTMTS.P1.S2, N.º Convencional: 4.ª Secção, Conselheiro Relator: Chambel Mourisco , acessível em www.dgsi.pt:


«…no Acórdão de 4/05/2011, proferido no Recurso n.º 1907/07.0TTLSB.L1.S1, se afirmou:


“O princípio da irredutibilidade da retribuição não incide sobre a globalidade da retribuição, mas apenas sobre a retribuição estrita, ficando afastadas as parcelas correspondentes a maior esforço ou penosidade do trabalho, a situações de desempenho específicas ou a maior trabalho.


A irredutibilidade salarial não impede, assim, a diminuição ou a extinção de certas prestações complementares, o que pode verificar-se na exata medida em que os condicionalismos externos que conduziram à sua atribuição se modifiquem ou sejam suprimidos”.


Ainda no Acórdão de 24/02/2015, proferido no Recurso n.º 178/12.0TTCDL.L1.S1, se sublinha:


“O princípio da irredutibilidade da retribuição consagrado no art.º 129.º, n.º 1, alínea d), do Código do Trabalho/2009, não é impeditivo da supressão de certas atribuições patrimoniais conexas com condições específicas do modo de prestação de trabalho, e quando essas condições específicas deixem de existir» - fim de transcrição.


Assim, no caso concreto, atenta a matéria assente, nomeadamente em 13, 14, 15, 16, 17, 18 e 23, não se acompanha a argumentação da sentença recorrida quando refere:


«Nestes termos, é desde logo errónea a argumentação do Autor quando defende ter continuado a desempenhar as mesmas funções, tal como se extrai da leitura da matéria de facto provada, da qual se alcança, ainda que com a precisão que o acervo probatório permitiu, que foram alterados os horários e funções do Autor.


Ademais, importa salientar que o Autor, com a alteração de funções e organização do tempo de trabalho não só gozou de uma retribuição globalmente mais favorável em alguns anos, como passou a auferir as prestações denominadas pequenas e grandes deslocações que não integravam anteriormente o leque de contrapartidas contratuais.


Assim, com a modificação objetiva, funcional e temporal, da relação jurídico-laboral, extinguiu-se a finalidade compensatória do subsídio reivindicado, dando lugar a novas prestações destinadas a retribuir as novas condições específicas de trabalho do Autor.


Em suma, o princípio da irredutibilidade da retribuição apenas protege, além da retribuição estrita, as atribuições patrimoniais adicionais na medida em que permaneçam os pressupostos que lhes deram origem; em consequência, o Autor, ao mudar de funções e tempo de trabalho, passou a estar adstrito a um novo modo específico da prestação de trabalho, dando origem ao pagamento de diferentes parcelas retributivas e sendo, por isso, lícita a consentânea supressão do subsídio de compensação da redução do horário de trabalho.» - fim de transcrição.


A nosso ver, salvo o devido respeito por opinião diversa, em face da matéria provada não temos por assente nem líquido a conclusão a que a sentença aportou de que o Autor gozou de uma retribuição globalmente mais favorável nalguns anos, sendo certo que mesmo a ser assim tal implica que o não foi noutros, com a consequente diminuição salarial.


Ou seja, não está demonstrado que a partir de 2005, com a nova alteração dos seus horários, tenha sido aumentado o nível médio da remuneração global do Autor (anteriormente reduzido com a supressão dos subsídios) de modo a poder considerar-se compensada a supressão do Complemento de Redução de Horário de Trabalho.


Ora face à finalidade da atribuição deste subsídio (facto 14.), só em tais circunstâncias – que a factualidade apurada não revela – poderia afirmar-se que com a sua supressão não foi violado o princípio da irredutibilidade da retribuição.


Desta forma, afigura-se-nos que tem direito ao pagamento das quantias que deixou de auferir relativas ao Complemento de Redução de Horário de Trabalho de Julho de 2005 em diante, em montante a liquidar em incidente próprio.


Procede, assim, nesta parte, o recurso.»


F – ARTICULADOS DAS PARTES

Não será despiciendo atentar no que Autor e Ré alegaram a este respeito nos seus articulados, de maneira perceber e enquadrar devidamente o conflito laboral carreado para os autos e respeitante à continuação do dever da empregadora em pagar ao trabalhador a referida «compensação por redução do horário de trabalho».

