Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07P3981
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: PIRES DA GRAÇA
Descritores: HOMICÍDIO
REINCIDÊNCIA
CULPA
ATENUAÇÃO ESPECIAL DA PENA
MEDIDA CONCRETA DA PENA
Nº do Documento: SJ200711280039813
Data do Acordão: 11/28/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :
I - Como revela o acórdão deste Supremo e Secção de 28-02-2007, in Proc. n.º 9/07, a agravação da pena do delinquente que cometeu crimes depois de condenado anteriormente por outros da mesma espécie (reincidência específica, própria ou homótropa) ou de espécie diferente (reincidência genérica, imprópria ou polítropa) assenta, essencialmente, num maior grau de culpa, decorrente da circunstância de, apesar de já ter sido condenado, insistir em praticar o mal, em desrespeitar a ordem jurídica, conquanto não lhe seja alheia, também, a perigosidade, ou seja, o perigo revelado, face à persistência em delinquir, de voltar a cometer outros crimes.

II - É que a recidiva criminosa pode resultar de causas meramente fortuitas ou exclusivamente exógenas, caso em que, obviamente, inexiste fundamento para a agravação da pena, visto não poder afirmar-se uma maior culpa referida ao facto. Nesse caso não se está perante um reincidente, antes face a um simples multiocasional.

III - Ora, a censura do delinquente por não ter atendido a admonição contra o crime resultante da condenação ou condenações anteriores pressupõe e implica uma íntima conexão entre os crimes reiterados, conexão que poderá, em princípio, afirmar-se relativamente a factos de natureza análoga, segundo os bens jurídicos violados, os motivos, a espécie e a forma de execução (cf. Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 269, com a advertência de que a conexão poderá ser excluída, face a certas circunstâncias, entre elas o afecto, a degradação social e económica, a experiência especialmente criminógena da prisão, por impedirem de actuar a advertência resultante da condenação ou condenações anteriores), a significar que o juízo necessário quanto à verificação deste pressuposto material da reincidência é distinto, consoante estejamos perante reincidência homótropa ou própria ou reincidência polítropa ou imprópria.

IV - Com efeito, e como se consignou no Ac. do STJ de 09-06-2004, Proc. n.º 1128/04 - 3.ª, na reincidência específica ou homótropa a verificação da ausência de efeitos positivos de anterior condenação surge, em regra, deduzida in re ipsa, sem necessidade de integração através de verificações adjacentes ou complementares: in re, porém, não como uma qualquer decorrência automática, apenas no sentido em que a relação entre a condenação anterior e a prática posterior de um mesmo crime, em condições semelhantes (como é o tráfico de estupefacientes), e logo durante o período de liberdade condicional, revela suficientemente, em tal relação, que a condenação anterior não teve o efeito de advertência contra a prática de novo crime, isto é, que prevenisse a reincidência.

V - Numa situação em que:
- por decisão proferida em 25-03-2003, transitada em julgado em 09-04-2003, o arguido foi condenado no Proc. n.º 1…, do 1.º Juízo Criminal de Barcelos, na pena única de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por 3 anos, pela prática de 3 crimes de maus tratos, sendo 2 às filhas menores C e E e o outro à ex-cônjuge MF;
- por decisão proferida em 05-11-2004, transitada em julgado em 21-11-2004, o arguido foi condenado no Proc. n.º 8…, do 2.º Juízo Criminal de Barcelos, na pena de 1 ano e 8 meses de prisão pela prática de um crime de maus tratos à ex­cônjuge MF;
- anteriormente a ter-lhe sido revogada a pena de prisão suspensa aplicada em cúmulo jurídico no aludido Proc. n.º 1…, o arguido esteve ininterruptamente em prisão preventiva à ordem do Proc. n.º 8…, desde 06-07-2003 até 22-10-2003, data a partir da qual foi colocado em cumprimento de pena à ordem do Proc. n.º 1…, situação em que, também ininterruptamente, se manteve até ao dia 06-08-2005, altura em que, tendo em consideração a execução sucessiva das penas aplicadas nos dois referidos processos, saiu em liberdade condicional por decisão do TEP do Porto;
o arguido, ao cometer todos os factos provados, decidiu ignorar a condenação e o período de reclusão a que foi submetido, os quais lhe foram indiferentes, encontrando-se, pois, preenchidos os requisitos formais e material do instituto da reincidência, não merecendo reparo a decisão que condenou o arguido nessa qualidade.

VI - Dentro da moldura penal abstracta correspondente ao crime de homicídio p. e p. pelo art. 131.º do CP, aumentada de 1/3 no seu limite mínimo por efeito da reincidência (ou seja, a de 10 anos e 8 meses a 16 anos de prisão), e tendo em consideração:
- o grau de ilicitude do facto, o mais elevado, uma vez que a vida humana é o maior bem jurídico da comunidade e o pressuposto de todos os demais;
- o modo de execução, que se revestiu de brutalidade e intensidade, pois que o arguido tentou tapar a boca da vítima e afastá-la do local, mas, como não conseguisse, no imediato, calá-la, começou a apertar-lhe o pescoço, sufocando-a, e, caídos no chão, o arguido, enquanto com uma mão apertava o pescoço daquela, com a outra agarrou uma pedra que se encontrava ao seu alcance e com ela desferiu-lhe, com força, diversas pancadas na cabeça, no pescoço e no tórax;
- a gravidade das consequências, consubstanciada nas variadíssimas lesões ocasionadas, sua natureza e gravidade, e na privação definitiva do amor e afeição da vítima junto dos entes queridos;
- o grau de violação dos deveres impostos ao agente, que mantinha uma relação amorosa com a vítima, o que supunha a manutenção de uma particular relação de afeição;
- a intensidade do dolo, específico, pois que o arguido agiu com o propósito concretizado de causar a morte de PA, o que quis e fez de modo livre e voluntário, não obstante ter consciência da reprovabilidade e punibilidade da sua conduta;
- os sentimentos manifestados na prática do crime, tendo o arguido revelado insensibilidade e desprezo pela vida de outrem, no caso a sua amada, bem patente na persistência na acção letal, apesar da PA tentar libertar-se utilizando as unhas das mãos como meio de, arranhando o arguido, o obrigar a afastar-se de si, com o que caíram ambos ao chão, tendo aliás a vítima, em consequência da violência das pancadas desferidas pelo arguido com a pedra que empunhara, e da área do corpo atingida, perdido os sentidos;
- os fins e motivos determinantes do crime, relacionados com a circunstância de a vítima, não se conformando com o facto de o arguido se propor adiar o encontro entre aquela e CA, filha do arguido, ao ver o sogro deste no exterior da habitação, se ter posto a gritar pelo nome daquela, a referida CA;
- a falta de preparação para manter uma conduta lícita, pois que o arguido, depois de prometer que iria manter-se afastado do consumo de bebidas alcoólicas e que iria trabalhar – tendo passado a submeter-se a um internamento para desintoxicação do álcool, e obtido emprego na área da construção civil, contribuindo com parte do seu salário para as despesas familiares, sendo assíduo no trabalho, frequentando as consultas de psiquiatria e não faltando às entrevistas no âmbito da liberdade condicional –, a partir de Junho de 2006 passou a andar novamente embriagado, sem trabalhar, e a ausentar-se de casa por vários dias seguidos, não dando qualquer justificação para a sua ausência, o que fez com que a relação familiar que mantinha com a MF e as filhas menores tivesse piorado, ao ponto de, no dia 11-09-2006, a ex-mulher do arguido ter pedido a intervenção da GNR no sentido de ele abandonar a casa dos seus pais;
- a favor do arguido, a condição pessoal e situação económica deste, em que vem provado que o mesmo tinha a profissão de calceteiro, que exerceu até à altura em que passou a descontrolar-se com a ingestão de bebidas alcoólicas;
- a circunstância de o factor essencial determinante da actuação do arguido ter sido o álcool, não tendo ele provocado o estado de etilizado para praticar este crime, conjugado aquele factor com o receio de “perder” a sua família;- o arrependimento do arguido do que tinha feito, sendo que, pensando nas consequências daquela sua acção, decidiu suicidar-se, o que não conseguiu concretizar por o laço da corda se ter desfeito, acabando o arguido por cair no chão;
- a circunstância de o arguido se ter entregue às autoridades e confessado os factos, com relevância para a descoberta da verdade, pois que no dia seguinte (12-09-2006), sem que ainda ninguém tivesse descoberto o cadáver de PA ou, sequer, suspeitasse da ocorrência de tais factos, o arguido foi entregar-se ao EP de Viana do Castelo, onde relatou o ocorrido, situação atenuativa que, porém, não é de molde a implicar a atenuação especial da pena, pois que as circunstâncias anteriores ao crime e as contemporâneas deste, mormente o passado criminal do arguido, a personalidade manifestada no modo e intensidade de execução dos factos, e a forte intensidade do dolo na prática dos mesmos, não são de molde a diminuírem por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade de pena – cf. art. 72.º do CP;
- as exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico no restabelecimento da norma violada, ao nível da prevenção geral, positiva, com vista à integração social do arguido, são intensas, face ao bem jurídico ofendido, e as exigências específicas da prevenção especial, atenta a reincidência do arguido (que não foi afastada pelas anteriores condenações), e a culpa como limite máximo da punição; é de concluir que se revela adequada e proporcional a pena aplicada, de 14 anos de prisão.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
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Nos autos de processo comum com o nº 419/06.3PBVCT do 1º Juízo criminal da comarca de Barcelos, o arguido AA divorciado, calceteiro, filho de BB e de CC, natural da freguesia de Areias do Vilar, desta comarca de Barcelos, onde nasceu em 12 de Maio de 1968, e com domicílio no lugar de Boavista, freguesia de Courel, também desta comarca, actualmente preso no Estabelecimento Prisional de Braga, foi acusado pelo Ministério Público, da prática, em autoria material, de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artºs. 14º., nº. 1; 16º.; 132º., nºs. 1 e 2, alíneas d) e g); 75º.; e 76º., nº. 1, todos do Cód. Penal.
DD, com domicílio no lugar do Monte, freguesia de Lijó, dessa comarca, preso no Estabelecimento Prisional de Viana do Castelo, e EE, menor, residente com os avós maternos no lugar de Vilela, freguesia de Oliveira, desta comarca de Barcelos, respectivamente, viúvo e filha da vítima FF, deduziram pedido de indemnização civil contra o arguido, que este não contestou.

Realizado o julgamento, o Tribunal Colectivo, proferiu decisão em 11 de Julho de 2007, nos seguintes termos:
“decide este Tribunal Colectivo em julgar provados os factos constantes da acusação pública e, por isso:
- Condenam o arguido AA:
– na pena de 14 (catorze) anos de prisão, pela autoria material de um crime de homicídio simples, p. e p. pelos artºs. 131º. e 76º., do Cód. Penal.
- a pagar:
- a AMBOS os lesados a quantia de € 70.000 (setenta mil euros)
- ao lesado DD a importância de € 15.000 (quinze mil euros)
- à lesada EE a quantia de € 39.000 (trinta e nove mil euros)
- juros de mora sobre estas importâncias, à taxa anual de 4%, desde a data da notificação do pedido de indemnização civil até integral pagamento.

