Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
481/21.9T8LRA.C1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: ANA RESENDE
Descritores: RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
DEVER DE INFORMAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
NEXO DE CAUSALIDADE
ILICITUDE
PRESUNÇÃO DE CULPA
DANO
VALORES MOBILIÁRIOS
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
PRESSUPOSTOS
Data do Acordão: 01/16/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: REVISTA IMPROCEDENTE.
Sumário :

I- O art.º 314, do CVM, diz-nos no que respeita à responsabilidade do intermediário financeiro, que a mesma existe perante qualquer pessoa, em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou regulamento emanado da autoridade pública, pelo que e decorrentemente, evidenciando-se que a prova do facto ilícito incumbirá ao lesado, já no que respeita à culpa, a mesma presume-se se o dano for causado no âmbito das relações contratuais ou pré-contratuais, e em qualquer caso, quando seja causado pela violação de deveres de informação.


II- Para que se verifiquem assim os pressupostos da responsabilidade civil contratual do intermediário financeiro, importa ainda ficar demonstrado o dano, correspondente à perda do capital entregue para subscrição do produto financeiro, bem como apreciar a existência do nexo de causalidade, que deve resultar do factualismo apurado.


III- Tendo o cliente subscritor logrado provar que caso tivesse recebido a informação completa sobre o produto financeiro adquirido não teria subscrito a obrigação, demonstrada fica a existência do nexo de causalidade.

Decisão Texto Integral:

ACORDAM NA 6ª SECÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


I - Relatório


1. AA interpôs contra BANCO BIC PORTUGUÊS, SA, ação declarativa de condenação pedindo que o R. seja condenado a pagar lhe a quantia de 50.000,00€, a título de capital, 10.000,00€, de juros vencidos desde 4 de fevereiro de 2016, acrescido dos vincendos até integral pagamento, e 5.000,00€ a título de danos não patrimoniais pelo sofrimento que lhe foi causado pela conduta do R.


1.1. Alega para tanto, que era cliente de uma agência do BPN, há cerca de 20 anos, tendo ali uma conta à ordem, através da qual recebia e efetuava pagamentos, bem como a aplicação das suas poupanças em depósitos a prazo, existindo assim uma relação de grande confiança entre o A e os funcionários do Banco.


No início do mês de abril de 2006, numa deslocação à agência, o gestor de conta transmitiu-lhe que tinha uma aplicação muito boa para ele, com uma taxa de juros semestral excelente, em tudo igual a um depósito a prazo com o capital garantido, bem como que o prazo da aplicação era de 10 anos, com um valor mínimo de 50.000,00€, estando o capital garantido por se tratar de um produto do Banco.


Perante a descrição de que tal produto tinha o capital garantido, com juros superiores, não havendo qualquer risco, confiou no Banco e no seu gestor de conta, autorizou que fosse debitado da sua conta 50.000,00€ para aplicação no produto, que à data pensava ser um produto do banco igual a um depósito a prazo, não lhe tendo sido explicado, nem ao filho que assinou os documentos, pois era este que geralmente tratava desses assuntos devido à sua avançada idade, que se tratava de obrigações, e muito menos subordinadas, com os riscos às mesmas associados, sem saber que estava a subscrever obrigações de uma empresa denominada SLN, que desconhecia, só o vindo a tomar conhecimento em 2015.


O Banco pagou os respetivos juros semestrais, estando o A. convencido que em maio de 2016, com o vencimento poderia levantar a quantia aplicada, correndo tudo bem até 7 de maio de 2015, tendo no início de setembro recebido uma carta da Galilei (ex SLN) convidando-o a participar nas negociações no âmbito de um Processo Especial de Revitalização, sendo informado pelo Banco que já não era responsável pelo pagamento, devendo reclamar o seu crédito naquele processo, o que muito o surpreendeu.


Só por se tratar de capital garantido e sem risco investiu no produto, pois à data tinha 74 anos, e nunca investira em qualquer produto que não tivesse essas caraterísticas pois sempre foi uma pessoa extremamente cuidadosa e cautelosa com o seu dinheiro, de perfil muito conservador que era do conhecimento dos funcionários do Banco, sendo certo que se tivesse conhecimento que o produto que lhe foi proposto e adquiriu não era de capital garantido, ou mesmo que tinha algum risco, jamais teria autorizado aquela aplicação.


A conduta dolosa do Banco lesou o A., não só em termos patrimoniais, mas também graves danos morais, pois desde que tomou conhecimento que o valor do capital investido estava em risco, vive permanentemente em estado de preocupação, com receio de não o reaver, gerando angústia, ansiedade, stress e nervosismo, com noites sem dormir, porquanto aquele dinheiro representavam as economias de uma vida de trabalho, com as quais contava para a sua velhice.


1.2. O R. veio contestar, invocando a prescrição e impugnando o factualismo aduzido.


1.3. O A. respondeu à exceção invocada.


2. Realizado o julgamento, foi proferida sentença que considerando que o R. não praticara qualquer facto ilícito, desnecessário se tornava analisar os demais pressupostos da responsabilidade civil contratual, e assim prejudicado o conhecimento da prescrição, julgou totalmente improcedente a ação, absolvendo o R. do pedido.


2.1. Inconformado, veio o A interpor recurso de apelação, tendo a Relação de Coimbra proferido Acórdão que condenou o R. a pagar ao A. a quantia de 50.000,00€, acrescida de juros de mora desde 9 de maio de 2016 até integral pagamento e a pagar a quantia de 2.000,00€, por dano não patrimonial.


3. Ora inconformado, veio o R. interpor recurso de revista, formulando nas suas alegações as seguintes conclusões (transcritas):


1. O douto acórdão da Relação de Lisboa violou e fez errada aplicação e interpretação do disposto nos arts. 7º, 290º nº 1 alínea a), 304º-A e 312º a 314º-D e 323º a 323º-D e 327º do CdVM e 4º, 12º, 17º e 19º do D.L. 69/2004 de 25/02 e da Diretiva 2004/39/CE e 364º, 483º e ss., 563º, 628º e 798º e ss. do C.C.


2. A putativa desconformidade entre o comportamento exigido ao Réu e o seu comportamento verificado tem que ver com o facto do Tribunal considerar que, a circunstância do funcionário do Banco Réu ter assegurado ao Autor (conforme ele próprio estava convencido) que a aplicação financeira era um produto sem risco e com capital garantido, similar a um depósito a prazo, não transmitindo a característica da subordinação ou a possibilidade de insolvência da emitente, configura a prestação de uma informação falsa.


3. Porém, tal realidade não configura qualquer violação do dever de informação por prestação de informação falsa.


4. Não adianta aliás o douto Acórdão qual o risco que associa às Obrigações SLN e que entende deveriam ter sido informado aos Autores, sendo que não podemos deixar de entender que se refere ao verificado incumprimento do reembolso…


5. O único risco que percebemos existir na emissão obrigacionista em causa é exatamente o relativo ao cumprimento da obrigação de reembolso.


6. Este risco corresponde ao incumprimento da prestação principal da entidade emitente! Ou seja, corresponde ao chamado risco geral de incumprimento!


7. A possibilidade deste incumprimento não corresponde a qualquer especial risco inerente ao modo de funcionamento endógeno do instrumento financeiro... antes corresponde ao normal e universal risco comum a todos, repete-se... a todos, os contratos!


8. Do incumprimento da obrigação de reembolso da entidade emitente, em 2014, não podemos, sem mais, retirar que esse o risco dessa eventualidade fosse relevante – sequer concebível, à exceção de ser uma mera hipótese académica no momento da subscrição!


9. A SLN era titular de 100% do capital social do Banco-R., exercendo, por isso o domínio total sobre este.


10. O risco associado ao reembolso das Obrigações correspondia, então ao risco de solvabilidade da SLN.


11. E sendo esta totalmente dominante do Banco-R., então este risco de solvência, corresponderia, grosso modo, ao risco de solvabilidade do próprio Banco!


12. A segurança da subscrição de Obrigações emitidas pela SLN seria correspondente à segurança de um Depósito a Prazo no BPN.


