Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
03A2113
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: MOREIRA ALVES
Descritores: LIVRANÇA
RELAÇÕES MEDIATAS
RELAÇÕES IMEDIATAS
AVAL
APRESENTAÇÃO A PAGAMENTO
RELAÇÃO CAMBIÁRIA
PREENCHIMENTO ABUSIVO
PRESCRIÇÃO
PROTESTO
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: SJ200309300021131
Data do Acordão: 09/30/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL PORTO
Processo no Tribunal Recurso: 133/02
Data: 02/03/2003
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário : I - No caso concreto, estamos no plano das relações imediatas, mesmo em relação ao avalista embargante, no âmbito das quais este, como devedor solidário, pode opor ao credor os seus próprios meios pessoais de defesa, entre eles a excepção do preenchimento abusivo da livrança avalizada, visto que, no plano das relações causais entre eles, o banco embargado se obrigou (também) para com os avalistas a preencher a livrança nas condições estipuladas na referida cláusula 7.ª do contrato subjacente.
II - A prescrição da obrigação cambiária conta-se a partir da data do vencimento e essa data é a que consta do titulo e não aquela que, eventualmente, deveria constar de acordo com o pacto de preenchimento.
III - Embora a lei imponha ao portador o dever de apresentar o titulo a pagamento e ao protesto por falta de pagamento, sob pena de caducidade dos seus direitos contra os garantes, essa caducidade não se aplica ao aceitante (devedor principal, em relação ao qual o portador tem, não acção de regresso, mas acção directa), como expressamente declara o art.º 53 da LULL.
IV - E assim, se é dispensada a apresentação a pagamento e o protesto quanto ao subscritor de uma livrança, equiparado ao aceitante, da mesma forma é dispensada aquela apresentação e protesto em relação ao avalista do subscritor, visto que responde nos mesmos termos que ele.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


Relatório

No Tribunal Judicial da Comarca de Felgueiras, com uma execução para pagamento de quantia certa, em que figura como exequente, o Banco Empresa-A, S.A. e como executados, AA e BB.
Constitui título executivo, uma livrança no valor de 50.000.000$00, emitida em 28/7/92, e com vencimento em 15/2/98, subscrita pela Sociedade Empresa-B, Lda e avalizada pelos dois executados.

Ora, por apenso à dita execução, veio executado AA, deduzir os presentes embargos de executado, pedindo a condenação da exequente/embargada a:
- reconhecer que a livrança exequenda visava caucionar o cumprimento de um contrato de empréstimo por crédito, em conta corrente com caução, a curto prazo, com início em 28/7/92 e termo em 28/10/92 ou, se prorrogado, em 28/1/93

