Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
607/06.2TBCNT.C1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: ABRANTES GERALDES
Descritores: PRINCÍPIO DISPOSITIVO
PEDIDO
RECONHECIMENTO DO DIREITO
DIREITO DE PROPRIEDADE
PRÉDIO CONFINANTE
MURO
PRESUNÇÃO
COMPROPRIEDADE
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 02/11/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITOS REAIS - DIREITO DE PROPRIEDADE / PROPRIEDADE DE IMÓVEIS / PAREDES E MUROS DE MEAÇÃO.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / ARTICULADOS / SENTENÇA / RECURSOS.
Doutrina:
- Miguel Mesquita, “A flexibilização do princípio do pedido à luz do moderno CPC”, na RLJ, ano 143º, p. 134 e segs..
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 1370.º, 1371.º, N.º2, Nº 3, AL. A).
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 3.º, 552º, Nº 1, AL. E), 609.º, N.º 1, 615.º, N.º 1, AL. E).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 4-2-93, BMJ 424º/568
-DE 29-3-12, EM WWW.DGSI.PT
*
ASSENTO Nº 4/95, IN D.R., I SÉRIE - A, DE 17-5.
AUJ N.º 13/96, IN D.R., I SÉRIE - A, DE 26-11.
AUJ N.º 3/01, IN D.R., I SÉRIE - A, DE 9-2.
Sumário :
I - O princípio do dispositivo impede que o tribunal decida para além ou diversamente do que foi pedido, mas não obsta a que profira decisão que se inscreva no âmbito da pretensão formulada.

II - Pedindo os autores o reconhecimento do direito de propriedade de um muro que delimita os quintais dos dois prédios urbanos confinantes, não constitui excesso de pronúncia, nem fere o princípio do dispositivo a decisão judicial que, com fundamento na presunção legal do art. 1371.º, n.º 2, do CC, reconhece que o muro é compropriedade de ambas as partes.

III - Considerando que ao réu foi conferida a possibilidade de se defender, sem exclusão sequer da possibilidade de ilidir a presunção legal de comunhão prevista no art. 1371.º, n.º 2, do CC, a decisão que reconheceu a situação de compropriedade relativamente ao muro divisório não traduz a violação do princípio do contraditório.

Decisão Texto Integral:
I - AA e BB, intentaram acção declarativa contra CC e DD, pedindo que sejam declarados proprietários de um prédio e do muro que, pelo lado norte, divide e demarca tal prédio do prédio dos RR.

Alegaram que o seu prédio confronta com o dos RR. pelo lado norte, do qual está devidamente delimitado por um muro que foi mandado construir em adobe pelo pai da A. e pertence única e exclusivamente aos AA.

Os RR. contestaram dizendo que há mais de 40 ou 50 anos o avô materno da R. mandou edificar o muro em adobe que delimita os dois prédios, razão porque o muro pertence única e exclusivamente aos RR. e ao seu prédio.

Foi proferida sentença que reconheceu aos AA. o direito de propriedade sobre o prédio, mas julgou improcedente o pedido de reconhecimento da exclusividade do muro divisório.

Os AA. apelaram e a Relação reconheceu que o muro em causa é compropriedade dos AA. e dos RR.

Os RR. interpuseram recurso de revista insurgindo-se fundamentalmente contra o facto de a Relação ter desrespeitado o princípio do dispositivo, decidindo fora do pedido que foi formulado, e de ter sido desrespeitado o princípio do contraditório, já que os RR. não puderam defender-se de uma pretensão assente na compropriedade do muro.

Houve contra-alegações.

Cumpre decidir.


