Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
088244
Nº Convencional: JSTJ00029714
Relator: MIRANDA GUSMÃO
Descritores: CASO JULGADO
AUTORIDADE
ÂMBITO
DECISÃO
INTERPRETAÇÃO
FUNDAMENTAÇÃO
SENTENÇA
Nº do Documento: SJ199605090882442
Data do Acordão: 05/09/1996
Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC
Referência de Publicação: BMJ N457 ANO1996 PAG263
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Área Temática: DIR CIV.
Legislação Nacional: CCIV66 ARTIGO 236 N1 ARTIGO 238 N1 ARTIGO 289 ARTIGO 290 ARTIGO 479 ARTIGO 551.
CPC67 ARTIGO 659 N2 ARTIGO 660 N2.
CPC39 ARTIGO 660.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ DE 1991/05/08 IN BMJ N407 PAG487.
ACÓRDÃO STJ DE 1991/06/11 IN BMJ N408 PAG512.
ACÓRDÃO STJ DE 1993/04/29 IN CJSTJ ANOI TII PAG73.
Sumário : I - A força e autoridade do caso julgado abrangem, em princípio, a resposta final dada à pretensão concretizada no pedido e conduzida através da causa de pedir.
II - Não é de excluir que se possa e deva recorrer à motivação da sentença para reconstruir e fixar o verdadeiro conteúdo da decisão.
III - A supressão do parágrafo único do artigo 660 do CPC39 não significa que, na interpretação da decisão, não se reconheça que a mesma contempla um julgamento implícito.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
I
1. Por apenso à execução de sentença para pagamento da quantia de 1177548 escudos e juros, vencidos e vincendos, que, pelo 7. Juízo Cível do Tribunal da Comarca do Porto, A e mulher B intentaram contra
"Azevedo & Reis Limitada" veio esta deduzir embargos de executada, alegando fundamentalmente que a decisão exequenda não a condenou a pagar qualquer quantia aos exequentes, nomeadamente a por eles peticionada na reconvenção aí deduzida, já que os embargantes foram expressamente absolvidos do pedido reconvencional, pelo que não constitui título executivo; acrescentando, sem prescindir, não poderem os exequentes haver quaisquer juros, já que nenhuma referência lhes é feita na sentença dada a execução.
2. Recebidos os embargos, foi ordenada a notificação dos embargados, que não deduziram qualquer oposição.
Em face do que, julgados confessados os factos articulados pelos embargantes, e apresentadas alegações por estes, passou o Meritíssimo Juiz a conhecer do mérito da causa, vindo a julgar os embargos parcialmente procedentes em tudo o que excede a importância de 690138 escudos e 20 centavos, prosseguindo a execução apenas por esta quantia.
3. A embargante apelou. A Relação do Porto, no seu acórdão de 14 de Março de 1995, julgou improcedente o recurso de apelação.
4. O embargante pede revista, formulando as seguintes conclusões:
1) o anterior acórdão da Relação do Porto de 28 de
Junho de 1984, transitado em julgado, julgou totalmente improcedente a reconvenção, com o fundamento de que os
Réus não tinham o direito que pretenderam fazer valer, mas, sim, o emergente do artigo 289 do Código Civil, não tendo procedido oficiosamente ao reconhecimento deste direito, tal como passou a ser obrigatório depois do assento 4/95, de 17 de Maio, naturalmente porque os ilustres Desembargadores que o proferiram perfilhavam entendimento diverso (o do acórdão do S.T.J. de 15 de
Dezembro de 1977, in Boletim n. 272, página 196).
2) Aliás, se se entendesse haver contradição entre a fundamentação e a respectiva decisão, o remédio seria, em recurso, arguir a respectiva nulidade - ns. 1 alínea c) e 2 do artigo 668 do Código de Processo Civil - e, não, depois de transitado tal aresto, pretende-se que onde se decidiu rotundamente não à pretensão dos Réus, se decidiu, como agora foi dizer-se "sim".
3) Assim, o, aliás, douto acórdão recorrido, que conduz
à alteração do anteriormente decidido, com trânsito em julgado, substituindo uma absolvição total da autora pela condenação desta no pagamento aos Réus da quantia de 690132 escudos (650000 escudos de restituição do preço e 40138 escudos de indemnização por benfeitorias) além de violar o disposto nos artigos 236 n. 1 e 238 n.