- reconhecer que essa livrança foi entregue ao Banco em branco, quanto ao valor e a data de vencimento e só podia ser preenchida, quanto a esses elementos, de acordo com o contrato acima referido ( cof. texto de contrato a fls 20 e 21).
- reconhecer que o valor a inscrever na livrança ajuizada só podia ser o que estivesse em dívida em 28/1/93, pela Subscritora.
- reconhecer que logo que ocorresse qualquer situação de incumprimento da Subscritora, devia o exequente proceder ao desconto da livrança.
- reconhecer que a data da livrança para efeitos de apresentação a pagamento à Subscritora só podia ser a de 28/10/92 ou, havendo prorrogação, a de 28/1/93.
- reconhecer que só a falta de cumprimento da obrigação de imediato desconto da livrança, no caso de incumprimento pela Subscritora – pelo menos em 29/1/93 - impediu o exequente de cobrar em devido tempo, da Subscritora, qualquer eventual crédito que sobre ela tivesse.
- reconhecer que só a falta de cumprimento da obrigação de imediato desconto da livrança, no caso de incumprimento pela Subscritora – pelo menos em 28/1/93 – impediu o exequente de cobrar em devido tempo, da Subscritora, qualquer eventual crédito que sobre ela tivesse.
- reconhecer que preencheu abusivamente a dita livrança, quanto à data e quanto ao valor.
- reconhecer que, devendo á livrança ter sido aposta a data de 29/10/92 ou quando muito a data de 28/1/93, sempre está prescrita qualquer acção cambiária contra os avalistas e por isso, contra o que aqui embargante.
- reconhecer que tomou conhecimento em 14/10/94 que o embargante deixou de ser sócio da Subscritora
- reconhecer que só pelo facto do incumprimento culposo do exequente do contrato celebrado ou pela sua inércia, não recebeu este em tempo oportuno da Subscritora o valor integral do empréstimo.
e
Alegou em fundamento e resumidamente que subscreveu, como avalista, a livrança exequenda, mas fê-lo nos precisos termos de um contrato de empréstimo, sob a forma de facilidade de crédito, destinado ao financiamento para fundo de maneio da Sociedade Empresa-B, Lda.
Tal contrato, celebrado entre o Banco Empresa-A, SA e Empresa-B, Lda, foi contraído pelo prazo de 90 dias, pelo que findou em 28/10/92. O mesmo era automaticamente prorrogável pelo prazo de 90 dias, ou seja, se prorrogado, findaria em 28 de Janeiro de 1993, data em que devia, ser integralmente pago.
Se o não fosse o Banco ficava obrigado a descontar imediatamente a livrança, apresentando-a a pagamento à Subscritora, o que não fez.
Portanto a preencher a livrança com a data de 15/2/98 e pelo valor de 50.000.000$00, por sua exclusiva responsabilidade, a exequente fê-lo de modo abusivo.
A livrança deveria ter sido preenchida pelo menos com a data de 28/1/93, razão porque a acção se encontra prescrita.
O embargo contestou
Foi elaborado despacho saneador, fixaram-se os factos assentes e organizou-se a base instrutória.
Realizado o julgamento, foi lida a decisão sobre a matéria de facto, que não foi objecto de reclamações.

Proferida sentença final, foram os embargos julgados totalmente improcedentes.

Inconformado, apelou o embargante para o Tribunal da Relação, mas a apelação foi julgada improcedente, e mantida a decisão recorrida.

Novamente inconformado, volta a recorrer, agora de revista para este S.T.J., recurso que foi admitido e que cumpre conhecer.

Conclusões

Apresentadas tempestivas alegações, formulou o recorrente/embargante as seguintes conclusões:

6. CONCLUSÕES

1.º - O ora recorrente deduziu embargos de executado contra o exequente Banco – que contra si requerera execução com base em livrança avalizada pelo referido recorrente – alegando que:
a) Subscreveu um contrato de caução de um contrato escrito de empréstimo ambos celebrados em 28 de Julho de 1992, sendo o empréstimo feito pelo Banco à sociedade Empresa-B, Lda, na forma de facilidade de crédito a curto prazo, até 50.000.0000$00, conforme se clausulou, por 90 dias prorrogável por igual e único período de 90 dias, e com termo, portanto, em 28/1/1993, pelo que preenchida a livrança com vencimento para 15/2/98 – mais de 5 anos após a data – limite de concessão do empréstimo – foi a mesma livrança preenchida abusivamente e em desconformidade com a natureza do negócio subjacente que era um empréstimo a curto prazo, vencido 180 dias após a abertura da conta;
b) não está demonstrado que a sociedade principal devedora o seja pelo valor dado à execução – e por isso não se sabe qual o valor que o embargante pretensamente deve – porquanto a prova da dívida devia fazer-se, conforme o clausulado no citado contrato escrito de empréstimo, através de conta corrente, que o exequente não juntou (alegaria mais tarde que o não fez por tal lhe ser vedado pelas regras do sigilo bancário! – cfr. Acta da audiência de julgamento);
c) a livrança só podia ser, aliás, preenchida pelo valor em dívida na data do termo do empréstimo, ou seja, 28/10/1992 ou, se ocorresse a prorrogação prevista, a 28/1/1993 – e não sabe qual esse valor então em dívida;
d) a livrança devia ser descontada e apresentada a pagamento à principal obrigada, conforme o clausulado, logo que ocorresse incumprimento –incumprimento esse que se não demonstrou sequer ter ocorrido; muito menos quando;
e) Vencendo-se o empréstimo em 28/10/1992 – ou em 28/1/1993 se ocorresse prorrogação – e como, ocorrendo incumprimento, deveria logo a livrança ser descontada e apresentada a pagamento, ela só podia ser preenchida com a data de 28/10/1992 ou 28/1/1993 pelo que apondo-lhe o banco como data de vencimento a de 15/2/1998 ( e de saque a de 28/7/1992) nessa data já estava prescrita a acção contra o subscritor, pelo menos desde 28/1/1996, nos termos dos artºs 77º, 70º da e 71º da LULL.