III – Factos provados:

1. Está inscrita na matriz predial urbana sob o art. 2041º e rústica sob o art. 1554º, descrita na CRP de Cantanhede sob os nos … e …, com inscrição a favor dos ora AA., uma casa de habitação de r/c, logradouro, quintal, e jardim, com a área aproximada de 1210 m2, sito em …, Cantanhede, que confronta do norte com caminho público (Estrada de Lírios) e os ora RR., do nascente com herdeiros de EE, do sul com estrada (R. do Quartaqueiro), e do poente com estrada camarária;

2. Encontra-se inscrito na respectiva matriz predial sob os arts. 2131º (urbano) e 1555º (rústico), descrito na CRP de Cantanhede sob o nº …, com a inscrição de aquisição a favor dos ora RR., um prédio misto composto de casa de habitação com dependências, pátio e terra de semeadura que serve de quintal, com a área de 758 m2, sito em …, Cantanhede, a confrontar do norte com FF, do sul com estrada, do nascente com GG, e do poente com FF;

3. O prédio referido em 1. e o prédio referido em 2. estão demarcados entre si e divididos por um muro, que arranca da estrada camarária, segue em direcção a nascente e depois flecte para norte;

4. Sempre os demandantes e os seus antecessores, há mais de 20 anos, têm habitado o prédio aludido em 1., vigiando-o, conservando-o, reparando-o, à vista de toda a gente, sem oposição de pessoa alguma, incluindo os RR., continuamente, na convicção profunda de exercerem um direito no seu único e exclusivo proveito;

5. O muro referido em 3. já foi um muro velho em adobe;

6. Assim, há mais de 50 anos (tomando por referência a propositura da acção) foi edificado, em adobe, o muro aludido em 3.;

7. Há mais de 40 anos (tomando por referência a propositura da acção), no muro, então em adobe, mencionado em 3., os avós da R. mulher fizeram suportar um curral de suínos e bovinos, ficando os suportes de tal curral – barrotes e traves – embutidos no muro;

8. Há mais de 30 anos (tomando por referência a propositura da acção), uma parte do muro aludido em 3. (então muro de adobe) ruiu na zona em que, do lado do prédio referido em 2., servia de suporte ao curral de suínos e bovinos referido em 7.;

9. Posteriormente à situação aludida em 8., os avós da R. mulher reconstruíram o muro mencionado em 3., utilizando parcialmente tijolos;

10. Há cerca de 10 anos atrás (tomando por referência a propositura da acção) os demandantes, em cerca de 3 m (até ao pilar), reconstruíram o muro mencionado em 3. pelo sítio do antigo em adobe, a suas expensas;

11. Há cerca de 10 anos atrás (tomando por referência a propositura da acção) os ora RR. edificaram a sua casa de habitação no prédio aludido em 2., tendo para o efeito demolido parte dos anexos que aí existiam, e reconstruíram parcialmente o muro aludido em 3., para o efeito utilizando blocos;

12. Na reconstrução referida em 11. os RR. aproveitaram os alicerces que aí existiam do muro.


III – Decidindo:

1. Suscitam os RR. recorrentes duas questões:

a) O excesso de pronúncia e a violação do princípio do dispositivo, na medida em que, tendo os AA. pedido apenas o reconhecimento do direito de propriedade exclusiva sobre o muro que divide ambos os prédios, a Relação reconheceu que, afinal, esse muro pertence em compropriedade aos AA. e aos RR.;

b) A violação do princípio do contraditório, uma vez que não foi facultada aos RR. a possibilidade de ilidirem a presunção de compropriedade do muro que consta do art. 1371º, nº 2, do CC, na qual a Relação fundou a sua decisão.


2. Quanto ao alegado excesso de pronúncia e violação do princípio do dispositivo:

2.1. Os AA. intitularam-se proprietários do muro que divide os quintais de ambos os prédios, daí partindo para a formulação do pedido de reconhecimento do direito de propriedade exclusivo. Os RR. impugnaram essa pretensão e alegaram que o muro é da sua exclusiva propriedade.

A 1ª instância julgou a acção improcedente, atenta a falta de prova dos factos que sustentavam o direito de propriedade dos AA. sobre o muro. Já a Relação, embora reconhecendo que os factos não permitiam atribuir aos AA. o reivindicado direito de propriedade sobre o muro divisório, decidiu que o mesmo é compropriedade de ambas as partes, por via da presunção legal do art. 1371º, nº 2, do CC.

Ao concluir deste modo, terá a Relação extravasado os limites do pedido definidos pelo art. 609º, nº 1, do CPC?

A resposta é negativa, como se adiantará.


