Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ00035796 | ||
Relator: | LOPES PINTO | ||
Descritores: | CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA CLÁUSULA PENAL CLÁUSULA LEONINA SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA | ||
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Nº do Documento: | SJ199902090000011 | ||
Data do Acordão: | 02/09/1999 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | T REL PORTO | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 460/98 | ||
Data: | 06/15/1998 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA. | ||
Decisão: | CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA. | ||
Área Temática: | DIR CIV - DIR CONTRAT. | ||
Legislação Nacional: | CCIV66 ARTIGO 810 N1 ARTIGO 811 N3 ARTIGO 812 ARTIGO 825-A N4. DL 446/85 DE 1985/10/25 ARTIGO 19 C. CPC67 ARTIGO 664. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃO STJ DE 1993/03/09 IN CJSTJ ANOI TII PAG8. ACÓRDÃO STJ PROC85371 DE 1994/10/06 1SEC. ACÓRDÃO STJ PROC84002 DE 1993/10/28 1SEC. ACÓRDÃO STJ PROC85923 DE 1994/12/14 1SEC. ACÓRDÃO STJ PROC1090/98 DE 1998/12/15. ACÓRDÃO STJ DE 1975/02/14 IN BMJ N244 PAG261. ACÓRDÃO STJ PROC78771 DE 1990/06/26 1SEC. ACÓRDÃO STJ PROC721/97 DE 1997/11/18 1SEC. | ||
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Sumário : | I - A cláusula penal tanto pode ter um intuito sancionário, como pode significar um pré-limite à indemnização, havendo que averiguar por isso qual o seu verdadeiro ou primacial objectivo. II - Nos contratos de leasing em que, por definição, é elevado o volume do capital aplicado, são significativos os riscos assumidos; daí que importe ao locador dissuadir os contraentes do incumprimento, seja pela previsão de cláusulas resolutivas, seja, a título complementar, através da fixação de cláusulas de natureza penal. III - Na cláusula penal há uma fixação antecipada da indemnização que, em princípio, actuará nos termos acordados, ainda que se não verifiquem ou não se venham a provar quais os danos, o que se explica não só por ter sido essa a vontade que os contraentes expressaram como, principalmente, pela função sancionatória da própria cláusula. IV - O juízo sobre o manifesto excesso e desproporção da cláusula penal implica, de um ponto de vista analítico, duas operações, sucessivas ou simultâneas: uma, de apreciação em abstracto, visando a medida da cláusula penal inserta na cláusula à luz da generalidade dos contratos da mesma natureza; outra impõe ao julgador uma apreciação em concreto, em face da factualidade do caso considerado. V - A sanção pecuniária compulsória, prevista no artigo 825º-A, nº 4 do Código Civil, acresce à sanção prevista na cláusula penal. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça - A., em acção que move a B, C e mulher D, E, e mulher F, e G e mulher H, com a identificação dos autos, pede que se considere resolvido, desde a data da recepção da declaração unilateral, o contrato de locação financeira que, em 93.06.30, celebrou com a 1ª ré e relativo ao imóvel descrito no art. 7 da pet. in., ordenando-se o cancelamento do registo da locação, e se a condene a restituir-lhe e a pagar-lhe a soma de 2560722 escudos de rendas vencidas e não pagas, e se condene todos os réus (a 1ª como devedora principal e os restantes porque fiadores e principais pagadores) a lhe pagar 8939027 escudos (como indemnização), acrescidas de juros à taxa de 22% sobre 2560722 escudos desde a data de vencimento das rendas e sobre 8939027 escudos desde a data da resolução, e da sanção pecuniária compulsória desde o trânsito da sentença, e no pagamento da soma de 17407 escudos a título de indemnização por cada dia de atraso na devolução do imóvel desde a data em que esta deveria ter sido efectuada. Contestando, os réus excepcionaram a mora creditoris e a nulidade da cláusula penal, por a terem como leonina, e impugnaram, concluindo pela absolvição do pedido. Após réplica, prosseguiu o processo seus termos normais, tendo a autora, na audiência de julgamento, alegando ter-lhe sido restituído o imóvel em finais de 1996, desistido dos pedidos da sua restituição e do pagamento da indemnização