Nos termos dos artºs. 513º. e 514º. do C.P.Penal e 74º.; 85º., nº. 1 alínea a) e 95º., nº. 1, estes do C.C.Jud., vai ainda o arguido condenado nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 5 (seis) Ucs. e a procuradoria pelo mínimo, pagando ainda 1% daquela taxa de justiça nos termos e para os fins referidos no artº. 13º. do Dec.-Lei nº. 423/91, de 30 de Outubro.
Pagará ainda os honorários ao Defensor Oficioso, de acordo com a tabela legal em vigor, sem prejuízo de serem adiantados pelos Cofres do Ministério da Justiça.
Notifique-se, registe-se e cumpram-se as demais d.n.
Transitado, remetam-se boletins à D.S.I.C.”
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Inconformados recorreram:

O arguido, concluindo a sua motivação de recurso da seguinte forma:

1. O Recorrente foi condenado pelo seguinte crime:
a) Um crime de homicídio simples agravado pela reincidência p. e p. nos arts. 131° e 76° do Código Penal na pena de catorze anos de prisão;
2. O recorrente era alcoólico.
3. O arguido confessou os factos e a confissão foi relevante para o apuramento da verdade.
4. Mostrou-se arrependido.
5. O crime praticado pelo arguido foi-o em virtude da "doença" que é o consumo de bebidas alcoólicas.
6. Foram violadas as normas dos arts. 70°, 71 ° e 75° do C.P ..
7. Existe, assim, fundamento para recurso, nos termos do art. 410°, nº1.
8. Deve, por isso, o Douto Acórdão ser revisto.
9. Nomeadamente, deve ser aplicada ao arguido uma pena de prisão próxima dos oito anos.
10. Ou caso assim não se entenda e mesmo condenando o arguido como reincidente deve a pena que vier a ser fixada situar-se muito próximo do mínimo legal, ou seja próxima dos dez anos e oito meses .
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GG, representante legal da menor EE, em virtude da fixação do regime definitivo que decretou a sua entrega à guarda e cuidados dos avós maternos, na qualidade de Demandante nos autos, apresentando as seguintes conclusões:

A - Ora, visa o presente recurso submeter à apreciação deste Tribunal apenas uma questão: a escolha e determinação do "quantum" indemnizatório .
B - Na verdade, o Mº Juiz a quo julgou, com relevância para a decisão da causa e no que ao pedido de indemnização civil diz respeito, provados os seguintes factos:
"37 - A vítima FF faleceu no estado de casada com o Demandante DD, sendo a Demandante EE a única filha do casal e a única filha daquela.
38 - A vítima FF, quer no momento em que foi agredida com a pedra, quer nos instantes que precederam estas agressões e enquanto ele estava a sufocá-la, sofreu um enorme susto e grande pavor.
39 - Sofreu ainda intensas dores, derivadas das lesões provocadas por aquelas agressões.
40 - Sofreu também um grande desgosto e uma profunda angústia ao pressentir que ia morrer, sem que pudesse evitar a própria morte, e que ia deixar a sua filha, a Demandante EE, a quem estava ligada por laços muito intensos.
41 - Aquela FF trabalhava numa fábrica, auferindo o salário mínimo nacional.
42 - Era uma pessoa sã e escorreita, alegre e bem disposta, gostando muito de conviver com pessoas amigas e familiares.
43 - Gostava do demandante, seu marido, a quem apoiava, e visitava no Estabelecimento Prisional e ela e a sua filha EE tinham uma ligação muito forte, dedicando-se mutuamente um enorme amor e afeição.
45 - A menor EE sofreu um enorme desgosto pela morte da mãe.
46 - Esta menor frequenta o oitavo ano de escolaridade, e é uma óptima aluna, sendo sua intenção e da sua família que ela prossiga os estudos."
C - Para a fundamentação da decisão de facto e relativamente ao pedido de indemnização civil, a convicção positiva do Tribunal relativamente à matéria dada como provada resultou dos "depoimentos das testemunhas M...T...do V...F... e M...de L...R...de B... quanto ao que se fez constar sob o número quarenta e dois e à forte relação da mãe com a filha e vice-versa; e ainda "se a vítima estava na companhia de um outro homem com quem mantinha uma relação, pelo menos, afectiva, não é crível que o seu pensamento se dirigisse para o marido mas sim (e apenas) para a sua filha com a qual mantinha laços tão fortes, como o afirmaram as testemunhas supra mencionadas”.
D - O Douto Tribunal a quo, salvo o devido respeito por opinião contrária, ao decidir pela condenação ao pagamento a ambos os lesados da quantia de € 70.000,00 (setenta mil Euros), ao lesado DD, a importância de € 15.000,00 (quinze mil Euros) e à lesada EE, a quantia de € 39.000,00 (Trinta e nove mil Euros) "pecou por defeito”.
E - Como consequência directa e necessária da conduta do Arguido que culminou na morte da vítima FF, resultaram para esta e para a Demandante prejuízos vários que, nos termos do artigo 483. o do Código Civil, impõem a obrigação de indemnizar.
F - Assim, resultaram para a vítima FF, em consequência das violentas pancadas desferidas com uma pedra pelo arguido, lesões na cabeça, pescoço, tórax, membros superiores, membros inferiores além de todas as demais lesões corporais descritas no Relatório de Autópsia junto aos autos, as quais lhe determinaram de forma directa e necessária a sua morte - Danos não patrimoniais sofridos pela vítima.
G - Ora, quer no momento em que foi agredida pelo arguido, quer nos instantes que precederam as agressões, a referida vítima sofreu enorme susto e grande pavor, ao mesmo tempo que se tentava defender das agressões lutando pela defesa da sua vida e até ao momento da sua morte.
H - Sofreu, inclusivamente, intensas dores em consequência das agressões e lesões sofridas, e profundo desgosto e angústia ao pressentir que lhe adviria a morte, como efectivamente veio a acontecer, sem que pudesse evitá-la. Esses sentimentos tornaram-se mais intensos pelo facto de a vítima ser ainda uma pessoa muito nova, contando apenas trinta e quatro anos de idade e por se aperceber que ia abandonar a sua única filha menor de apenas doze anos de idade.
I - No que a este aspecto diz respeito, fixou o Tribunal a quo a indemnização em € 20.000,00 (vinte mil Euros) pela violação do direito à integridade física. No entanto, fundamentou o Tribunal a determinação deste quantum no facto de que “a vítima sofreu intensas dores derivadas das lesões provocadas por aquelas agressões, e sofreu um grande desgosto e uma profunda angústia ao pressentir que ia morrer, sem que pudesse evitar a própria morte, e que ia deixar a sua filha, a Demandante EE, a quem estava ligada por laços muito intensos.”
J - Ora, não será contraditório dar como provado a intensa dor, sofrimento e angústia da forma como foi descrito e fixar apenas a indemnização num valor tão baixo? Pensamos, e salvo o devido respeito, que nenhum valor, abaixo dos € 25.000,00 (vinte e cinco mil Euros) deveria ser considerado para indemnizar uma vítima mortal por apedrejamento ....
K - A vítima FF faleceu sozinha e foi abandonada pelo arguido no meio de uma mata, local ermo e pouco frequentado, depois de uma dolorosa e intensa agonia, contando, à data dos factos, apenas trinta e quatro anos de idade e trabalhava como operária têxtil.
L - Dedicava-se aos trabalhos domésticos, cozinhava, arrumava a casa, lavava e passava a roupa e tratava da sua filha menor.
M - Era uma pessoa sã e escorreita, alegre e bem disposta que gostava de conviver com pessoas amigas e familiares, vivendo a vida muito intensamente que desejava longa. Começou a trabalhar muito cedo, auferindo desde logo rendimentos para o seu sustento e dos seus.
N - Com a sua morte tornou-se, pois, a vítima FF credora de uma indemnização pela perda do seu direito à vida (direitos de personalidade que são tutelados, em termos meramente civis, nos artigos 70. o e seguintes do Código Civil) que não deveria computar-se nunca em menos de € 60.000,00 (sessenta mil Euros) e não apenas € 50.000,00 (cinquenta mil Euros) como foi fixado pelo Tribunal no douto Acórdão.
O - Assim, e em consequência do exposto, tinha a vítima FF, no momento da sua morte, direito a uma indemnização global por danos não patrimoniais e perda do direito à vida (€ 25.000,00 + € 60.000,00) = € 85.000,00 (oitenta e cinco mil Euros).
P - A Demandante é única filha da vítima FF, sucedendo-lhe, além dela, apenas o cônjuge, inexistindo, pois, qualquer testamento ou qualquer outra pessoa que prefira à Demandante na sucessão.
Q - A vítima era uma pessoa que vivia muito ligada às pessoas que a rodeavam, dedicando à sua filha EE grande afecto, atenção, amor e carinho, contribuindo no quotidiano para a alegria de viver e felicidade da menor que contava, à data dos factos, apenas doze anos de idade.
R - Assim, o corte abrupto da sua vida causou à Demandante profundo, indescritível e inultrapassável desgosto, já para não falar do incomensurável trauma que a Demandante foi obrigada a suportar, sendo que descobriu da morte da sua mãe pelos jornalistas que cobriam a reportagem, nunca tendo sido informada pela Polícia Judiciária ou GNR de Barcelos que se limitaram a comunicar ao pai que se encontrava preso no Estabelecimento Prisional de Viana do Castelo.
S - Viu-se, portanto, a menor EE privada para sempre da sua mãe, do seu apoio, acompanhamento, compreensão, amor e carinho imprescindíveis na fase da adolescência em que a menor prestes estaria a entrar.
T - A Demandante, excelente aluna, pertencente ao Quadro de Excelência na escola que frequentava, não conseguiu lidar com a pressão e viu as suas notas descer, arriscando mesmo a perda do ano escolar, face ao profundo sentimento de abandono, sofrimento e isolamento a que se acometeu.
U - Por estes factos, de natureza não patrimonial e de extrema gravidade, merecedores da tutela do Direito, não deve ressarcir-se a Demandante em valor inferior a € 25.000,00 (Vinte e cinco mil Euros).
V - A vítima FF contava, à data da sua morte, apenas trinta e quatro anos de idade, possuindo o nono ano de escolaridade e trabalhando como operária têxtil, auferindo € 500,00 (quinhentos Euros) por mês, sendo certo que, enquanto fosse viva, e até completar, pelo menos, setenta e quatro anos de idade, continuaria a auferir de salário idêntico.
W - A filha EE, à data da morte da sua mãe, não exercia, nem exerce qualquer actividade remuneratória, sendo estudante na Escola C + S de Manhente, em Barcelos, sendo sua intenção acabar o ensino secundário e, mais tarde, ingressar na Faculdade, sendo que, apenas após a obtenção da licenciatura, ingressará no mercado de trabalho (por volta dos vinte e cinco anos de idade) que lhe permita obter o rendimento para a sua própria subsistência.
X - Assim, e até aos vinte e cinco anos, a menor EE vai sofrer prejuízos de cariz patrimonial consubstanciados na perda de alimentos, nos termos do n. ° 3 do artigo 495.° do Código Civil, no montante que se estima de € 65.000,00 (sessenta e cinco mil Euros) e, porque se trata de um capital adiantado, reclama-se a esse título a quantia de € 35.000,00 (trinta e cinco mil Euros).
Y - Conforme anteriormente foi já dito, o Acórdão ora Recorrido "pecou por defeito", atribuindo, no nosso entender, indemnizações reduzidas face ao crime cometido e a forma hedionda como se consumou, tendo, ainda em atenção, o padrão de comportamento do Arguido que, já condenado por crimes violentos e que indiciavam já uma natural propensão para este tipo de criminalidade, não se coibiu de voltar a enveredar por condutas criminosas.
Z - Assim, em face de todo o circunstancialismo, entendemos terem sido violadas as normas dos artigos 483.°, 495º, nº 3, 496º, nº 2 e parte final do n.º 3, 494º e 70º do Código Civil no que se refere à determinação do quantum indemnizatório.
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Respondeu a Digna Procuradora-Adjunta ao recurso apresentado pelo arguido, concluindo:

“A medida concreta da pena aplicada ao arguido respeitou os critérios legais tendo em conta a culpa deste, os fins de prevenção geral e especial e demais circunstâncias que depuseram a seu favor ou contra ele. não merecendo qualquer reparo.
Pelas razões expostas e outras que V. Exas com douto entendimento encontrarão, o acórdão recorrido deverá ser mantido nos seus precisos termos .
Termos em que, julgando improcedente, por infundado, o douto recurso apresentado pelo arguido, V. Exas. farão a costumada JUSTIÇA “
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Neste Supremo, o Ministério Público pronunciou-se nos termos de fls dos autos.
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Foi o processo a vistos dos Exmos Adjuntos, após o que o Exmo Presidente designou a audiência que veio a realizar-se na forma legal.

Consta do acórdão recorrido:

“II.- FACTOS PROVADOS
Da discussão da causa, e com interessem relevante para a decisão, ficou provado que:
- A) RELATIVAMENTE À ACUSAÇÃO:
1.- O arguido é alcoólico e no estado de embriaguez torna-se uma pessoa agressiva.
2.- Por decisão proferida em 25 de Março de 2003, transitada em julgado em 9 de Abril de 2003, o arguido foi condenado no processo nº.1040/01.8GBBCL, do 1º. Juízo Criminal deste Tribunal Judicial de Barcelos, na pena única de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por três anos, pela prática de três crimes de maus tratos, sendo dois às filhas menores C...A... e II, e o outro à ex-cônjuge JJ
3.- Por decisão proferida em 5 de Novembro de 2004, transitada em julgado em 21 de Novembro de 2004, o arguido foi condenado no processo nº. 882/03.4 GBBCL, do 2º. Juízo Criminal deste Tribunal Judicial de Barcelos, na pena de 1 ano e 8 meses de prisão pela prática de um crime de maus tratos à ex­cônjuge JJ
4.- Anteriormente a ter-lhe sido revogada a pena de prisão suspensa aplicada em cúmulo jurídico no aludido processo nº. 1040/01.8GBBCL, o arguido esteve ininterruptamente em prisão preventiva à ordem do Processo nº. 882/03.4GBBCL, desde 06 de Julho de 2003 até 22 de Outubro de 2003, data a partir da qual foi colocado em cumprimento de pena à ordem do processo nº. 1040/01.8GBBCL, situação em que, também ininterruptamente, se manteve até ao dia 6 de Agosto de 2005, altura em que, tendo em consideração a execução sucessiva das penas aplicadas nos dois referidos processos, saiu em liberdade condicional por decisão do Tribunal de Execução de Penas do Porto, proferida no Processo Gracioso de Liberdade Condicional nº. 4067/03.1TXPRT.
5.- Sensivelmente por volta de Janeiro de 2006 e depois de prometer que iria manter-se afastado do consumo de bebidas alcoólicas e que iria trabalhar, o arguido voltou a viver com a ex-cônjuge, JJ, passando a residir na casa dos pais desta, sita no lugar de Boavista, freguesia de Corel, concelho de Barcelos, área desta comarca.
6.- Todavia, a partir de Junho de 2006, o arguido passou a andar novamente embriagado, sem trabalhar, e a ausentar-se de casa por vários dias seguidos, não dando qualquer justificação para a sua ausência, o que fez com que a relação familiar que mantinha com a JJ e as filhas menores tivesse piorado.
7.- Entretanto, o arguido vinha mantendo uma relação amorosa com FF e, por isso, na primeira semana de Setembro de 2006, ele disse mesmo à filha menor, HH que iria dar-lhe a conhecer uma madrasta e um novo irmão.
8 - Assim, no dia 11 de Setembro de 2006, pelas 13:00 horas, o arguido e aquela FF deslocaram-se de táxi desde a praça Pontevedra, nesta cidade de Barcelos, até junto do campo de futebol de Corel, e daí dirigiram-se a pé até às imediações da casa dos sogros do arguido, onde chegaram perto das 15:45 horas, com a intenção de o arguido apresentar aquela FF à referida sua filha HH.
9.- Chegados a uma distância de cerca de 200 metros da aludida residência, enquanto a FF permaneceu ali, o arguido dirigiu-se à mesma, em cujo interior encontrou, como sabia que ia encontrar, a sua filha menor HH, perante a qual se mostrou inquieto e nervoso, sucessivamente entrando e saindo várias vezes em casa, sem que, porém, lhe tenha transmitido a sua intenção.
10.- A razão daquele comportamento do arguido foi constatar que o seu sogro andava por perto de casa, não indo dormir a sesta, como costumava fazer, e não queria que este o visse em companhia de outra mulher.
11.- Deste modo, o arguido regressou para junto da FF, fazendo-lhe saber que não pretendia aparecer em casa dos sogros acompanhado de outra mulher, propondo-se adiar o encontro entre aquela e a sua filha HH.
12.- A referida FF, porém, não se conformava e exigia que se fizesse a apresentação naquela dia e àquela hora, e, vendo o sogro do arguido no exterior da habitação, pôs-se a gritar pelo nome deste, a referida HH.
13.- O arguido tentou tapar-lhe a boca e afastá-la dali, mas como não conseguisse, no imediato calá-la, começou a apertar-lhe o pescoço, sufocando-a.
14.- A FF tentou libertar-se utilizando as unhas das mãos como meio de, arranhando o arguido, o obrigar a afastar-se de si, com o que caíram ambos ao chão.
15.- Estando já, assim, caídos o arguido, enquanto com uma mão apertava o pescoço daquela FF, com a outra agarrou uma pedra que se encontrava ao alcance da outra mão e com ela desferiu-lhe, com força, diversas pancadas na cabeça, no pescoço e no tórax.
16.- O arguido e a referida FF, que já haviam bebido vinho maduro ao almoço, e tinham estado a beber vinho verde naquele local, ingerindo, ambos, cerca de metade de um garrafão de cinco litros, que o arguido trouxera consigo, de uma das vezes que foi a casa dos sogros.
17.- Em consequência da violência das pancadas desferidas pelo arguido com a pedra que empunhara, e da área do corpo atingida a FF sofreu fortes dores físicas e perdeu os sentidos.
18.- Tendo sofrido as seguintes lesões, ao nível externo:
NA CABEÇA:
Laceração na região frontal esquerda de 5 por 4 cm; laceração na região infra-mentoniana de 1,5 por 0,5 cm; equimose de 4,5 por 2 cm na região infra­mentoniana; equimose na hemi-face esquerda de 8 por 7 cm; ferida corto-contusa na hemi-face esquerda de 0,5 por 0,5 cm, distanciando 4 cm do pavilhão auricular esquerdo; equimose da hemi-face direita estendendo-se desde a região frontal direita até à região infra-cervical e lateral direita numa extensão de 24 por 10 cm; escoriação de 0,5 cm de diâmetro na hemi-face esquerda; equimose no pavilhão auricular esquerdo de 2,5 por 4 cm., ao nível do lobo inferior do pavilhão auricular esquerdo; equimose de 2,5 por 2 cm no pavilhão auricular esquerdo (parte interna); equimose de 3 por 2 cm. na face posterior do pavilhão auricular direito; afundamento na região frontal; afundamento na região temporal esquerda de 9 por 5 cm.; fractura com afundamento de 6 por 4 cm. na região temporal;
NO PESCOÇO:
Equimose na região cervical e lateral esquerda de 5 por 4 cm., orientada no seu eixo maior no sentido vertical; equimose de 5 por 2 cm., localizada na região inferior da região cervical direita; equimose na face inferior e posterior da região cervical de 5 por 4 cm..
NO TÓRAX:
Equimose no terço superior e anterior do hemitórax esquerdo de 3 por 2,5 cm.; equimose na região supra clavicular esquerda (parte média) de 0,5 cm. de diâmetro; mancha de cor castanha escura no terço médio (parte média) e anterior do hemitórax de 8 cm. de diâmetro; equimose de 6 por 1 cm., orientada no seu eixo maior no sentido vertical no terço médio e posterior do tórax (parte média); equimose de 4,5 por 6 cm. no terço médio e posterior do tórax (parte média), orientada no seu maior eixo no sentido horizontal e localizada no tórax posterior (parte média); equimose de 6 por 5 cm. no terço superior e posterior do hemitórax esquerdo; equimose de 5 por 3 cm. no terço superior e posterior do hemitórax direito; escoriação de 7 por 1 cm, no terço médio e posterior do hemitórax esquerdo.
NOS MEMBROS SUPERIORES:
Cianose do terço distal dos dedos e das unhas; escoriação de 0,5 cm de diâmetro na face posterior do ombro direito; escoriação de 1 por 0,5 cm na face posterior do ombro direito; escoriação de 2 por 1 cm. no terço superior posterior ao nível da face posterior da omoplata direita, bordo inferior; escoriação na face antero-externa do antebraço esquerdo de 7 por 5 cm.; escoriação de 2,5 por 0,5 cm no terço superior e interno do antebraço esquerdo; equimose de 1 cm. por 7 mm. no terço inferior e antero-externo do braço esquerdo; quatro escoriações no dorso da mão direita de meio cm. de diâmetro cada uma; escoriação no dorso da mão esquerda de 0,5 cm de diâmetro; escoriação de 2 por 0,5 cm no espaço inter-digital, no terço proximal ao nível do 4º. e 5º. dedos da mão esquerda.
NOS MEMBROS INFERIORES:
Escoriação na anca direita de 3 cm. de diâmetro; equimose no terço superior e interno da perna esquerda de 3 por 2 cm.; escoriação no dorso do pé esquerdo de 0,5 cm de diâmetro.
19.- Ao nível do HÁBITO INTERNO, a referida FF sofreu as seguintes lesões:
NA CABEÇA:
Nas paredes: contusão do couro cabeludo na região frontal e parietal esquerdas de 7 por 4 cm. com infiltração sanguínea subjacente; contusão do couro cabeludo na região frontal direita de 10 por 8 cm., orientada no seu eixo maior no sentido transversal, com infiltração sanguínea subjacente; fractura de 23 cm. nos ossos frontal, esfenoide, temporal e occipital direitos, com infiltração sanguínea dos topos ósseos; fractura com afundamento do osso temporal esquerdo de 9 por 5 cm., com infiltração sanguínea dos topos ósseos; fractura com afundamento do os-so temporal esquerdo de 6 por 4 cm., com infiltração sanguínea dos topos ósseos; fractura na órbita esquerda de 8 por 3,5 cm., com infiltração sanguínea dos topos ósseos.
Nas meningues: hemorragia subaracnóideia; dura mater de aspecto macroscópico congestionado e hemorrágico e amolecido; leptomeninges de aspecto macroscópico congestionado, hemorrágico e amolecido.
No encéfalo: amolecido; hemorragia dos lobos parietal e temporal esquerdos, hemorragia extensa do cerebelo, hemorragia do lobo temporal esquerdo de 4,5 por 3 cm.; hemorragia de 3 por 2 cm. no lobo parietal direito; hematoma no occipital esquerdo de 4 por 1,5 cm., com infiltração sanguínea subjacente.
20.- As múltiplas lesões crânio-meningo-encefálicas acima descritas foram causa directa e necessária da morte de FF, a qual lhe sobreveio de imediato. Estas e as restantes lesões traumáticas resultaram de violento traumatismo de natureza contundente, no caso concreto, das pancadas desferidas pelo arguido com a pedra que empunhava.
21.- Ao actuar pela forma acima descrita, o arguido agiu com o propósito concretizado de causar a morte de FF, o que quis e fez de modo livre e voluntário, não obstante ter consciência da reprovabilidade e punibilidade da sua conduta.
22.- Após as descritas agressões o arguido, apercebendo-se que tinha matado a FF, pegou no cadáver e escondeu-o nas proximidades mas de modo a que não fosse avistado por quem passasse no caminho térreo ali existente.
23.- Depois de escondido o cadáver, o arguido regressou a casa dos seus sogros e mudou de roupa, tirando a que trazia vestida, utilizada no momento da prática dos factos acima transcritos, e vestiu outra no seu lugar, deixando apenas os sapatos que levava calçados.
24.- No dia seguinte - 12 de Setembro de 2006 -, pelas l8:10 horas, sem que ainda ninguém tivesse descoberto o cadáver de FF ou, sequer, suspeitasse da ocorrência de tais factos, o arguido foi entregar-se ao Estabelecimento Prisional de Viana do Castelo, onde relatou o ocorrido, após o que foi chamada uma patrulha da Polícia de Segurança Pública daquela cidade, que, que acompanhou o arguido ao local, aí se havendo constatado a veracidade dos factos que o arguido narrava.
25.- Verificaram, assim, as autoridades policiais, que no interior de uma bouça, a cerca de um metro do muro existente junto ao caminho térreo de acesso à casa dos sogros do arguido, a uma distância de, sensivelmente, 150 metros dessa residência, se encontrava estendido um cadáver, que se apurou tratar-se de FF, o qual estava posicionado de modo que não era visível nem da aludida residência, nem do caminho térreo ali existente.
26.- O cadáver, cujo rosto estava ensanguentado e onde eram visíveis várias lacerações na região frontal e no queixo, encontrava-se já frio ao tacto e com rigidez totalmente instalada. Na zona lateral direita da face apresentava já sinais de início de putrefacção, encontrando-se larvas nessa região e no pescoço. Estava vestido e com a roupa devidamente alinhada e sem rasgões, encontrando-se apenas a camisola e casaco que tinha vestidos ligeiramente puxados para cima.
27.- No local, foram recolhidos vestígios hemáticos existentes no muro em pedra acima referido, bem como noutras pedras soltas e na vegetação próxima.