2.2. Atravessando todo o CPC e disperso por várias normas, o princípio do dispositivo encontra no art. 3º a sua consagração inequívoca. Manifesta-se, além do mais, através da consagração do ónus de iniciativa processual e de conformação do objecto do processo, através da enunciação do pedido que delimita objectivamente o âmbito decisório do tribunal, nos termos do art. 609º, nº 1 (cfr. sobre a matéria Miguel Mesquita, “A flexibilização do princípio do pedido à luz do moderno CPC”, na RLJ, ano 143º, págs. 134 e segs.).

Sem embargo de eventuais modificações, a necessidade de formulação do pedido é concretizada no art. 552º, nº 1, al. e), cumprindo aos arts. 609º e 615º, nº 1, al. e), respectivamente, a função de delimitação do poder decisório do tribunal e o sancionamento da sua violação. Ou seja, o tribunal está impedido de se sobrepor à vontade manifestada pelo autor, sob pena de nulidade da sentença, por excesso de pronúncia.

Contudo, tal como ocorre com outros preceitos do CPC, também o art. 609º, nº 1, carece de um esforço interpretativo, contando, além do mais, com os contributos de diversos Assentos e Acórdãos de Uniformização de Jurisprudência do STJ.

Entre tais arestos, destaca-se o Assento nº 4/95, in D.R. de 17-5, ao admitir que numa acção em que seja deduzida uma pretensão fundada num contrato cuja nulidade seja oficiosamente decretada o réu seja condenado a restituir o que tenha recebido no âmbito desse contrato, por aplicação do art. 289º do CC, desde que do processo constem os factos suficientes.

A conjugação entre o princípio do dispositivo e os limites do pedido encontra também largo desenvolvimento na fundamentação do ACUJ nº 13/96, in D.R., I Série, de 26-11, ainda que no caso se tenha vedado ao tribunal a actualização oficiosa da quantia peticionada.

Outro importante elemento auxiliar da interpretação emerge do ACUJ nº 3/01, in D.R., I Série-A, de 9-2, que firmou a jurisprudência segundo a qual numa acção de impugnação pauliana em que tenha sido erradamente formulado o pedido de declaração de nulidade ou de anulação do acto jurídico impugnado o juiz deve corrigir oficiosamente esse erro e declarar a ineficácia que emerge do direito substantivo.

Assim, embora não possa questionar-se que, em regra, é ao autor que cabe a iniciativa processual e a delimitação da providência requerida (Ac. do STJ, de 4-2-93, BMJ 424º/568), a solução do caso concreto exige que se pondere o que dimana de arestos com a solenidade e com o valor persuasivo inerentes aos mencionados acórdãos de uniformização de jurisprudência.

Na integração do caso não podem ainda descurar-se os objectivos apontados pelas sucessivas reformas processuais, designadamente quando delas emerge a sobreposição de aspectos de ordem material a outros de ordem formal, ou a necessidade de atribuir ao processo a necessária eficácia que permita alcançar uma efectiva e célere resolução de litígios.

Importa ponderar também o que emana da doutrina que, fazendo coro com os referidos objectivos, aponta para a flexibilização do princípio do pedido, como é defendido por Miguel Mesquita, em anotação a um aresto sobre direitos reais, na RLJ, ano 143º, págs. 134 e segs. intitulada precisamente “A flexibilização do princípio do pedido à luz do moderno CPC”.

Assim, se é verdade que a sentença deve inserir-se no âmbito do pedido, não podendo o juiz condenar (rectius apreciar) nem em quantidade superior, nem em objecto diverso do que se pedir, tal não dispensa um esforço suplementar que permita apreender realmente o âmbito objectivo do pedido que foi formulado na presente acção.


2.3. No caso, estamos perante um conflito de vizinhança em torno da titularidade de um muro que delimita os quintais de dois prédios, importando que, no interesse de ambas as partes, fique esclarecida a situação jurídica, através de uma decisão pacificadora.

Nenhuma das versões apresentadas se apurou inteiramente, não podendo afirmar-se a exclusividade do muro relativamente a qualquer das partes, restando a alternativa da compropriedade que, além de emergir do direito material, permite a resolução definitiva do litígio.