2.º - Discutida a causa, a factualidade atrás descrita resultou demonstrada no essencial ( cfr. alínea d) e) e f) da matéria de facto dada por provada na sentença ) mas a acção foi julgada improcedente em ambas as instâncias por se ter entendido na primeira instância que:
a) o pacto do preenchimento não foi violado, porquanto, por um lado, apesar de o contrato de empréstimo ser a curto prazo e por apenas 90 dias prorrogável, por um período de 90 dias, ele foi sendo sucessivamente prorrogado, e, por outro lado, o banco exequente estava autorizado a fixar à livrança o vencimento que mais lhe conviesse;
b) não ocorreu prescrição da acção cambiária porquanto a livrança foi accionada em 24/11/1998 e está datada de 15/ 2/98;
e na segunda instância porque havia apenas que discutir os princípios da acção cambiária e não os contratos subjacentes...
3.º - As instâncias aplicaram erradamente o direito, pois:
a) O clausulado no contrato de caução, subscrito pelo embargante estava intimamente conexionado com o que se clausulou no contrato de empréstimo, por forma tal que a liberdade de preenchimento da livrança que foi pactuada tinha necessariamente como limites o clausulado nesse contrato de empréstimo;
b) O contrato de preenchimento foi outorgado entre o banco e os avalistas pelo que, estando-se no domínio de relações imediatas, o banco lhe devia estrita obediência ;
c) Tendo o contrato de empréstimo – expressamente denominado de “ crédito em conta corrente com caução – curto prazo” – sido celebrado em 28/7/1992 pelo prazo de “90 dias prorrogável automaticamente por igual período”, ele findou em 28/10/1992 ou, se prorrogando, em 28/1/1993, pelo que, incumprindo que fosse então, o banco devia logo proceder ao desconto da livrança, conforme se clausulou, pelo que só o fazendo em 15/2/98, fê-lo em desconformidade com o pacto e em data em que estava prescrita a obrigação cambiária (art. 77º, 70º e 71º da LULL);
d) Tendo o contrato de empréstimo sido celebrado por escrito, mesmo que a empresa nela obrigada e o embargado acordassem na prorrogação do prazo do empréstimo para além de 28/1/1993, tal prorrogação era inoponível ao caucionante – avalista que não a negociou ( nem a prova da alteração do contrato se podia fazer por testemunhas, antes só por escrito nos termos dos art.s 393º e 394º do Código Civil) porque a obrigação do caucionante assume natureza autónoma e própria, sendo totalmente independente da obrigação do devedor principal ( cfr. Vaz Serra, BMJ 71,296 a 303);
c) O crédito a curto prazo, como foi negociado distingue-se dos créditos a médio prazo ou a longo prazo, não apenas pelo seu prazo ( que não pode legalmente exceder 1 ano – nos termos do art. 1º do Decreto-Lei nº 199/70 de 20/4) como pelo seu objecto ( visando apenas operações de comercialização ou produção, aprovisionamento de “stocks”, abastecimento prévio, e outras semelhantes);
f) não se provou que a principal obrigada devesse ao exequente a quantia inscrita na livrança ajuizada – e essa prova só se podia fazer por conta corrente que o exequente se recusou a juntar aos autos, pelo que não se sabe qual o valor pretensamente devido pelo recorrente.
4º - As decisões recorridas violaram, pois, o estatuído nos artºs 405º, 406º, 393º, 394º do Código Civil, 70º, 71º, e 77º da LULL e o Decreto-Lei nº 199/70 de 20/4, artº 1º não podendo manter-se.

Nas contra-alegações, defende o recorrido a confirmação do acórdão sob censura.