Tais elementos permitem-nos não só aferir o que, em termos factuais, foi invocado pelos litigantes como confrontar tal factualidade alegada com a que ficou, a final, demonstrada nos autos, bem como, por último, ponderar acerca do cumprimento por parte dos mesmos dos correspondentes ónus de alegação e prova e seus reflexos no julgamento do objeto deste recurso de revista.

O Autor alega o seguinte nos artigos da sua Petição Inicial [dispensamo-nos de reproduzir os artigos 23. a 35. respeitantes à discriminação das prestações e verbas constantes dos recibos de vencimento, para onde remetem os artigos 96 e 97 de tal peça processual]:

«96. Sucede que, em Novembro de 1999, conforme consta ainda do citado artigo 23.º, tal suplemento é complementado pela rubrica “S. Comp. Red. Hor. Tra”.

97. E assim se mantém inalterado até Julho de 2005, conforme artigos 24.º a 35.º da presente e respetivos documentos.

98. No entanto, pese embora não se tenha verificado qualquer alteração nas funções que desempenhava e que perduram até ao momento, a verdade é que tal complemento desde Julho de 2005 que não é pago ao A, conforme recibos de vencimento já juntos.

99. Vigora, a este propósito, o princípio da irredutibilidade da remuneração, plasmado na alínea d) do n.º 1 do artigo 129.º do Código do Trabalho.

100. Sublinhando-se que não ocorreu nenhuma alteração nas funções do A., é ilícito que o R. unilateralmente e sequer sem qualquer informação, pura e simplesmente deixe de pontualmente proceder ao pagamento.

101. Aliás, assim se determina na cláusula 73.ª do Acordo de Empresa de 2015, de 9 de Fevereiro.

102. Mutatis mutandis, compaginando os dois fatores supramencionados relativos à continuidade do desempenho das mesmas funções e do facto de tal compensação ter o condão de compor a retribuição global do trabalhador, não é admissível que deixe de se verificar o seu pagamento.

103. Pese embora não se considere controverso este ponto, sempre se diga que os demais colegas do autor igualmente auferem este complemento salarial.

104. A título meramente exemplificativo, sem olvidar toda a jurisprudência citada até ao momento, recupere-se igualmente o teor do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 16 de Dezembro de 2015 no âmbito do processo 1457/13.5TTVNG.P1 e o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 16 de Março de 2005 no âmbito do processo n.º 9466/2004-4.

105. O caráter desta retribuição inibe o R. de a excluir a bel-prazer, conforme Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 22 de Junho de 2020 no âmbito do processo n.º 19858/17.8PRT.P1, que determina que “Dado que a retribuição especial, referida no ponto anterior, não visou retribuir o modo de prestação de trabalho no regime de isenção do horário de trabalho, mas sim “compor” a retribuição global mensal do autor, está sujeita ao princípio da irredutibilidade da retribuição – cf. artigo 129.º, n.º 1, alínea d) do CT/2009.

106. Considerando que o aludido complemento foi retirado em meados de 2005, procedeu-se à soma dos montantes pagos a este título no exercício de 2004 (1.147,38 €) e dividiu-se o montante por 12, por forma a determinar a média mensal.

107. O valor atingido fixa-se em 95,62 €.

108. Destarte, considerando que desde Julho de 2005 até ao momento decorreram 197 meses, o A. deixou de auferir, a este título, a quantia de 18.817,44 €, devendo o R. ser condenado ao pagamento deste montante bem como dos que se vencerem na pendência da ação e a voltar a incluir nos pagamentos futuros a respetiva quantia que nunca deveria ter sido subtraída.»

A Ré, por seu turno, articula a seguinte argumentação de facto e de direito:

«Da (alegada) diminuição de retribuição: da retirada da compensação por redução de horário de trabalho

182. Nos artigos 95.º e seguintes da petição inicial vem o autor peticionar que a Ré seja condena a reintegrar o subsídio por compensação de redução de horário de trabalho que, em seu entender, lhe terá sido ilicitamente retirado a partir de Julho de 2005.

183. Todavia, o Autor parece esquecer-se não só da razão de atribuição de tal subsídio mas, principalmente, do motivo pelo qual deixou de o auferir. Assim,

184. O trabalhador foi transferido por mútuo acordo em 20/04/2005, sendo este o motivo pelo qual perdeu o direito ao CRHT.