28.- A cerca de 150 metros do local onde se encontrava o cadáver e a sensivelmente 300 metros da aludida residência dos sogros do arguido, junto a um eucalipto meio inclinado, estavam duas cordas em nylon amarradas uma à outra por um nó, com o comprimento total de 4,70 metros, um garrafão vazio de cinco litros, e ainda, junto a este, uma ponta/beata de cigarro.
29.- O referido garrafão foi levado para ali pelo arguido, para acabar de beber o seu conteúdo e a beata era o que restava de um cigarro que o arguido havia estado a fumar na mesma altura.
30.- Com efeito, arrependido do que tinha feito, e pensando nas consequências daquela sua acção, o arguido decidiu suicidar-se e por isso é que foi a casa dos sogros apanhou as cordas de nylon e procurou uma árvore onde pudesse concretizar aqueles seus intentos, encontrando as condições que pretendia no eucalipto acima mencionado. Levou então para lá o garrafão de vinho, acabando de beber o seu conteúdo, e fumou um cigarro, após o que uniu as duas cordas e passou uma das pontas sobre o tronco do eucalipto e formou um laço. Subiu depois pelo tronco de um pinheiro até cerca de um metro de altura, enfiou o laço pelo pescoço, e lançou-se para a frente, ficando suspenso no ar. Contudo, o laço desfez-se, e ele acabou por cair no chão, gorando-se assim aquele seu intento.
31.- A cerca de 50 metros do local onde estava o cadáver, a meio caminho entre este e a residência dos sogros do arguido, foi ainda encontrada, pousada em cima de uma pedra, uma camisola de lã pertencente ao arguido.
32.- Foram apreendidas as roupas – um par de calças de ganga azuis e uma camisa - que o arguido trajava na altura dos factos supra descritos, e que foram entregues pela sua ex-esposa por ele as ter deixado em casa, e um par de sapatos que o arguido calçava quando se apresentou no Estabelecimento Prisional de Viana do Castelo, apresentando aquelas e estes vestígios de sangue, que se veio a constatar ser da vítima FF.
33.- Os factos por que o arguido foi condenado no Procº. nº. 1040/01.8GBB CL foram praticados entre 1996 e meados de Setembro de 2002, tendo sido praticados entre meados de Maio de 2003 e 06 de Julho de 2003 aqueles por que o arguido foi condenado no Procº. nº. 882/03.4GBBCL.
34.- O arguido, quando saiu em liberdade condicional integrou o agregado familiar de uma irmã mas decorrido pouco tempo voltou a viver com a sua ex-mulher e com os filhos, como se referiu já, na casa dos pais daquela.
Submeteu-se a um internamento para desintoxicação do álcool, e tendo obtido em emprego na área da construção civil, começou a trabalhar como trolha, contribuindo com parte do seu salário para as despesas familiares.
Até meados de Julho de 2006 o arguido era assíduo no trabalho, frequentava as consultas de psiquiatria e não faltava às entrevistas no âmbito da Liberdade Condicional.
A partir daí, porém, retomou o consumo excessivo de bebidas alcoólicas, tendo sido internado de urgência na Casa de Saúde de São João de Deus, em Barcelos, deixou de trabalhar, e o seu relacionamento com o agregado familiar recomeçou a deteriorar-se, ao ponto de, no dia 11 de Setembro de 2006, acima referido, a ex-mulher do arguido ter pedido a intervenção da G.N.R. no sentido de ele abandonar a casa dos seus pais.
35.- O arguido na noite de 11 para 12 do referido mês de Setembro já não dormiu na casa dos sogros, aí voltando neste dia, de manhã, pegou nas suas roupas e demais pertences e foi então entregar-se na Cadeia de Viana do Castelo, como acima se referiu.
36.- O arguido tinha a profissão de calceteiro, que exerceu até à altura em que passou a descontrolar-se com a ingestão de bebidas alcoólicas.
- B) – RELATIVAMENTE AO PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
37.- A vítima FF faleceu no estado de casada com o demandante DD, sendo a demandante EE a única filha do casal e a única filha daquela.
38.- A vítima FF, quer no momento em que foi agredida pelo arguido com a pedra, quer nos instantes que precederam estas agressões e enquanto ele tentava sufocá-la, sofreu um enorme susto e grande pavor.
39.- Sofreu ainda intensas dores, derivadas das lesões provocadas por aquelas agressões.
40.- Sofreu também um grande desgosto e uma profunda angústia ao pressentir que ia morrer, sem que pudesse evitar a própria morte, e que ia deixar a sua filha, a demandante EE, a quem estava ligada por laços muito intensos.
41.- Aquela FF trabalhava numa fábrica, auferindo o salário mínimo nacional.
42.- Era uma pessoa sã e escorreita, alegre e bem disposta, gostando muito de conviver com pessoas amigas e familiares.
43.- Gostava do demandante, seu marido, a quem apoiava, e visitava no Estabelecimento Prisional e ela e a sua filha EE tinham uma ligação muito forte, dedicando-se mutuamente um enorme amor e afeição.
44.- Quando o demandante DD soube da morte da esposa, através de um telefonema que fez para a sua família, sentiu uma grande tristeza e um enorme desespero, que manifestou batendo com a própria cabeça contra as paredes da cela.
45.- A menor EE sofreu um enorme desgosto pela morte da mãe.
46.- Esta menor frequenta o 8º. ano de escolaridade, e é uma óptima aluna, sendo sua intenção e da sua família que ela prossiga os estudos.
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III.- FACTOS NÃO PROVADOS
Havendo-se provado todos os factos da acusação (só não se transcreveu em II o que constitui reprodução de relatórios periciais, por serem meios de prova) relativamente ao pedido de indemnização civil, e com relevo para a decisão, não se provou que:
A) – A angústia sentida pela vítima quando se apercebeu que ia morrer tenha sido provocada por se ter apercebido de que ia abandonar para sempre o seu marido – o demandante DD.
B) – A vítima tenha começado a trabalhar desde muito nova, auferindo desde logo rendimentos para o seu sustento e o dos seus.
C) – A vítima auferia o salário mensal de € 500 e despendia com a sua filha a importância de € 250 por mês.
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IV.- FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
A prova dos factos acima transcritos em II assentou essencialmente nas informações prestadas pelo arguido quando se apresentou quer no Estabelecimento Prisional de Viana do Castelo quer, mais tarde, aos elementos da Polícia Judiciária que vieram a proceder à investigação.
Com efeito, o arguido apresentou-se naquele Estabelecimento Prisional, onde tinha estado em cumprimento de pena, e abeirou-se da portaria dizendo «que tinha matado uma pessoa e queria apresentar-se». Mais dizia que «matou uma mulher, que a tinha estrangulado», de conformidade com o relato feito pelas testemunhas C...F...A...da S...G..., chefe dos Guardas Prisionais, e V...M...A...R..., guarda prisional, que, no momento, estava de serviço à portaria do referido Estabelecimento Prisional.
A testemunha C...M...M...L..., inspector da Polícia Judiciária contou igualmente o relato que lhe fez o arguido, e a confirmação que obteve da autenticidade deste relato pelas diligências, designadamente, de inspecção ao local a que procedeu.
O arguido, ainda que tenha optado por só falar depois da junção aos autos do relatório da perícia psiquiátrica a que foi submetido (crê-se que por estratégia de defesa), acabou por produzir uma confissão dos factos que lhe são imputados.
Esta confissão acabou por ser relevante para se apurarem alguns pormenores do sucedido – e daí que se lhe tenha atribuído credibilidade também quanto àqueles que relevam em benefício do arguido – mas o elevado número de “pistas” que ele deixou, designadamente as calças e a camisa com vestígios de sangue da vítima (cfr. auto de apreensão de fls. 48 e fotografias de fls. 68 e 69), tarde ou cedo conduziriam à descoberta da acção e do seu autor.
Com efeito, e como contou a ex-esposa do arguido – jj – que produziu um relato pormenorizado e conciso – e, por isso, credível – confirmou haver entregue as calças e a camisa que o arguido «tinha deixado em casa». Contou que chamou a G.N.R. porque uma vizinha e a sua filha HH lhe disseram haverem encontrado, nuns anexos à casa, «uma caixa de balas», acrescentando que quando aquela autoridade policial lá chegou o arguido «estava escondido» e «estava alcoolizado», tendo abandonado a casa sem grande resistência. Confirmou que «quando ele bebia ele era agressivo, insuportável», e que «bebia em grandes quantidades».
A filha mais velha do arguido – HH – referiu que ele «apareceu em casa por volta das quatro menos um quarto» e não falou com ninguém, indo «para o quarto». «Andava sempre para trás e para a frente – não conseguia estar parado», mas «não estava violento». Regressou quando eram cerca das «cinco e meia» e viu-o «a cortar uma corda de cor verde», dizendo que «o senhor da bouça não deixava ter ali aquilo». Perguntada disse que o arguido parecia estar bêbado, esclarecendo que «quando estava bem não nos deixava ir dar uma volta, só se fosse por perto, e nessa altura ele não se importou com nós». Confirmou ainda que quando o arguido foi a casa «o avô estava lá».
Mais referiu que o arguido, no dia seguinte, «mais ou menos às nove e meia apareceu em casa e perguntou porque é que a mãe o pôs fora da porta» mas não lhe disse nada, e ele, saindo, voltou «às onze e disse para o ajudar a meter a roupa num saco que ia embora». Nesta altura «não se apercebeu que estivesse bêbado».
Transcreveu-se este depoimento porque ele confirma o relato feito pelo arguido – designadamente, que não levou aquela sua filha à presença da vítima FF por ter constatado a presença do seu sogro em casa; o nervosismo que a situação lhe causou; a ingestão de bebidas alcoólicas; e a recolha da corda (que está(ão) fotografada(s) a folhas 71 dos autos).
Acreditou-se, pois, no relato feito pelo arguido, designadamente que tinha um caso amoroso com a vítima FF «há cerca de dois anos e meio» e o encontro que teve com ela, e o que os motivou a deslocarem-se ambos até às proximidades da casa dos sogros daquele, onde ele vivia, juntamente com a ex-mulher e as filhas do casal, designadamente a HH, que iria ser apresentada àquela. Da sua reacção quando a vítima começou a gritar pelo nome da sua filha, e do modo como se desenrolou toda a agressão.
Em suma, foi essencialmente com base no seu relato que se consideraram provados os factos referidos sob os nºs. 8 a 16 e 21 a 30.
Nas fotografias de folhas 63 a 65 estão retratadas as lesões provocadas pelas unhas da vítima no corpo do arguido, quando procurava defender-se e afastar-se dele, como acima se descreveu em II, nº. 14.
Nas fotografias de folhas 62 estão retratadas as árvores mencionadas relativamente à tentativa de suicídio do arguido.
As lesões sofridas pela vítima constam do relatório de autópsia de folhas 179 a 186, e de folhas 216 a 221 consta o relatório do exame pericial (biológico) feito às calças e camisa, ao par de sapatos, à beata de cigarro (que confirma ter sido fumado pelo arguido) e ao raspado das unhas, que confirma conterem vestígios de tecido corporal do arguido.
As anteriores condenações cominadas ao arguido constam das certidões de fls. 86 a 92 – acórdão proferido no Procº. 1040/01.8GBBCL; de fls. 106 a 115 – a sentença proferida no Procº. nº. 882/03.4GBBCL -, assim como do certificado de registo criminal do arguido, constante de fls. 364 a 367.
A fls. 93 e 94 consta cópia da decisão que concedeu a liberdade condicional ao arguido.
Essencialmente no que se refere ao nº. 34, o Tribunal Colectivo teve em consideração o relatório social de fls. 385 a 388.
Relativamente ao pedido de indemnização civil relevaram os depoimentos das testemunhas J...M...T...de S... e M...G...M...P..., pais do lesado DD, essencialmente sobre a re- acção que este teve à notícia da morte da vítima; M...T...do V...F... e M...de L...R...de B... quanto ao que se fez constar sob o nº. 42 e à forte relação da mãe com a filha, e vice-versa.
Em tudo o mais se recorreu às regras da experiência comum na medida em que traduzem a normalidade do acontecer naquelas circunstâncias específicas.
Não se fez prova dos factos mencionados em III, sob as alíneas B) e C) e as regras da experiência comum apontam no sentido de se não haver verificado o facto a que se alude em A) – pois se a vítima estava na companhia de um outro homem com quem mantinha uma relação, pelo menos, afectiva, não é crível que o seu pensamento se dirigisse para o marido mas sim (e apenas) para a sua filha com a qual mantinha laços tão fortes, como o afirmaram as testemunhas supra mencionadas.
As demais pessoas ouvidas pouco relevo tiveram na formação da convicção do Tribunal.
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Cumpre apreciar e decidir:

O facto de vir provado no nº 6 da matéria de facto provada que” a partir de Junho de 2006, o arguido passou a andar novamente embriagado, sem trabalhar e a ausentar-se de casa por vários dias seguidos, não dando qualquer justificação para a sua ausência, o que fez com que a relação familiar que mantinha com a JJ e as filhas menores tivesse piorado”, e o nº 34 dos factos provados referir que: “Até meados de Julho de 2006 o arguido era assíduo no trabalho, frequentava as consultas de psiquiatria e não faltava às entrevistas no âmbito da Liberdade Condicional. A partir daí, porém, retomou o consumo excessivo de bebidas alcoólicas, (…), deixou de trabalhar, e o seu relacionamento com o agregado familiar recomeçou a deteriorar-se,” não implica necessariamente contradição temporal na verificação de tal factualidade, pois que não exclui o entendimento de que “a partir de Junho de 2006” se pretende referir a “posteriormente a Junho de 2006”
A determinação temporal genérica da factualidade assinalada no nº 6 é complementada pela precisão temporal aludida no nº 34.
Mesmo que se entendesse haver eventual obscuridade de redacção na rigorosa determinação temporal da referida factualidade, essa precisão temporal é irrelevante para a decisão da causa, sendo certo, por outro lado, que a localização temporal dessa factualidade assinalada não levanta dúvidas de que ocorre em meados de 2006.


Inexistem vícios ou nulidades de que cumpra conhecer.

A mátéria fáctica que vem apurada, mostra-se pois definitiva.
È somente sobre ela que incide o direito in casu.
O que inexiste na matéria de facto é insusceptível se ser valorado, sem prejuízo de eventuais ilações que dela se possam retirar de harmonia com as regras da experiência.
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Recurso do arguido:

O arguido não discute o crime de homicídio simples, mas apenas a quantificação da pena, pedindo a revisão desta, no sentido de ser aplicada uma pena de prisão próxima dos oito anos, não admitindo a reincidência, ou caso assim não se entenda e mesmo condenando o arguido como reincidente, situar-se a pena muito próximo do mínimo legal, ou seja próxima dos dez anos e oito meses de prisão.

Alega para tal que era alcoólico; confessou os factos e a confissão foi relevante para o apuramento da verdade; mostrou-se arrependido e, que o crime praticado pelo arguido foi-o em virtude da "doença" que é o consumo de bebidas alcoólicas.

Vejamos:

Todos estão hoje de acordo em que é susceptível de revista a correcção do procedimento ou das operações de determinação, o desconhecimento pelo tribunal ou a errónea aplicação dos princípios gerais de determinação, a falta de indicação de factores relevantes para aquela, ou, pelo contrário, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis. Não falta, todavia, quem sustente que a valoração judicial das questões de justiça ou de oportunidade estariam subtraídas ao controlo do tribunal de revista, enquanto outros distinguem: a questão do limite ou da moldura da culpa estaria plenamente sujeita a revista, assim como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, para controlo do qual o recurso de revista seria inadequado. Só não será assim, e aquela medida será controlável mesmo em revista, se, v.g., tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada. (Figueiredo Dias in Direito Penal Português -As consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, § 278, p. 211, e Ac. de 15-11-2006 deste Supremo e Secção, in Proc. n.º 2555/06)

A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade – artº 40º nº 1 do C.Penal.
Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa – artº 40º nº 2
1) Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial. 2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa. 3) dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico. 4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais.
Deve-se a Günther Jakobs , na sequência do pensamento de Luhmann, a expressão de que finalidade fundamental ou primordial da pena encontra-se na estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade da norma violada. E, é esta função primária da pena faz concluir pela existência de uma medida óptima de tutela dos bens jurídicos “ e das expectativas comunitárias que a pena se deve propor alcançar”, medida óptima essa, porém que não fornece ao julgador o quantum exacto da pena.
A moldura de prevenção, comporta ainda abaixo do ponto óptimo ideal outros em que a pressuposta tutela dos bens jurídicos “é ainda efectiva e consistente e onde portanto a pena pode ainda situar-se sem que perca a sua função primordial de tutela de bens jurídicos. Até se alcançar um limiar mínimo – chamado de defesa do ordenamento jurídico – abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem se pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar de bens jurídicos.” - Figueiredo Dias Direito Penal –Questões fundamentais – A doutrina geral do crime- Faculdade de Direito, Coimbra, 1996)

O artigo 71° do Código Penal estabelece o critério da determinação da medida concreta da pena, dispondo que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.

Por sua vez o n ° 2 do artigo 71º do Código Penal, estabelece, que:
Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou, contra ele, considerando nomeadamente:
a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b) A intensidade do dolo ou da negligência:
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d) As condições pessoais do agente e a sua situação
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.