1 do Código Civil, acaba por violar o disposto no artigo 496 alínea a) e 671 do Código de Processo Civil, violação essa que constitui fundamento deste recurso, nos termos do n. 2 do artigo 678 deste diploma.
5. Os recorridos não apresentaram contra-alegações.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
II
Questões a apreciar no presente recurso.
A apreciação e a decisão do presente recurso passa pela análise da questão de saber se o acórdão recorrido violou a força e autoridade do caso julgado do acórdão da Relação do Porto, de 28 de Junho de 1984, transitado em julgado.
Abordemos tal questão.
III
Se o acórdão recorrido violou a força e autoridade do caso julgado do acórdão da Relação do Porto, de 28 de
Junho de 1984, transitado em julgado.
1. Posição da Relação e da recorrente.
1a) A Relação do Porto decidiu que:
- a sentença proferida em processo judicial constitui um verdadeiro acto jurídico, a que se aplicam as regras regulamentadoras dos negócios jurídicos (artigo 295 do
Código Civil), que as normas que disciplinam a interpretação da declaração negocial são igualmente válidas para a interpretação de uma sentença ou de um acórdão (Acórdãos do S.T.J. de 6 de Dezembro de 1984, in B.M.J. n. 342, página 375; e de 28 de Maio de 1991, in B.M.J. n. 407, página 446);
- na sentença proferida na acção declarativa não se vislumbram quaisquer dificuldades de interpretação: ela
é perfeitamente clara ao considerar e declarar nulos os negócios jurídicos realizados, explicitando que "tanto a declaração de nulidade como a anulação tem efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente (folhas 33 verso e
34); e de que "não há qualquer obstáculo a que se produzam os efeitos mencionados no artigo 289 n. 1, já citado - restituição de tudo o que houver sido prestado, (folha 34);
- e, muito menos suscita dúvidas quando, apreciando o pedido reconvencional, defende que "o próprio artigo
289 prevê a restituição pelo valor da coisa se a restituição em espécie não for possível, pelo que a solução apontada (condenação a restituir o valor actual dos prédios) nada tem de chocante (folha 35);
- da análise do acórdão de 28 de Junho de 1984 resulta claro (qualquer normal destinatário, colocado na posição do real declaratário, assim o entenderia) que, no mencionado acórdão, se pretendeu apenas dizer - e disse-se, até - que a autora - reconvinda seria responsável pela devolução do preço dos imóveis e pelo pagamento das benfeitorias neles efectuadas e que, quanto ao valor acrescido resultante da valorização dos imóveis na actualidade, a questão teria de ser dirimida e decidida em acção para o efeito intentada contra os representantes daquela que outorgaram nas escrituras, em sede de responsabilidade extra-contratual ou pré-contratual.
1b) Por sua vez, a recorrente sustenta que o douto acórdão recorrido, que conduz à alteração do acórdão da
Relação do Porto de 28 de Junho de 1984 (que absolveu a
Autora do pedido reconvencional e manteve inalterada a sentença na parte em que julgou procedente e provada a acção e, mercê disso, declarou a nulidade dos contratos de compra e venda... e condenou os Réus a entregar à
Autora os prédios identificados nas escrituras daqueles contratos...), substituindo uma absolvição total da autora pela condenação desta no pagamento aos Réus da quantia de 690132 escudos, além de violar o disposto nos artigos 236 n. 1 e 238 n. 1 do Código Civil, acaba por violar o disposto nos artigos 496 alínea a) e 671 do Código de Processo Civil, violação esta que constitui fundamento do recurso, nos termos do n. 2 do artigo 678.
Que dizer?
2. De acordo com a orientação firmada por este Supremo
Tribunal, a interpretação das declarações negociais constitui matéria de facto da competência exclusiva das instâncias, embora este Supremo Tribunal possa exercer censura sobre o resultado interpretativo sempre que, tratando-se do caso previsto no n. 1 do artigo 236 do
Código Civil, esse resultado não coincida com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, pudesse deduzir do comportamento do declarante (salvo se este não pudesse razoavelmente contar com ele) ou tratando-se da situação prevista no n. 1 do artigo 238 do mesmo Código, não tenha um mínimo de correspondência no texto do documento, ainda que imperfeitamente expressa (acórdãos deste Supremo de 8 de Maio de 1991 - B.M.J. n. 407, página 487; de 11 de
Junho de 1991 - B.M.J. n. 408; página 512; e de 29 de
Abril de 1993 - na Colectânea de Jurisprudência -
Acórdãos do S.T.J. - ano I, tomo II, página 73).