185. O trabalhador desempenhava as funções de CRT distribuidor no CDP de ... e foi transferido para os serviços centrais do PRO (Processos) .

186. A sua atividade passou a ser de efetuar as Réguas (sequencia do itinerários do carteiro, ponto de distribuição a pondo de distribuição, de acordo com o itinerário que cada CRT percorre a Rua) dos CRT nos CDP do País.

187. O seu local de trabalho continuou a ser no CDP, por conveniência de serviço, uma vez que esta atividade é predominantemente externa e em vários CDP.

188. O serviço em si consiste em colaboração estreita do CRT que efetua determinado giro, este, informar qual a sequência de distribuição na rua, e este verter esta informação num programa informático que gera as réguas de cada giro (é através desta informação que também são efetuados os planos de sequenciamento das maquinas nos CPL).

189. O trabalhador foi convidado para as funções de “Reguista” e, como tal, aceitou as condições da transferência.

190. À data em que o fez sabia o que ia fazer, que ia ter funções e horários de trabalho diferentes.

191. Desde a sua transferência, em 2005, que tem horários diferentes dos horários dos CRT’s, muito embora tenham de ser compatíveis com os dos CDP’s (porque assim o exigem as funções de “Técnico de Régua”, antigos “Reguistas”), e com as deslocações em serviço (dentro do horário de trabalho).

192. Esta diferença de horários foi o que justificou a cessação do pagamento da Compensação por Redução do Horário de Trabalho (CRHT).

193. A Compensação por Redução do Horário do Trabalho (CRHT) foi criada pelo D........., de 02-12-99, no âmbito do processo de redução do período normal de trabalho semanal máximo, de 40h para 39h semanais.

Este diploma instituiu uma medida transitória de caráter excecional, visando evitar que, por força da negociada diminuição do PNT semanal e, necessariamente, da alteração dos horários de trabalho, os trabalhadores vissem reduzido o nível médio da remuneração global, pela diminuição dos adicionais associados aos horários praticados imediatamente antes da redução do PNT (preâmbulo e ponto 1 do DE): o subsídio de pequeno-almoço e a compensação por horário incómodo, a compensação por horário descontínuo e a remuneração por trabalho noturno (cfr. Informação Laboral de 13-01-2000, quanto aos dois últimos).

194. Eram abrangidos os trabalhadores que, pelo menos nos 6 meses anteriores a outubro de 1999, tivessem auferido, com expectativa de continuidade, alguns subsídios (de pequeno-almoço, compensação por horário incómodo, compensação por horário descontínuo, e horário noturno) associados aos horários praticados, com vista a dissolver os efeitos da perda de rendimentos e, não, a criar uma atribuição definitiva.

195. Contudo, dada a natureza excecional e transitória da CRHT, dispõe o ponto 4 do D......... que “Os trabalhadores perderão a compensação quando deixarem de prestar trabalho nos termos que determinaram a respetiva atribuição:”

a) “Mudarem para um horário a que corresponda um desses subsídios” - ou seja, passarem a cumprir um HT que conferisse direito a algum dos abonos que compusessem a sua CRHT.

b) “Mudarem para outro horário a pedido ou por acordo” - o que incluía mudanças de HT decorrentes de alterações de local de trabalho.

196. Na verdade, a cessação do pagamento da CRHT ocorre aquando de posterior alteração, por acordo, das condições contratuais iniciais.

197. Face ao caráter transitório da CRHT, uma vez perdida, a mesma não era retomada, isto é, o trabalhador não readquiria o direito ao seu pagamento novamente, ainda que, mais tarde, se verificasse nova alteração de horário com perda dos subsídios.

O Autor exerceu funções de CRT distribuidor no CDP de ..., com o horário 6h12–11h/12h-15h.

198. Em 21-04-2005, o trabalhador foi transferido “por acordo da iniciativa da Empresa” para os serviços centrais das Operações/Gabinete de Otimização de Processos (OPE/GOP) (.....04), conforme D. .........., de 20-04-2005.

199. Nesse novo posto de trabalho, o trabalhador passou a executar as funções de “Técnico de Régua” (antigos “Reguistas”), que implica a sequência, ponto de distribuição a ponto de distribuição, dos itinerários que cada CRT percorre nos CDP do País.

