Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1772/06.4TVLSB.L2.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: ANA PAULA BOULAROT
Descritores: CONTRATO DE CONCESSÃO
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
PRESCRIÇÃO
CITAÇÃO
INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
JUNÇÃO DE PROCURAÇÃO
OBRIGATORIEDADE DE CONSTITUIÇÃO DE ADVOGADO
Data do Acordão: 04/02/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / TEMPO E REPERCUSSÃO NAS RELAÇÕES JURÍDICAS / PRESCRIÇÃO / INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – ACÇÃO, PARTES E TRIBUNAL / PARTES / PATROCÍNIO JUDICIÁRIO – PROCESSO EM GERAL / ATOS PROCESSUAIS / CITAÇÕES E NOTIFICAÇÕES / CITAÇÃO DE PESSOAS SINGULARES.
Doutrina:
- Júlio Gomes, Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica, p. 772 e 773.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 323.º, N.ºS 1 E 2 E 482.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 40.º, N.º 1, ALÍNEA A), 41.º, 49.º, N.º 1 E 234.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 29-04-1992, IN BMJ 416, P. 619;
- DE 04-11-1992, RELATOR DIAS SIMÃO, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 14-05-2002, RELATOR FARIA ANTUNES, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 03-10-2010, RELATOR SOUSA GRANDÃO, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 20-06-2012, RELATOR SAMPAIO GOMES, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 03-07-2018, RELATORA ANA PAULA BOULAROT, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :

I Tendo a acção como causa de pedir factualidade consubstanciadora do enriquecimento sem causa, o prazo prescricional para o exercício do direito é de três anos a contar da data em que o credor teve conhecimento do seu direito, artigo 482º do CCivil,

II Dispõe o artigo 323º, nº1 do CCivil que a prescrição se interrompe «[p]ela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.».

III Só que, em qualquer caso, vale o regime da «citação ficta consagrado no nº2 de tal normativo, de onde, se a citação não tiver lugar nos cinco dias subsequentes a ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida decorridos que estejam esses cinco dias (o requerimento com vista à citação do réu carece actualmente de sentido e alcance prático, face ao estabelecimento pela lei de processo de um regime de oficiosidade da citação, na generalidade dos casos cometida directamente à secretaria, situação esta que não afasta a aplicabilidade daquele normativo, o qual terá de ser compaginado, mutatis mutandis, com o preceituado no artigo 234º do CPCivil).

IV O efeito interruptivo a que aí se refere tem como pressupostos as seguintes circunstâncias: i) que o prazo prescricional ainda esteja a decorrer e assim se mantenha nos 5 dias posteriores à propositura da acção; ii) que a citação não tenha sido realizada nesse prazo de 5 dias; iii) que o retardamento na efectivação desse acto não seja imputável ao autor (entendendo-se aqui que o requerente em nada tenha contribuído, em termos adjectivos, para que haja um atraso no acto.

V O que se mostra relevante para a (des)aplicação do apontado regime legal é que tenha havido por banda do requerente uma manifesta e objectiva infracção das regras processuais aplicáveis, tendo a acção dado entrada em 16 de Março de 2006, dez dias antes de terminar o prazo de três anos para a respectiva propositura, o que ocorreria em 26 de Março de 2006.

VI Tratando-se de uma acção em que é obrigatória a constituição de advogado, seria mister a junção pelas Autoras da pertinente procuração a favor daquele, subscritor da Petição Inisial, nos termos do artigo 40º, nº1, alínea a) do CPCivil, aliás, sendo a cominação legal para a falta de junção no prazo consignado pelo Tribunal a absolvição do réu da instância, nos termos do artigo 41º do mesmo diploma.

VII Tratando-se de uma imposição legal sujeita a cominatório preclusivo do prosseguimento do procedimento instaurado, não se poderá argumentar como faz a Recorrente, que a citação poderia ter ocorrido sem que se mostrassem juntas aos autos as procurações das Autoras, as quais deveriam ter acompanhado o articulado inicial, de onde a respectiva falta ser da exclusiva responsabilidade daquelas, por infracção das regras procedimentais aplicáveis, supra indicadas.