Ao optar por esta possibilidade a Relação conteve-se nos limites da pretensão que foi formulada.

Ao invés do que foi decidido no Ac. do STJ, de 29-3-12 (www.dgsi.pt), aliás, com dois votos de vencido, o reconhecimento do direito de compropriedade, no contexto de uma acção em que cada uma das partes afirmou a propriedade exclusiva de um muro, constitui efectivamente um minus relativamente ao pedido formalizado pelo autor.

Para o efeito interessa realçar que o nº 2 do art. 1371º do CC estabelece uma presunção de compropriedade que, além de ser sustentada nas regras da normalidade, estabelece uma melhor composição dos interesses de proprietários de prédios confinantes.

Aliás, ao invés do que ocorre noutras situações de compropriedade que naturalmente tendem para a conversão em propriedade plena, através dos mecanismos da divisão ou da adjudicação do bem a algum dos titulares ou a terceiro (nos termos do art. 1412º do CC e dos arts. 925º e segs. do CPC), em relação aos muros divisórios de prédios rústicos ou de pátios e quintais de prédios urbanos o regime jurídico é precisamente o inverso, favorecendo e incentivando o estabelecimento e a manutenção de situações de comunhão.

Com efeito, relativamente a muros que pertençam em exclusivo a algum dos proprietários dos prédios confinantes, o proprietário do outro prédio pode exercer o direito potestativo de aquisição da comunhão, nos termos do art. 1370º do CC. Além disso, quando se mostre estabelecida por qualquer via uma relação de compropriedade sobre o muro, não existe sequer a possibilidade de lhe pôr termo através dos referidos mecanismos divisório e adjudicativo. Tudo isto permite afirmar que, como se estabelece no art. 1371º, nº 2, do CC, a compropriedade constitui o estado natural de um muro que delimita dois prédios rústicos ou os quintais ou pátios de dois prédios urbanos, em correspondência, aliás, com as regras de normalidade que vigoram nesta relação de vizinhança.

Sendo assim, atento o regime que emerge do direito substantivo, não se compreenderia que, num conflito de vizinhança despoletado em 2006, fosse negada a possibilidade de proceder de imediato a uma efectiva resolução do litígio com força vinculativa para ambas as partes, de acordo com a referida presunção legal, mantendo em relação ao único bem que é objecto de disputa nesta acção – um muro que não é mais do que uma divisória entre dois quintais – o mesmo grau de incerteza que se verificava aquando da propositura desta acção há 8 anos atrás e indicando tacitamente às partes que a resolução das dúvidas teria de ser obtida através da instauração de nova acção sobre o mesmo objecto mediato.

Tomando de empréstimo as palavras de Miguel Mesquita na mencionada anotação em torno da necessidade de compreender o princípio do dispositivo de um modo mais flexível, ajustado à realidade social e aos avanços que se têm sentido também no processo civil, se acaso a Relação tivesse adoptado a mesma “postura rígida e inflexível relativamente ao pedido, bem ao estilo oitocentista”, acabaria por absolver os RR. do pedido, “decisão que seria, sem dúvida alguma, do imediato agrado dos RR., mas que redundaria numa vitória de Pirro” (pág. 147).

Ora, como refere o mesmo autor, “o interesse público da boa administração da justiça nem sempre coincide com os interesses egoístas das partes, fazendo, pois, todo o sentido, num processo moderno, a intervenção do juiz destinada a alcançar a efectividade das sentenças” (pág. 150). Desiderato que, com muita razoabilidade e bom senso, foi conseguido pela Relação quando, reconhecendo para o muro uma situação de compropriedade, concluiu que se deveria pôr um esclarecedor ponto final no conflito.


2.4. Mas os RR. não desarmam. Alegam ainda que o reconhecimento da compropriedade numa acção em que o A. pedira simplesmente o reconhecimento da exclusividade sobre o muro divisório representa um resultado que os AA. não pretendiam.

Aqui pretendem assumir a tutela dos interesses dos AA., o que não lhes é permitido.

Com efeito, diversamente do que os RR. pretendem fazer supor, os AA. conformaram-se com o que foi decidido, o que só pode significar a adesão ao entendimento e ao resultado que foi assumido pela Relação.