200. Em colaboração estreita com o CRT que efetua determinado giro e que informa qual a sequência de distribuição na rua, o trabalhador verte esta informação num programa informático que gera as réguas de cada giro, sendo através desta informação que também são efetuados os planos de sequenciamento das máquinas nos CPL.

201. O trabalhador sabia que ia ter funções e horários de trabalho diferentes, e, como tal, é de concluir que consentiu nas condições da transferência, incluindo a informação sobre os efeitos na perda de CRHT.

202. Desde a transferência em 21-04-2005, que o trabalhador praticou e pratica, ainda que pontualmente, HT diferentes dos HT atribuídos aos CRT, muito embora os horários tenham de ser compatíveis com os dos CDP (porque assim o exigem as funções de “Técnico de Régua”) e com as deslocações em serviço (ou seja, dentro do horário de trabalho).

203. Conclusões:

Pelo exposto, concluiu-se que foi legítima a extinção do pagamento da CRHT ao trabalhador, considerando o ponto 4 do D......... e a fundamentação que segue.

1) O trabalhador deu o seu acordo à mudança das condições contratuais resultantes da sua transferência para a OPE/GOP, em 21-04-2005.

2) A mudança das condições contratuais consentida pelo trabalhador abrangeu:

a) O efeito da perda de CRHT decorrente do novo acordo que alterou o contrato de trabalho.

b) A alteração (aditamento) de local de trabalho.

c) A alteração da integração na estrutura organizativa.

d) A alteração do HT praticado até 20-04-2005.

e) O direito a receber, pelo cumprimento desses HT, novos subsídios que integravam o cálculo da CRHT auferida anteriormente.

3) O facto de o trabalhador só agora, após quase 20 anos, reclamar essa situação, bem demonstra que o trabalhador sempre conheceu e concordou com toda esta situação. Tudo conforme DOC. 8 que se junta.

204. Portanto, ao contrário do que alega na p.i., o trabalhador, nem exerceu sempre as mesmas funções, nem tem ou teve colegas que, nas mesmas condições, continuaram a auferir a CRHT.

205. Pelo que expressamente se impugna o alegado pelo Autor.»

Afigura-se-nos que, a partir da forma como o litígio dos autos se mostra estruturado, cabia ao trabalhador alegar e provar os factos respeitantes ao pagamento da referida “compensação por redução do horário de trabalho” [melhor dizendo, do período normal de trabalho de 40 para 39 horas semanais] entre novembro de 1999 e junho de 2005, à interrupção do dito pagamento a partir de julho de 2005 em diante e ao título jurídico-laboral que lhe conferiu e confere ainda tal direito a esse recebimento, ao passo que ao empregador cabia alegar e provar os factos extintivos de tal direito do Autor, desde essa mesma data.

F - FONTE JURÍDICA DA PRESTAÇÃO EM CAUSA NOS AUTOS


Movemo-nos no âmbito de um contrato de trabalho por tempo indeterminado firmado entre as partes em 31/12/1991 e que ainda se mantém em vigor, que foi ou é regulado não apenas pelos diplomas legais antes identificados, em termos muito sumários, como pela Regulamentação Coletiva firmada entre a Ré CTT e o sindicato do Autor - no qual se acha filiado desde julho de 1994 - SNTCT [Sindicato Nacional dos Trabalhadores dos Correios e Telecomunicações] e que se traduziu na celebração dos Acordos de Empresa publicados nos BTE n.ºs 5/95, 21/96, 8/99, 30/2000, 29/02, 29/04, 27/2006, 1/2010, 15/2013 e 8/2015], onde não existe, contudo, qualquer menção à prestação «Compensação por Redução do Horário do Trabalho», na sequência do que, aliás, também acontece com o regime legal sucessivo antes enumerado [LCT e legislação complementar e Códigos do Trabalho de 2003 e 2009].


Tal remete-nos, assim, como fonte jurídica de tal prestação - na sequência da oportuna alegação e junção documental da mesma pela Ré -, para o Despacho do Conselho de Administração da recorrente datado de 2/12/1999, com o código D........., subordinado ao assunto “Compensação por perda de subsídios resultante da redução do período normal de trabalho”, com imediata entrada em vigor e publicado no BOLETIM OFICIAL da empresa 74/99, com o seguinte texto integral:

«O recente processo de redução do período normal de trabalho implicou alterações a vários níveis, designadamente nos horários de trabalho praticados até Outubro de 1999, traduzindo-se, em termos globais, num benefício efetivo para os trabalhadores que anteriormente praticavam 40 H de trabalho por semana.