13. O risco BPN ou risco SLN, da perspetiva da insolvência era também equivalente!


14. A única diferença consistiu no facto do Banco ter sido resgatado através da sua nacionalização, numa decisão puramente política e alicerçada num regime aprovado propositadamente para atender a essa situação e não em qualquer quadro legal previamente estabelecido.


15. A menção do dito risco praticamente inexistente, como de resto do capital garantido, não pode senão ser entendida no contexto da atribuição de uma segurança acima da média ao produto, de confiança no normal cumprimento de todas as obrigações da emitente, sustentada em factos e juízo objetivamente razoáveis e previsíveis.


16. A menção à expressão capital garantido não tem por si só a virtualidade de atribuir qualquer desaparecimento de todo o risco de qualquer Ipo de aplicação…


17. A expressão capital garantido mais não é do que a descrição de uma caraterística técnica do produto – corresponde à garantia de que o valor de reembolso, no vencimento, é feito pelo valor nominal do título e correspondente ao respetivo valor de subscrição! Ou seja, o valor do capital investido é garantido!


18. A este propósito o Plano de Formação Financeira em site do Conselho de Supervisores Portugueses – www.todoscontam.pt! descreve as caraterísticas de produtos financeiros, entre os quais as Obrigações, e explica a garantia de capital, exatamente nos termos que vimos de expor.


19. Ainda que se entenda que esta expressão mereceria uma densificação ou explicação aos clientes, a fim de evitar qualquer confusão, o certo é que, transmitindo uma caraterística técnica, não se poderá afirmar que o banco, ou os seus colaboradores agiram com culpa, e muito menos grave!


20. O Banco limitou-se a informar esta característica do produto, não sendo seu obrigações assegurar-se de que o cliente compreendeu a afirmação.


21. A interpretação das menções “sem risco” ou de “capital garantido” não é suscetível de ser feita apenas com recurso à impressão do destinatário, nos termos do previsto no artº 236º do CCiv. uma vez que esta disposição aplica-se, apenas e só, às declarações negociais.


22. A comercialização por intermediário financeiro de produto com a indicação de que o mesmo tem “capital garantido” não implica a corresponsabilização do referido intermediário pelo prejuízo decorrente da falta de reembolso por parte da entidade emitente.


23. Acresce que a expressão garantido pelo Banco era também ela consentânea com a realidade na altura da subscrição!


24. Efetivamente o banco era parte integrante do património da emitente das obrigações e como tal garante do cumprimento das suas obrigações.


25. Também por isso não faz qualquer sentido afirmar, ou querer retirar dessa afirmação, uma garantia de cumprimento no sentido de uma fiança pelo facto da mesma ser em absoluto redundante. O banco como elemento do património da eminente já era, com todo o seu património, garantia geral do cumprimento das obrigações daquela.


26. O dever de informação ao cliente, não se trata de um direito absoluto do cliente à prestação de informações exatas, mas apenas de um dever de esforço sério de recolha de informações o mais fiáveis possível pelo banco.


27. O grau de exatidão em relação às informações será variável, consoante o tipo de informação em causa.


28. No caso dos presentes autos, ficou demonstrado, e foi assumido pelos Autores, que era do seu interesse e vontade investir em produtos de com boa rentabilidade e de elevada segurança.


29. Apesar dos autores não serem investidores com especiais conhecimentos técnicos na área financeira o risco do produto em causa nos presentes autos era, pelas razões já várias vezes repetidas, baixo uma vez que nada fazia antever qualquer dificuldade futura do emitente.


30. Assim, não pode o Banco Recorrente senão concluir que foram salvaguardados os legítimos interesses do cliente.


31. Resultou demonstrado que os funcionários, mais concretamente o funcionário que o colocou, sempre acreditaram - até praticamente ao momento do incumprimento - que se tratava de produto seguro e se preocupavam com os interesses dos clientes.


32. Dispunha sobre esta matéria o artigo 304º do CVM no sentido de que os intermediários financeiros estão obrigados a orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado, devendo conformar a sua atividade aos ditames da boa-fé, agindo de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.


33. E, quanto ao risco, há aqui que chamar à colação o art. 312º nº 1 alínea a) do CdVM, que obriga então o intermediário financeiro a informar o investidor sobre os “riscos especiais envolvidos nas operações a realizar”.


34. Tal redação refere-se necessariamente ao negócio de intermediação financeira enquanto negócio de cobertura que, depois, proporcionará negócios de execução.


35. Tal menção não pode nunca equivaler ao dever de informação sobre o instrumento financeiro em si!


36. A informação quanto ao risco dos instrumentos financeiros propriamente dito apenas veio a ser exigida prestar aos intermediários financeiros com o D.L. 357-A/2007 de 31/10, que aditou o art. 312º-E nº 1, passando a obrigar o intermediário financeiro a informar o cliente sobre os riscos do tipo de instrumento financeiro em causa.


37. O legislador não deixou nada ao acaso e logo no número seguinte, afirmou claramente o que se devia entender por risco do tipo do instrumento financeiro em causa nas quatro alíneas do nº 2 do art. 312º-E.


38. São ESTES e APENAS ESTES os riscos do tipo do instrumento financeiro sobre os quais o Intermediário Financeiro tem que prestar informação, mesmo na atual redação do CdVM.


39. A alusão que a lei faz quanto ao risco de perda da totalidade do investimento está afirmada em função das características do investimento.


40. Trata-se, portanto, de um risco que tem que ser endógeno e próprio do instrumento financeiro e não motivado por qualquer fator extrínseco ao mesmo.


41. O investimento em causa foi feito em Obrigações não estando sujeito a qualquer volatilidade, sendo o retorno do investimento certo no final do prazo, por reembolso do capital investido ao valor nominal do título (de “capital garantido”), acrescido da respetiva rentabilidade.


42. Logo, não há necessidade de que a advertência do risco de perda da totalidade do investimento seja feita, porque a mesma não é aplicável ao caso, pois que nunca resultaria do mecanismo interno do instrumento em causa!


43. A informação acerca do risco da perda do investimento tem que ser dada em função dos riscos próprios do tipo de instrumento financeiro, o que deve ser feito se, e só se, tais riscos de facto existirem!


44. Em lado algum da lei resulta estar o intermediário financeiro obrigado a analisar ou avaliar a robustez financeira do emitente na atividade de intermediação financeira de receção e transmissão de ordens.


45. E também em lado nenhum da lei resulta a obrigação de prevenir o investidor acerca das hipóteses de incumprimento das obrigações assumidas pelo emitente do instrumento financeiro ou até da probabilidade de insolvência do mesmo!


46. Esse hipotético incumprimento tem que ver com as qualidades ou circunstâncias do emitente (ou obrigado) do instrumento financeiro e não com o tipo do instrumento financeiro, conforme referido no art. 312º-E nº 1 do CdVM, que é expressão que aponta claramente para uma objetivação do risco em função do próprio instrumento de investimento e não para uma subjetivação em função do emitente!


47. O artigo 312º, alínea e) do CdVM refere-se apenas aos riscos da atividade dos serviços de intermediação financeira. Os deveres de transparência, lealdade e defesa dos interesses do investidor que sobre o intermediário financeiro impendem, obrigam apenas à informação sobre os riscos endógenos ao mecanismo de funcionamento do concreto instrumento financeiro, não abrangendo o risco geral de incumprimento das obrigações. Neste sendo não estava o intermediário financeiro obrigado a informar especificamente sobre o risco de insolvência da entidade emitente de determinado produto.


48. Do elenco de factos provados não resultam factos provados suficientes que permitam estabelecer uma ligação entre a qualidade (ou falta dela) da informação fornecida ao A. e o ato de subscrição.


49. A nossa lei consagra essa perfeita autonomia de cada um dos pressupostos ou requisitos da responsabilidade civil, apresentando-os e regulando-os de forma perfeitamente estanque.


50. No que toca à causalidade não conseguimos sequer vislumbrar como passar da presunção de culpa – juízo de censura ético-jurídico sobre o agente do ilícito, e expressamente prevista na lei – à causalidade – nexo factual de associação de causa-efeito, como se de uma inevitabilidade se tratasse!


51. Do texto do art. 799º nº 1 do C.C. não resulta qualquer presunção de causalidade.


52. E, de resto, nos termos do disposto no artº 344º do Código Civil, a inversão de ónus depende de presunção, ou outra previsão, expressa da lei!