Relativamente à reincidência, estabelece o artº 75º nº 1 do Código Penal, que é punido como reincidente quem, por si ou sob qualquer forma de participação, cometer crime doloso que venha a ser punido com prisão efectiva superior a 6 meses, depois de ter sido condenado por sentença transitada em julgado em pena de prisão efectiva superior a 6 meses por outro crime doloso, se, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente for de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime,
Ccmo revela, o acórdão deste Supremo e Secção de 28-02-2007, in Proc. n.º 9/07, a agravação da pena do delinquente que cometeu crimes depois de condenado anteriormente por outros da mesma espécie (reincidência específica, própria ou homótropa) ou de espécie diferente (reincidência genérica, imprópria ou polítropa) assenta, essencialmente, num maior grau de culpa, decorrente da circunstância de, apesar de já ter sido condenado, insistir em praticar o mal, em desrespeitar a ordem jurídica, conquanto não lhe seja alheia, também, a perigosidade, ou seja, o perigo revelado, face à persistência em delinquir, de voltar a cometer outros crimes.
Certo que, estabelecendo o art. 75.°, n.º 1, do CP, , o fundamento da agravação da pena, a culpa agravada do delinquente, resulta do facto de dever ser censurado por a condenação ou condenações anteriores não terem constituído suficiente advertência contra o crime.
É que a recidiva criminosa pode resultar de causas meramente fortuitas ou exclusivamente exógenas, caso em que, obviamente, inexiste fundamento para a agravação da pena, visto não poder afirmar-se uma maior culpa referida ao facto. Nesse caso não se está perante um reincidente, antes face a um simples multiocasional.
Ora, a censura do delinquente por não ter atendido a admonição contra o crime resultante da condenação ou condenações anteriores pressupõe e implica uma íntima conexão entre os crimes reiterados, conexão que poderá, em princípio, afirmar-se relativamente a factos de natureza análoga, segundo os bens jurídicos violados, os motivos, a espécie e a forma de execução [cf. Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 269, com a advertência de que a conexão poderá ser excluída, face a certas circunstâncias, entre elas, o afecto, a degradação social e económica, a experiência especialmente criminógena da prisão, por impedirem de actuar a advertência resultante da condenação ou condenações anteriores], a significar que o juízo necessário quanto à verificação deste pressuposto material da reincidência é distinto, consoante estejamos perante reincidência homótropa ou própria ou reincidência polítropa ou imprópria.
Com efeito e como se consignou no acórdão do STJ de 09-06-2004, Proc. n.º 1128/04 – 3ª, na reincidência específica ou homótropa, a verificação da ausência de efeitos positivos de anterior condenação surge, em regra, deduzida in re ipsa, sem necessidade de integração através de verificações adjacentes ou complementares: in re, porém, não como uma qualquer decorrência automática, apenas no sentido em que a relação entre a condenação anterior e a prática posterior de um mesmo crime, em condições semelhantes (como é o tráfico de estupefacientes), e logo durante o período de liberdade condicional, revela suficientemente, em tal relação, que a condenação anterior não teve o efeito de advertência contra a prática de novo crime, isto é, que prevenisse a reincidência.

A decisão recorrida considerou:
“Decide, pois, este Tribunal Colectivo convolar a acusação para o crime de homicídio simples, p. e p. pelo artº. 131º., do Código Penal.
Contudo, posto que o arguido três ou quatro anos antes tinha praticado crimes contra a integridade física, tinha sido condenado em pena de prisão, que cumpriu, em parte, sabendo ele que o álcool influencia negativamente o seu comportamento, devia, desde logo, evitar as bebidas alcoólicas e devia evitar situações potenciadoras de actuações violentas.
No caso concreto não o fez merecendo, por isso, especial censura por as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime.
Estando verificados os pressupostos da reincidência, referidos no artº. 75º., do Cód. Penal, a pena abstracta a considerar é a que resulta das regras constantes do artº. 76º., do mesmo Cód.. “

E, na verdade assim é, pois que:

Por decisão proferida em 25 de Março de 2003, transitada em julgado em 9 de Abril de 2003, o arguido foi condenado no processo nº.1040/01.8GBBCL, do 1º. Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Barcelos, na pena única de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por três anos, pela prática de três crimes de maus tratos, sendo dois às filhas menores HH e II, e o outro à ex-cônjuge JJ
Por decisão proferida em 5 de Novembro de 2004, transitada em julgado em 21 de Novembro de 2004, o arguido foi condenado no processo nº. 882/03.4 GBBCL, do 2º. Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Barcelos, na pena de 1 ano e 8 meses de prisão pela prática de um crime de maus tratos à ex­cônjuge JJ
Anteriormente a ter-lhe sido revogada a pena de prisão suspensa aplicada em cúmulo jurídico no aludido processo nº 1040/01.8GBBCL, o arguido esteve ininterruptamente em prisão preventiva à ordem do Processo nº. 882/03.4GBBCL, desde 06 de Julho de 2003 até 22 de Outubro de 2003, data a partir da qual foi colocado em cumprimento de pena à ordem do processo nº. 1040/01.8GBBCL, situação em que, também ininterruptamente, se manteve até ao dia 6 de Agosto de 2005, altura em que, tendo em consideração a execução sucessiva das penas aplicadas nos dois referidos processos, saiu em liberdade condicional por decisão do Tribunal de Execução de Penas do Porto, proferida no Processo Gracioso de Liberdade Condicional nº. 4067/03.1TXPRT.

O arguido ao cometer todos os factos provados decidiu ignorar a condenação e o período de reclusão a que foi submetido, os quais lhe foram indiferentes, encontrando-se, pois, preenchidos os requisitos formais e material do instituto da reincidência, não merecendo reparo a decisão que condenou o arguido nessa qualidade.

Sobre a medida concreta da pena, a decisão recorrida fundamentou:

“Aumentado de um terço o limite mínimo da pena prevista no artº. 131º., do Cód. Penal, a pena abstracta a ter em consideração é a de 10 anos e 8 meses a 16 anos de prisão.
A medida da pena concreta, nos termos dos artºs. 71º., nº. 1 e 40º., ambos daquele Cód., é determinada pela culpa do agente, havendo de considerar-se ainda as exigências de prevenção, tendo-se presente que a cominação em concreto de uma pena visa a protecção de bens jurídicos e, na medida do possível, a ressocialização do arguido, ainda que a medida da pena nunca possa ultrapassar a medida da culpa, limite imposto pelo nº. 2 do referido artº. 40º..
Com efeito, “o modelo de determinação da medida da pena no sistema jurídico-penal português comete à culpa a função de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena.
Sem embargo, outras exigências concorrem naquele modelo: a prevenção geral (dita de integração) que tem por função fornecer uma moldura de prevenção, cujo limite é dado, no máximo, pela medida óptima de tutela dos bens jurídicos – dentro do que é consentido pela culpa – e, no mínimo, fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico.
A prevenção especial a que cabe a função de encontrar o quantum exacto da pena, dentro da referida função, rectius, moldura de prevenção que melhor sirva as exigências de socialização (ou, em casos particulares) de advertência ou de segurança” (1)
Na determinação da pena concreta a cominar ao arguido, deverá o tribunal atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a seu favor e contra ele – nº. 1 do artº. 71º., já mencionado.
Ter-se-á, pois, em consideração, agora, o grau de ilicitude do facto, que se tem por muito elevado, atendendo ao modo de execução – se a morte é, por definição, um acto de natureza violenta, a forma como ela foi infligida pelo arguido revestiu maior violência – a aflição motivada na tentativa de estrangulamento juntou-se às dores (que se crê terem sido lancinantes) provocadas pelas fortes pancadas na cabeça.
Também a intensidade do dolo é elevada, visto o arguido ter agido com dolo directo.
Deve entrar-se agora em linha de conta com o pouco grau de relevância da motivação do crime – a vida humana tem de sobrepor-se a qualquer outro valor, incluindo o da própria liberdade, porque, como reza a sabedoria popular “enquanto há vida há sempre esperança”.
O arguido confessou os factos e essa confissão foi relevante para o apuramento da verdade.
Mostrou-se ainda arrependido.
Ponderadas as circunstâncias que depõem a favor e as que depõem contra o arguido, entende-se como adequado sancionar a sua acção criminosa com a pena de 14 (catorze) anos de prisão. “

Ora ponderando a matéria fáctica provada, à luz do artº 71º do C.Penal, verifica-se que:
O grau de ilicitude do facto é o mais elevado uma vez que a vida humana é o maior bem jurídico da comunidade e, pressuposto de todos os demais .
O modo de execução revestiu-se de brutalidade e intensidade no processo utilizado, pois que o arguido tentou tapar a boca da vítima e afastá-la do local, mas como não conseguisse, no imediato calá-la, começou a apertar-lhe o pescoço, sufocando-a, e caídos no chão, o arguido, enquanto com uma mão apertava o pescoço daquela FF, com a outra agarrou uma pedra que se encontrava ao alcance da outra mão e com ela desferiu-lhe, com força, diversas pancadas na cabeça, no pescoço e no tórax.
A gravidade das consequências: as variadíssimas lesões ocasionadas, sua natureza e gravidade, e, a privação definitiva do amor e afeição da vítima junto dos entes queridos, pois que gostava do demandante, seu marido, a quem apoiava, e visitava no Estabelecimento Prisional e ela e a sua filha EE tinham uma ligação muito forte, dedicando-se mutuamente um enorme amor e afeição. Quando o demandante DD soube da morte da esposa, através de um telefonema que fez para a sua família, sentiu uma grande tristeza e um enorme desespero, que manifestou batendo com a própria cabeça contra as paredes da cela, e a menor EE sofreu um enorme desgosto pela morte da mãe.
O grau de violação dos deveres impostos ao agente: mantinha uma relação amorosa com a vítima, o que supunha a manutenção de uma particular relação de afeição.
A intensidade do dolo, específico pois que o arguido agiu com o propósito concretizado de causar a morte de FF, o que quis e fez de modo livre e voluntário, não obstante ter consciência da reprovabilidade e punibilidade da sua conduta.
Os sentimentos manifestados na prática do crime revelou insensibilidade e desprezo pela vida de outrem, no caso a sua amada, bem patente na persistência do arguido na acção letal, apesar da FF tentar libertar-se utilizando as unhas das mãos como meio de, arranhando o arguido, o obrigar a afastar-se de si, com o que caíram ambos ao chão, tendo aliás a vítima, em consequência da violência das pancadas desferidas pelo arguido com a pedra que empunhara, e da área do corpo atingida perdido os sentidos.
Após as descritas agressões o arguido, apercebendo-se de que tinha matado a FF, pegou no cadáver e escondeu-o nas proximidades mas de modo a que não fosse avistado por quem passasse no caminho térreo ali existente.
Depois de escondido o cadáver, o arguido regressou a casa dos seus sogros e mudou de roupa, tirando a que trazia vestida, utilizada no momento da prática dos factos acima transcritos, e vestiu outra no seu lugar, deixando apenas os sapatos que levava calçados
Os fins e motivos determinantes: Como não pretendia aparecer em casa dos sogros acompanhado de outra mulher, propondo-se adiar o encontro entre esta e a sua filha HH, a referida FF, porém, não se conformava e exigia que se fizesse a apresentação naquela dia e àquela hora, e, vendo o sogro do arguido no exterior da habitação, pôs-se a gritar pelo nome desta, a referida HH.
A falta de preparação para manter conduta lícita, pois que apesar de, sensivelmente por volta de Janeiro de 2006 e depois de prometer que iria manter-se afastado do consumo de bebidas alcoólicas e que iria trabalhar, tendo voltado a viver com a ex-cônjuge, jj, passando a residir na casa dos pais desta, sita no lugar de Boavista, freguesia de Corel, concelho de Barcelos, área desta comarca, e a submeter-se a um internamento para desintoxicação do álcool, tendo obtido em emprego na área da construção civil, começando a trabalhar como trolha, contribuindo com parte do seu salário para as despesas familiares, sendo assíduo no trabalho, frequentava as consultas de psiquiatria e não faltava às entrevistas no âmbito da Liberdade Condicional, porém, a partir de Junho de 2006, o arguido passou a andar novamente embriagado, sem trabalhar, e a ausentar-se de casa por vários dias seguidos, não dando qualquer justificação para a sua ausência, o que fez com que a relação familiar que mantinha com a JJ e as filhas menores tivesse piorado, retomou o consumo excessivo de bebidas alcoólicas, tendo sido internado de urgência na Casa de Saúde de São João de Deus, em Barcelos, deixou de trabalhar, e o seu relacionamento com o agregado familiar recomeçou a deteriorar-se, ao ponto de, no dia 11 de Setembro de 2006, acima referido, a ex-mulher do arguido ter pedido a intervenção da G.N.R. no sentido de ele abandonar a casa dos seus pais.