diária de 17407 escudos. Procedeu a acção totalmente quanto aos restantes pedidos por sentença de que apelaram os réus, sem êxito. Mais uma vez inconformados, pedem revista, concluindo, em suma e no essencial, em suas alegações: - o ónus de alegar e provar o seu direito às indemnizações pré-fixadas compete à autora; - a cláusula 17-1 do contrato de locação, atribuindo à autora o direito a uma indemnização de 50% do capital financeiro em dívida no momento da resolução, sanção coerciva desligada da finalidade indemnizatória, é nula; - a autora não alegou nem provou que, viabilizadas as demais consequências decorrentes da resolução, ainda lhe restaria algum prejuízo; - operada a resolução o contrato fica extinto, pelo que a locatária não está mais obrigada a pagar as prestações a vencer no futuro; - sendo nula a cláusula 17-1, não é legalmente possível a aplicação da sanção compulsória; - violado o disposto nos arts. 12 e 19 do dec-lei 446/85, 342-1 e 3, 810, 829-A-5 CC e 659--3, 660-2, 661, 663-1 e 668-1 c) e d) CPC. Contra alegando, defendeu a autora a confirmação do acórdão. Colhidos os vistos. Matéria de facto que as instâncias consideraram provada: a)- a autora é uma sociedade que tem por objecto exclusivo o exercício da actividade de locação financeira; b)- por solicitação da 1ª ré adquiriu, por escritura pública de compra e venda de 93.06.30, pelo preço de 15000000 escudos, a fracção autónoma designada pela letra «B», correspondente ao K; c)- pelo mesmo acto notarial, procedeu-se à celebração de um contrato de locação financeira imobiliária, entre a autora, como locadora, e a 1ª ré, como locatária, pelo prazo de 10 anos; d)- pelo referido contrato, a 1ª ré assumiu, entre outras, a obrigação de pagar à autora 40 rendas, no montante de 2400000 escudos a primeira e de 858356 escudos cada uma das restantes, sendo rendas trimestrais, indexadas e com vencimento antecipado (doc. a fls. 8 e ss); e)- a 1ª ré apenas liquidou as duas primeiras rendas, deixando de pagar a renda vencida em 93.12.25; f)- datada de 94.02.18, a autora enviou à 1ª ré a carta registada com aviso de recepção, a fls. 41, onde a interpelava para proceder ao pagamento das rendas em atraso no prazo de 30 dias sob pena de resolução do contrato; g)- por carta registada de 94.10.06 a autora comunicou à 1ª ré a resolução do contrato, estando então vencidas e não pagas três rendas, no valor de 2560722 escudos; h)- os 2º, 3º e 4º réus constituíram-se solidariamente fiadores e principais pagadores com renúncia ao benefício de excussão das obrigações pecuniárias, presentes ou futuras que, por força do contrato celebrado viessem a resultar para a 1ª ré; i)- a autora, à data da propositura da acção, não tinha a posse do imóvel dado em locação. Decidindo: 1.- Porque toda a discussão aportada pelos recorrentes parte da cláusula 17-1 do contrato de locação financeira - natureza, seu não-preenchimento fáctico e nulidade importa, antes de mais, conhecê-la pelo que se a transcreve: «sendo o contrato resolvido nos termos da cláusula anterior, a locatária será obrigada a pagar à locadora, a título de indemnização por perdas e danos, uma importância igual a cinquenta por cento do capital financeiro em dívida no momento da resolução». Esta cláusula insere-se nas cláusulas gerais e um contrato de locação financeira, integra-as. Tenha-se ainda presente, na apreciação da problemática que os recorrentes equacionam, os seguintes dois pontos, assentes definitivamente - a resolução do contrato de locação financeira e, por confissão da própria, que a autora já recuperou o imóvel respectivo. 2.