53. Se em abstrato, e de jure condendo até se pode, porventura e em tese, perceber esta interpretação para uma obrigação principal de um contrato – tendo por critério o interesse contratual positivo do credor -, não se justifica já quando estão em causa prestações acessórias do mesmo contrato.


54. Analisado o fim principal pretendido pelo contrato aqui em apreço – contrato de execução da atividade de intermediação financeira, de receção e transmissão de ordens por conta de outrem -, parece-nos evidente que o mesmo se circunscreve à receção e retransmissão de ordens de clientes – no caso o A. É este o único conteúdo típico e essencial do contrato e que é, portanto, suscetível de o caracterizar.


55. Não é por um dever de prestar ser mais ou menos relevante para qualquer parte, ou até para o comércio jurídico em geral, que será quantificável como prestação principal ou prestação acessória de um contrato. Releva outrossim se o papel de uma tal prestação na economia do contrato se revela como o núcleo épico ou não do acordo contratual entre as partes.


56. A única prestação principal neste contrato será a de receção e transmissão de ordens do cliente.


57. Sendo uma obrigação acessória, a prestação de informação não estaria nunca ao abrigo da proclamada presunção de causalidade.


58. Estamos perante uma situação em que e configuram dois contratos distintos e autónomos entre si: por um lado, (i) um contrato de execução de intermediação financeira, e por outro, (ii) a contratação de um empréstimo obrigacionista do cliente a entidade terceira ao primeiro contrato!


59. Neste caso, estaremos perante uma falta de resultado no âmbito da emissão obrigacionista e não do contrato de execução de intermediação financeira.


60. O contrato de intermediação financeira foi já cumprido no ato de subscrição, tendo-se esgotado nesse momento.


61. É esta uma óbvia dificuldade: como pode a falta do resultado normativamente prefigurado de um contrato desencadear uma presunção de ilicitude, culpa e causalidade no âmbito de um outro contrato?


62. O juízo de verificação de causalidade mecânica, aritmética ou hipotética tem inevitavelmente de se fundar em factos concretos que permitam avaliar da referida probabilidade, e não apenas em juízos abstratos ou meras impressões do julgador!


63. A causalidade resume-se a uma avaliação de um dano hipotético apenas em casos em que esse dano não seja efetivo, como é o caso do citado dano da perda da chance! Em todos os restantes casos, o juízo deverá ser feito, não numa perspetiva probabilidade, mas sim de adequação entre uma causa e um efeito.


64. No âmbito da responsabilidade contratual, presumindo-se a culpa, caberá a quem alega o direito demonstrar a ilicitude, o nexo causal e o dano, que em caso algum se presumem!


65. O nexo causal sujeito a prova será necessariamente entre um concreto ilícito - uma concreta omissão ou falta de explicação de uma determinada informação - e um concreto dano (que não hipotético)!


66. Não basta afirmar-se genericamente que eles não foram informados do risco de insolvência ou da falta de liquidez das obrigações, ou de qualquer característica do produto, e que é essa causa do seu dano!


67. Num primeiro momento é indispensável que o investidor prove que, sem a violação do dever de informação, não celebraria qualquer negócio, ou celebraria um negócio diferente do que celebrou.


68. Num segundo momento é necessário provar que aquele concreto negócio produziu um dano.


69. E, num terceiro momento é necessário provar que esse negócio foi causa adequada daquele dano, segundo um juízo de prognose objetiva ao tempo da lesão.


70. E nada disto foi feito!


71. Dizer simplesmente que não subscreveriam se soubessem que o capital não era garantido é manifestamente insuficiente pelas razões já acima explanadas relativamente à compreensão desta expressão e da realidade acionista do grupo SLN.


72. Aceitar esta alegação seria o mesmo que dizer que este Autor, que se define como cliente de depósito a prazo, nunca o subscreveria se soubesse que os mesmos não eram garantidos a 100%.


73. Dir-se-ia, a ser assim, que o nexo só se verificaria se resultasse provado que, se soubesse de todas as caraterísticas dos produtos em causa, o Autor teria guardado os seus valores em casa, debaixo do colchão!!!


74. A origem do dano do Autor reside na incapacidade da SLN em solver as suas obrigações, circunstância a que o Banco é alheio!


3.1. O R. veio apresentar contra-alegações, concluindo pela improcedência do recurso.


1. Não se conformando com o douto acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra que revogou a decisão de 1ª Instância e, condenou o recorrente no pagamento ao recorrido da quantia de € 50.000,00 acrescida de juros e, €2.000,00 a título de danos não patrimoniais, vem o recorrente do mesmo interpor recurso de revista para este Venerando Supremo Tribunal de Justiça.


2. Alegando para tanto que, o douto acórdão recorrido violou e fez uma errada aplicação e interpretação do disposto nos artigos 7º, 290º nº 1 alínea a), 304º-A e 312º a 314º D, 323º a 323º D e, 327º do CVM e, 4º, 12º, 17º e 19º do D. Lei 69/2004 de 25/2 e, da diretiva 2004/39/CE e, artigos 364º, 483º e ss, 563º e 628º a 798º do C.C.


3. E, relativamente ao objeto de recurso, divide o mesmo nos seguintes 4 Pontos a apreciar:


a) Do risco inerente às obrigações SLN


b) Do capital garantido


c) Do âmbito do dever de informação.


d) Do nexo causal.


4. Entendendo ainda o recorrente, não se ter verificado qualquer violação do dever de informação, que o A. não demonstrou a ilicitude, bem como o nexo causal e o dano, referindo ainda que, à data não existia qualquer risco de liquidez, porque a procura superava em muito a oferta destes produtos, que o risco era inexistente, que existe risco em todo o tipo de contratos, que o risco do instrumento financeiro em causa era semelhante ao de um depósito a prazo no Banco Réu, que tudo o que foi informado ao Autor ora recorrido era verdadeiro, que não houve qualquer omissão, entendendo ter cumprido o dever de informação a que se encontrava obrigado, que a comercialização por intermediário financeiro do produto com a indicação de que o mesmo tinha capital garantido não implica a corresponsabilização do referido intermediário pelo prejuízo decorrente de falta de reembolso por parte da entidade emitente, que a expressão garantido pelo banco era também ela consentânea com a realidade na altura da subscrição e, como tal, refere que, no seu entendimento, o douto acórdão recorrido terá efetuado uma errada interpretação das disposições legais descritas nas doutas alegações de recurso.


5. Mais refere o recorrente que, no contrato de responsabilidade contratual presumindo-se a culpa, caberá a quem alega o direito demonstrar a ilicitude, o nexo causal e o dano, que refere não se presumir, referindo ainda que a recorrida não o provou.


6. Terminando por referir que; dizer que não subscreveria o produto se soubesse que o capital não era garantido é insuficiente.


7. Porém, não tem o Recorrente qualquer razão no que alega, conforme a seguir se demonstrará e melhor consta do douto acórdão recorrido que não merece qualquer reparo ou censura.


8. Respondendo às doutas alegações de recurso, refere-se desde já que, à data em que foi aplicado pelo banco o dinheiro do A. ora recorrido e conforme resulta do artigo 7 do CVM em vigor à data dos factos, era obrigação dos intermediários financeiros prestar uma informação completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e licita, referindo ainda o artigo 312 nº 1 do mesmo código que, o intermediário financeiro deve prestar relativamente aos serviços que oferece, lhe sejam solicitados e que presta, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, nomeadamente dos riscos especiais envolvidos na operação e, a existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou, da proteção que abrange os serviços e partes.


9. Mais refere o nº 2 do mesmo artigo 312 que, a extensão e profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente.


10. E o artigo 314 do CVM refere que, os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação dos deveres respeitantes ao exercício da sua atividade que lhe sejam impostas por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública, referindo o nº 2 do mesmo preceito legal que, a culpa do intermediário financeiro se presume quando o dano seja causado no âmbito das relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado por violação dos deveres de informação.