Assim, a interpretação das declarações negociais somente integra matéria de direito quando deva ser feita nos termos dos referidos artigos 236 n. 1 e 238, uma vez que então "não se tratar de fixar factos, mas de aplicar um critério legal normativo e, portanto, uma disposição legal, devendo o Tribunal apreciar se esse critério foi correctamente entendido e aplicado pelas instâncias" (Vaz serra, Rev. Leg. e Jurisp., ano 109, página 95).
3. Os nossos processualistas recentes ao abordarem a questão da extensão do caso julgado sustentam que o mesmo só se forma, em princípio, sobre a decisão contida na sentença.
Manuel Andrade diz: "o que adquire a força e autoridade do caso julgado é a posição tomada pelo juiz quanto aos bens ou direitos (materiais) litigados pelas partes e à concessão ou denegação da tutela jurisdicional para esses bens ou direitos. Não a motivação da sentença: as razões que determinaram o juiz; as soluções por ele dadas aos vários problemas que teve de resolver para chegar àquela conclusão final (pontos ou questões prejudiciais) - Noções Elementares de Processo Civil, 1979, página 318.
No mesmo sentido Antunes Varela quando escreve: "Pode assim dar-se por assente que a eficácia do caso julgado, como se depreende do disposto nos artigos 498 e 96 apenas cobre a decisão contida na parte final da sentença (artigo 659, 2, in fine) ou seja, a resposta injuntiva do Tribunal à pretensão do autor ou do Réu, concretizada no pedido ou na reconvenção e limitada através da respectiva causa de pedir.
"A força do caso julgado não se estende, por conseguinte aos fundamentos da sentença, que no corpo desta se situam entre o relatório e a decisão final (artigo 659, 2).
"Apesar de o Juiz dever resolver na sentença todas as questões que as partes tenham suscitado (artigo 660, 2) só constituirá caso julgado a resposta final dada à pretensão concretizada no pedido e coada através da causa de pedir" - Manual de Processo Civil, 1984, páginas 695 e 696.
No mesmo sentido Anselmo de Castro quando afirma que:
"o caso julgado só se forma, em princípio, sobre a decisão proferida quanto aos bens ou direitos materiais em causa, e não sobre a motivação, salvo nas circunstâncias que adiante serão concretizadas" -
Direito Processual Civil Declaratório" - volume III, página 392).
Também os citados processualistas ensinam que, independentemente do problema do caso julgado sobre os motivos da decisão final (problema que não interessa solucionar por ser irrelevante para o desfecho do presente recurso), não é de excluir que se possa e deva recorrer à parte motivatória da sentença para interpretar a decisão (para reconstituir e fixar o seu verdadeiro conteúdo): neste sentido é a communis opinio
(diz Manuel Andrade, obra citada, página 318); é ponto assente na doutrina que os fundamentos da sentença podem e devem ser utilizados para fixar o sentido e alcance da decisão, contida na parte final da sentença, coberta pelo caso julgado (Antunes Varela, obra citada, páginas 696 e 697).
4. O artigo 660 na redacção de 39 continha um parágrafo
único que prescrevia: "Consideram-se resolvidas tanto as questões sobre que recair decisão expressa, como as que, dados termos da causa, constituírem pressuposto ou consequência necessária do julgamento expressamente proferido". A. dos Reis ensinava: "o parágrafo único contém uma regra da maior importância e ao mesmo tempo da maior delicadeza. Aceita o julgamento implícito, aplicando-o às questões que, dados os termos da causa, constituírem pressuposto ou consequência necessária do julgamento expresso. É a doutrina dos autores de maior categoria cientifica. Mas não pode deixar de reconhecer-se que o princípio é perigoso, pelo que a jurisprudência deve fazer dele uso prudente e moderado"
- Código de Processo Civil anotado, volume V, página 59).
