Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08B509
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Descritores: DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
INTERRUPÇÃO DA INSTÂNCIA
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
REGISTO DA ACÇÃO
Nº do Documento: SJ20080410005097
Data do Acordão: 04/10/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: PROVIDO
Sumário :


1. A deserção da instância opera “”independentemente de qualquer decisão judicial”, quando a instância estiver interrompida durante 2 anos (art. 291º nº 1, do Código de Processo Civil);

2. Mas a interrupção tem de ser declarada judicialmente, porque exige um juízo sobre a inércia ou a diligência das partes, para além de constituir um aviso de que se iniciou o prazo para a deserção;

3. Não pode, pois, ser julgada extinta a instância por deserção sem que a interrupção tenha sido declarada por decisão judicial e se mantenha por 2 anos.
Decisão Texto Integral:

Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça:



1. Por despacho de 16 de Novembro de 2006, de fls. 334, proferido no âmbito de uma acção ordinária, proposta, em 14 de Setembro de 1994, no Tribunal de Círculo de Sintra, por AA, contra BBe outros, identificados nos autos, pedindo a declaração de nulidade parcial do título constitutivo da propriedade horizontal do prédio situado na Praceta José Malhoa, nº ..., Queluz, foi julgada extinta a instância, “por se ter verificado deserção (artigos 287º, alínea c), e 291º, do Código de Processo Civil”).
Como fundamento, o tribunal invocou a “atitude omissiva da autora, prolongada por mais de dois anos, na promoção do presente processo, e tendo em conta que tanto a interrupção da instância a que se refere o artigo 285º do Código de Processo Civil, como a deserção (artigo 291º, do mesmo Código), operam «ope legis», ambas já ocorreram”.
Inconformada, a autora recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa.

2. Por acórdão de 18 de Outubro de 2007, de fls. 386, a Relação de Lisboa negou provimento ao recurso.
Para o efeito, deu como assente o seguinte:
Após a apresentação da réplica, em resposta à contestação, foi proferido despacho, em 3 de Novembro de 1995, a fls. 209, vº., determinando que os autos ficavam a aguardar “que a autora comprove ter sido feito o registo desta acção”.
Veio então a autora esclarecer que o registo tinha sido efectuado provisoriamente e por dúvidas, juntando despacho do Conservador, do qual apresentou reclamação (cfr. fls. 212 e segs. e 222 e segs.).
Em 22 de Março de 1996, a fls. 242, foi proferido novo despacho no sentido de se aguardar “o registo definitivo da acção”.
A 3 de Maio de 1996, a autora requereu a habilitação dos então titulares de uma das fracções do prédio, a fracção “O”, que foi deferida por sentença de 10 de Julho de 2000, a fls. 70 e segs. do apenso 551/A/94. Note-se que um dos fundamentos do despacho do Conservador que a autora impugnou tinha sido, justamente, a falta em juízo desses mesmos titulares (cfr. despacho junto a fls.225).
Em 4 de Outubro de 2001, a fls. 305, foi ordenada a remessa dos autos à conta e, em 1 de Outubro de 2002, a fls. 314, foi proferido despacho declarando a instância interrompida, nos termos do disposto no artigo 285º do Código de Processo Civil.
O despacho recordou que a instância “se tem mantido suspensa desde 3 de Novembro de 1995”; que a autora, inicialmente, não “logrou obter o registo da acção em virtude de um dos proprietários de uma fracção do prédio (…) não ter sido demandado”; que “tal obstáculo foi superado com a habilitação” respectiva, por sentença que transitou em julgado em 25 de Setembro de 2000; e que “desde então a autora não comprovou o registo da acção, nem nada disse, mantendo-se, assim, o processo parado, desde tal data por causa que lhe é imputável”.
A 16 de Novembro de 2006 foi proferido o despacho julgando extinta a instância, por deserção, nos termos já referidos.
Em síntese, a Relação entendeu que a deserção opera “independentemente de qualquer decisão judicial”, quando a instância estiver interrompida durante dois anos (artigo 291º, nº 1, do Código de Processo Civil); que, diferentemente, a interrupção tem de ser declarada judicialmente, “porquanto pressupõe a emissão de um juízo sobre a inércia ou menor diligência das partes, tendo também uma função de as alertar no sentido de que o decurso do período de paralisação vai funcionar como «terminus a quo» da extinção da instância; que, no caso, aquele prazo de dois anos se iniciou “com o decurso de mais de 1 ano de paralisação, nas circunstâncias do artigo 285º e não a partir do despacho que declarou a instância interrompida”, que é um despacho “meramente declarativo” e “não constitutivo”, ou seja, “limita-se a declarar que a interrupção se verificou”, e não que “só na data da sua prolacção é que se verificou a interrupção”.
Não sendo assim, inutilizar-se-ia todo o tempo em que o processo esteve parado antes de ser proferido o despacho declarando a interrupção.
Ora a autora, sustenta a Relação, não impulsionou o processo desde a sentença de habilitação já referida; quando, em 24 de Setembro de 2003, veio requerer a habilitação de outros novos titulares de outras fracções (cfr. fls. 330), acto que a recorrente invocou para fundamentar a afirmação de que a interrupção da instância tinha cessado, “já a instância se extinguiu, por deserção”.