11. Nos presentes autos e no que ao presente interessa foram considerados provados os seguintes factos:


a) - Que existia da parte do A. para com o Banco BPN atualmente denominado BIC uma relação de grande confiança extensiva aos seus funcionários nomeadamente em relação ao seu gestor de conta BB (Ponto 7 dos factos provados)


b) - No inicio do mês de Abril de 2006 na sequência de deslocação do A. ao Banco BPN do ... o referido gestor de conta, Sr. BB transmitiu ao A. que tinha uma aplicação muito boa para ele com uma taxa de juros semestral excelente, em tudo idêntico a um depósito a prazo, com capital garantido, tendo ainda transmitido ao A. que o prazo da aplicação era de 10 anos, o valor mínimo da aplicação era € 50.000,00, que não corria qualquer risco, dado que o valor do capital era garantido por se tratar de um produto próprio do Banco (ponto 9 e 10 dos factos provados).


c) - Perante a descrição de tal produto o A. confiou no banco e no seu gestor de conta BB e autorizou a subscrição da aplicação (ponto 11 dos factos provados)


d) - O A. assentiu em investir o montante de € 50.000,00 no produto que lhe foi indicado, não tendo assinado qualquer boletim de subscrição na data da aplicação (ponto 12 e 13 dos factos provados).


e) - Quer na data da aplicação quer na data em que o seu filho aí se deslocou para assinar o doc. 4 junto à P.I. não lhe foi explicado expressamente que se tratava de obrigações e muito menos subordinadas ou o que eram obrigações, nem os riscos a elas associadas (ponto 14 dos factos provados)


f) - Tudo tendo sido feito pelo A. com a convicção que se tratava de um produto em tudo idêntico a um depósito a prazo com capital e juros garantidos (ponto 15 dos factos provados).


g) - Ao efetuar a aplicação naquele produto, o A. fê-lo na convicção que estava a efetuar uma aplicação segura e semelhante a um depósito a prazo, com a garantia do capital e juros, como lhe fora transmitido e assegurado pelo referido gestor do Banco Réu do balcão do ... (ponto 16 dos factos provados).


12. Aliás, em relação a esta parte, consta até da motivação da decisão da 1ª instância a fls. 8 parágrafo 3º a declaração expressa da testemunha BB, o qual referiu aí que; nunca mencionou em relação ao produto tratar-se de obrigações, porque entendeu que o A. não teria formação para compreender.


13. Consta ainda do parágrafo 7º fls. 8 da decisão da 1ª instância, ter a testemunha do Banco, BB, referindo aí que, na sua opinião, o A. estaria convicto que era mesmo um depósito a prazo e que apenas se teria apercebido que não era mesmo um depósito a prazo mais tarde quando deixaram de lhe pagar juros, altura em que terá ido ao banco reclamar, que ficou perplexo e transtornado, referindo ainda esta testemunha bancária e que fez a aplicação do dinheiro do A., que considera que o A. não é pessoa para aplicar o dinheiro em produto mesmo com um mínimo de risco e, se soubesse, não teria aplicado.


14. Resulta ainda provado no ponto 17 dos factos provados que o A. não sabia o que eram obrigações nem o que era a SLN.


15. Consta ainda provado no ponto 24 e 25 dos factos provados, que do argumentário do banco e que era entregue aos funcionários para vender o produto, constava que o capital era garantido e que só pelo motivo de se tratar de capital garantido e sem risco, o A. investiu no referido produto.


16. Consta ainda considerado provado nos pontos 26 e 27, que o A. à data tinha 74 anos e era uma pessoa extremamente cuidadosa quanto ao seu dinheiro e de perfil muito conservador, o que era do conhecimento dos funcionários do Banco da agência do ..., nomeadamente do seu gestor BB.


17. Mais consta ainda provado no ponto 28 que, os funcionários recebiam ordens internas escritas no sentido de venderem o produto com a indicação de que se tratava de um produto em tudo idêntico a um depósito a prazo e com capital garantido e elevadas taxas de remuneração.


18. Mais consta do ponto 29 dos factos provados que, do e-mail do banco dirigido aos seus funcionários para os incentivar à venda do produto, é aí expressamente referido que o mesmo é não só um produto equivalente a um depósito a prazo, como também é mencionado que o risco é BPN.


19. Resulta ainda provado no ponto 30 dos factos provados que, o A. se tivesse tomado conhecimento que o produto que lhe foi proposto e que adquiriu não era de capital garantido, ou mesmo que apresentasse algum risco, jamais teria autorizado tal aplicação.


20. E, finalmente, dos pontos 31 e 32 consta como provado que, o A. não possuía qualquer qualificação ou formação que lhe permitisse conhecer o produto em que estava a aplicar o seu dinheiro, até porque se tratava de uma pessoa com a 4ª. classe e, que nunca foi explicado ou transmitido ao A. o que eram obrigações em concreto muito menos obrigações subordinadas, bem como os seus riscos, ou o que era a SLN, empresa que o A. nem sequer conhecia, pelo que não teve conhecimento real do produto onde foi aplicado o seu dinheiro, nem tinha conhecimento sequer para tal.


21. Assim, em primeiro lugar, importa verificar a diferença abismal entre os riscos de uma aplicação num depósito a prazo e, em obrigações subordinadas, para se apurar que, face à prova produzida, ao A. Recorrido não lhe foi transmitido as reais características do produto que a este foi pelo Banco vendido.


22. Pois os depósitos a prazo, são produtos simples, que as instituições financeiras utilizam para captar as poupanças dos investidores, que têm a particularidade de terem reembolso garantido de capital e tipicamente uma taxa de juro fixas, sendo que beneficiam da proteção do fundo de garantia de depósitos, que colmata o eventual risco de a instituição não cumprir com os seus devedores.


23. Ao passo que, as obrigações, são títulos de uma determinada entidade, que no caso concreto nem sequer eram do banco, e cujo reembolso está dependente essencialmente da capacidade do emitente, ao contrário do que acontece nos depósitos a prazo em que o capital é garantido pelo fundo de garantia, sendo que, no caso das obrigações, em caso de incapacidade do emitente cumprir, o investidor não conseguirá receber o seu investimento.


24. Pelo que, não resulta qualquer dúvida de que a subscrição de uma obrigação tem um risco manifestamente superior ao de um depósito a prazo, dado que este tem o capital garantido pelo Banco e, ainda, pelo Fundo de garantia de depósito, ou seja, investir o dinheiro num depósito a prazo, é investir na certeza de que passado o prazo de tal investimento, o capital e juros lhe é devolvido pelo Banco ou, na ausência deste, pelo Fundo de Garantia, ao passo que, investir em obrigações, corresponde a um elevado risco a que o investidor se submete, ficando dependente da capacidade da entidade emitente que não beneficia de qualquer proteção do fundo de garantia, não havendo assim comparação possível, entre depósitos a prazo e obrigações, pelo que não tem o recorrente qualquer razão no que alega.


25. Relativamente ao dever de informação e, no que se refere às características do que é uma obrigação, que no caso concreto era ainda subordinada, nada foi transmitido ou explicado ao A. recorrido, o qual desconhecia ainda o que era a SLN.


26. Resulta assim da legislação supra descrita e, em vigor à data dos factos, que era dever do Banco recorrente, através dos seus funcionários, prestar uma informação verdadeira, completa, clara e objetiva ao Autor Recorrido sobre as reais características do produto que lhe apresentaram, designadamente, esclarecendo-o sobre o que eram obrigações subordinadas, tanto mais que, conforme consta provado, o A. Recorrido era considerado pelos funcionários do Banco BPN antes da subscrição como um investidor de perfil muito conservador e que não possuía qualificação ou formação que lhe permitisse à data dos factos conhecer o produto em causa e o riscos do mesmo.


27. Não tendo o banco recorrente prestado os esclarecimentos necessários e, tendo o funcionário do Banco recorrente convencido o A. recorrido de que o produto que estava a adquirir era idêntico a um depósito a prazo, sem risco e, com capital garantido por se tratar de um produto do Banco (ponto 10 dos factos provados), o Réu recorrente atuou culposamente no exercício da sua atividade de intermediação financeira nos preliminares e na conclusão do contrato de subscrição da obrigação.


28. A culpa do Banco recorrente é grave, pois impunha-se-lhe, como entidade patronal, dar instruções rigorosas para que, ao apresentar esse produto ao recorrido, o esclarecessem das suas verdadeiras características deste, o que não foi feito e, o que foi dito não corresponde à verdade.