- «As partes podem, ..., fixar por acordo o montante da indemnização exigível: é o que se chama cláusula penal» (CC- 810,1). A cláusula penal tanto pode ter um intuito sancionatório como pode significar um pré-limite à indemnização (entendimento este reduzido pela expressão «pelo menos») - vd., P. Lima-A. Varela in CCAnot - II/74. Conquanto tradicionalmente seja entendida com a dupla função (campo em que se situa a jurisprudência do STJ - cfr. acs. de 94.01.12 in B. 433/559, de 98.02.17 e 99.01.20 in, respectivamente, proc. 34/98 e 1.094/98 - 1ª sec.), há que averiguar qual o seu verdadeiro ou primacial objectivo (Pinto Monteiro in Cláus. Pen. e Indemn., p. 26, 36, 626, 675 e 760). Pela cláusula em questão as partes quiseram prefixar a indemnização pela resolução por incumprimento da obrigação, mas, mais que isso, que essa indemnização funcionasse como meio de pressão com vista ao seu cumprimento, como um desmotivador do seu incumprimento. Contrariamente ao que os réus afirmam, este carácter coercivo sobre eles pressionando-os ao cumprimento não surge desligado do carácter indemnizatório embora seja acentuado pelo factor percentual elevado estabelecido (ainda que do incumprimento ou da mora não resultem danos). E, como refere o STJ (ac. de 98.10.06 in proc. 855/98 - 1ª sec.), nos contratos de leasing em que, por definição, é elevado o volume de capital aplicado, são significativos os riscos assumidos; daí que importe ao locador dissuadir os contraentes do incumprimento seja pela previsão de cláusulas resolutivas seja, a título complementar, através da fixação de cláusulas de natureza penal. A cláusula em questão é, pois, uma cláusula penal e, enquanto tal, admissível. 3.- Na cláusula penal há uma fixação antecipada da indemnização, indemnização essa que, em princípio, actuará nos termos acordados, ainda que se não verifiquem (convém abrir aqui um parêntesis para o ensinamento de Pinto Monteiro - cabe ao devedor, para afastar a actuação da cláusula, a prova da inexistência de prejuízos, opus cit.) ou não se venham a provar quaisquer danos (dispensa a alegação e prova por parte do credor dos prejuízos sofridos, bem como a sua quantificação), o que se explica não só por essa ter sido a vontade que os contraentes expressaram como, principalmente, pela função sancionatória da própria cláusula. Nessa medida, não tinha a autora que alegar e provar que da resolução por incumprimento pela 1ª ré lhe resultaram prejuízos ou que depois de «viabilizadas as demais consequências decorrentes da resolução, ainda lhe restaria algum prejuízo». As «perdas e danos» a que a cláusula 17-1 se reporta são os que advém da resolução por incumprimento do contrato (o dano de confiança, o interesse contratual negativo) e não outros, como, por ex., os eventualmente resultantes pela demora na restituição do imóvel (aliás, relativamente a estes, perfeitamente autónomos e distintos daqueles, a autora desistiu do respectivo pedido). 4.- Os recorrentes continuam a defender a nulidade dessa cláusula, por leonina. O STJ já se pronunciou pela validade (acs. de 93.03.09 in CJ STJ I/2/8 e de 94.10.06 in proc. 85371 - 1ª sec) e pela nulidade (acs. de 93.10.28 e de 94.12.14 in, respectivamente, procs. 84002 e 85923 - 1ª sec). A questão deve ser colocada face ao disposto nos arts. 19 c) do dec-lei 446/85, de 25.10, e 812 CC (como se verá adiante, mais propriamente face ao art. 812). Pela oportunidade e aplicabilidade para o caso sub judice cita-se do ac. do STJ de 98.12.15 in proc. 1090/98: «É evidente que o incumprimento de um contrato - seja de aluguer de longa duração ou de locação financeira - implica prejuízos para o locador, quer em consequência da falta de recebimento dos alugueres ou das rendas que o mesmo tinha a expectativa de receber, quer em resultado da desvalorização do bem locado - desvalorização essa que será impeditiva, após a recuperação do bem, da realização de nova locação em condições e por valores equivalentes -, acrescendo que a recuperação do bem não será normalmente contemporânea do início do incumprimento ou da resolução do contrato. Também parece claro que o locador não tem que provar os danos concretos a que corresponde a previsão da cláusula penal, a qual tem justamente por escopo a fixação prévia, por acordo das partes, do montante indemnizatório. Com efeito, o entendimento corrente na jurisprudência vai no sentido de que impende sobre o locatário o ónus de alegar e provar factos dos quais se possa concluir pela desproporção entre o valor resultante da cláusula penal e os danos a ressarcir, o que não se verificou nos presentes autos». Para o juízo valorativo sobre a desproporção importa ter presente que a indemnização pré- -fixada foi de 50% do capital financeiro (este, definido na cláus. 