A Reforma de 61 suprimiu o parágrafo único transcrito, justificando essa supressão nos seguintes moldes:
"o problema da extensão (objectiva) do caso julgado aos motivos da decisão não está ainda suficientemente amadurecido na doutrina nem na jurisprudência, em termos de permitir ao legislador o enunciado claro duma posição. Por isso, à semelhança do que se fez no artigo
96, julga-se que a atitude mais prudente é a de não tocar no problema e deixar à doutrina o seu estudo mais aprofundado e à Jurisprudência a sua solução, caso por caso, mediante os conhecidos de integração da lei" -
Boletim do Ministério da Justiça n. 123, página 120.
A propósito da suspensão do parágrafo único do artigo
660, Jacinto Bastos entende "ser de concluir que embora as premissas da decisão não adquiram, em regra, força de caso julgado, deve reconhecer-se-lhes essa natureza, quer quando a parte decisória a elas se referir de modo expresso, quer quando constituírem antecedente lógico, necessário e imprescindível, da decisão final" - Notas ao Código de Processo Civil, volume III, páginas 230 e 231.
5. Para a dilucidação da questão colocada no presente recurso só falta indicar a matéria factual fixada pela
Relação, que é a seguinte: a) C e "Azevedo & Reis Limitada" intentaram acção declarativa contra A, mulher B e outros, pretendendo que fossem declarados ineficazes, ou subsidiariamente, anulados, os contratos de compra e venda de determinados prédios constantes de escrituras juntas ao processo, já que efectuados por dois alegados representantes da autora que, para o efeito, não dispunham de quaisquer poderes. b) Contestando essa acção, vieram os Réus prevenindo a hipótese de nulidade das vendas e da procedência do pedido, deduzir reconvenção, peticionando a condenação da autora no pagamento do valor actual dos prédios objecto dos contratos referidos. c) Aí foi proferida sentença que declarou a nulidade dos contratos de compra e venda constantes das escrituras de folhas 16, 22 e 27 (contratos de compra e venda de prédios celebrados entre os Réus como compradores e a "Azevedo & Reis Limitada", representada por D e E, como vendedora), condenando os Réus a entregar à Autora "Azevedo & Reis
Limitada" os respectivos prédios, mas fazendo depender tal entrega da restituição que esta lhes faça do valor actual dos prédios, a determinar em execução de sentença, procedendo, nessa parte, a reconvenção formulada pelos Réus contestantes. d) Interposto recurso dessa sentença, veio a Relação do
Porto, em acórdão de 28 de Junho de 1984, a "revogar em parte a sentença recorrida e, em consequência, absolver do pedido reconvencional "Azevedo & Reis Limitada" mantendo-se inalterada a sentença na parte em que julgou procedente e provada a acção e, mercê disso, declarou a nulidade dos contratos de compra e venda constantes das escrituras de folhas 16, 22 e 27, e condenou os Réus a entregar à Autora os prédios identificados nas mesmas escrituras. e) O prédio que os exequentes foram condenados a entregar à "Azevedo & Reis Limitada" já foi entregue em
15 de Março de 1989. f) Os exequentes pagaram o preço de 650000 escudos e dispenderam a quantia de 40138 escudos e 20 centavos na feitura de uma garagem no prédio objecto do contrato de compra e venda declarado nulo.
6. Perante as considerações jurídicas expostas (só constituia caso julgado, em princípio, a resposta final dada à pretensão concretizada no pedido e coada através da causa de pedir; o de não se excluir que se possa recorrer à parte motivatória da sentença para reconstituir e fixar o verdadeiro conteúdo da decisão; e o da aceitação do julgamento implícito) e a matéria factual que veio a ser fixada pela Relação, não temos dúvidas em avançar no sentido de que o acórdão recorrido fez uma correcta interpretação do acórdão da
Relação do Porto, de 28 de Junho de 1984, não violando a sua força e autoridade de caso julgado.
Analisando esse acórdão, através de certidão junta aos autos, verifica-se que o mesmo aceitou inteiramente a tese da autora defendeu nas alegações do recurso de apelação interposto da sentença da 1. instância na parte em que foi vencida, a condenação no pedido reconvencional.