29. Face aos supra exposto, os factos que foram considerados provados e, à legislação em vigor à data da subscrição, importa concluir que, o Banco recorrente, através dos seus funcionários, não transmitiu ao Autor as verdadeiras características do produto que estava a vender e, o que transmitiu, não era verdadeiro, levando-o a aplicar as suas poupanças de uma vida de trabalho, num produto de risco que nunca quis, e em cujo investimento foi induzido de forma enganosa e com culpa grave ou dolo do Banco recorrente, culpa essa que aliás se presume nos termos dos artigos 314 nº 2 do CVM e 799.


30. Verifica-se assim uma violação culposa pelo Réu recorrente dos deveres a que se encontra obrigado enquanto intermediário financeiro, cuja culpa se presume, conforme previsto nos artigos 314 nº 2 do CVM e 799 do C. Civil, sendo que, a violação de tal dever de informação enquanto intermediário financeiro, é facto gerador de indemnização dos danos causados, como muito bem refere a douta decisão recorrida, por não ter sido esclarecido o A. Recorrido sobre as características do produto. Artigo 314 nº 1 do CVM


31. Finalmente, quanto ao capital garantido e nexo de causalidade, ilicitude e dano, entende o recorrente que não foi provado a relação causal entre a informação prestada e o dano, e que cabia ao A demonstrar a ilicitude, o nexo causal e o dano.


32. Analisando os factos provados, verifica-se que dos mesmos consta expressamente e, com especial clareza no ponto 32 que ao A. não foi explicado ou transmitido o que eram obrigações em concreto muito menos obrigações subordinadas bem como os seus riscos ou o que era a SLN, empresa que o A. nem sequer conhecia, pelo que não teve conhecimento real do produto onde foi aplicado o seu dinheiro, nem tinha conhecimentos técnicos para tal, resultando ainda provado que ao A. Recorrido foi assegurado pelo gerente do BPN que o produto financeiro em causa tinha um risco idêntico ao de um depósito a prazo junto do próprio banco por se tratar de um produto do Banco e que o A. nunca o teria subscrito se lhe tivesse sido transmitido as reais características do produto dado tratar-se de pessoa de perfil muito conservador, ou seja, o Banco recorrente enquanto intermediário financeiro, violou de forma clara todos os deveres a que se encontrava obrigado, com especial incidência do dever de informação, bem sabendo que o A. recorrido era pessoa de perfil muito conservador e que não tinha conhecimento técnico que lhe permitisse conhecer o mesmo, e que só investiu o seu dinheiro por lhe ter sido garantido que era idêntico a um depósito a prazo com capital e juros garantidos por ser um produto do próprio banco.


33. Dos factos provados resulta ainda que o A. ora recorrido investiu os € 50.000,00, e que tal montante não lhe foi devolvido, facto este que naturalmente representa para si um dano no valor investido acrescido de juros.


34. Ora, conforme supra exposto e, consta dos factos provados supra referidos, o A. recorrido subscreveu obrigações SLN 2006 no valor de € 50.000,00, o que fez por lhe ter sido transmitido pelo funcionário do banco que o produto era idêntico a um depósito a prazo.


35. Nunca lhe foi transmitido em concreto o que eram obrigações em concreto, muito menos obrigações subordinadas, seus riscos ou o que era a SLN 2006. Nunca tendo tido conhecimento real do produto onde foi aplicado o seu dinheiro, do qual repete-se, nunca lhe foi devolvido. O que ocorreu devido à insolvência da Entidade emitente conforme é do conhecimento geral e, à não existência de um fundo como existe nos depósitos a prazo.


36. Resulta assim, ter ficado provado que o recorrido, se o banco réu aqui recorrente lhes tivesse prestado as informações a que se encontrava obrigado, esclarecendo-os das reais características do produto obrigações SLN 2006 subordinadas, risco a elas associados e, da ausência de qualquer fundo de garantia, que o A não teria investido em tal produto.


37. Resulta ainda provado que, foi a falsa informação transmitida ao A. recorrido e omissão de outra que deveria ter sido prestada, que levou o A. recorrido a aplicar o seu dinheiro naquele produto, o qual nunca teria adquirido se o banco lhe tivesse transmitido as reais características do mesmo e o tivesse informado devidamente dos riscos, o que o banco não fez, atuando assim de forma ilícita e culposa, causando ao A. recorrido um dano no valor do capital investido de € 50.000,00 e respetivos juros, isto além dos danos não patrimoniais.


38. Pelo que, se verificam todos os requisitos de responsabilidade civil como muito bem decidiu o douto acórdão recorrido, o que implica a obrigação do banco recorrente em indemnizar o recorrido dos prejuízos/ danos que a sua conduta ao não cumprir com o dever de informação e enquanto intermediário financeiro causou ao A. recorrido, que é no valor do capital investido de € 50.000,00 acrescido de juros e danos não patrimoniais, como muito bem decidiu o douto acórdão recorrido, o qual apreciou devidamente os factos e, aplicou o direito corretamente, não merecendo assim a douta decisão recorrida qualquer censura ou reparo e, como tal, deverá manter-se nas integra, sendo que neste sentido decidiu igualmente os doutos acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça nos processos 2259/17.5T8LRA.C1.S1 de 26/3/2019, 1591/17.2T8LRA.C1.S1 de 29/11/2022, 1558/17.0T8LRA.C1.S1 de 30/11/2022 e ainda o douto acórdão Uniformizador nº 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A.


3.2. O Desembargador Relator admitiu o recurso de revista.


3.3. A Conselheira Relatora considerando que se relativamente à questão dos autos mostravam-se ainda pendentes recursos de uniformização de jurisprudência, como vinha acontecendo em casos similares no universo da problemática em causa, foi ordenada a suspensão da instância até ao trânsito em julgado do decidido nos autos identificados.


4. Findos tais autos com decisão transitada em julgado, cumpre apreciar e decidir.


*


II – Enquadramento facto-jurídico


A . Dos factos.

Foram considerados provados os seguintes factos:

1. O BPN - Banco Português de Negócios S.A., era uma sociedade anónima, com o NIPC nº .......93, sede inicialmente na Av. de França nº 680/708 na freguesia de ..., concelho do ... e, posteriormente, a partir de 8/11/2013, na Av. ..., freguesia de ..., concelho de ..., o qual tinha por objeto, o exercício de atividades consentidas por lei aos Bancos.


2. O Banco BIC Português S.A., é uma sociedade anónima, com o NIPC nº .......93 (antes .......10), sede na Av. ..., freguesia de ..., concelho de ..., que tem por objeto o exercício de atividades consentidas por lei aos Bancos, o qual, anteriormente, se encontrava matriculado na ... Secção da Conservatória do Registo Comercial do ... sob a matrícula nº ............31.


3. As sociedades bancárias acima descritas viriam a fundir-se entre si no ano de 2012, dando lugar ao Banco BIC Português S.A. o qual passou a ser detentor de todo o património de ambos os Bancos, bem como de todos os respetivos direitos e obrigações.


4. Sendo que, o NIPC nº .......93 antes pertencente ao BPN, passou, após fusão, a ser o NIPC do Banco BIC.


5. O A. era cliente do Banco Português de Negócios S.A., na agência de ..., concelho de ..., desde a abertura da agência há cerca de 20 anos, com a conta à ordem nº ..........01, onde movimentava uma parte dos seus dinheiros, conta essa que ainda mantém com o mesmo número no Banco Réu.


6. E, através da qual, recebia e efetuava pagamentos e, onde efetuava a aplicação das suas poupanças em depósitos a prazo e outras aplicações.


7. Existia da parte do A. para com o Banco BPN, atualmente denominado de BIC, uma relação de grande confiança, extensiva aos funcionários do Banco na agência do ..., nomeadamente em relação ao funcionário daquele Banco, Sr. BB, que era o seu gestor de conta.


8. Sendo que, todos os dinheiros existentes na conta referida eram propriedade do A., não obstante seu filho CC ter autorização para a movimentar.


9. No inicio do mês de abril de 2006, na sequência de deslocação do A. à agência do Banco BPN de ..., o referido gestor de conta, Sr. BB, transmitiu ao A., que tinha uma aplicação muito boa para ele, com uma taxa de juros semestral excelente, em tudo idêntico a um depósito a prazo, com o capital garantido.