19-2) em dívida no momento da resolução, o tipo de contrato em causa e a natureza do bem sobre que incide - locação financeira imobiliária. «Tal juízo de adequação, ou de proporcionalidade, para ir ao encontro da intencionalidade do legislador e do espírito do artigo 19º, alínea c), do Decreto-Lei nº 446/85, não pode deixar de implicar, de um ponto de vista analítico, duas operações, sucessivas ou simultâneas: uma, de apreciação em abstracto, visando a análise da "medida" da cláusula penal inserta na cláusula ..., à luz da generalidade dos contratos de ... (de locação financeira imobiliária); outra, uma vez que a primeira, se utilizada em exclusivo, conduziria a resultados manifestamente insuficientes, impõe ao julgador uma apreciação em concreto, em face da factualidade do caso sub judice» (do cit. ac.). Se o modelo geral de contrato usado ... com algum sabor a contrato de adesão, se integra na primeira, já a perspectiva sobre o sector da actividade merece que a apreciação sobre a desproporção seja feita quer em abstracto quer relativamente ao caso concreto. Por outro, e ainda na esteira do cit. ac., «representaria manifesta violação do espírito da lei abstrair do montante concreto a que conduz, em cada caso, a aplicação da cláusula, cotejando tal "quantum" com as circunstâncias de facto do caso concreto - v. g., prejuízos alegados e provados, ou período de tempo decorrido até à recuperação do bem locado -, a fim de apurar se a cláusula é ou não (manifestamente) desproporcionada "aos danos a ressarcir". Como escreve António Pinto Monteiro, a respeito do critério que deve pautar a actuação do julgador para reduzir a pena convencional nos termos do artigo 812º do C.C., "o juiz só poderá concluir pelo seu carácter "manifestamente excessivo" após ponderar uma série de outros factores, a luz do caso concreto, que um julgamento por equidade requer"». 5.- Os réus não alegaram expressamente que a cláusula penal excede manifestamente o valor do prejuízo resultante do incumprimento da obrigação principal (CC- 811,3) nem a desproporcionalidade entre a cláusula penal e os danos a ressarcir (art. 19 c) do dec-lei nº 446/85). Os réus excepcionaram a nulidade da cláusula, por a terem como leonina. Sendo a fixação da justa indemnização matéria de direito, «pode também admitir-se que é da mesma natureza decidir se uma pena convencional é ou não manifestamente excessiva em relação ao dano que visa prevenir» (ac. STJ de 75.02.14 in B. 244/261; em sentido diverso, de que a redução não pode ser decretada oficiosamente, vd. ac. STJ de 90.06.26 in proc. 78771 - 1ª sec). Ainda que se perfilhe o entendimento do não conhecimento oficioso, não estando o tribunal vinculado à qualificação jurídica operada pelas partes (CPC- 664), que in casu nem norma jurídica apontaram (vd., contest. a fls. 135), e, por outro, havendo que perscrutar qual o efeito jurídico que pretendido obter (e isso é conseguirem desobrigar-se do pagamento da concreta quantia pedida pela autora a título de indemnização), não deve aqui excluir quer a anulabilidade (se negócio usurário for) quer a redução da cláusula (se cláusula penal fosse, como é, e satisfizer os requisitos para tanto), além da pronúncia sobre a alegada nulidade. A mesma conclusão se pode ainda atingir pelo carácter imperativo da norma do art. 812-1 CC onde se fere de nulidade qualquer estipulação em contrário da redutibilidade da cláusula penal. Por isso, in casu impõe-se ao Tribunal o dever de, face a lei aplicável e dos factos dados como assentes (estes e não outros que nem sequer foram alegados quer pela autora quer pelos réus - isto, sem prejuízo do que antes, no nº 3, se deixou escrito sobre o ónus de alegar e provar), «decidir acerca daquela desproporção ou excesso se entender ser esse o caso». 6.