Na verdade, a Autora defendeu dever ser julgado improcedente o pedido reconvencional na medida em que a prestação pecuniária a satisfazer em conformidade com o disposto no n. 1 do artigo 289 do Código Civil deverá, em caso de desvalorização, ser actualizada em conformidade com o disposto no artigo 551, dado que o disposto no artigo 479 do Código Civil, entre dois montantes - o do enriquecimento e do empobrecimento - leva a optar pelo mais baixo (cfr. conclusões das suas alegações, transcritas no acórdão, a folha 107 dos autos). Tal defesa não pode ter outro sentido senão o de aceitar a tese de que a declaração de nulidade dos contratos de compra e venda dos prédios celebrados entre seus representantes e os Réus acarretava os efeitos referidos no artigo 289 n. 1 do Código Civil: por um lado, a restituição dos prédios (conforme a sua deduzida pretensão) e, por outro lado, a restituição aos Réus do preço e demais despesas (que não foi formulada na pretensão deduzida na acção, como é evidente).
O acórdão em análise deu inteiro acolhimento à tese defendida pela recorrente/Autora, já que, depois de precisar que a única questão a decidir era a de saber qual o valor que deve ser restituído aos Réus compradores em consequência da sentença sob recurso ter declarado nulo os contratos de compra e venda constantes das escrituras, fundamentou a sua decisão
(julgar improcedente o recurso de apelação dos Réus - mantendo inalterada a parte da sentença que julgou procedente e provada a acção e, mercê disso, declarou a nulidade dos contratos de compra e venda constantes das escrituras de folhas 16, 22 e 27, e condenou os Réus a entregar à Autora os respectivos prédios identificados nas mesmas escrituras e, outrossim, ordenou o cancelamento dos registos de transmissão que os Réus hajam feito a seu favor - e procedente a apelação da Autora - a absolvição do pedido reconvencional) no seguinte, entre o demais.
"Há assim, por força do disposto no referido artigo 289 n. 1, um regresso ao "statu quo ante", i.é., um regresso à situação anterior à celebração do negócio.
Por outro lado, por força da nulidade do negócio, incumbindo às partes deveres recíprocos de restituição, estão elas sujeitas ao princípio do cumprimento simultâneo do disposto no artigo 290.
"Daí que, declarada na sentença sob recurso, ao abrigo do citado artigo 289 n. 1, a nulidade dos contratos de compra e venda constantes das escrituras de folhas 16, 22 e 27, haja lugar à restituição simultânea dos prédios identificados nessas escrituras e dos montantes dos preços desembolsados pelos Réus compradores, a reaver pela sociedade/Autora e pelos Réus/compradores, respectivamente.
"Resta assinalar que os melhoramentos nos prédios constantes das escrituras de folhas 16 e 27, respectivamente pelos R.R. e que importaram em 40138 escudos e 20 centavos e 30000 escudos... dá-lhes direito a serem reembolsados pela Autora...".
"o momento próprio para tal reembolso será quando se operar simultaneamente a restituição dos prédios à Autora e a devolução aos Réus dos quantitativos despendidos por estes com a aquisição dos imóveis em causa (cfr. artigo 290 do Código Civil).
7. Esta parte motivatória do acórdão da Relação do
Porto de 28 de Junho de 1984 é decisiva para se definir o conteúdo da decisão que julgou inalterável a sentença da 1. instância relativamente à acção. Com tal motivação a decisão não pode ter outro sentido se não que a concessão da tutela jurisdicional deduzida pela autora (declaração de nulidade dos contratos de compra e venda constantes da escritura, com a consequente restituição dos prédios) desencadeia os efeitos totais dessa concessão: a restituição a cada uma das partes das prestações a que se encontravam adstritas e que foram cumpridas, sendo certo que essas restituições verificam-se em simultâneo.
Essa parte motivatória do acórdão em referência para além de ser decisiva para a definição do conteúdo da decisão que julgou inalterável a sentença da 1. instância relativamente à acção, vem a significar que esse acórdão aderiu à doutrina de que pedida declaração de nulidade de negócio jurídico deve a parte ser condenada na restituição do recebido, com fundamento no n. 1 do artigo 289 do Código Civil, se na acção tiverem sido fixados os necessários factos materiais. A adesão a esta doutrina vem a significar que a decisão do acórdão a julgar inalterável a sentença da 1. instância relativamente à acção abarca (implicitamente) a restituição do recebido pela Autora, acrescida das despesas feitas pelos Réus, em melhoramentos (garagem) no prédio que tiveram de restituir.