Verificaram-se contudo, situações em que os trabalhadores perderam rendimentos adicionais, associados aos horários anteriores, designadamente o subsídio de pequeno-almoço, previsto na cláusula 150.ª do AE, e a compensação especial por horário incómodo, prevista na cláusula 139.ª do AE, que tinham a expectativa de continuar a receber.

Assim, e tendo em conta que, no decurso do referido processo foi assumido, como medida de carácter excecional, o compromisso de garantir o nível médio da remuneração global efetiva aos trabalhadores com perda de rendimentos, o CA, em sua reunião de hoje, decide:

1. ATRIBUIÇÃO

É atribuída uma compensação mensal por perda de subsídios associados aos horários praticados imediatamente antes da redução do período normal de trabalho.

2. MONTANTE

2.1.

O montante da compensação corresponde à média do somatório dos subsídios, designadamente subsídio de pequeno-almoço e compensação especial por horário incómodo, auferidos entre Janeiro e Outubro de 1999.

2.2. Nos casos em que não haja prestação efetiva de trabalho durante um mês completo, o montante da compensação será proporcional aos dias de trabalho prestado, na base de 22 dias úteis.

3. DESTINATÁRIOS

3.1.

A referida compensação será atribuída aos trabalhadores que, pelo menos, durante os últimos 6 meses anteriores a Outubro de 1999, aufiram, com expectativa de continuidade, o subsídio de pequeno-almoço e/ou compensação especial por horário incómodo.

3.2

Outras situações serão verificadas pela respetiva hierarquia e analisadas caso a caso.

4. PERDA DA COMPENSAÇÃO

Os trabalhadores perderão a compensação quando deixarem de prestar trabalho nos termos que determinaram a respetiva atribuição, designadamente por:

a) Mudarem para um horário a que corresponda um desses subsídios;

b) Mudarem para outro horário a pedido ou por acordo.

5. ENTRADA EM VIGOR

Este Despacho entra em vigor imediatamente e produz efeitos a 4 de Outubro de 1999.».


Importa cruzar o texto deste Despacho do Conselho de Administração da recorrente com os seguintes Pontos de Facto dados como provados pelas instâncias:


«13. A Compensação por Redução do Horário do Trabalho (CRHT) foi criada pelo D........., de 02-12-99, no âmbito do processo de redução do período normal de trabalho semanal máximo, de 40h para 39h semanais;


14. Com a Compensação por Redução do Horário do Trabalho, a Ré visou evitar que, por força da negociada diminuição do período normal de trabalho semanal e da consequente alteração dos horários de trabalho, os trabalhadores vissem reduzido o nível médio da remuneração global, pela diminuição dos adicionais associados aos horários praticados imediatamente antes da redução do período normal de trabalho: o subsídio de pequeno-almoço e a compensação por horário incómodo, a compensação por horário descontínuo e a remuneração por trabalho noturno;


15. Eram abrangidos os trabalhadores que, pelo menos nos 6 meses anteriores a Outubro de 1999, tivessem auferido alguns subsídios (de pequeno-almoço, compensação por horário incómodo, compensação por horário descontínuo, e horário noturno) associados aos horários praticados, com vista a dissolver os efeitos da perda de rendimentos;


16. O ponto 4 do D......... estabelece o seguinte: «Os trabalhadores perderão a compensação quando deixarem de prestar trabalho nos termos que determinaram a respetiva atribuição:


a) Mudarem para um horário a que corresponda um desses subsídios;


b) Mudarem para outro horário a pedido ou por acordo;».


No que toca a este último Ponto de Facto [resultante da alegação da Ré no artigo 195 da sua contestação] verifica-se uma ligeira discrepância entre o texto do documento e aquele dado como demonstrado, que ultrapassámos através da transcrição integral do correspondente Despacho, reprodução total essa que nos parece, face aos termos do litígio que fundamentam este recurso de Revista, a maneira mais exata e correta de dar nota nos autos da sua existência e conteúdo, não apenas para efeitos da sua objetiva e rigorosa interpretação jurídica, nos termos e para os efeitos dos artigos 236.º a 239.º do Código Civil, como para evitar lapsos como o ocorrido e sínteses que, de forma involuntária e inconsciente, podem não corresponder em algum aspeto do texto, ao seu teor, alcance e sentido.