- Do incumprimento do contrato pela 1ª ré resulta para a recorrente o direito a resolvê-lo e, operando-o, a, nos termos do contrato, fazer suas as rendas vencidas e pagas, à restituição do imóvel, às rendas vencidas e não pagas, acrescidas de juros de mora, à indemnização pré-fixada pela cláusula penal e, havendo atraso na entrega, a uma indemnização diária (cláusulas 16, 17, 18, 21 e 24). A indemnização pré-fixada acordada corresponde a 50% do capital financeiro em dívida à data da resolução (danos resultantes da resolução por incumprimento e não os resultantes do incumprimento do contrato). Em abstracto, a atribuição de uma indemnização de 50% do capital em dívida é excessiva, se comparada com a prática corrente em casos similares (verificados os pressupostos da resolução do contrato e da recuperação do bem locado, a jurisprudência do STJ tem-se pronunciado pela admissibilidade de cláusulas penais proporcionais aos prejuízos decorrentes de situações de resolução por incumprimento dos locatários mas na ordem de grandeza dos 20% - cit. acs. nos procs. 855/98 e 1090/98 ou mesmo de 25% - ac. de 97.11.18 in proc. 721/97 - 1ª sec; note-se que, em todos estes, os bens dados em locação eram de natureza móvel). Comparativamente entre bens móveis e imóveis, a desvalorização sofrida em curtos prazos, pelo seu utilização normal, é mais rápida e proporcionalmente mais elevada nos primeiros que nos segundos (sendo ainda que a desvalorização é nula ou praticamente nula para efeitos de uma nova comercialização). Também o risco que representa o esgotamento ou diminuição de rentabilidade da coisa dada em locação é praticamente nulo na locação financeira imobiliária ao contrário da mobiliária. Comparativamente ainda, a facilidade de celebração de novo contrato relativamente a esse mesmo bem em condições e por valores idênticos ao contrato resolvido é muito superior quanto aos segundos que quanto aos primeiros, o que também deriva da bem menor desvalorização sofrida e da não sujeição destes segundos à constante e rápida evolução tecnológica com que os primeiros são confrontados. Uma cláusula como a estabelecida no item 17-1 permite, uma vez recuperado o imóvel, que o locador, adicionadas as rendas pagas, as vencidas não pagas e a indemnização pré-fixada, obtenha, conforme o lapso de tempo decorrido até à resolução, um valor variável e que pode atingir quase os 100% e, no mínimo, mais de 50%. Em abstracto, desproporcionada e manifestamente excessiva (não simplesmente excessiva). Também, em concreto, se a deve qualificar identicamente. Dado em locação bem imóvel e resolvido, por incumprimento da 1ª ré, o contrato passados apenas 15 meses sobre a sua celebração. Na apreciação em concreto, para o juízo valorativo a fazer há que tomar em consideração, de um lado, os montantes - abstracto e concreto - da indemnização, tal como resultam da cláusula penal e do lapso de tempo decorrido entre a celebração e a resolução do contrato, e que a coisa locada foi recuperada pelo locador, e, do outro, que este esteve privado da coisa até à resolução (não até à restituição, pois para o atraso havia previsão indemnizatória autónoma), a desvalorização da coisa inerente ao seu uso normal, o ter deixado de ser nova, os benefícios que aquele poderia ter tirado se, em lugar de a ter locado à 1ª ré, em execução do contrato resolvido, a tivesse locado a terceiro e o facto de para o locatário não resultarem (nada foi alegado em sentido contrário), do incumprimento, vantagens. Este confronto, face aos valores (do contrato - art. 10 e do pedido) referidos pela autora na sua petição e ao referido supra, permitem concluir que a concreta cláusula penal é manifestamente excessiva. Mais reafirmada a conclusão fica ao se considerar a abrangência do que, no contrato, se entende por ‘capital financeiro em dívida’ (cláus. 19-2) - rendas vencidas e não pagas, acrescidas de juros, tudo adicionado do valor das rendas vincendas e do valor residual actualizados à taxa do contrato, deduzidas de 2%. Desconhece-se o real prejuízo sofrido mas a redução não poderia situar-se apenas no valor deste sob pena de fazer tábua rasa do outro fim da cláusula penal e que este é, no presente caso, primacial. 7.