Os Factos.
São os seguintes os factos tidos por provados pelas instâncias:

Os factos.
Face à factualidade assente no despacho de condensação, à decisão sobre a matéria de facto incluída na base instrutória, ao documento de fls. 51 a 56 e ao que consta de fls. 2 da acção executiva está provado que:
a) No âmbito da execução para pagamento de quantia certa, com processo ordinário, que o exequente, ora embargado, Banco Empresa-A, SA, com sede em Lisboa e filial no Porto, à Avenida dos Aliados nº 45/69, instaurou, no dia 24.11.98, contra os executados, AA, casado, comerciante, residente em Belos Ares, Mesão Frio, Guimarães, ora embargante, e BB, casado, comerciante, residente na Rua Eugénio de Castro, ..., Hab..., Porto, foi dada à execução uma livrança, emitida com a data de 28.7.92 e com vencimento em 15.02.92 e com vencimento em 15.2.98, com o montante de 50.000.000$00 (alínea A dos factos assentes e fls. 2 da acção executiva);
b) Na referida livrança figura como pessoa a quem ou à ordem de quem deve ser paga a quantia nele inserta o Banco Empresa-A, S.A., como subscritora a sociedade Empresa-B, Lda, e como avalistas os executados AA e BB e (alínea B) dos factos assentes);
c) A referida livrança não foi paga pelo embargante, nem no seu vencimento, nem posteriormente (alínea C) dos factos assentes);
d) Em 28 de Julho de 1992 entre o exequente Banco, por um lado, e Empresa-B, Lda, por outro, foi celebrado um contrato de financiamento, sob a forma de facilidade de crédito, destinado ao financiamento para fundo de maneio da sociedade Empresa-B, Lda, garantido pelos executados, nos seguintes termos e cláusulas:
1 – Contrato Empresa-A, SA / Empresa-B, Lda.
a) Tipo de contrato: empréstimo, sob a forma de facilidade de crédito, destinado ao financiamento para fundo de maneio;
b) Montante: Esc. 50.000.000$00 (cinquenta milhões de escudos);
c) Forma: Conta aberta em nome da empresa junto do balcão do Banco de Felgueiras denominada “Crédito em conta corrente com caução-curto prazo”;
d) Prazo: 90 dias, prorrogável automaticamente por igual período de tempo, salvo se qualquer das partes solicitasse, por escrito, a sua denúncia, com a antecedência mínima de 30 dias em relação ao termo do prazo fixado;
e) Contagem de juros: Contados, dia a dia, sobre o saldo em dívida e debitados trimestralmente na conta de depósito à ordem da sociedade Empresa-B, Lda. que, para o efeito se obrigou a manter essa conta de depósito à ordem provisionada.
2 – Contrato Empresa-A/ Avalistas:
a) Forma: Uma livrança subscrita como avalistas pelo ora executados, com montante e data de vencimento em branco, ficando o Banco autorizado a preenchê-la pelo valor em dívida na facilidade de crédito e a fixar-lhe o vencimento que mais lhe convier, procedendo ao desconto, sempre que se verificasse qualquer situação de incumprimento pela devedora das obrigações que lhe competem e que atrás foram referidas;
b) Juros moratórios: No caso de incumprimento do pagamento do capital e ou juros incidiriam sobre o respectivo montante e durante o tempo em que tal situação de incumprimento se verificasse, á taxa de juro moratória – juros remuneratórios acrescidos da sobre taxa legal – (alínea D) dos factos assentes);
e) A livrança subscrita pelo ora embargante e dada à execução foi entregue ao exequente com o montante e a data de vencimento em branco, os quais forma aí expostos pela exequente ( alínea E) dos factos assentes);
f) O preenchimento da livrança nos termos indicados na alínea e) foi feito sem que o embargo consultasse o embargante, o qual não foi prevenido da apresentação a pagamento dessa livrança à subscritora ou da falta de cumprimento desta ( resposta ao número 2 da base instrutória);
g) Pelo menos até 29/9/94, o embargante aceitou sempre a renovação automática do prazo do contrato referido na alínea d) ( resposta ao número 5 da base instrutória);
h) Os juros da conta caucionada foram totalmente liquidados até 15/02/98 ( resposta ao número 6 da base instrutória);
i) AA declarou, por escritura pública, no dia 29.09.94, dividir a sua quota no valor nominal de 2.650.000$00 no capital social da sociedade Empresa-B, Lda, em duas quotas, uma no valor de 1.300.000$00 e a outra no valor de 1.350.000$00, e ceder a primeira a BB e a segunda a CC ( Documento de fls. 51 a 56).

