Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
03A1607
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: LOPES PINTO
Descritores: ANULAÇÃO DA PARTILHA
EMENDA
Nº do Documento: SJ200306030016071
Data do Acordão: 06/03/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL GUIMARÃES
Processo no Tribunal Recurso: 1472/02
Data: 01/15/2003
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Sumário :
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


Por apenso ao inventário para partilha dos bens do casal, por dissolução do casamento entre A e B, propôs este contra aquela acção a fim de - com fundamento em não ter sido notificado para os termos subsequentes do inventário, em a ré se ter locupletado à sua custa, em omissão do relacionamento de bens móveis e erro na valoração dos imóveis - ser anulada a partilha efectuada ordenando-se a sua emenda mediante avaliação real desses prédios e o cancelamento dos seus registos, ou, subsidiariamente, se condenar a ré a lhe pagar o valor correspondente à metade do valor real dos bens do inventário, e serem relacionados os bens móveis do casal e pela ré sonegados no inventário.
Contestando, por impugnação, concluiu a ré pela improcedência da acção.
Improcedeu, no saneador, a acção o que foi confirmado pela Relação.
De novo inconformado, por pretender que os autos prossigam para a emenda à partilha ou, a assim se não entender, para averiguar do enriquecimento sem causa, pediu revista, concluindo, em suma e no essencial, em suas alegações -
- apesar de citado no inventário, não foi notificado para a conferência de interessados, o que é obrigatório, nem se desinteressou daquele;
- aproveitando o facto de o ora recorrente ser emigrante na Córsega e sabendo do mau funcionamento dos correios da Ilha, a ora recorrida operou a licitações nos bens por valores irrisórios pelo que sabia estava a agir de má fé e a prejudicar e espoliá-lo daquilo a que tem direito;
- daí que não tenha havido licitações mas apropriação indevida;
- a sentença homologatória é uma sentença de mérito que se não pronuncia sobre os valores ou quinhões, limita-se a homologar o decidido na conferência de interessados, pelo que apenas se forma caso julgado em relação à adjudicação dos bens e não quanto ao seu valor real ou justo;
- assim, a sentença não é justificativa quanto ao equilíbrio dos valores encontrados em conferência nem sequer os legitima
- nem a sua discussão põe minimamente em causa a certeza do direito nem a força do caso julgado;
- violado o disposto nos arts. 1.387 e 1.388 CPC e 473 CC.
Contraalegando, pugnou a recorrida pela confirmação do acórdão.
Colhidos os vistos.

Nos termos do art. 713-6, ex vi do art. 726, ambos do CPC, remete-se para o acórdão recorrido a descrição da matéria de facto.

Decidindo: -

1.- Na petição inicial, o autor cumulou ao pedido de anulação o de partilha adicional.
As instâncias não se pronunciaram sobre a admissibilidade da cumulação.
Embora não constitua objecto de recurso e como tal se não conheça da questão, devia a 1ª instância ter-se pronunciado pois esse pedido não era subsidiário nem ficou prejudicado pela solução que o primeiro conheceu.
A circunstância de não ter havido reacção contra a omissão não constitui impedimento para o autor (ou para a ré) de lançar mão, se correctamente, do disposto no art. 1.395 CPC.
2.- Antes ainda de se analisar o pedido na sua relação com os respectivos fundamentos convém considerar o pedido principal em si mesmo - «anular-se a partilha e ordenar se proceda a sua emenda mediante a avaliação real dos prédios objectos da partilha, já que houve erro na valoração dos mesmos» - e decompô-lo.
Com efeito, ao pretender a anulação da partilha está-se a pedir que, a proceder, ela não se mantenha, seja invalidada; porém, quando, de imediato, pede que ela seja emendada contradiz-se pois, a proceder, a partilha mantém-se e apenas é corrigida onde deve ser corrigida.
Na realidade, pela anulação não se emenda a partilha e, in casu, torna-se patente, ao acrescentar - «já que houve erro na valoração dos mesmos», que a pretensão do autor não é poder vir a tornar-se proprietário exclusivo de certos bens mas receber um maior quantitativo de tornas e, caso não sejam prestadas, poder exercer um dos direitos que a lei concede em tal situação. Não é a invalidade mas a emenda que o autor persegue com esta acção.
Depois, ao falar em «erro na valoração dos mesmos» está a esquecer-se do comando do nº 2 do art. 1.346 CPC - ‘o valor dos prédios inscritos na matriz é o respectivo valor matricial’ - o que evidencia, desde logo, pois esse foi o valor indicado na relação de bens, que ‘erro’ não podia ter havido. E esquece ainda que, até ao início da licitações (CPC- 1.362,1) não foi reclamado outro valor, o que exclui a eventualidade de uma ‘avaliação’ por ninguém requerida, e tê-lo-ia de ser.
Subjaz ao pedido tal como foi expresso a ideia de ‘impor’ à ré o ‘dever’ de licitar pelo valor que o autor entende como sendo o real - aceita que ela efective o direito de compor o seu quinhão com aqueles bens, que ela os escolha para esse efeito (uma das funções da licitação), mas entende que a correcção dos valores (outra das funções da licitação) deva incidir não sobre o valor indicado na relação mas sim sobre o resultante de avaliação (a que não havia lugar) visando a actualização do valor (utopia e desconhecimento da vida real) e o equilíbrio de valores e igualação dos quinhões.
Estes considerandos são suficientes, dispensando que se continue a objectivamente escalpelizar o pedido principal, para se concluir que, tal como foi formulado, exprime confusão entre duas figuras jurídicas diferentes - a anulação e a emenda da partilha - e que, interpretando, em si, o pedido foi esta última que o autor realmente peticionou.
E, se, para a interpretação do pedido, quiséssemos recorrer a elementos posteriores à apresentação da petição inicial (aqui, as alegações nos recursos interpostos), confirmar-se-ia que o autor pediu não a anulação mas a emenda da partilha.
Todavia, isso seria apenas uma confirmação da interpretação, não a discussão nem a conclusão sobre a interpretação.