VIII  Diversa seria a situação se o patrocínio judiciário tivesse sido exercido a titulo de gestão de negócios, nos termos do artigo 49º, nº1 do CPCivil, por se tratar de um caso de urgência, o qual dependeria sempre da ratificação pela parte, mas podendo-se discutir aqui a operância efectiva da confissão ficta referida no nº2 do artigo 323º do CCivil, caso a mesma não se tivesse realizado nos cinco dias subsequentes a ter sido requerida, mesmo com uma regularização ulterior do processado: tal, contudo não ocorreu, tendo a acção sido proposta em termos normais, com a subscrição da Petição Inicial por um Advogado, sem que fosse junta a pertinente procuração.

(APB)  

Decisão Texto Integral:

ACORDAM, NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I SOCIEDADE Y, SA e GARAGEM V, SA, intentaram em 15 de Março de 2006, acção com processo ordinário, contra S, SA, e S PORTUGAL UNIPESSOAL, LDA pedindo:

A condenação da Ré S, SA, ou ambas as Rés solidariamente, no pagamento:

à 1ª Autora da quantia de € 21.267.684 (vinte e um milhões duzentos e sessenta e sete mil seiscentos e oitenta e quatro euros) acrescida de juros de mora à taxa legal aplicável às dívidas de natureza comercial a computar desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento e,

à 2ª Autora da quantia de € 10.012.230 (dez milhões doze mil duzentos e trinta euros) acrescida de juros de mora à taxa legal aplicável às dívidas de natureza comercial a computar desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento.

A título subsidiário, e precavendo a hipótese de, por qualquer razão, se entender que a 2ª Autora não tem direito a ser indemnizada pelas Rés,

- A condenação da Ré S, S.A., ou ambas as RR. solidariamente, no pagamento à 1ª Autora da quantia de € 31.279.914 (trinta e um milhões duzentos e setenta e nove mil novecentos e catorze euros) acrescida de juros de mora à taxa legal aplicável às dívidas de natureza comercial a computar desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento.

Também a título subsidiário e precavendo a hipótese de se entender que a 1ª Autora não tem direito a ser indemnizada pela Ré, -a condenação da Ré S, S.A., ou ambas as Rés solidariamente, no pagamento à 2ª Autora da quantia de 10.012.230 (dez milhões doze mil duzentos e trinta euros) acrescida de juros de mora à taxa legal aplicável às dívidas de natureza comercial a computar desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento.

Contestaram as Rés excepcionando quanto à 1ª Autora, a prescrição extintiva do direito quanto ao pedido de indemnização de clientela bem como a violação de convenção arbitral e caso julgado e ainda, quanto ao pedido sustentado no enriquecimento sem causa a prescrição do direito da Autora.

Quanto à Autora Garagem V, excepcionaram a ilegitimidade passiva, a prescrição do direito no que tange ao pedido de indemnização de clientela e a prescrição do direito também no que tange a indemnização assente em enriquecimento sem causa.

Na réplica pugnou-se pela improcedência das excepcões e no mais concluiu-se como na Petição Inicial.

A fls. 714 e ss dos autos foi proferida saneador-sentença que:

a) absolveu as Rés da instância relativamente aos pedidos formulados pela 1ª Autora (por julgar verificada uma excepção dilatória inominada);

b) julgou a acção improcedente, por não provada, relativamente aos pedidos que contra as Rés são deduzidos, deles as absolvendo (por se entender que a 2ª Autora não tem direito à indemnização de clientela e por se entender não estarem verificados os requisitos do instituto do enriquecimento sem causa).

Interposto recurso pelas Autoras foi a decisão mantida no Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 18 de Novembro de 2010 (fls. 1001 a 1016 dos autos).

Inconformadas as Autoras interpuseram recurso para o STJ, tendo este tribunal por Acórdão de 22 de Setembro de 2011 (fls. 1319 a fls. 1326 v.) anulado o acórdão recorrido e determinado que o processo baixasse à Relação para aí se proceder à sua reforma nos termos explicitados.

 

Tendo os autos baixado ao TRL foi aí proferido Acórdão a 12 de Janeiro de 2012 (fls. 1337 a 1341) que revogou a decisão de 1ª instância no que respeita à absolvição da instância, remeteu para conhecimento posterior o conhecimento das invocadas excepções e determinou se elaborasse a base instrutória com fixação da matéria de facto em sede de especificação e questionário.