Fundamentação.

São várias as questões suscitadas nas conclusões de modo que iremos tratar cada uma delas de per si.

1.ª Questão.
- Relação mediatas ou relações imediatas
- Natureza jurídica do AVAL.

No douto acórdão recorrido parece ter-se entendido, antes de mais, que o avalista não se encontra colocado no domínio das relações imediatas, isto é, aquelas que ligam os obrigados cambiários directamente à relação subjacente, daí que não poderia utilizar as excepções que se fundam nas relações pessoais, não podendo, por isso, no caso, vir o embargante, discutir o eventual preenchimento abusivo da livrança em causa.
De tal posição e da concepção do aval como um acto cambiário autónomo decorreria desde logo a improcedência dos embargos sem necessidade de maiores considerações visto que só à subscritora do título, seria lícito deduzir o tipo de defesa com a correada, no essencial, nos embargos.

Salvo melhor opinião, não pensamos que tal orientação seja de acolher, atento as características específicas do caso concreto.

Antes de mais e sem pretender entrar em grandes considerações sobre a natureza jurídica do aval, diremos, porém que, de acordo com a doutrina e jurisprudência dominantes, a obrigação do avalista é uma obrigação autónoma, ainda que formalmente dependente da obrigação do avalizado, de tal modo que se mantém a primeira, mesmo que seja nula, por qualquer razão a segunda, a menos que a nulidade decorra de vício de forma ( Art. 32º da L. Uniforme). Por isso mesmo se tem entendido que o avalista, ao contrário do que acontece com o fiador ( Art. 637º nº 1 do C.C.) não pode defender-se com as excepções do avalizado, salvo as que importem a liberação ou extinção dessa obrigação. De facto, o aval tem a natureza de uma obrigação de garantia (pessoal) destinada à satisfação do direito do credor ( é acessória – imperfeitamente acessória – da obrigação do avalizado, embora essa acessoriedade não esgote a sua natureza jurídica – o aval não é uma fiança – Cof. Ferrer Correia – Lições, 1996 – 195 e seg.) daí que a princípio da independência entre a obrigação avalizada e a obrigação do avalista, acima referida, não obste a que este oponha ao portador a excepção da liberação por extinção da obrigação do avalizado, desde que o portador seja o mesmo em relação ao qual o avalizado extinguiu a sua obrigação (Col. Vaz Serra, anotação ao Ac. do S.T.J. de 6/11/79 – R.L.J. ano 113- 186).

Por outro lado, a obrigação do avalista, não sendo subsidiária da do avalizado é, porém, solidária ( Art. 47º da L.U.) pelo que se aplicam as regras civis próprias do regime da solidariedade, em tudo que não contrarie o regime e cambiário específico.
Assim, o avalista, como devedor solidário, pode defender-se por todos os meios pode pessoalmente lhe competem ou que são comuns a todos os condevedores como determina o Art. 514º nº 1 do C.C.
É o que ensina o Prof. Vaz Serra, na anotação citada, onde pode ler-se
"O avalista só pode ter contra o credor cambiário meios pessoais de defesa ( L.U. Art. 17º), entre eles, excepções derivadas da relação causal existente entre eles; desta pode resultar que o avalista possa fazer valor também, excepções que caibam ao devedor principal, por derivarem da sua relação causal com o credor cambiário …”

Do exposto parece poder concluir-se, além do mais, que podem ocorrer, relações imediatas entre o credor cambiário e o avalista.
Vejamos melhor.
Como é sabido, relações imediatas são as que se estabelecem entre sujeitos cambiários imediatos isto é, entre sujeitos que intervieram no título directa e imediatamente, sem intermediação de outros intervenientes, e que, por isso mesmo, estão também ligados pela relação causal ou subjacente às suas posições cautelares.