De qualquer modo se porventura se verificasse uma discordância dos AA. relativamente ao decidido, a questão apenas poderia ser suscitada pelos mesmos, não sendo reconhecida aos RR. legitimidade para o efeito, uma vez que, com esse fundamento, não poderiam considerar-se parte vencida.


3. Quanto à alegada violação do princípio do contraditório:

3.1. Alegam os RR. recorrentes que o reconhecimento da compropriedade do muro numa acção em que cada uma das partes afirmara a sua exclusividade traduz uma violação do princípio do contraditório.

Tal princípio é aflorado em diversas disposições do Código de Processo Civil e constitui, a par do dispositivo, pedra angular do sistema, potenciando decisões que sejam proferidas depois de ser garantida a cada uma das partes a possibilidade de tomar parte do debate nos articulados ou nas alegações de recurso.

O mencionado princípio geral está inequivocamente consagrado no art. 3º, nos termos do qual nenhum conflito é decidido sem que à outra parte seja dada a possibilidade de deduzir oposição. E mais reforçado ficou com a introdução do nº 3, no âmbito da reforma do processo de 1995/96, ao prescrever que, salvo em casos de manifesta desnecessidade, não é lícito ao juiz "decidir questões de direito ou de facto, mesmo que do conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem".

O aditamento deste nº 3 teve em vista permitir que a contraditoriedade não seja uma mera referência programática e constitua, sim, uma via tendente a melhor satisfazer os interesses que gravitam na órbita dos tribunais: a boa administração da justiça, a justa composição dos litígios, a eficácia do sistema e a satisfação dos interesses dos cidadãos.

Porém, a audição das partes será dispensada em casos de manifesta desnecessidade e naqueles em que, objectivamente, as partes não possam alegar, de boa fé, o desconhecimento das questões de direito ou de facto a decidir pelo juiz e respectivas consequências.


3.2. No caso concreto, não se verifica a violação de tal preceito, já que os RR. tiveram oportunidade de se defender em toda a linha, tendo alegado que o muro lhes pertencia em exclusivo, sustentados na actuação pregressa dos proprietários do prédio de que agora são proprietários.

No âmbito de tal defesa invocaram, além do mais, um dos factos-índices da presunção de comunhão, nos termos do art. 1371º, nº 3, al. a), do CC, ou seja, alegaram que o muro se encontrava facetado na parte superior para o lado do seu prédio (art. 21º da contestação e art. 18º da base instrutória), matéria que, tendo sido submetida a julgamento, recebeu resposta “não provada”.

Os RR. alegaram também outros factos que acabaram por receber resposta negativa ou restritiva, como ocorreu com a matéria dos arts. 11º (quanto à edificação, pelos seus avós, do antecedente muro em adobe), dos arts. 14º e 15º (quanto à exclusividade da utilização do muro pelos RR.) e do art. 16º (quanto à circunstância em que foi reedificada pelos RR. uma parte do actual muro)

Nesta medida, estando a Relação confrontada com a falta de prova de factos que sustentassem a afirmação da propriedade exclusiva de alguma das partes sobre o muro ou que permitissem considerar ilidida aquela presunção, era legítima a conclusão que foi extraída no acórdão recorrido de que sobre o muro existe uma relação jurídica de compropriedade do muro, por aplicação da presunção legal do nº 2 do art. 1371º do CC.

Na verdade, a matéria da titularidade do muro foi suficientemente discutida nos autos e, em concreto, os RR. tiveram a oportunidade de deduzir a sua defesa, sendo confrontados com a eventualidade que emergia de uma disposição legal pertinente ao concreto litígio de o muro ser considerado compropriedade de ambas as partes, por falta de elisão da referida presunção.

Não houve, pois, violação do princípio do contraditório, nem o acórdão recorrido representa uma decisão surpreendente para qualquer das partes e designadamente para os RR.


III – Face ao exposto, acorda-se em julgar improcedente a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.


Custas da revista a cargo dos recorrentes.


Notifique.


Lisboa, 11-2-15


Abrantes Geraldes (Relator)


Tomé Gomes


Bettencourt de Faria