Tendo os autos voltado à 1ª instância acabou por ser a instância suspensa até à decisão a proferir no processo de revisão de sentença arbitral estrangeira que as Rés intentaram no TRL.

Nesse tribunal, veio em 16 de Janeiro de 2014 a ser proferido Acórdão reconhecendo a sentença arbitral CCI proferida em 7 de Março de 2005.

Interposto recurso para o STJ, veio a ser confirmado o Acórdão recorrido, a 23 de Outubro de 2014.

Continuando os autos, em sede de despacho saneador conheceram-se e julgaram-se procedentes: a excepção de ilegitimidade das Rés face ao pedido formulado pela 2ª Autora, no que tange a uma compensação pela clientela angariada enquanto concessionária/vendedora de veículos, tendo as Rés sido absolvidas da instância quanto a este pedido; a excepção de caso julgado no que refere aos pedidos formulados pela 1ª Ré, tendo as Rés sido absolvidas da instância quanto aos pedidos formulados pela 1ª Ré.

Prosseguiu-se para apreciação e decisão do pedido formulado pela 2ª Autora contra as Rés com fundamento no instituto do enriquecimento sem causa e excepção da prescrição do direito da 2ª Autora invocado pelas Rés.

Foi proferida sentença que julgou procedente a excepção de prescrição do direito da 2ª Autora e, consequentemente, absolveu as Rés, S, S.A. e S Portugal Unipessoal, Lda. do pedido.

Inconformada recorreu a Autora, Garagem V, SA, de Apelação, recurso esse que veio a ser julgado improcedente com a confirmação da sentença recorrida.

Irresignada a Autora, Garagem V, SA vem agora recorrer de Revista, apresentando o seguinte acervo conclusivo:

- O acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa recorrido é, salvo o devido respeito, nulo por falta de fundamentação e omissão de pronúncia;

- Sendo incontroverso que a autora manteve o seu contrato de concessionária e continuou a exercer a sua actividade de comercialização de veículos SEAT até 30 de Setembro de 2003 - Factos E), F) e L) - e sendo facto também provado que só a partir desta última data passaram as aqui RR. a comercializar os produtos da marca SEAT no mercado português - Facto T) - é por demais evidente que só nesta última data poderia iniciar-se o prazo de prescrição, porque antes não ocorreu qualquer deslocação patrimonial alegada.

- O prazo de prescrição da acção de enriquecimento sem causa não pode começar a contar antes de ocorrida a deslocação patrimonial que consubstancia o enriquecimento sem causa alegado porque antes dessa data o autor não pode, pela própria natureza das coisas, ter conhecimento do direito que lhe assiste.

- Ainda que assim não fosse, tendo a acção dado entrada em juízo em 15 de Março de 2003 a autora sempre beneficiaria do disposto no n° 2 do artigo 323° do CPC, posto que a falta de junção das procurações forenses que se haviam protestado juntar em nada impede a citação dos réus porque em nada prejudica a capacidade destes entenderem o pedido contra eles deduzido.

- A não apresentação dos documentos com a petição ou nos prazos estabelecidos no art. 144°, n°s 1 e 2 e nos arts. 10°, n°s 1, 2, 4 e 5 da Portaria 280/2013 de 26/08, não constitui motivo impeditivo da realização da citação.

- A apresentação dos documentos depois dos cinco dias estabelecidos no art. 323°, n° 2 do CC, não exclui a interrupção da prescrição ali estabelecida.

- Foram, como é indisputável, as rés quem beneficiou da clientela, posição de mercado e notoriedade criadas pela autora ao longo da sua actividade de representante da marca SEAT durante 20 anos como primeira e maior revendedora dos automóveis e peças ao público tal como decorre, directamente e em conclusão de senso comum, da conjugação dos factos D) a G), T) e U).

- A autora viu-se privada de uma remuneração - compensação de clientela - que lhe era legalmente devida pela sua prestação contratual, tendo as rés usufruído do correspondente benefício apesar de não serem partes no contrato em causa e de não terem pago qualquer contrapartida pelo mesmo.

- Este é portanto um caso em que a autora se vê privada do valor a que tinha direito em contrapartida da sua prestação contratual enquanto concessionária, sendo que as rés fizeram sua a prestação correspectiva, sem contrapartida e sem causa legítima, o que configura um caso de enriquecimento sem causa.