Passemos então a abordar, com base em tal documento, a única questão que se suscita nos autos.


G – FACTOS PROVADOS RELEVANTES


Afigura-se-nos importante reproduzir aqui os demais factos relevantes para a abordagem desta questão:


«1. O Autor foi admitido para trabalhar sob a autoridade e direção da Ré, em 31-12-1991;


2. O Autor é associado do SNTCT desde Julho de 1994;


3. Exerce funções no Centro de Distribuição Postal sito na Rua ..., em ...;


4. A categoria profissional do Autor é a de carteiro;


17. O Autor foi transferido por mútuo acordo em 20-04-2005, quando desempenhava as funções de carteiro distribuidor no centro de distribuição postal de ..., para os serviços centrais do PRO (Processos);


18. O trabalhador foi convidado para as funções de Reguista e aceitou as condições da transferência, sabendo que iria ter funções e horários de trabalho diferentes;


19. O Autor exerceu funções de carteiro distribuidor no centro de distribuição postal de ..., com o horário 6h12–11h/12h-15h;


20. Desde a sua transferência, em 2005, que tem horários diferentes dos horários dos carteiros, de forma não concretamente apurada;


21. A sua atividade passou a ser de efetuar as Réguas (sequência dos itinerários do carteiro, ponto de distribuição a ponto de distribuição, de acordo com o itinerário que cada carteiro percorre) dos carteiros nos centros de distribuição postal do País;


22. O Autor continuou a ter como local de trabalho o centro de distribuição postal de ... apenas por conveniência de serviço, uma vez que a atividade de Reguista é predominantemente externa e em vários centros de distribuição postal;


23. A Ré pagou ao Autor os montantes que constam dos recibos de vencimento constantes dos autos, que se dão por integralmente reproduzidos, atenta a respetiva extensão.


*


24 – O Autor manteve a categoria profissional de CRT pelo menos desde Janeiro de 1992 até Dezembro de 2021.[Facto aditado pelo Tribunal da Relação de Lisboa].»


H – DESPACHO DO CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO – SUA INTERPRETAÇÃO

Conforme resulta das fundamentações de direito das duas instâncias que deixámos antes transcritas, a diferença entre ambas é que a do Juízo do Trabalho de ... entendeu que tinha ocorrido, no que toca à situação concreta vivida pelo trabalhador no seio da empresa, o cenário previsto na alínea b) do Ponto 4 de tal Despacho do CA da Ré, ao passo que a argumentação desenvolvida pelo Tribunal da Relação de Lisboa entendeu o inverso, por achar que a factualidade dada como assente nos autos não era suficiente para se poder afirmar que o recorrido, com o referido acordo e as inerentes mudanças de horários de trabalho e funções profissionais [reguista], mantinha o nível global remuneratório que era perseguido pelo mencionado Despacho.

Há que dizer que apesar dos sujeitos processuais e das instâncias terem incidindo parte da discussão gerada pelo presente pleito na violação ou não do princípio da irredutibilidade da retribuição, não nos encontramos, por um lado, face a uma prestação creditícia de cariz laboral que tenha a natureza retributiva em sentido estrito exigida pela nossa doutrina e jurisprudência e que, nessa medida, permita fazer funcionar o dito princípio, como também não nos parece necessário, como faz o ilustre magistrado do Ministério Público no seu parecer [1], qualificar juridicamente o dito despacho da recorrente, com o código «D.........», do ponto de vista do exercício do seu poder de direção e de regulamentação das condições de trabalho do recorrido e dos demais trabalhadores em idênticas circunstâncias, dado não se mostrarem alegados e demonstrados os factos pertinentes a uma certa e segura categorização jurídica de tal ato unilateral do Conselho de Administração da Ré, face à definição jurídica que se usa dar a tais atos unilaterais de iniciativa do empregador [designadamente, em função do cariz abrangente e genérico que devem possuir] e ao regime legal então em vigor, que impunha determinadas condições em termos de validade e eficácia jurídicas dos regulamentos internos das entidades empregadoras [cf. artigos 7.º e 39.º da LCT, que se referiam ao poder regulamentar das entidades patronais e cujo número 3 da segunda disposição referida foi alterado pela Lei n.º 118/99, de 11/8, que entrou em vigor no dia 1/12/1999 [2]].