10. (Alterado). Mais transmitiu ao A. que, o prazo da aplicação era de 10 anos, o valor mínimo da aplicação de € 50.000,00, que não corria qualquer risco, dado que o valor do capital era garantido por se tratar de um produto do Banco.


11. Perante a descrição de que tal produto o A. confiou no Banco e no seu gestor de conta, Sr. BB e, através daquele, autorizou a subscrição da aplicação naquele produto, o que o banco fez, tendo posteriormente a tal aplicação e, na sequência de pedido do Banco, solicitado ao seu filho CC, que passasse no Banco para assinar o documento referente à aplicação que aí tinha feito, o que o referido filho fez.


12. (Alterado). Assim, o Autor assentiu em investir o montante de €50.000,00 (Cinquenta mil euros) no produto que lhe foi indicado, não tendo assinando o “Boletim de Subscrição”, onde, para além do mais, constava o seguinte: «NATUREZA DA EMISSÃO. Emissão de até 1.000 obrigações subordinadas, ao portador (…) MÍNIMO DE SUBSCRIÇÃO. €50.000,00 (1 obrigação). PERÍODO DE SUBSCRIÇÃO (…) DATA DE LIQUIDAÇÃO FINANCEIRA. 08 de maio de 2006. PRAZO E REEMBOLSO. O prazo de emissão é de 10 anos, sendo o reembolso do capital efetuado em 09 de maio de 2016 (…). REMUNERAÇÃO. Juros pagos semestral e postecipadamente, às seguintes taxas (…) IDENTIFICAÇÃO DO SUBSCRITOR (…) ORDEM DE SUBSCRIÇÃO (…) ORDEM DE DÉBITO (…)»


13. Na data da aplicação, o A. não assinou qualquer documento.


14. Quer na data da aplicação pelo A., quer na data em que o seu filho aí se deslocou para assinar o doc. 4 ora junto, não lhes foi explicado expressamente que se tratava de obrigações e, muito menos subordinada ou, o que eram obrigações, nem dos riscos a elas associados


15. Tudo tendo sido feito pelo A. com a convicção que se tratava de um produto em tudo idêntico a um depósito a prazo, com o capital e juros garantidos.


16. Ao efetuar a aplicação naquele produto, o A. fê-lo, na convicção de que estava a efetuar uma aplicação segura e semelhante a um depósito a prazo, com a garantia do capital e juros, como lhe fora transmitido e assegurado pelo referido gestor do Banco Réu do Balcão de ..., o qual à data, estava igualmente convicto que assim era.


17. O A. não sabia o que eram obrigações nem o que era a SLN.


18. Após a referida aplicação, efectuada em 27/04/2006, em que o A. entregou ao Banco a quantia de € 50.000,00 tudo correu conforme fora transmitido ao Autor até maio de 2015, com o Banco a pagar os respetivos juros semestrais ao A.


19. Depois da nacionalização o A. continuou a receber do Banco os seus juros semestrais até 7/5/2015, data do último pagamento dos juros ao A.


20. Acontece que, no verão de 2015, mais precisamente no inicio de setembro de 2015, foi rececionado pelo A. uma carta da Galilei (ex SLN) datada de 03/09/2015, através da qual lhe era dado conhecimento, de que aquela empresa se havia submetido a um Processo Especial de Revitalização e, a convidar o A. para participar nas negociações.


21. O qual, na sequência de tal carta, se deslocou à agência do Banco Réu em ..., agora denominado BIC, a fim de saber o que se passava, tendo-lhe aí sido dito que, o Banco agora já não era responsável pelo pagamento.


22. A firma Galilei, que lhe referiram ser a sucessora de uma firma SLN que o A. desconhecia, tendo-lhe ainda sido dito que esta firma era a dona do Banco, e que o Autor devia agora reclamar o seu crédito no processo de revitalização a que aquela empresa se apresentara, tendo para tanto, nessa data, sido entregue pelo Banco aqui Réu ao A. uma declaração do Banco, a confirmar que no Banco Réu, se encontrava depositado em nome do Autor uma obrigação de € 50.000,00 -SLN M2 - SLN 2006.


23. Situação essa que deixou o A. preocupado e indignado.


24. Constava do argumentário do próprio Banco que era entregue aos seus funcionários para venderem o produto do qual consta expressamente o que a seguir se transcreve: "SLN 2006 Obrigações Subordinadas a 10 Anos 4) ARGUMENTÁRIO - Capital Garantido - Elevadas Taxas de remuneração....................................................."


25. Só por esse motivo, por se tratar de capital garantido e sem risco, o A. investiu no referido produto.


26. O Autor à data tinha 74 anos.


27. O Autor era uma pessoa extremamente cuidadosa e cautelosa quanto ao seu dinheiro, e de perfil muito conservador, o que era do conhecimento dos funcionários do Banco Réu na agência de ..., nomeadamente do seu gestor BB.


28. Os próprios funcionários do Banco, recebiam ordens internas escritas deste, no sentido de venderem o produto com indicação de que se tratava de um produto em tudo idêntico a um depósito a prazo e, com capital garantido e, elevadas taxas de remuneração.


29. Do e-mail do banco dirigido aos seus funcionários para os incentivar à venda do produto, é aí expressamente referido que o mesmo é não só um produto equivalente a um depósito a prazo, como também, é aí mencionado que o risco é BPN.


30. Se o A. tivesse tomado conhecimento que o produto que lhe foi proposto e que adquiriu não era de capital garantido, ou mesmo que apresentava algum risco, jamais teria autorizado tal aplicação.


31. O Autor não possuía qualquer qualificação ou formação que lhe permitisse conhecer o produto em que estava a aplicar o seu dinheiro, até porque se tratava de uma pessoa com apenas a 4ª classe.


32. Nunca foi explicado ou transmitido ao A. o que eram obrigações em concreto, muito menos obrigações subordinadas, bem como os seus riscos ou o que era a SLN, empresa que o A. nem sequer conhecia, pelo que, não teve conhecimento real do produto onde foi aplicado o seu dinheiro, nem tinha conhecimentos técnicos para tal.


33. O A. desde que tomou conhecimento que o valor do capital por si investido no banco se encontrava em risco, vive permanentemente em estado de preocupação e tormenta, com o receio de não reaver o seu dinheiro.


34. O que tem provocado no A. grande angústia, ansiedade, stress e nervosismo, com muitas noites sem dormir e dias a pensar neste assunto.


35. O Autor soube, desde a referida data de subscrição que efetuou algum tipo de negócio onde investiu o seu dinheiro.


36. No mês seguinte à da operação supra, recebeu por correio, não só o aviso de débito correspondente à subscrição efectuada, bem como os avisos de crédito a cada seis meses relativos aos juros.


37. Como também e desde então os vários extratos periódicos onde lhe apareciam essas obrigações como integrando as suas carteiras de títulos de forma separada dos simples depósitos a prazo.


38. Onde se constata que o produto em causa surge separado dos depósitos, num título denominado “CARTEIRA DE TÍTULOS” e com um subtítulo “OBRIGAÇÕES”.


39. No paralelismo com o Depósito a Prazo a garantia proveniente do Fundo de Garantia de Depósitos era à data de apenas € 25.000,00,


40. E que tal fundo não se encontrava sequer devidamente provisionado para o efeito.


41. Eliminado.


42. É que, no mês seguinte ao das referidas operações o subscritor recebeu por correio um aviso de débito correspondente à subscrição efectuada.


43. como também foi recebendo, desde então, um extrato periódico onde lhe apareciam essas obrigações como integrando a sua carteira de títulos, separadas dos depósitos, com menção expressa ao facto de se tratar de obrigações depositadas na sua carteira de títulos.


44. Da mesma forma, foram-lhes sendo creditados em conta os juros relativos aos cupões das obrigações, o que originava igualmente o competente registo no seu extrato e até a emissão de avisos de lançamento que lhes eram enviados para a sua morada.


45. Tudo isto nunca suscitou da sua parte qualquer reclamação.


46. (Alterado). O subscritor sempre foi pessoa consciente, cuidadosa e preocupada com o investimento do seu património.