- Não estando apurados factos suficientes para permitir o cômputo da obrigação de restituição que incumbe às rés, pode e deve ser proferida decisão de condenação genérica, relegando-se a determinação do quantum devido para liquidação nos termos do Art° 609° n° 2 do Código de Processo Civil. O acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 323° e 473° a 482° do Código Civil, bem como o artigo 615° alíneas b) e d)do Código de Processo Civil.

Nas contra alegações, as Rés/Recorridas pugnam pela manutenção do julgado.

II Põem-se como questões a resolver no âmbito da presente impugnação recursória as de saber: i) se o Acórdão é nulo; ii) se ocorreu ou não a prescrição do direito que a Autora/Recorrente se arroga.

As instâncias declararam como assentes os seguintes factos:

A) A 1ª Autora Sociedade Y, S.A., doravante SY, é uma sociedade comercial portuguesa, constituída em 18 de Outubro de 1983, para iniciar a importação e comercialização por grosso dos produtos da marca “SEAT” em Portugal, actividade a que se dedicou com carácter de exclusividade até Setembro de 2003;

B) A 1ª Ré S, S.A. é uma sociedade de direito espanhol que se dedica à produção e comercialização de veículos automóveis, suas peças e acessórios da marca “SEAT”;

C) A S é uma multinacional que comercializa os seus produtos em todos os países da Europa e em muitos outros países dos outros continentes;

D) A 2ª Autora Garagem V, S.A., doravante GV, é uma sociedade comercial cujo capital é quase integralmente detido pela 1ª A. e que foi até Setembro de 2003, detentora de stands e oficinas de venda ao público de veículos, peças e acessórios SEAT e prestação de serviços conexos em Lisboa, Oeiras, Porto e Braga, denominados respectivamente: “Garagem V E”, “Garagem V O”, “Garagem V P” e “Garagem V E”;

E) A 2ª A. foi, entre 1983 e 2003, retalhista de produtos SEAT.

F) A relação contratual e comercial entre a 1ª Autora SY e a Ré S remonta a 1983, sendo, desde então e até Setembro de 2003, a SY foi o importador exclusivo dos produtos de marca SEAT para o território português.

G) A SY introduziu a marca “SEAT” em Portugal, iniciando a comercialização no nosso território dos produtos – automóveis, peças e acessórios – de marca SEAT.

H) A introdução, promoção e comercialização dos produtos da marca “SEAT” em Portugal foi realizada pela 1ª Autora SY, nos termos dos contratos sucessivamente celebrados com a SEAT, através da criação de um sistema de distribuição automóvel que compreendia, designadamente, a criação em Portugal de uma rede de concessionários, alguns dos quais eram detidos pela 2ª A. sociedade cujo capital é controlado pela SY, que expõem, promovem e comercializam os automóveis e acessórios junto dos consumidores finais; a criação e contratação de serviços de financiamento disponibilizados aos concessionários e consumidores por forma a possibilitar ou facilitar a concessão de crédito à aquisição dos produtos; a aquisição de uma empresa de rent-a-car (a Hertz Portuguesa) que viabiliza a obtenção de elevados volumes de compras dos veículos com as inerentes vantagens financeiras e melhoria das condições de exploração do mercado para a marca; a criação de serviços e empresas de retomas e comercialização de automóveis usados.

I) A relação comercial entre a 1ª Ré S e a 1ª Autora SHA foi regida ao longo dos anos através de sucessivos contratos – chamados Contrato de Importador - o último dos quais foi outorgado pela SHA e pela S com data de 1 de Outubro de 1996.

J) A relação contratual entre a SHA e a GV encontrava-se regulada por contratos de concessionários celebrados entre ambas;

L) A SHA procedeu em 25 de Setembro de 2002 ao envio de cartas para resolução de todos os contratos com os concessionários, com efeitos à data de 30 de Setembro de 2003, entre os quais a aqui 2ª A. Garagem V.

M) Em 27 de Setembro de 2002 a 1ª Ré comunicou à 1ª Autora a resolução do acordo com efeitos a 30 de Setembro de 2003, invocando para tal a necessidade de reestruturação justificada pela entrada em vigor do Regulamento (CE) nº 1400/2002. N) A SHA instaurou um processo arbitral contra a SEAT a 14 de Março de 2003.