O que antes se deixou afirmado, não retira qualquer relevância probatória e força jurídica ao documento em questão, assim como não reduz ou anula os efeitos produzidos por tal Despacho do CA da Ré na relação de trabalho aqui em presença.

Afigura-se-nos que nada obrigava, no caso dos autos, a entidade empregadora a emitir aquele Despacho, dado as prestações nele referidas, segundo o Ponto de Facto 14 e 15 - o subsídio de pequeno-almoço, a compensação por horário incómodo, a compensação por horário descontínuo e a remuneração por trabalho noturno - de que os trabalhadores afetados pela redução do período normal de trabalho de 40 para 39 horas poderiam deixar de usufruir, também não se acharem abarcadas pelo princípio da irredutibilidade da retribuição a que já fizemos referência e que, no final do ano do ano de 1999, se achava consagrado na alínea c) do número 1 do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 49408 de 24/11/1969.

Tratou-se de um ato unilateral e voluntário da então entidade patronal, que ainda se mantém em vigor e que visou e visa beneficiar os trabalhadores abrangidos pelo âmbito de aplicação do mesmo e que teve como escopo fundamental conservar idêntico, em termos quantitativos, o valor global da remuneração média normalmente auferida pelos mesmos.

É esta a ideia chave ou a trave-mestra que pauta e justifica o despacho em causa, tendo a leitura jurídica que se fizer de todo o seu texto de ser sempre enformada e dirigida a cumprir tal finalidade.

Tal significa, em nosso entender, que, quando, de uma forma infeliz, porque enganadora e/ou incompleta, a alínea b) do número 4 do referido despacho afirma [somente] que os trabalhadores perderão a dita compensação por redução do período normal de trabalho [ainda que referida incorretamente ao conceito de horário de trabalho] se “b) Mudarem para outro horário a pedido ou por acordo;”, tem tal declaração de ser concatenada e devidamente conjugada com a intenção e objetivo primordial do despacho onde ela se insere e que é a de, pelo menos, manter a remuneração média global dos trabalhadores a quem o mesmo se dirige, igual à que auferia anteriormente à redução do período normal de trabalho operada no dia 1/10/1999, ainda que com as devidas adaptações, equiparações e atualizações, quer em termos qualitativos, como em moldes quantitativos, por força das modificações que, entretanto, nos anos seguintes, foram operando e tendo lugar a nível das prestações pagas aos trabalhadores e dos valores pecuniários correspondentes.

Permitir uma interpretação jurídica dessa alínea b) do número 4 em termos literais e simplistas, de maneira a consentir a perda do direito ao recebimento daquela prestação por força de um singelo pedido da empregadora ou de um mero acordo de alteração de horário de trabalho entre a Ré e os seus trabalhadores, independentemente de se saber se aqueles cumpririam ou não o determinado nos Pontos anteriores do Despacho do CA da recorrente, constituiria não apenas uma contradição entre tal alínea e o restante texto como torpedearia as boas intenções por ele afirmadas [há que dizer que a utilização da expressão “designadamente” deixa a porta aberta a situações e atuações múltiplas e variadas que não podem igualmente se encontrar divorciadas do aludido propósito de não prejudicar os referidos assalariados].

Tendo como pano de fundo a interpretação que deixámos exposta e que nos parece ser a que corresponde ao espírito e letra do dito despacho, há que dizer, finalmente, que a Ré se autovinculou jurídica e contratualmente através do mesmo, em relação a todos os trabalhadores que dele podiam [melhor dizendo, deviam] beneficiar.

O que se acabou de sustentar vai ao arrepio do que veio a ser decidido pelo tribunal da 1.ª instância mas vai, na sua essência, ao encontro do que foi sustentado no Acórdão recorrido, pelo Tribunal da Relação de Lisboa.

Chegados aqui, importa realçar que o Autor recebeu a referida compensação durante 5 anos e 8 meses [outubro de 1999 a maio de 2005, com concretização no recibo do mês seguinte] e que manteve a sua categoria de carteiro até Dezembro de 2021 assim como o mesmo local de trabalho [centro de distribuição postal de ...], ainda que por conveniência de serviço, tendo sido firmado, em 20/4/2005, um acordo entre as partes no sentido da sua mudança de funções [que passaram a ser as de reguista] e de alteração do horário de trabalho que tinha até aí [embora sem se saber em concreto qual ou quais os horários de trabalho que veio a adotar a partir dessas modificações introduzidas nas suas condições de trabalho].