47. (Alterado). O Autor subscreveu o Fundo Imobiliário IMONEGÓCIOS, subscrito em data anterior à da subscrição em causa nos presentes autos – veja-se a venda da participação nesse fundo em 11.11.2008 no montante de 9.848,79€.


48. Eliminado.


49. Eliminado.


B. Do direito.


1. Como se sabe, o objeto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente, importando em conformidade decidir as questões nelas colocadas1, não estando o Tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos ou fundamentos que as partes indiquem para fazer valer o seu ponto de vista, sendo que, quanto ao enquadramento legal, não está sujeito às razões jurídicas invocadas pelas mesmas, pois o julgador é livre na interpretação e aplicação do direito, artigo 5.º, n.º 3, do CPC .


Em conformidade, das conclusões formuladas pelo Recorrente Banco resulta que, em termos da responsabilidade do intermediário financeiro, o mesmo questiona a existência de ilicitude, com referência ao dever de informação e correspondente risco do produto financeiro em causa nos autos, bem como do nexo de causalidade, enquanto pressupostos necessários da obrigação de indemnizar a que aquele estará adstrito, pelo que, facilmente se depreende, que este Tribunal apenas se debruçará sobre estas questões.


2. As decisões proferidas pelas Instâncias, divergiram quanto à não responsabilização do Banco Recorrente, pois em sede de Sentença foi entendido que o Recorrente não tinha praticado quaisquer factos ilícitos, por toda a informação prestada ao Autor/Recorrente, aquando da subscrição da aplicação tinha sido verdadeira, lícita, adequada e proporcional às características do investidor, tendo em conta o tipo de produto financeiro em causa, pelo que na falta de ilicitude, inútil se mostrava analisar os demais pressupostos da obrigação de indemnizar.


Por sua vez o Tribunal da Relação entendeu que o Banco, ora Recorrente, ocultara informação, numa desconsideração grosseira do perfil conservador do cliente, sem a formação financeira que lhe permitisse compreender o produto que estava a subscrever, e que não faria tal, se conhecesse as características desse produto, verificando-se desse modo a violação do dever de informação abrangendo o compromisso do reembolso do capital, sendo assim ilícita a conduta do Banco, ocorrendo a culpa por se estar no âmbito das relações pré-contratuais ou contratuais, existindo nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano correspondente ao valor do capital não reembolsado.


Contrapõe o Recorrente, como já se aludiu, pela inexistência de incumprimento no que concerne à informação, sobretudo, quanto às caraterísticas do produto em termos de risco e correspondente capital garantido, por constituir uma descrição de uma caraterística técnica, cuja não elucidação não importa uma atuação culposa ilícita, muito menos gravosa, estando à data atualizada a informação prestada, inexistindo factos provados suficientes que permitam estabelecer a qualidade, ou falta dela, da informação fornecida ao cliente e o ato de subscrição.


Por sua vez, no que respeita à causalidade, não havendo qualquer presunção da mesma, não se mostra provado o nexo de causal exigível para a sua responsabilização..

3. Os autos surgem-nos configurados em termos de responsabilidade contratual e pré-contratual do Banco Recorrente, no âmbito da intermediação financeira.


Assim, sempre nos teremos de ater à realidade específica a considerar, reportada ao mercado de valores mobiliários, tido como ponto de encontro entre a oferta, assegurada pelas entidades emitentes, e a procura levada a cabo pelos investidores, relevando para tanto a existência de agentes económicos qualificados, caso dos intermediários financeiros, como resultava do art.º 289, n.º 1, a) e 293, do CVM, nomeadamente as instituições de crédito, como a referenciada nos autos.


O intermediário financeiro atua no interesse e por conta dos seus clientes, sendo na esfera destes que se repercutem as consequências – positivas e negativas – das operações de subscrição ou transação de valores mobiliários, encontrando-se entre as atividades de intermediação financeira os serviços de investimento em valores mobiliários.


Sabido é, também, que como decorre do disposto no art.º 573, do CC, a obrigação de informação existe sempre que o titular de um direito tenha dúvida fundada acerca da sua existência ou do seu conteúdo e outrem esteja em condições de prestar as informações necessárias, na consagração de uma regra geral, de acordo com o princípio da boa fé, sem prejuízo do que possa ser estabelecida convencionalmente, ou decorrer de preceitos especiais.


No concerne aos valores mobiliários, diz-nos o art.º 7, do CVM, que deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita, nomeadamente a relativa a atividades de intermediação e emitentes que seja suscetível de influenciar as decisões dos investidores, seja qual for o meio de divulgação, aferindo-se o requisito da completude da informação em função do meio utilizado.


Por sua vez resulta do art.º 312, do CVM, que o intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, caso das respeitantes aos riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar, sendo que a extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimento e de experiência do cliente.


Na verdade, conforme também se consigna no art.º 304, do CVM, os intermediários financeiros devem orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado, observando, com todos os intervenientes no mercado, os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência, informando-se, na medida em que for necessário para o cumprimento dos seus deveres, sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência e investimentos e os objetivos que prosseguem através dos serviços a prestar sublinhando-se que a regra da adequação do serviço prestado ao perfil do cliente não sofre qualquer desvio em virtude do meio de contratação utilizado, devendo ser formulado segundo um critério subjetivo, em termos de autodeterminação pelo investidor-cliente.


Compreende-se que no tipo de negócios em causa sobressaía a exigibilidade de as partes se pautarem de acordo com o princípio da confiança, essencial ao tráfico mercantil, prestando as informações necessárias à prossecução dos interesses do cliente, na medida em que se mostra adequado para tanto, ainda que em termos não tão abrangentes que posteriores quadros normativos vieram consagrar, mas sempre num atendimento de um padrão de diligência exigível a entidades especialmente autorizadas e qualificadas ao exercício das funções que se apresentam a prestar, num contexto específico de uma atividade, que se tendencialmente orientada para um grupo social restrito, veio a alargar-se, abrangendo largos setores sociais.


Diz-nos, por sua vez o art.º 314, do CVM, no que respeita à responsabilidade do intermediário financeiro, que a mesma existe perante qualquer pessoa, em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou regulamento emanado da autoridade pública, pelo que e decorrentemente, evidenciando-se que a prova do facto ilícito incumbirá ao lesado, já no que respeita à culpa, a mesma presume-se se o dano for causado no âmbito das relações contratuais ou pré-contratuais, e em qualquer caso, quando seja causado pela violação de deveres de informação, n.º2, da mesma disposição legal.


Para que se verifiquem assim os pressupostos da responsabilidade civil contratual do intermediário financeiro, importa ainda ficar demonstrado o dano, correspondente à perda do capital entregue para subscrição do produto financeiro, bem como apreciar a existência do nexo de causalidade, que deve resultar do factualismo apurado.


Aqui chegados releva fazer a nota, que se prende com o conhecido número de casos existentes nos Tribunais e as decisões proferidas, debruçando-se sobre situações em que está em causa a subscrição deste produto financeiro ou similar, certo é, que não pode ser esquecido, que cada um assenta num determinado factualismo alegado e provado, daí que não se possa considerar que há uma solução, mas sim uma para cada realidade, para além das igualmente conhecidas divergências em termos doutrinários/jurisprudenciais.


Sem prejuízo do aludido quando ao aspeto casuístico de cada caso, importa ater-nos ao Acórdão de Uniformização de Jurisprudência, deste Tribunal, n.º 8/2022, publicado no Diário da República, 1.ª série, de 3 de novembro de 20222 foi uniformizada a Jurisprudência, nos seguintes termos:

1. No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.º, nº 1, 312º nº 1, alínea a), e 314º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de Outubro, e 342.º, nº 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.


2 - Se o Banco, intermediário financeiro – que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” – informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto “não era produto de risco”), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.º, n.º1, do CVM.


3 - O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.


4 - Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.


Em conformidade, compreende-se que a apreciação casuística no atendimento da matéria de facto apurada nos autos atenda aos segmentos uniformizadores, respaldando-nos, quando a razão de ser dos mesmos, em termos de fundamentação de direito, na formulada no Acórdão Uniformizador.