O desiderato supra exposto é fortemente agravativo do comportamento do arguido.

De outra banda, a favor do arguido, e, considerando a condição pessoal e situação económica do arguido, vem provado que o arguido tinha a profissão de calceteiro, que exerceu até à altura em que passou a descontrolar-se com a ingestão de bebidas alcoólicas.
Como refere a decisão recorrida, “o factor essencial determinante da actuação do arguido foi, pode dizer-se, o álcool, e que ele não provocou o estado de etilizado para praticar este crime, conjugado aquele factor com o receio de “perder” a sua família,”
Note-se que o arguido e a referida FF, já haviam bebido vinho maduro ao almoço, e tinham estado a beber vinho verde naquele local, ingerindo, ambos, cerca de metade de um garrafão de cinco litros, que o arguido trouxera consigo, de uma das vezes que foi a casa dos sogros
O arguido arrependeu-se do que tinha feito, e pensando nas consequências daquela sua acção, o arguido decidiu suicidar-se, foi a casa dos sogros apanhou duas cordas de nylon e procurou uma árvore onde pudesse concretizar aqueles seus intentos, encontrando as condições que pretendia a cerca de 150 metros do local onde se encontrava o cadáver e a sensivelmente 300 metros da aludida residência dos sogros do arguido, num eucalipto meio inclinado,
Levou então para lá o garrafão de vinho, acabando de beber o seu conteúdo, e fumou um cigarro, após o que uniu as duas cordas e passou uma das pontas sobre o tronco do eucalipto e formou um laço. Subiu depois pelo tronco de um pinheiro até cerca de um metro de altura, enfiou o laço pelo pescoço, e lançou-se para a frente, ficando suspenso no ar. Contudo, o laço desfez-se, e ele acabou por cair no chão, gorando-se assim aquele seu intento.
Entregou-se às autoridades e confessou os factos, com relevância para a descoberta da verdade, pois que no dia seguinte - 12 de Setembro de 2006 -, pelas l8:10 horas, sem que ainda ninguém tivesse descoberto o cadáver de FF ou, sequer, suspeitasse da ocorrência de tais factos, o arguido foi entregar-se ao Estabelecimento Prisional de Viana do Castelo, onde relatou o ocorrido, após o que foi chamada uma patrulha da Polícia de Segurança Pública daquela cidade, que, que acompanhou o arguido ao local, aí se havendo constatado a veracidade dos factos que o arguido narrava.

Esta situação atenuativa, porém, não é de molde a implicar a atenuação especial da pena, pois que:
A atenuação especial da pena só pode ter lugar em casos extraordinários ou excepcionais, isto é, quando é de concluir que a adequação à culpa e às necessidades de prevenção geral e especial não é possível dentro da moldura geral abstracta escolhida pelo legislador para o tipo respectivo. Fora destes casos, é dentro da moldura normal que aquela adequação pode e deve ser procurada. (Ac. STJ de 10 de Novembro de 1999, proc. 823/99 – 3ª, SASTJ. nº 35.74).
O artigo 72º do CP, ao prever a atenuação especial da pena, criou uma válvula de segurança para situações particulares em que se verificam circunstâncias que relativamente aos casos previstos pelo legislador quando fixou os limites da moldura penal respectiva, diminuam por forma acentuada as exigências da punição do facto, por traduzirem, uma imagem global especialmente atenuada, que conduz à substituição da moldura penal prevista para o facto por outra menos severa. (Ac. do STJ de 18 de Outubro de 2001, proc. nº 2137/01- 5ª, SASTJ, nº 54. 122)
A diminuição da culpa ou das exigências de prevenção só poderá, por seu lado, considerar-se acentuada quando a imagem global do facto, resultante da actuação da(s) circunstância(s), se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo. Por isso, tem plena razão a nossa jurisprudência – e a doutrina que a segue – quando insiste em que a atenuação especial só em casos extraordinários ou excepcionais pode ter lugar; para a generalidade dos casos, para os casos ‘normais’, lá estão as molduras penais normais, com os seus limites máximo e mínimo próprios (Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, págs. 192, 302, 306 e, Ac. deste Supremo e desta Secção de 06-06-2007 in,Proc. n.º 1899/07 .
Como também refere Maia Gonçalves, in Código Penal Português anotado e comentado, 15ª edição, p. 252, nota 5,: “Com penas que correspondem a uma visão hodierna e um amplo quadro de substitutivos das penas de prisão quando esta não é exigida pela ressocialização, reprovação e prevenção do crime, impõe-se agora um uso moderado da atenuação especial da pena, com particular atenção para o estreito para o estreito condicionalismo exigido pelo nº 1 do artº 72º”
Ora, no caso sub judicio, as circunstâncias anteriores ao crime e as contemporâneas deste, mormente o seu passado criminal anterior, a personalidade manifestada no modo e intensidade de execução dos factos, e, a forte intensidade do dolo na prática dos mesmos, não são de molde a diminuírem por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade de pena. –v. artº 72º do C.Penal

Pelo exposto, e considerando que as exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico, no restabelecimento da norma violada, a nível da prevenção geral, positiva, com vista à integração social do arguido, são intensas, face ao bem jurídico ofendido, e, nos termos em que o foi, as exigências específicas, da prevenção especial, atenta a reincidência do arguido (que não foi afastada pelas anteriores condenações), e a culpa como limite máximo da punição, conclui-se que na moldura legal abstracta da pena – de 10 anos e 8 meses de prisão até 16 anos de prisão -, revela-se adequada e proporcional, a pena aplicada

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Relativamente ao pedido de indemnização civil:

Recorre a menor demandante EE, filha da vítima, através do seu representante legal, reclamando correcção dos montantes atribuídos pela perda do direito à vida de sua mãe (dano morte), pelos danos não patrimoniais sofridos pela vítima, pelos danos não patrimoniais sofridos pela demandante filha, e ainda, pelos danos não patrimoniais futuros, resultantes do direito a alimentos.

A indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil. – artº 129º do C.Penal.
Aquele que com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.- artº 483º nº 1 do C.Civil.
A indemnização tem carácter actual e geral, devendo abarcar todos os danos patrimoniais presentes e futuros mas quanto a estes apenas os previsíveis, (se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetido para decisão ulterior), bem como os danos não patrimoniais.~artº 562º e segs do Código Civil.
Diz o artigo 496º nº 1 do Código Civil que na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito e, segundo o nº 3 do preceito, o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artº 494º; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos do número anterior.
E, o artº 494º alude ao grau de culpabilidade do agente, à situação económica deste e do lesado e às demais circunstâncias do caso justificativas.
A expressão “em qualquer caso”, tanto abrange o dolo como a mera culpa (v. C.J. 1986, 2º, 233 e, Vaz Serra in Rev. Leg. Jur., 113º-96).
Demais circunstâncias do caso é uma expressão genérica que se pretende referir a todos os elementos concretos caracterizadores da gravidade do dano, incluindo a desvalorização da moeda.
Equidade não é sinónimo de arbitrariedade, mas sim, um critério para a correcção do direito, em ordem a que se tenham em consideração, fundamentalmente, as circunstâncias do caso concreto.
A lei não dá qualquer conceito de equidade, mas, tem-se aceite a mesma como a consideração prudente e acomodatícia do caso, e, em particular, a ponderação das prestações, vantagens e inconvenientes que concorram naquele (v. Ac. do S.T.J. de 19-4-91 in A.J. 18º, 6)
A indemnização por danos não patrimoniais tem por finalidade compensar desgostos e sofrimentos suportados pelo lesado, de modo a suavizar-lhe a lembrança das agruras passadas e a fazer desabrochar um novo optimismo que lhe permita encarar a vida com alegria, esquecendo tudo o que passou.(v. Ac. do S.T.J. de14-01-1997 in Processo n.º 664/96 - 1ª Secção)
Por morte da vítima, o direito á indemnização por danos não patrimoniais cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens e aos seus filhos ou outros descendentes;(…) –nº 2 do artº 496º.
Como se escreveu no Acórdão do S.T.J. de 11 de Setembro de 1994 (in Col. Jur. Acs do S.T.J. ano II tomo III -1994 p. 92), “a indemnização por danos não patrimoniais, para responder, actualizadamente, ao comando do artº 496º do Cód. Civil e constituir uma efectiva possibilidade compensatória, tem de ser significativa.
Por outro lado, o dano resultante da perda da vida, tem carácter autónomo e, a respectiva indemnização é transmissível.- v. Pereira Coelho, Sucessões, 1968, p. 143 e segs,- sendo este o entendimento comum da jurisprudência.

Considerou a decisão recorrida:

“DD, viúvo da vítima, e EE, única filha desta, pediram a condenação do arguido a pagar-lhes: - ÀQUELE, a quantia de € 75.000 e a ESTA a quantia de € 102.500, a que acrescem juros de mora à taxa legal desde a data da notificação do pedido até efectivo integral pagamento.
Atendendo à prova produzida, quanto à relação familiar dos demandantes civis com a vítima, o Tribunal julga-os partes legítimas.
O artº. 129º. do Cód. Penal remete para a lei civil a fixação da indemnização de perdas e danos emergentes de um crime.
O artº. 483º.do Cód.Civ. impõe a obrigação de indemnizar a todo aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem.
Aquela obrigação depende da verificação dos seguintes pressupostos: a) facto (voluntário do agente); b) a ilicitude deste facto; c) a imputação do facto ao lesante; d) o dano; e) um nexo de causalidade entre o facto e o dano (2)
O elemento básico da responsabilidade “é o facto do agente – um facto dominável ou controlável pela vontade, um comportamento ou uma forma de conduta humana” (3)
A ilicitude pode consistir na violação de um direito (absoluto) de outrem, ou na violação de uma disposição legal destinada a proteger interesses alheios.
Para que esta violação seja geradora de responsabilidade, o agente tem de actuar com culpa – com dolo ou com negligência.
Se à lesão sobrevier a morte do lesado têm direito a indemnização os que lhe poderiam exigir alimentos – nº. 3 do artº. 495º., do mesmo Cód..
No que se refere aos danos não patrimoniais o direito à indemnização cabe, em conjunto, ao cônjuge e aos filhos – nº. 2 do artº. 496º. – podendo ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização, nos termos do nº. 2 – cfr. parte final do nº. 3 do artº. 496º. do Cód. Civ..
Ainda no que respeita aos danos, na perspectiva da responsabilidade civil, são toda a ofensa de bens ou interesses alheios protegidos pela ordem jurídica, e que o lesado não sofreria não fora o evento danoso.
Os danos indemnizáveis são os de natureza patrimonial, ou seja aqueles que incidem sobre interesses de natureza material ou económica, reflectem-se no património do lesado, no que se incluem os danos emergentes assim como os lucros cessantes.
São ainda indemnizáveis os danos não patrimoniais (como as dores físicas, os desgostos, os vexames, a perda de prestígio ou de reputação, os complexos de ordem estética) que se caracterizam por serem insusceptíveis de avaliação pecuniária porque atingem bens (como a saúde, o bem estar, a liberdade, a beleza, a perfeição física, a honra ou o bom nome) que não integram o património do lesado, e apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização (4)
Trata-se de danos que se caracterizam por serem insusceptíveis de avaliação pecuniária porque atingem bens (como a saúde, o bem estar, a perfeição física, etc.) que não integram o património do lesado, e apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização (5)
O montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, podendo, no caso de a responsabilidade se fundar em mera culpa, ser inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e a do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem, nos termos das disposições conjugadas do nº. 3 daquele artº. 496º. e do artº. 494º., do mesmo Cód..
Na situação sub judicio, em que sobreveio a morte da lesada, em consequência do evento danoso, morte que foi causada pelas lesões sofridas pela vítima, deverá ter-se em atenção, na fixação dos montantes indemnizatórios, que a infeliz vítima teve algum contributo pelo menos para o desencadear do processo agressivo.
Sem embargo, o arguido actuou com dolo directo – forma de culpa de grau mas elevado.
Os direitos de personalidade estão tutelados, em termos meramente civis, nos artºs. 70º. e sgs. do Cód. Civ. – a ter em conta, na situação sub judicio, o direito à vida, - vida que é o bem mais valioso da condição humana – e o direito à integridade física.
A violação destes direitos é indemnizável, nos termos dos artºs. 70º., nº. 1 e 483º., ambos do Cód. Civ., nos termos supra referidos.
- Pela violação do direito à vida da vítima FF, fixa-se a indemnização no montante de € 50.000.
Ficou ainda provado que a vítima sofreu intensas dores derivadas das lesões provocadas por aquelas agressões, e sofreu um grande desgosto e uma profunda angústia ao pressentir que ia morrer, sem que pudesse evitar a própria morte, e que ia deixar a sua filha, a demandante EE, a quem estava ligada por laços muito intensos.
- Isto considerado, e tendo ainda em conta o pouco tempo de duração do sofrimento, fxa-se a indemnização em € 20.000, pela violação do direito à integridade física.
*
Vejamos agora os danos próprios de cada um dos Demandantes – danos de natureza não patrimonial, que se traduzem no desgosto derivado da perda de um ente querido.
Factos a ter em conta para a fixação da indemnização são os descritos em II, nºs. 43 a 45.
Assim, ficou provado que a vítima gostava do demandante DD, apoiava-o e visitava-o no Estabelecimento Prisional, tendo este sofrido uma grande tristeza e enorme desespero quando soube da morte da sua esposa.
Crê-se adequada a importância de € 15.000 para o ressarcir destes danos.
Por outro lado, a demandante EE era muito chegada à mãe com quem tinha uma forte relação afectiva, adivinhando-se o seu enorme desgosto pela morte dela.
Julga-se adequada a importância de € 30.000 para a ressarcir destes danos.
Como se disse, em caso de lesão de que proveio a morte têm direito a pedir indemnização aqueles que podiam exigir alimentos do lesado.
Os filhos, sobretudo se forem menores, têm direito – que é de natureza indisponível, porque está em causa a sua sobrevivência física – a alimentos a prestar pelos seus pais.
Pretende-se com esta parte da indemnização compensar a perda de rendimento – do lesado ou, no caso de morte, dos que viviam na sua dependência económica - que foi determinada pela interrupção da capacidade de ganho da vítima.
O montante da indemnização há-de ser quantitativamente igual a um capital que se extinga no fim presumível da vida activa do lesado, e seja capaz de garantir, durante a vida deste, as prestações que correspondem à perda de ganho.
Quanto a esta parte, e face à ausência de prova dos factos invocados como fundamento desta parte da indemnização, recorrendo-se a critérios de equidade, ter-se-á em consideração que a vítima auferia um salário pouco superior a € 400, que era o salário mínimo nacional à altura, gastaria, atendendo à sua situação económica e social, uma média mensal de € 100 com a sua filha, e considerando ainda que ela a partir dos 18 anos poderá ou ingressar no mundo do trabalho ou, ainda que prossiga os seus estudos, angariar o seu próprio sustento, considera-se equitativa a importância de € 9.000 para a compensar do que deixou de receber de sua mãe.
*
Em conformidade com o Acórdão do S.T.J. nº. 4/2002, de 9/05/2002, que veio publicado no D.R. I série-A, de 27/07/2002, e ainda nos termos do disposto nos artºs. 805º., nº. 3 e 806º., ambos do Cód. Civil, às importâncias referidas acrescem juros de mora a contar da data, da notificação do pedido de indemnização civil, já que serviu de referência para a fixação dos montantes indemnizatórios que, nos termos do artº. 559º., do mesmo Cód., e da Portaria nº. 291/2003, de 8 de Abril, serão à taxa anual de 4%, até integral e efectivo pagamento.”

Assim, e na sequência do exposto:

Sobre a valoração do dano morte.

Há que ter em conta que os factos ocorreram em 11 de Setembro de 2006, e a decisão condenatória em 11 de Julho de 2007.
Assim, e face à idade da vítima, (trinta e quatro anos), entende-se por justa como valoração do dano morte, a indemnização de sessenta mil euros.

Quanto aos danos não patrimoniais sofridos pela vítima:

Ponderando:
O arguido e a referida FF, já haviam bebido vinho maduro ao almoço, e tinham estado a beber vinho verde naquele local, ingerindo, ambos, cerca de metade de um garrafão de cinco litros, que o arguido trouxera consigo, de uma das vezes que foi a casa dos sogros.
O comportamento da vítima despoletou a acção do arguido (exigia que se fizesse a apresentação naquela dia e àquela hora, e, vendo o sogro do arguido no exterior da habitação, pôs-se a gritar pelo nome deste, a referida HH. )
A vítima FF, quer no momento em que foi agredida pelo arguido com a pedra, quer nos instantes que precederam estas agressões e enquanto ele tentava sufocá-la, sofreu um enorme susto e grande pavor.
Sofreu ainda intensas dores, derivadas das lesões provocadas por aquelas agressões.
Sofreu também um grande desgosto e uma profunda angústia ao pressentir que ia morrer, sem que pudesse evitar a própria morte, e que ia deixar a sua filha, a demandante EE, a quem estava ligada por laços muito intensos.
A persistência da acção do arguido, que a vítima não conseguiu evitar apesar de tentar libertar-se utilizando as unhas das mãos como meio de, arranhando o arguido, o obrigar a afastar-se de si, com o que caíram ambos ao chão.
Em consequência da violência das pancadas desferidas pelo arguido com a pedra que empunhara, e da área do corpo atingida a FF sofreu fortes dores físicas e perdeu os sentidos.
A multiplicidade e gravidade das lesões produzidas, tendo sofrido as lesões, supra referidas ao nível externo: na CABEÇA; no PESCOÇO: no TÓRAX: nos MEMBROS SUPERIORES: nos MEMBROS INFERIORES; e, a nível do hábito interno, a referida FF sofreu as lesões supra descritas: na CABEÇA:(nas paredes: nas meninges; no encéfalo)
As múltiplas lesões crânio-meningo-encefálicas acima descritas foram causa directa e necessária da morte de FF, a qual lhe sobreveio de imediato.
A intensidade da culpa do arguido na sua actuação: As lesões traumáticas resultaram de violento traumatismo de natureza contundente, no caso concreto, das pancadas desferidas pelo arguido com a pedra que empunhava. Ao actuar pela forma acima descrita, o arguido agiu com o propósito concretizado de causar a morte de FF, o que quis e fez de modo livre e voluntário, não obstante ter consciência da reprovabilidade e punibilidade da sua conduta.
A vítima era uma pessoa sã e escorreita, alegre e bem disposta, gostando muito de conviver com pessoas amigas e familiares.

O desiderato exposto, configura danos que pela sua gravidade, merecem a tutela do direito, justificando uma indemnização de vinte e cinco mil euros, pelos danos não patrimoniais sofridos pela vítima.

Quanto aos danos não patrimoniais sofridos pela demandante EE, filha única da vítima

Esta e a sua filha EE tinham uma ligação muito forte, dedicando-se mutuamente um enorme amor e afeição, o que atendendo à idade da menor (com doze anos), privada definitivamente de sua mãe, de forma abrupta, e nas circunstâncias em que ocorreu, gera notoriamente indescritível desgosto e traumatismo psicológico, sendo certo que vem provado que a menor EE sofreu um enorme desgosto pela morte da mãe.
Por isso se considera que ser justa a indemnização de vinte e cinco mil euros pelos danos não patrimoniais sofridos pela menor com a morte de sua mãe.

Relativamente aos danos patrimoniais futuros concernente a alimentos da EE

Verifica-se que:
Aquela FF trabalhava numa fábrica, auferindo o salário mínimo nacional.
A menor frequenta o 8º. ano de escolaridade, e é uma óptima aluna, sendo sua intenção e da sua família que ela prossiga os estudos. .
Tinha doze anos de idade.
Tendo em conta as razões fundamentantes da indemnização constantes da decisão recorrida, e, o disposto no artº 2003º do Código Civil, convindo ainda lembrar, que à medida que a menor cresce, crescem igualmente as suas necessidades na amplitude de tais alimentos, e, por conseguinte aumentam as despesas, tendo em conta ainda a desvalorização da moeda, face ao habitual aumento dos preços dos bens, sendo certo que não é contrário às regras da experiência admitir-se que na altura em que a menor atinja a maioridade, possa não conseguir ainda arranjar trabalho para seu sustento, e sem prejuízo do disposto no artº 2004º nº 2 do C.Civil, entende-se por adequada a indemnização de quinze mil euros, por tais danos futuros previsíveis.
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As leis nº 48/2007 de 29 de Agosto, e, 59/2007 de 4 de Setembro, que alteraram respectivamente o Código de Processo Penal e, o Código Penal, não se repercutem na presente decisão.

Termos em que, decidindo:

Negam provimento ao recurso do arguido

Dão parcial provimento ao recurso da demandante cível, e, em consequência, alteram as indemnizações arbitradas na decisão recorrida, para os valores ora fixados, a que acrescem os juros legais nos termos ventilados naquela mesma decisão.

Tributam o arguido em 5 Ucs de taxa de justiça

Custas cíveis pela demandante, na proporção do decaimento.
Honorários legais

Lisboa, 28 de Novembro de 2007

Pires da Graça (Relator)
Raul Borges
Soreto de Barros
Armindo Monteiro

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(1) Ac. Do S.T.J., de 10/04/96, in C.J. (Acs. Do S.T.J.), ano IV, tomo II (1996), pág. 169.
(2) Cfr. P. LIMA e A. VARELA, in “Código Civil Anotado, I, págs. 444 e sgs..
(3) P. LIMA e A. VARELA, ob cit. pág. 444. .
(4) ANTUNES VARELA, in “Das Obrigações em Geral”, 10ª. Edição, volume I, pág. 601. .
(5)ANTUNES VARELA, in “Das Obrigações em Geral”, 10ª. Edição, volume I, pág. 601. .