O) Foi proferida decisão no tribunal arbitral em 7 de Março de 2005, integralmente revista e confirmada pelo Supremo Tribunal de Justiça por acórdão de 23 de Outubro de 2014.

P) A Autora Garagem V soube da propositura da acção arbitral no máximo no dia 14 de Março de 2003;

Q) Em 26 de Março de 2003 a Autora Garagem V foi informada que a Ré S0 tinha procedido à resolução imediata do contrato de importação, que a SHA tinha iniciado em 14-03-2003 um processo arbitral contra a Ré S e que não era possível propor à GV um novo contrato de concessão;

R) A SY requereu uma providência cautelar, que veio a ser deferida, e nos termos da qual a S foi intimada sob pena de aplicação de sanção pecuniária compulsória, a continuar a fornecer os seus produtos à SY até 30 de Setembro de 2003 e a abster-se, até à mesma data, de fornecer esses mesmos produtos a outras entidades sedeadas em Portugal.

S) Esta providência cautelar veio a ser revogada pelo Tribunal da Relação de Lisboa.

T) Em Setembro de 2003, quando a 2ª Ré, S Portugal, Unipessoal, Lda., iniciou a sua actividade em Portugal existiam a circular em Portugal cerca de 150.000 veículos da marca SEAT todos importados pela SY e colocados junto do público através da rede de vendas por esta organizada e gerida, mormente pela 2ª Autora;

U) A 2ª Autora no exercício da sua actividade e enquanto proprietária de stands de venda de veículos SEAT em Lisboa, Oeiras, Braga e Porto era a maior retalhista da SEAT em Portugal, sendo o primeiro concessionário da SEAT em Portugal.

V) Os pontos de venda da 2ª Autora eram explorados na qualidade de concessionária da Seat mediante contratos elaborados com a 1ª Autora.

X) A 2ª Autora contribuiu com a sua actividade para a notoriedade e reconhecimento público da marca SEAT.

Z) A Ré S aproveitou dessa notoriedade.

AA) Muita da clientela da 2ª Autora era e continuou a ser daquela comprando-lhe os veículos da marca Mazda e outras que comercializa.

BB) A GV após a cessação do contrato que mantinha com a 1ª Autora continuou a trabalhar no mesmo ramo, vendendo e fazendo a manutenção de veículos automóveis de muitas marcas, incluindo a marca SEAT.

Nela deram-se como não provados os seguintes factos:

1- a 2ª Autora efectuava quase 40% das vendas de veículos Seat registados em Portugal;

2- De 1998 a 2002 a percentagem de vendas de automóveis da Seat, em número de unidades, efectuadas pela 2ª Autora, no conjunto das vendas em Portugal foram:

em 1998: 31,82%, em 1999: 37,24%, em 2000: 40,11%, em 2001: 44,02% e em 2002: 38,04%;

3- a percentagem média das vendas de veículos efectuada pela 2ª Autora no conjunto das vendas de veículos Seat foi nesse período de 38,246%;

4- as margens médias brutas auferidas anualmente pela Seat relativas apenas às vendas de veículos são no período de 1/01/98 a 31/12/2002 no montante de 26.175,767 euros

5- e considerando o período de 1/10/1998 a 30/09/2003 no montante de 25.477,257 euros;

6- a Ré S passou a beneficiar desde Setembro de 2003 da clientela angariada pela 2ª Autora, bem como da rede de vendas, assistência técnica e reparação montadas por esta;

7- a 2ª Autora beneficia da clientela que lhe deixou uma marca como a Seat que se habituou a frequentar as suas instalações e a comprar-lhe viaturas.

1.Da nulidade do Acórdão recorrido.

A Recorrente imputa ao Aresto o vício da nulidade por falta de fundamentação e omissão de pronúncia.

Dispõe o artigo 615º, nº1, alíneas b) e d) que «É nula a sentença [Acórdão] quando: b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; (…) d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça as questões de que não podia tomar conhecimento;».

Sem embargo de imputar os aludidos vícios ao Acórdão, a Recorrente omitiu de todo em todo as razões pelas quais o fez, o que nos conduz, sem mais delongas, à conclusão da improcedência das conclusões quanto a este particular.

2.Da prescrição.