Ora, no caso dos autos, sabemos que, entre o Banco embargado e a sociedade “ Empresa-B, Lda”, se estabeleceu um contrato de empréstimo, sob a forma de facilidade de crédito, no qual se estipulou também que, a título de caução, a empresa entregaria ao banco uma livrança por si subscrita e avalizada por AA ( o aqui embargante) e BB, livrança essa com o montante e data de vencimento em branco, ficando o lucro autorizado a preenchê-la pelo valor em dívida na facilidade de crédito e a fixar-lhe o vencimento que mais lhe convier, procedendo ao seu desconto, sempre que se verifique qualquer situação de incumprimento das obrigações que lhe competem …( cof. fls 20 e 21, especialmente cláusula 7).

Tal contrato foi outorgado e assinado entre o Banco embargado, como mutuante, a empresa mutuária e os avalistas, estes, nessa expressa qualidade.

Significa esta realidade que, no caso concreto, existe claramente, uma relação causal ou subjacente entre o credor cambiário e os avalistas ( um dos quais o aqui embargante) na qual se estipulou determinado “facto de preenchimento” para a livrança em branco subscrita pela empresa mutuária, facto este que obriga todos os outorgantes, designadamente o Banco embargado e os avalistas.

Estamos, pois, no caso concreto, no plano das relações imediatas, mesmo em relação ao avalista embargante no âmbito dos quais este, como devedor solidário, pode opor ao credor os seus próprios meios pessoais de defesa entre eles a excepção do preenchimento abusivo da livrança avalizada, visto que no plano das relações causais entre eles, o embargado se obrigou ( também) para com os avalistas, a preencher a livrança, nas condições estipuladas na referida cláusula 7.ª do contrato subjacente.

Assim sendo, diferentemente do decidido no acórdão recorrido, pensamos que, no caso concreto, o embargante pode discutir o alegado preenchimento abusivo da livrança exequenda, que avalizou, não obstante a independência da obrigação do avalista em relação à obrigação do avalizado.

2.ª Questão.

Preenchimento abusivo e Prescrição.

Passemos agora a analisar se, na verdade, o banco desrespeitou o dito facto de preenchimento como quer o embargante e se isso implica a prescrição da obrigação cambiária.
Neste plano de discussão, pensamos que não assiste qualquer razão ao recorrente/embargante.
Assenta o embargante a sua argumentação nas cláusulas 2.ª e 3.ª ( cof. fls. 20) do contrato documentado nos autos, pois, tratando-se de um empréstimo a curto prazo, outorgado em 28/7/1992, pelo prazo de” 90 dias, prorrogável automaticamente por igual período de tempo, salvo se qualquer das partes solicitadas por escrito, a sua denúncia, com a antecedência mínima de 30 dias em relação ao termo do prazo fixado” a livrança exequenda devia ter sido preenchida, no máximo, em 28/1/93.
Foi-o, porém, apenas em 15/2/1998, quando a subscritora deixou de pagar os juros convencionados na cláusula 5.ª e 6.ª, o que na óptica do embargante representa um preenchimento abusivo, numa data em que a obrigação cambiária estava já prescrita nos termos dos Art. 77º, 70º e 71º da L.U.

Antes de mais, dir-se-à que a questão de prescrição a que se referem os Art.s 70º e 77º da L.U. jamais pode ser colocada no caso concreto.

A prescrição conta-se a partir da data do vencimento e essa data é a que consta do título e não aquela que, eventualmente, deveria constar de acordo com o facto de preenchimento. A livrança em causa tem a data de vencimento de 15/2/1998, e ao que resulta da sentença que julgou os embargos, a execução deu entrada no tribunal em 24/11/1998, pelo que não tinha ainda decorrido o prazo prescricional que é de 3 anos.
Afinal, em matéria de letras ou livranças em branco, como é o caso, a obrigação cambiária só nasce no momento do preenchimento ( cof. Pinto Coelho) ou pelo menos só nesse momento se torna eficaz.
Não há, pois, prescrição, nem poderia haver.
O que poderia ocorrer era o preenchimento abusivo em relação à data de vencimento, o que, porém, configura uma situação diferente da prescrição:

Todavia, como se irá ver, também não se verifica o alegado preenchimento abusivo.
Repare-se, desde logo, que a cláusula 3.ª do mencionado contrato causal, está longe de ter a clareza pretendida pelo embargante, no sentido de que apenas autoriza uma prorrogação automática do prazo convencionado de 90 dias.
Se é certo que a primeira parte da cláusula poderia comportar esse sentido ( sem o impor) por ter sido redigida no singular ( igual período … em vez de iguais períodos …) aponta para sentido diferente a segunda parte, ao fazer depender, a não renovação automática, da denúncia de qualquer das partes.
Deste modo, a letra da cláusula comporta perfeitamente o sentido da prorrogação sucessiva, a menos que ocorresse denúncia de qualquer das partes, não prejudicando esse, sentido o facto de se falar em curto prazo, pois, parece-nos óbvio que esse curto prazo está referido ao prazo inicial de 90 dias e não as prorrogações, além de que não seria a classificação ou qualificação deficiente ou incorrecta do contrato pelas partes que alteraria a realidade substancial do negócio.
Ora, que foi no sentido da prorrogação sucessiva e automática que as partes interpretaram a cláusula, pensamos que não oferecerá dúvida a ninguém de boa-fé.
Na verdade, que outro sentido poderiam ter dado as partes a essa cláusula quanto é certo que, decorridos os 180 dias a que se refere o recorrente não só a subscritora da livrança não pagou o capital, que lhe foi creditado ao abrigo do contrato subjacente, que, entretanto tinha já levantado, como passou a pagar os juros convencionados para a conta caucionada, o que fez até 15/2/98 ( e não consta que se trate dos juros moratórios a que se refere a cláusula 8ª do contrato – fls 21-), o que tudo foi aceite pelo banco embargado?
E, convém não esquecer, como ao que parece, esqueceu o embargante que ele próprio, foi, até à escritura de 29/9/94, sócio e gerente da empresa Subscritora da livrança em questão, e que, portanto, nessa qualidade, outorgou o contrato subjacente ( o que igualmente fez, a título pessoal, como avalista), que teve de interpretar, passados que foram os mencionados 180 dias que alega terem sido os correspondentes ao prazo máximo do contrato.
O certo é que, decorrido esse prazo, e sendo o embargante o gerente da Subscritora, não se vê que tenha feito seja o que for no sentido de pagar o capital mutuado, como seria até do seu interesse pessoal, dada a sua qualidade de avalista.
O que aconteceu, foi que, enquanto gerente da subscritora, se limitou a pagar os juros convencionados, situação que se foi mantendo, mesmo quando o embargante deixou a gerência e a sociedade, até 15/2/98.
Esta factualidade, sem mais, revela a nosso ver com bastante clareza que o próprio embargante, como o posterior gerente que lhe sucedeu, assim como o banco embargado, interpretaram a mencionada cláusula 3.ª no sentido de que o prazo de 90 dias estipulado no contrato subjacente à emissão da livrança, se prorrogaria automaticamente por iguais e sucessivos períodos de tempo, desde que não denunciado, por escrito, por qualquer das partes.

Assim, diferentemente, do que alega o recorrente, não se trata destes como provada a alteração de uma cláusula de um contrato escrito (aceitando prorrogações de prazo não estipulados) mas sim de interpretar a cláusula 3ª no sentido atrás referido, sentido esse que o texto comporta perfeitamente ( cof. Art. 393º nº 3 do C.C.).

Aliás, tendo sido esse o sentido que todas as partes outorgantes do contrato quiseram dar à dita cláusula 3ª, é esse o sentido com que ela deve ser interpretada ( Art. 236º do C.C.).