O que se ignora, por ter ficado por apurar, foi se o quadro salarial que o Autor auferiu desde junho de 2005 respeitou ou não os benefícios de cariz pecuniário que o dito despacho visava garantir [no fundo, a manutenção do nível médio remuneratório mensal que era assegurada pelo pagamento da mencionada «Compensação por redução do horário de trabalho»] .

Cabendo à Ré alegar e demonstrar os factos extintivos do direito à perceção daquela prestação, por terem deixado de vigorar as razões que até aí fundaram a sua liquidação, a mesma não logrou satisfazer tais ónus, pois, como bem sustenta o Tribunal da Relação de Lisboa, os únicos factos dados como assentes – os aludidos acordo, mudança de funções e alteração de horários de trabalho – são manifestamente insuficientes para aferir da correto e objetivo cumprimento do dito despacho por parte da recorrente.

A mera remissão para o teor dos recibos de vencimento do Autor respeitantes aos anos de 2000 a junho de 2005 e de julho de 2005 em diante não substitui a necessária alegação dos factos concretos comprovativos do respeito, nesse segundo período temporal, dos pressupostos que estiveram na origem de tal Despacho nem tais documentos esclarecem, em si e só por si, por força da mera indicação dos créditos laborais pagos mensalmente ao recorrido e dos respetivos montantes, que a situação remuneratória global do aqui trabalhador era idêntica ou mais favorável do que a vivida até à data em que a compensação que está em causa nos autos deixou de lhe ser liquidada.

Logo, pelo conjunto de argumentos deixados expostos, tem este recurso de Revista de ser julgado improcedente, assim se confirmando o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa.


IV – DECISÃO


Por todo o exposto, nos termos dos artigos 87.º, número 1, do Código do Processo do Trabalho e 679.º e 663.º do Novo Código de Processo Civil, acorda-se, neste Supremo Tribunal de Justiça em julgar improcedente o presente recurso de Revista interposto pela Ré CTT – CORREIOS DE PORTUGAL, S.A., confirmando-se, nessa medida, o recorrido Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa.


Custas do presente recurso a cargo da recorrente - artigo 527.º, número 1 do Novo Código de Processo Civil.


Registe e notifique.


Lisboa, 8 de fevereiro de 2024


José Eduardo Sapateiro (Relator)


Júlio Gomes


Domingos José de Morais





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1. Pode ler-se, a certa altura de tal Parecer, o seguinte, quanto a tal matéria:

«Conforme se verifica, este despacho do Conselho de Administração da recorrente constitui um ato unilateral, com vigência temporária, cuja validade não foi colocada em causa.

Apesar de constituir um ato unilateral, o despacho em causa tem a natureza de regulamento interno de empresa [Cf. no sentido das ordens de serviço terem a natureza de regulamento interno de empresa o acórdão do STJ de 01.06.2017, proc. n.º 585/13.1TTVFR.P1.S1, consultável em: http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/64435c3cc8fd242e802581330032418b?OpenDocument&Highlight=0,regulamento,interno], de tipo negocial, uma vez que regula matéria salarial, não existindo notícia de oposição ao mesmo por parte do recorrido, pelo que vincula efetivamente as partes – art.º 99.º do CT.»↩︎

2. Cf., aliás, as divergências existentes ao nível da nossa doutrina quanto às consequências jurídicas do não cumprimento de tais exigências legais: ANTÓNIO MONTEIRO FERNANDES, em “Do Direito do Trabalho – I – Introdução. Relações Individuais de Trabalho”, 1994, 9.ª Edição, Almedina, páginas 240 e seguintes e ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, em “Manual de Direito do Trabalho – Dogmática básica e princípios gerais. Direito coletivo do trabalho. Direito individual do trabalho”, 1997, Almedina, páginas 176 a 181 e 570 a 574. [Em geral, vide JOÃO FRANCISCO DE ALMEIDA POLICARPO, O regulamento da empresa — sua função. ESC VIII, 29 (1969), 15-32.]↩︎