Insurge-se a Recorrente contra o Aresto sob censura, pois estando provado que manteve o seu contrato de concessionária e continuou a exercer a sua actividade de comercialização de veículos SEAT até 30 de Setembro de 2003 - Factos E), F) e L) - e sendo facto também provado que só a partir desta última data passaram as aqui Rés a comercializar os produtos da marca SEAT no mercado português - Facto T) - é por demais evidente que só nesta última data poderia iniciar-se o prazo de prescrição, porque antes não ocorreu qualquer deslocação patrimonial alegada, sendo certo que o prazo de prescrição da acção de enriquecimento sem causa não pode começar a contar antes de ocorrida a deslocação patrimonial que consubstancia o enriquecimento sem causa alegado porque antes dessa data o autor não pode, pela própria natureza das coisas, ter conhecimento do direito que lhe assiste.

Lê-se no Acórdão recorrido a respeito:

«[E]statui o artigo 482.º do Código Civil que “o direito à restituição por enriquecimento sem causa prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o credor teve conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do enriquecimento”.

Bem se entendeu na sentença recorrida que: o legislador quando se refere, no art. 482º do C. Civil, ao conhecimento do direito, reporta-se ao conhecimento fáctico dos elementos constitutivos do seu direito e não ao conhecimento jurídico do mesmo.

Está provado:

P) A Autora G V soube da propositura da acção arbitral no máximo no dia 14 de Março de 2003;

Q) Em 26 de Março de 2003 a Autora G V foi informada que a Ré S tinha procedido à resolução imediata do contrato de importação que a SY tinha iniciado em 14-03-2003 um processo arbitral contra a Ré S e que não era possível propor à GV um novo contrato de concessão;

Como bem se avançou na sentença recorrida considerando estas comunicações temos de concluir que a 2ª Autora, GV, soube pelo menos em 26 de Março de 2003 que a sua actividade iria cessar, que por virtude da resolução do contrato de importação não era possível propor à 2ª Autora a celebração de um novo contrato de concessão e que seria a S, ora 1ª Ré, ou outros concessionários por ela determinados, a beneficiar da clientela e da situação de mercado de que os produtos Seat gozavam mercê da actividade por si desenvolvida, sem que a autora pudesse continuar a actividade que até aí vinha exercendo e de que colhia os seus proventos.

A Autora conhecia desde essa data as consequências para a sua actividade da cessação do contrato e de quem iria beneficiar da actividade até aí desenvolvida por si.

O início do prazo da prescrição tem de se contabilizar a partir deste momento, ou seja, a partir da cessação da relação comercial que a 2ª Autora mantinha com a 1ª Autora. O facto de só a partir de Setembro de 2003 as Rés terem iniciado a actividade comercial beneficiada não tem relevância pois o que importa é o momento em que a autora teve conhecimento do seu direito e da pessoa do responsável e tal aconteceu em 26 de Março de 2003 quando a 1ª Autora lhe comunicou a cessação do seu contrato de concessão em resultado da cessação do contrato de importação celebrado com a 1ª Ré.

A presente acção foi proposta em 16 de Março de 2003 mas as rés apenas foram citadas em 4 e 8 de Maio de 2006.

A prescrição interrompe-se com a citação – art. 323º nº 1 do C. Civil.

Todavia, se a citação ou a notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida, logo que decorram os cinco dias – art. 323º nº 2 do mesmo diploma legal.

Constitui jurisprudência uniforme que a prescrição se interrompe quando não puder ser feita por motivo de índole processual, de organização judiciária ou de regime tributário, nos cinco dias seguintes ao da apresentação da petição em juízo (ver, por todos Ac. S.T.J. de 29-04-92, BMJ 416-619).

A expressão “causa não imputável ao requerente “ deve ser entendida em termos de causalidade objectiva, ou seja, a conduta do requerente só exclui a interrupção da prescrição quando tenha violado objectivamente a lei em qualquer termo processual.

No caso concreto a citação ocorreu para lá do prazo referido por causa imputável às requerentes que apenas juntaram as procurações posteriormente e a instâncias do tribunal e sob a cominação legal – fls. 320, 2º volume.

Assim sendo, não podendo a autora socorrer-se do disposto no nº 2 do art. 323º do C. Civil (que também não invoca) temos que concluir que na data da citação das Rés já se havia completado o prazo do art. 482º do C. Civil e consequentemente mostra-se prescrito o direito da Autora.