3. AA interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, que foi recebido como agravo com subida imediata e efeito suspensivo.
Nas alegações apresentadas, formulou as seguintes conclusões:

“A) Entendeu-se no Acórdão recorrido que tanto a interrupção, como, posteriormente, a deserção ocorrem quando, decorridos determinados lapsos de tempo, a Autora e recorrente podendo, não tomou qualquer iniciativa processual;
Acontece que,
B) A Autora, ora recorrente, apenas estava em condições de impulsionar processualmente os presentes autos – procedendo ao registo da acção, nos termos do disposto no art. 3º, nº 1, a), e nº 2, do Código do Registo Predial – após o trânsito em julgado da sentença que julgou habilitados os então adquirentes da fracção ‘O’, tanto mais que, à data, o eventual recurso daquela decisão teria efeito suspensivo, nos termos do disposto no artº 692º, nº 1, do CPC (aprovado pelo DL nº 329-A/95, de 12 de Dezembro);
C) Ora, tendo em conta que aquela sentença transitou em julgado a 25/9/2000 – como resulta, aliás, do despacho que declarou a instância interrompida – a deserção da instância ocorreria apenas a 25/9/2003, e não a 10/7/2003, nos termos do disposto no art. 291º do CPC;
D) Acontece que, entretanto, foram transmitidas outras fracções do prédio em questão, e a Autora ora recorrente, a 24/9/2003, requereu a habilitação dos adquirentes das fracções ‘G’, ‘H’ e ‘I’;
E) Ou seja, a autora impediu que decorresse a totalidade do prazo para a extinção da instância, que terminaria a 25/9/2003;
F) Verifica-se assim que ao decidir pela extinção da instância, o Acórdão recorrido violou o disposto nos arts. 144º, 671º, 685º, nº 1, 1ª parte, 691º, nº 1, 692º, nº 1, todos do CPC então em vigor (DL nº 329-A/95, de 12 de Dezembro), 279º do Código Civil, e art. 12º da Lei nº 3/99, de 13 de Janeiro.

Não houve contra-alegações.

4. Na verdade, e como, aliás, se disse no despacho de 1 de Outubro de 2002, que declarou a interrupção da instância, só após o trânsito em julgado da sentença de habilitação de fls. 70 e segs. do anexo 551/A/94, proferida em 10 de Julho de 2000 e transitada a 25 de Setembro seguinte, é que se poderá entender que o processo esteve parado por negligência da autora.
Ora, tendo em conta que o requerimento para habilitação dos novos adquirentes (apenso 551/B/94), como dá conta o acórdão recorrido, foi apresentado em 24 de Setembro de 2003, cessou a interrupção da instância, porque a autora promoveu um incidente de que dependia o andamento do processo principal (artigo 285º Código de Processo Civil); e não voltou a ser proferida nenhuma decisão que, de novo, declarasse a instância interrompida.
Como se explica no acórdão recorrido, a interrupção da instância, desde logo porque implica uma apreciação sobre as razões pelas quais o processo se encontra parado, tem de ser declarada por decisão judicial (cfr. acórdãos deste Supremo Tribunal, aliás citados. quer pela recorrente, quer pelo acórdão recorrido, de 13 de Maio de 2003, 15 de Junho de 2004, 8 de Junho de 2006, disponíveis em www.dgsi.pt, com os nºs de processo 03A84, 04A1992 e 06A15119, respectivamente).
Não tendo sido proferida nenhuma outra decisão nesse sentido, não podia o despacho de 16 de Novembro julgar extinta a instância por deserção, por esta implicar que a instância tenha estado interrompida durante dois anos (al. c) do artigo 279º do Código Civil e nº 1 do artigo 291º do Código de Processo Civil).

5. Nestes termos, concede-se provimento ao agravo, revogando-se a decisão recorrida.
Sem custas, por delas estarem isentos os recorridos (artigo 2º, nº 1, g), do Código das Custas Judiciais, e nº 1 do artigo 4º do Decreto-Lei nº 224-A/96, de 26 de Novembro, que o aprovou)..

Supremo Tribunal de Justiça, 10 de Abril de 2008

Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (Relatora)
Lázaro Faria
Salvador da Costa