Mas independentemente da exposta interpretação, o certo é que existe uma outra cláusula ( 7 ª) que dispõe directamente sobre as condições acordadas para o preenchimento da livrança /caução avalizada pelo embargante.
Constitui essa cláusula, pois, o chamado facto de preenchimento, que, como já vimos obriga todos os outorgantes do contrato subjacente.
Ora, segundo tal cláusula, o banco embargado ficou autorizado a fixar à livrança “o vencimento que mais lhe convier” “procedendo ao seu desconto sempre que se verifique qualquer situação de incumprimento por parte de V.Ex.a, das obrigações que lhes competem …”

Interpretando tal cláusula desde logo se verifica que ao contrário do afirmado pelo embargante, não estava o banco obrigado a preencher e descontar imediatamente a livrança dada em caução, no caso de incumprimento do contrato de empréstimo por parte da Subscritora.
Tal incumprimento era, evidentemente condição necessária para o preenchimento e desconto da livrança, mas estes actos, designadamente a data do vencimento, ficaram por acordo expresso de todos os intervenientes, na livre disposição de embargado, que apoia no título a data de vencimento que mais lhe convier.
Daí que, também por força da dita cláusula 7ª, nunca poderia concluir-se, com a factualidade disponível, ter sido abusivo o preenchimento da livrança em causa, quanto à data de vencimento, por violador do facto de preenchimento, sendo certo que competia ao embargante, que alegou a excepção, o ónus de carrear para o processo, os factos necessários à prova dela.
e
3ª Questão.
Prova da dívida
Alega ainda o embargante que não está provada a dívida representada pela livrança, visto que, segundo o clausulado no contrato de empréstimo, a prova da quantia em dívida teria de fazer-se através de conta corrente, que o banco exequente não juntou aos autos.

Não é assim.
Em primeiro lugar, em parte alguma do contrato de empréstimo subjacente, se estipulou que a dívida só podia provar-se através de conta corrente.
O que se diz, logo na cláusula 2ª (parte final) e é completamente diferente é que “ o extracto da conta emergente do empréstimo será documento bastante para a prova da dívida e da sua movimentação”, o que, evidentemente, não exclui qualquer outro meio de prova de dívida, nem constitui convenção que afaste as regras do ónus da prova.
Em segundo lugar, o banco embargado juntou extractos de conta corrente, como se vê de fls 62, 63 e 64, que são prova bastante, que depositou na conta da subscritora a quantia de 50.000.000$00, e que a mesma foi levantada pela dita beneficiária.
Mais não tinha de provar.
Aliás, o ónus da prova de pagamento (excepção) pertenceria sempre ao embargante.
4ª Questão.

Apresentação a pagamento.
Finalmente alega o embargante, embora em termos pouco precisos que a livrança não foi apresentada a pagamento, daí que não poderia tê-la pago ao inteirar-se do valor da dívida.
Não sendo certo que se pretendeu levantar a questão da caducidade de direitos por falta de protesto ou de apresentação a pagamento, trataremos sumariamente a questão.

Como está demonstrado o embargante deu o seu aval à subscritora da livrança ora em execução, respondendo por isso, da mesma forma que a pessoa afiançada ( Art. 77º e 32º da L.U.).
Por sua vez, o subscritor de uma livrança é responsável da mesma forma que o aceitante de uma letra (Art. 78º da L.U.) o que significa que é o devedor principal e não uma obrigação de regresso.
Portanto, o avalista, respondendo nos mesmos termos que o Subscritor, também não é um obrigado de regresso.
Assim, embora a lei imponha ao portador o dever de apresentar o título a pagamento e ao protesto por falta de pagamento, sob pena de caducidade dos seus direitos contra as garantes, essa caducidade não se aplica ao aceitante (devedor principal, em relação ao qual o portador tem, não acção de regresso, mas acção directa), como expressamente declara o Art. 53º da L.U.
E assim, se é dispensada a apresentação a pagamento e o protesto quanto ao subscritor de uma livrança, equiparado ao aceitante, da mesma forma é dispensada aquela apresentação e protesto em relação ao avalista do subscritor, visto que responde nos mesmos termos que ele.
É, pois, irrelevante a falta de apresentação a pagamento ou a protesto, no caso concreto.

e
Improcedem, pois, embora por razões algo diferentes das expostas no douto acórdão recorrido, todas as conclusões.

Decisão.

- Termos em que acordam em negar revista.
- Custas pelo recorrente.

Lisboa, 30 de Setembro de 2003
Moreira Alves
Alves Velho
Moreira Camilo