Daqui que o direito feito valer nesta acção pela 2ª Autora está prescrito.».

A presente acção tem como causa de pedir factualidade consubstanciadora do enriquecimento sem causa, sendo certo que como decorre do normativo inserto no artigo 482º do CCivil, o prazo prescricional para o exercício do direito de acção é de três anos a contar da data em que o credor teve conhecimento do seu direito.

A Autora, aqui Recorrente, como deflui inequivocamente da alínea Q) da matéria assente, teve conhecimento em 26 de Março de 2003 de que não iria ser beneficiada com novo contrato de concessão, não obstante o contrato que se encontrava em curso só viesse a ter o seu terminus em 30 de Setembro de 2003, cfr alíneas J), L) e M) da matéria assente, conforme comunicação efectuada pela primeira à segunda Autora, aqui Recorrente, cfr documento de fls 121 a 176, por ter sido resolvido por aquela com o pre-aviso de doze meses, como imposto pela cláusula 19, o que ocorreu em 25 de Setembro de 2002.

Assim, não obstante a Autora estivesse ainda em cumprimento contratual com a Ré S o que iria perdurar até ao final de Setembro de 2003, já sabia desde Março de mesmo ano que o contrato de concessão não iria ter continuação e, por isso, neste momento, começou a contar o prazo prescricional, porquanto teve consciência do seu eventual direito e da(s) pessoa(s) a responsabilizar pelos prejuízos actuais e futuros.

Tendo a acção sido proposta em 16 de Março de 2006, verifica-se que as Rés foram apenas citadas em 4 e 8 de Maio de 2006, cfr fls 333 e 334, uma vez que a acção deu entrada em Tribunal sem que as Autoras tivessem feito juntar procuração a favor do Ilustre Mandatário subscritor da PI, não obstante a tivessem protestado juntar, tendo havido necessidade de as notificar para procederem a tal junção, através do despacho proferido a fls 320, datado de 3 de Abril de 2006, tendo as mesmas sido juntas em 10 de Abril de 2006, cfr fls 324 a 328 e o mandato considerado regularizado pelo despacho de fls 329, tendo sido efectuadas as citações na sua decorrência.

Tendo em atenção o valor atribuído à presente acção – 31.279914,00 € - a mesma só poderia ser proposta através da constituição de advogado, nos termos do artigo 40º, nº1, alínea a) do CPCivil, sendo que, não obstante a Petição Inicial estivesse subscrita por um causídico, não foi junta a pertinente procuração, o que se traduziu numa irregularidade, suprível embora, mas que não poderia determinar o prosseguimento da acção, máxime com a citação das Rés, sem que a mesma estivesse ultrapassada, com a pertinente junção e a eventual ratificação do processado se fosse caso disso.

Veja-se que o Tribunal de primeira instância, quinze dias após a instauração da acção produziu um despacho a ordenar a notificação do Ilustre Mandatário subscritor do articulado convidando-o a suprir a omissão e a ratificar o processado, com a advertência de que se o não fizesse ficar sem efeito o que por si fora praticado.

A questão que a Autora/Requerente coloca em sede recursiva é a de a instauração da acção, mesmo sem a junção das procurações, não inviabilizar as démarches tendentes à citação das Rés e por isso se ter a prescrição por interrompida nos cinco dias subsequentes àquela propositura, momento em que a citação foi requerida, mesmo que este acto não tenha sido realizado.

Sem razão, porém.

Dispõe o artigo 323º, nº1 do CCivil que a prescrição se interrompe «[p]ela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.».

Só que, em qualquer caso, vale o regime da «citação ficta consagrado no nº2 de tal normativo, de onde, se a citação não tiver lugar nos cinco dias subsequentes a ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida decorridos que estejam esses cinco dias (o requerimento com vista à citação do réu carece actualmente de sentido e alcance prático, face ao estabelecimento pela lei de processo de um regime de oficiosidade da citação, na generalidade dos casos cometida directamente à secretaria, situação esta que não afasta a aplicabilidade daquele normativo, o qual terá de ser compaginado, mutatis mutandis, com o preceituado no artigo 234º do CPCivil).