- A sanção da nulidade para o «excesso» é aqui afastada pela relação de especialidade na medida em que os arts. 16 e 17, enquanto gerais, concorrem com o art. 19 c), todos do dec-lei 446/85. O excesso previsto neste último é uma concretização da violação da boa fé que se exprime naqueles dois outros como válvula geral num campo (o das relações de massa) em que o desequilíbrio do poder contratual, além de notório, facilmente conduz a beneficiar o mais forte. A solução passa antes, no pressuposto de ser manifestamente excessiva, pela sua redução a um montante equitativo (CC- 812), pela sua redução a um montante razoável. 8.- São realidades distintas, como se afirma no ac. de 98.12.15, o ónus da prova do dano e a "avaliação" do eventual excesso da cláusula. A indemnização a que o credor tem direito, quando opta pela resolução do contrato, refere-se obviamente ao dano de confiança, ou seja, ao interesse contratual negativo (P. Lima-A. Varela in CCAnot- II/60). A indemnização foi pré-fixada numa fórmula que tem um elemento variável (o temporal ou, dito de outro modo, o número de prestações vincendas), o que lhe faz conhecer uma expressão concreta em si também variável. Nesta avaliação, além dos factores antes enumerados, não pode o julgador perder de vista que as sociedades de locação financeira se integram entre as instituições de crédito e que a actividade por elas desenvolvida é um dos instrumentos de financiamento de empresas (no Parecer da PGR 41/94, de 94.07.14, citando Leite Campos, que por sua vez cita Feinen e Goldmann, afirma-se que essa actividade se caracteriza essencialmente pela celebração de «contrato a médio ou longo prazo dirigido a ‘financiar’ alguém, não através da prestação de uma certa quantia em dinheiro, mas através do uso de um bem»). Deve-se ainda ter presente a forma de composição da renda - permitir, dentro do período de vigência do contrato, a amortização do bem locado e cobrir os encargos e a margem de lucro da sociedade de locação financeira. Embora se desconheça a quantificação do dano efectivamente causado, o qual funcionaria como limite à redução confiada ao juiz, redução essa que se deve pautar por critérios de equidade (vd., P. Lima -A. Varela in CCAnot- II/82), tem-se que, sob pena de se esvaziar «a cláusula penal de todo o seu sentido útil», se a deve reduzir fixando a indemnização respectiva em 2500000 escudos (dois milhões e quinhentos mil escudos). 9.- Porque têm como nula a cláusula 17-1, defendem os recorrentes a impossibilidade legal da aplicação da sanção pecuniária compulsória. Dados os termos da sentença, confirmada pela Relação, esta sua conclusão (a 5ª) comporta o pedido de reexame de duas questões - (in)aplicabilidade da sanção e incidência desta se dever ser aplicada. O fim desta sanção em causa é forçar o devedor a cumprir e nessa medida, porque válida a cláusula 17-1, sem prejuízo da sua redução, cai por base a argumentação dos recorrentes. O adicional criado pelo art. 825-A nº 4 CC é, pois, devido. Porém, e com P. Lima-A. Varela pelas razões expostas in CCAnot- II/105, entende-se que a sanção se não aplica a todas as obrigações pecuniárias mas «apenas às cláusulas penais fixadas em dinheiro e às sanções penais compulsórias decretadas pelo tribunal, nos termos prescritos no nº desta disposição». A fundamentação jurídica da sentença, não permite, por omissão de pronúncia, esclarecer o sentido do segmento decisório relativo à condenação na sanção pecuniária compulsória - referir-se à totalidade (11499749 escudos = 2560722 escudos + 8939027 escudos), face à colocação da vírgula seguida da copulativa «e», ou a 8939027 escudos (montante concreto da cláusula penal), última quantia indicada (mas, léxico e gramaticalmente justificava-se então que a seguir a «pagamento» inexistissem a vírgula e a copulativa). O acórdão recorrido identicamente não se pronunciou, embora a questão estivesse colocada pelos então apelantes nos mesmos termos que agora o fazem. Termos em que se acorda em conceder parcialmente a revista e, reduzindo-se a cláusula penal, condenam-se os réus a pagar à autora a indemnização de 2500000 escudos (dois milhões e quinhentos mil escudos) e apenas sobre ela a sanção pecuniária compulsória do art. 829-A nº 4 CC. No mais, mantém-se o acórdão recorrido. Custas na proporção de 2/7 e 5/7, respectivamente, por recorrentes e recorrida. Lisboa, 9 de Fevereiro de 1999. Lopes Pinto, José Saraiva, Garcia Marques. |