4. Reportando-nos aos autos resulta apurado que o Recorrido/autor era cliente do Banco Português de Negócios S.A., na agência de ..., desde a abertura da agência há cerca de 20 anos, com uma conta à ordem, onde movimentava uma parte dos seus dinheiros, através da qual, recebia e efetuava pagamentos e, a aplicação das suas poupanças em depósitos a prazo e outras aplicações, existindo da parte do Recorrido para com o Banco/Recorrente, então BPN, atualmente denominado de BIC, uma relação de grande confiança, extensiva aos funcionários do Banco, nomeadamente em relação ao funcionário que era o seu gestor de conta. Todo o dinheiro existentes na conta pertenciam ao Recorrido, tendo o seu filho autorização para a movimentar.


No inicio do mês de abril de 2006, na sequência de deslocação do Recorrido à agência, o referido gestor de conta, transmitiu ao Recorrido que tinha uma aplicação muito boa para ele, com uma taxa de juros semestral excelente, em tudo idêntico a um depósito a prazo, com o capital garantido, mais transmitiu que o prazo da aplicação era de 10 anos, o valor mínimo da aplicação de € 50.000,00, que não corria qualquer risco, dado que o valor do capital era garantido por se tratar de um produto do Banco.


Perante a descrição do produto o Recorrido confiou no Banco e no seu gestor de conta, e através daquele autorizou a subscrição da aplicação naquele produto, o que o banco fez, não tendo assinando o “Boletim de Subscrição”, onde, para além do mais, constava o seguinte: «NATUREZA DA EMISSÃO. Emissão de até 1.000 obrigações subordinadas, ao portador (…) MÍNIMO DE SUBSCRIÇÃO. €50.000,00 (1 obrigação), nem assinou qualquer documento.


Posteriormente e, na sequência de pedido do Banco, foi solicitado ao filho do Recorrido que passasse no Banco para assinar o documento referente à aplicação, o que mesmo fez.


Quer na data da aplicação feita pelo Recorrido, quer na data em que o seu filho assinou aquele documento, não lhes foi explicado expressamente que se tratava de obrigações e, muito menos subordinadas ou, o que eram obrigações, nem dos riscos a elas associados. Tudo feito pelo Recorrido foi realizado com a convicção que se tratava de um produto em tudo idêntico a um depósito a prazo, com o capital e juros garantidos, uma aplicação segura, só por esse motivo investindo no referido produto, como lhe fora transmitido e assegurado pelo referido gestor do Banco, que à data, estava igualmente convicto que assim era.


O Recorrido não sabia o que eram obrigações nem o que era a SLN, nunca lhe foi explicado ou transmitido o que eram obrigações em concreto, muito menos obrigações subordinadas, bem como os seus riscos ou o que era a SLN, empresa que nem sequer conhecia, pelo que, não teve conhecimento real do produto onde foi aplicado o seu dinheiro, nem tinha conhecimentos técnicos para tal pois não possuía qualquer qualificação ou formação que lhe permitisse conhecer o produto em que estava a aplicar o seu dinheiro, até porque se tratava de uma pessoa com apenas a 4ª classe.


O Recorrido à data tinha 74 anos, era uma pessoa extremamente cuidadosa e cautelosa quanto ao seu dinheiro, consciente, cuidadosa e preocupada com o investimento do seu património, e de perfil muito conservador, o que era do conhecimento dos funcionários do Banco Réu na agência de ..., nomeadamente do seu gestor.


No inicio de setembro de 2015, o Recorrente recebeu uma carta da Galilei (ex SLN) através da qual lhe era dado conhecimento, de que aquela empresa se havia submetido a um Processo Especial de Revitalização e, a convidando-o para participar nas negociações, tendo aquele se deslocado à agência do Banco a fim de saber o que se passava, tendo-lhe aí sido dito que o Banco agora já não era responsável pelo pagamento, devendo reclamar o seu crédito naquele processo, situação que o deixou preocupado e indignado.


Mais se apurou que se o Recorrido tivesse tomado conhecimento que o produto que lhe foi proposto e que adquiriu não era de capital garantido, ou mesmo que apresentava algum risco, jamais teria autorizado tal aplicação.


Evidencia-se que aquando da subscrição, no âmbito de uma relação de confiança, o Recorrente não sabia que estava a subscrever um produto financeiro, obrigação subordinada, nem lhe foram indicadas as características das mesmas, que aliás o desconhecia, para que em conformidade se determinar, até porque lhe era estranha a realidade financeira que não se confunde com um contrato de depósito a prazo, não sendo desse modo uma informação clara, no sentido de suficientemente esclarecedora, com a profundidade e cuidados exigíveis face às características do cliente, não informado, nem estando demonstrado que tivesse apetência para a variedade de produtos financeiros existentes no mercado.


Sendo certo que lhe foi indicado que o produto era sem risco, com capital garantido, não tendo sido apurado que no momento da subscrição não havia qualquer indicação de que a emissão pudesse vir a não ser paga, ou qualquer ideia sobre o risco de insolvência do emitente, importa reter que tais itens correspondem a uma informação objetiva, não dependente de quaisquer outras variantes analíticas, ou evolução da conjuntura económico-financeira, decorrendo das próprias características do produto3, mas, efetivamente não verdadeira, como se veio a concretizar.


Frise-se que a informação de o reembolso do capital ser garantido, sempre seria incompleta e inexata, pois tratando-se de um empréstimo obrigacionista, em caso de insolvência ou liquidação do emitente o seu reembolso só teria lugar após a satisfação dos demais credores não subordinados, para além de não claras em termos das suas especificidades, como ficou apurado.


Em nota, diga-se que o afirmado não pode ser contrariado com as indicações que o Recorrente Banco tenha feito em termos de politica comercial relativamente aos produtos financeiros em cuja comercialização participasse.


Configura-se assim uma violação do dever de informação, para a responsabilização do Recorrido, na reunião dos respetivos pressupostos, na previsão da ilicitude, improcedendo nesta parte o recurso do Recorrente, a que acresce o dano e culpa presumida, art.º 799, n.º1, do CPC, importando ainda que fique demonstrada a existência do nexo de causalidade entre essa informação e o dano, traduzido na perda do capital investido na subscrição do produto financeiro, que o Recorrente invoca não ter ficado demonstrado.


Não se questionando que a prova da existência do nexo de causalidade impende sobre o lesado, n.º 1, do art.º 342, neste caso, o Recorrido, importa que fique demonstrado “(…) para além de fáctica ou naturalisticamente se ter de apurar se uma determinada atuação (ação ou omissão) provocou o dano (…) cumpre ainda averiguar, tendo em conta as regras da experiência, se era ou não provável que da ação ou omissão resultasse o prejuízo sofrido, ou seja, se aquela não realização é causa adequada do prejuízo verificado: o juízo de adequação normativa ínsito no artigo 563.º do Código Civil pressupõe a causalidade fáctica. Daí que antes de indagar se a causa foi adequada à produção do dano, deve o intérprete verificar se a causa foi “conditio sine qua non” do referido dano4.


Assim, tendo-se apurado que se o Recorrido tivesse tomado conhecimento que o produto que lhe foi proposto e que adquiriu não era de capital garantido, ou mesmo que apresentava algum risco, jamais teria autorizado essa aplicação, tal permite concluir que as deficiências de informação por parte do Banco Recorrente funcionaram como condição que desencadeou o prejuízo ou dano invocado pelo Recorrido, cuja existência e extensão não se mostram questionados.


Em conformidade, tendo o Recorrido logrado provar que caso tivesse recebido a informação completa, não teria subscrito a obrigação, demonstrada fica a existência do nexo de causalidade, improcedendo também nesta parte o recurso do Banco Recorrente.


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III – DECISÃO


Nestes termos, decide-se negar a revista.


Custas pelo Recorrente.


Lisboa, 16 de janeiro de 2024

Ana Resende (Relatora)

Luís Espírito Santo

Graça Amaral


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Sumário, art.º 663, n.º 7, do CPC.


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1. Bem como as que forem de conhecimento oficioso, com exceção daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, artigos 635.º, 608.º, 663.º e 679.º, do CPC.↩︎

2. Com a Declaração de Retificação n.º 31/2022, relativa ao sumário, de 21 de novembro de 2022.↩︎

3. Cf. o Acórdão de Uniformização indicado.↩︎

4. Cf. o Acórdão Uniformizador referenciado.↩︎