3.- Mas porque o autor pretende ter havido ‘preterição de intervenção de interessado’, vejamos, no pressuposto que o pedido deve ser interpretado como sendo a anulação que visa, segundo o normativo que invoca - o art. 1.388 CPC.
Para justificar ter havido ‘preterição’ escuda-se no que diz ser omissão de notificação.
Apenas em casos muito restritos e taxativamente indicados autoriza a lei (CPC- 1.388) que uma partilha judicialmente realizada e passada em julgado seja anulada.
Se o inventário tivesse corrido à revelia do ora autor, por falta absoluta de intervenção, não tendo sido citado, só através do recurso extraordinário de revisão dessa sentença poderia ser obtida a anulação (CPC - 771 f)).
Não é o caso, pois, nomeado no inventário requerido pela ex-mulher, ora ré, cabeça de casal e designado dia para prestar as respectivas declarações, foi citado por carta registada com aviso de recepção.
Porque foi requerido em 96.01.04, são-lhe aplicáveis as alterações introduzidas pelo dec-lei 227, de 08.09, uma das quais é relativa às notificações aos interessados - o local da sua residência deixou de condicionar a sua efectivação e ainda que não tivessem constituído mandatário judicial passou a havê-las (CPC- 1.328).
Citado, não compareceu nem justificou a falta nem constituiu mandatário judicial.
Apresentada a relação de bens pela ora ré, por aquele ter sido removido de cabeça de casal e para o cargo nomeada a ex-mulher, foi notificado por carta registada, com aviso de recepção, para, querendo, reclamar. Nada disse quando o podia, inclusive, pronunciando-se sobre o valor dos prédios e requerendo o que entendesse dever fazer na defesa dos seus interesses.
Para a morada onde foi citado e, posteriormente notificado, foram-lhe enviadas cartas registadas (não devolvidas) a, oportuna e sucessivamente, o notificar do dia designado para a conferência de interessados, para poder requerer a composição do quinhão ou o pagamento de tornas, para exame do mapa de partilha, da sentença homologatória da partilha, do requerimento para reforma da sentença (em matéria de custas) e para pagamento das custas, as quais foram pagas no prazo legal.
Se não acompanhou o processo em todo o seu desenvolvimento, apenas de si se pode queixar - é-lhe exclusivamente imputável a não intervenção no desenrolar do inventário.
Falha qualquer dos pressupostos da anulação de partilha, sendo que, por outro lado, a sua ocorrência teria de ser cumulativa.

4.- Regressando à interpretação do pedido como pretendendo o autor a emenda.
Não há acordo dos interessados.
Resulta do referido antes que não estamos face a «erro de facto na descrição» (esta fez-se nos termos legais e em conformidade com os documentos matricial e registral) «ou na qualificação dos bens» (o autor reconhece que são imóveis) «ou qualquer outro erro susceptível de viciar a vontade das partes» (a desconformidade com os valores reais deve e pode ser corrigida por iniciativa dos interessados não competindo ao tribunal o impulso, tanto mais que todos eles eram maiores; nada fez o ora autor).
Não se pode falar em «erro», menos ainda em erro objectivo e só este interessaria.
Não há lugar a emenda da partilha (CPC- 1.387,1).

5.- O pedido subsidiário acolhe-se à sombra do enriquecimento sem causa.
Tenha ou não resultado das licitações enriquecimento da ora ré e empobrecimento do ora autor, o certo é ter sido, por sentença transitada, reconhecido e atribuído àquela o direito aos bens que para si licitou, o que, por um lado, impede se possa agora ser questionado e, por outro, justifica e legitima esse eventual enriquecimento (CC- 473,1 e 2).
A ter havido enriquecimento da ora ré e empobrecimento do ora autor, teria sido este quem, pelo seu comportamento omissivo, proporcionou que viessem a ter ‘causa justificativa’.

Termos em que se nega a revista.
Custas pelo recorrente.

Lisboa, 3 de Junho de 2003
Lopes Pinto
Pinto Monteiro
Reis Figueira