Daqui o concluir-se, como se conclui, que o acórdão recorrido interpretou correctamente o acórdão do
Tribunal da Relação do Porto de 28 de Junho de 1984, de sorte a não violar a sua força e autoridade de caso julgado.
IV
Conclusão:
Do exposto, poderá extrair-se que:
1) A força e autoridade do caso julgado estende-se, em princípio, à resposta final dada à pretensão concretizada no pedido e coada através da causa de pedir.
2) Não é de excluir que se possa e deva recorrer à parte motivatória da sentença para reconstituir e fixar o verdadeiro conteúdo da decisão.
3) A supressão do parágrafo único do artigo 660 do
Código de Processo Civil de 39 não significa que, na interpretação da decisão, não se reconheça que a mesma contemple um julgamento implícito.
Face a tais conclusões, em conjugação com os elementos reunidos nos autos, poderá precisar-se que:
1) o acórdão da Relação do Porto, de 28 de Junho de
1984, ao decidir ser inalterável a sentença da 1. instância que julgou procedente e provada a acção
(declaração de nulidade dos contratos de compra e venda..., condenação dos Réus a entregar à Autora os prédios...) tem de ser interpretado, face à sua parte motivatória, no sentido de que contempla, abarca (implicitamente) a condenação do autor a restituir aos
Réus o que deles recebeu mercê do contrato de compra e venda declarado nulo, acrescidas das despesas feitas pelos Réus, em melhoramentos (garagem) no prédio que tiveram de restituir.
2) O acórdão recorrido não merece censura por ter observado o afirmado em 1).
Termos em que se nega a revista e, assim, confirma-se o acórdão recorrido.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 9 de Maio de 1996
Miranda Gusmão,
Sá Couto,
Sousa Inês. (vencido, nos termos da declaração de voto anexa).
Declaração de voto:
1. Votei no sentido de ser concedida a revista.
2. Resulta do título executivo ter sido o seguinte o pedido reconvencional: condenação da autora a restituir aos réus o actual valor dos prédios em causa, a determinar liquidar em execução de sentença.
3. Os réus não formularam, nem mesmo a título subsidiário, o pedido reconvencional de condenação da autora a restituir-lhes o preço.
4. A sentença julgou procedente a reconvenção, decidindo que a entrega dos prédios à autora ficasse dependente da restituição que esta faça aos réus do valor actual dos prédios a determinar em execução de sentença.
5. Todavia, a Relação do Porto - e o Acórdão desta é que é o título executivo - revogou, nesta parte, a sentença e absolveu a autora do pedido reconvencional.
6. A Relação não condenou a autora a restituir o preço aos réus.
Isto terá sucedido porque os réus não formularam aquele pedido a título subsidiário e porque a Relação enveredou pela corrente jurisprudencial, então existente, de que o Tribunal não podia decretar aquela restituição oficiosamente (como se sabe, aquela corrente veio a ficar vencida no Assento deste Tribunal n. 4/95, publicado a 17 de Maio).
7. A condenação da autora a restituir o preço aos réus constituirá quando muito, uma "decisão mental" da
Relação.
Todavia, as decisões mentais não estão cobertas pela força do caso julgado e as sentenças ou acórdãos em que estejam contidas não constituem título executivo.
8. A já ser válida, como certamente era a 28 de Junho de 1984, data do douto Acórdão da Relação, a doutrina que veio a ter consagração no já referido Assento, então a Relação terá cometido a nulidade a que se refere o artigo 668, n. 1 alínea d), do Código de
Processo Civil.
É certo, todavia, que se não reclamou de tal nulidade.
Não é lícito que, agora, a pretexto de se estar a interpretar aquele douto Acórdão, se vai suprir a apontada nulidade.
9. Os exequentes carecem de título executivo. Deverão, assim, começar pela acção declarativa, caso ainda o possam fazer.
Atribuir força de título executivo a um acórdão que absolveu do pedido a ora executada é violar o caso julgado.
Sousa Inês
Decisões impugnadas:
I - Sentença de 6 de Maio de 1994 do T. do Porto;
II - Acórdão de 14 de Março de 1995 da Relação do
Porto.