 

O efeito interruptivo a que aí se refere tem como pressupostos as seguintes circunstâncias: i) que o prazo prescricional ainda esteja a decorrer e assim se mantenha nos 5 dias posteriores à propositura da acção; ii) que a citação não tenha sido realizada nesse prazo de 5 dias; iii) que o retardamento na efectivação desse acto não seja imputável ao autor (entendendo-se aqui que o requerente em nada tenha contribuído, em termos adjectivos, para que haja um atraso no acto, cfr Ac STJ de 14 de Maio de 2002 (Relator Faria Antunes); 3 de Outubro de 2010 (Relator Sousa Grandão); 20 de Junho de 2012 (Relator Sampaio Gomes), in www.dgsi.pt; Júlio Gomes, in Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica, 772/773.

O que se mostra relevante para a (des)aplicação do apontado regime legal é que tenha havido por banda do requerente uma manifesta e objectiva infracção das regras processuais aplicáveis, cfr Ac STJ de 4 de Novembro de 1992 (Relator Dias Simão) e de 5 de Julho de 2018 deste mesmo Colectivo, in www.dgsi.pt.

 

A presente acção como já referimos supra deu entrada em 16 de Março de 2006, dez dias antes de terminar o prazo de três anos para a respectiva propositura, o que ocorreria em 26 de Março de 2006.

Contudo, tratando-se de uma acção em que é obrigatória a constituição de advogado, seria mister a junção pelas Autoras da pertinente procuração a favor daquele, subscritor da mesma, nos termos do artigo 40º, nº1, alínea a), aliás, porque se a mesma não for junta e não houver a constituição de mandatário no prazo designado para o efeito a cominação legal é a absolvição do réu da instância, nos termos do normativo inserto no artigo 41º do mesmo diploma, daí que o Tribunal, no caso sujeito, oficiosamente, haja aguardado dez dias pela junção das procurações que as Autoras protestaram juntar e decorrido tal prazo, haja produzido despacho a ordenar a sua junção e ratificação do processado, se se afigurasse necessário, com aquela cominação legal, caso as mesmas não fossem juntas aos autos.

É óbvio que, tratando-se como se trata de uma imposição legal sujeita a cominatório preclusivo do prosseguimento do procedimento instaurado, não se poderá argumentar como faz a Recorrente, que a citação poderia ter ocorrido sem que se mostrassem juntas aos autos as procurações das Autoras, as quais deveriam ter acompanhado o articulado inicial, de onde a respectiva falta ser da exclusiva responsabilidade daquelas, por infracção das regras procedimentais aplicáveis, supra indicadas, sendo espúrios os argumentos as invocados pela Recorrente no que tange à não apresentação dos documentos com a Petição ou nos prazos estabelecidos no artigo 144º, nºs 1 e 2 e nos artigos 10º, nºs 1, 2, 4 e 5 da Portaria 280/2013 de 26 de Agosto, não constituir motivo impeditivo da realização da citação, porque esta asserção não resulta de tais ínsitos, os quais, apenas, dizem respeito à apresentação de peças processuais e documentos por via electrónica e prazo para o feito, questão diversa do acto de citação, o qual como decorre do artigo 219º, nº1 do CPCivil se destina a dar «[c]onhecimento ao Réus de que foi proposta contra ele determinada acção e se chama ao processo para se defender;».

Diversa seria a situação se o patrocínio judiciário tivesse sido exercido a titulo de gestão de negócios, nos termos do artigo 49º, nº1 do CPCivil, por se tratar de um caso de urgência, o qual dependeria sempre da ratificação pela parte, mas podendo-se discutir aqui a operância efectiva da confissão ficta referida no nº2 do artigo 323º do CCivil, caso a mesma não se tivesse realizado nos cinco dias subsequentes a ter sido requerida, mesmo com uma regularização ulterior do processado: tal, contudo não ocorreu, tendo a acção sido proposta em termos normais, com a subscrição da Petição Inicial por um Advogado, sem que fosse junta a pertinente procuração.   

Tendo a citação das Rés, aqui Recorridas, sido efectuada em 4 e 8 de Maio de 2006, é óbvio que, nestas datas, já havia ocorrido o prazo prescricional de três anos, aludido no artigo 482º do CCivil.

Claudicam, deste modo, as conclusões apresentadas quanto a este particular.

III Destarte, nega-se a Revista, mantendo-se a decisão ínsita no Aresto sob censura.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 2 de Abril de 2019

Ana Paula Boularot (Relatora)

Pinto de Almeida

José Rainho